Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06539/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/04/2013
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMI. NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA. AVALIAÇÃO. AUDIÊNCIA PRÉVIA. PEDIDO DE NÃO SUJEIÇÃO A IMI. ART. 9º Nº 1 AL. D) DO CIMI.
Sumário:I) Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) O Tribunal deixou de exercer os seus poderes de pronúncia por não ter apreciado uma questão submetida à sua apreciação, o que significa que, neste segmento, a sentença é nula, sendo que quanto às consequências da nulidade, e por referência ao art. 715º nº 1 do C. Proc. Civil, cabe notar que se trata de uma nulidade parcial, pois que, no mais, a decisão recorrida ponderou e decidiu em conformidade com o pedido e causa de pedir formulada, de modo que, por estarem em causa bens diferenciados, o segmento decisório ferido de nulidade tem suficiente autonomia que permite declarar a nulidade parcial da sentença, mantendo-se incólume a parte restante, não estando em causa a eficácia da sentença na parte não afectada pela nulidade, o que permite a apreciação da matéria que foi omitida, decretando-se a nulidade parcial da sentença com referência à descrita omissão, o que impõe, desde já, porque os autos contém os elementos necessários para o efeito, a análise da questão que ficou por apreciar, entrando-se depois na análise dos fundamentos do recurso.
III) O procedimento de avaliação regulado nos arts. 14º e segs e 71º e segs do CIMI, aprovado pelo art. 2º do D.L. nº 287/2003, de 12 de Novembro, situação que encontra expressão na avaliação do imóvel em apreço, sendo que do resultado desta avaliação poderia o contribuinte requerer uma segunda avaliação, para a qual tinha o direito de nomear um perito ou de comparecer ele próprio, nos termos do disposto nos art.ºs 74.º e 75.º do mesmo CIMI, sendo esta a forma específica do direito de participação do contribuinte na futura liquidação do IMI, que como se sabe, determinado que se encontre o VPT, que é a matéria que pode envolver interesses conflituantes entre a AT e o contribuinte e logo o direito de este puder intervir de forma activa na definição desse valor, desta forma bem se alcançando a sua participação nesse procedimento, já a liquidação corresponde a uma simples operação aritmética de multiplicação da taxa fixado para o período de tributação em causa pelo referido VPT para encontrar o valor do IMI devido nesse contexto, de modo que, no caso, não discutindo o contribuinte o resultado dessa avaliação, com ela se conformando e não havendo notícia de ter requerido a segunda, nenhuma norma do CIMI dispõe, que neste caso, mesmo obstante esta concordância quanto ao valor do imóvel (onde se situa a mais potencial zona de conflito entre o contribuinte e o Fisco), tenha de ser remetido ao mesmo, um projecto de decisão com a futura liquidação correspondente, possivelmente porque neste caso, em termos substantivos, esta liquidação assente em valor do prédio com que o contribuinte se conformou ou aceitou.
IV) O procedimento de liquidação e o procedimento relativo ao pedido de não sujeição ao IMI são autónomos entre si, não dependem um do outro, nem um origina a suspensão do outro, sendo que não existe qualquer norma legal que confira efeito suspensivo ao requerimento apresentado pela ora Recorrente no que concerne à não sujeição de IMI, verificando-se que o CIMI, tal como se aponta na sentença posta em crise, apenas prevê a suspensão da liquidação nos casos descritos no art. 118º desse diploma, e que não contempla a situação descrita nos autos, além de que, quanto ao princípio da segurança jurídica derivado do art. 2º da Constituição da República Portuguesa, não se vislumbra de que forma a situação em apreço coloca em crise tal princípio, pois que, o êxito da Recorrente na sua pretensão de não sujeição a IMI determinará a anulação da liquidação em causa, com as legais consequências, ou seja, a situação anterior será reconstituída, não existindo assim qualquer situação irreversível susceptível de viabilizar a construção da Recorrente.
V) Não emergindo do objecto social da ora Recorrente a definição de uma realidade capaz de preencher a situação descrita na norma em apreço e afastando-se a indicação fornecida pela própria Recorrente à AT neste âmbito de tal elemento e não constando dos autos elementos susceptíveis de ultrapassar tal matéria, em termos de habilitar o Tribunal a dar esse passo no sentido de afirmar de forma diferente a situação relativa à actividade da Recorrente, tem de aceitar-se a conclusão de que não é aplicável à ora Recorrente a situação da al. d), do nº 1, do artº 9º, do CIMI.
*
O Relator
Pedro Vergueiro
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. RELATÓRIO
“A...A...- Gestão e Investimentos Turísticos, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 16-05-2012, que julgou improcedente a pretensão deduzida pela mesma no âmbito da presente IMPUGNAÇÃO, tendo como pano de fundo a liquidação 2007 4414644003 de IMI relativa ao exercício económico de 2007, no valor de € 75.831,84.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 101-111) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“ (…)
1. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a falta de notificação da Recorrente para exercer o direito de audição, nos termos da a) do n.º 1 do art. 60º da LGT, antes de ser notificada da liquidação impugnada.
2. A sentença é nula nos termos do art. 125º do CPPT porquanto não se pronunciou sobre todas as questões que a Recorrente tinha submetido à sua apreciação. Sem prescindir,
3. A liquidação emitida em 26/09/2008, foi extemporânea porquanto a resposta ao pedido de isenção do IMI foi elaborada posteriormente.
4. O Tribunal a quo ao decidir que “o procedimento de liquidação e o procedimento do pedido de não sujeição ao IMI são autónomos entre si”, viola o princípio da segurança jurídica derivado do art. 2º da Constituição da República Portuguesa. Sem prescindir,
5. Formalmente e substantivamente o terreno destina-se a construção, a Recorrente exerce a actividade de promoção imobiliária, tendo inscrito o terreno na rubrica do Activo referente a terrenos destinados a construção para venda.
6. O terreno objecto de liquidação foi inscrito no Balanço da Impugnante como “terreno destinado a construção para venda”.
7. No âmbito do conceito de promoção de empreendimentos turísticos ou prédios inclui-se a construção para venda.
8. O facto de parte do âmbito do conceito de promoção, em particular a “construção para venda”, não estar incluído ipsis verbis no objecto social da sociedade constante da certidão do registo comercial, ou no CAE (forma), não significa que substantivamente o objecto da impugnante não seja esse.
9. Deve dar-se prevalência à substância, sobre a forma, conforme Art.º 11º, n.º 3, da LGT.
10. Conforme declarou o Supremo Tribunal Administrativo (in www.dgsi.pt, Processo n.º 0873/08, Acórdão de 04/02/09) “O registo contabilístico não é o único e exclusivo factor legalmente relevante (artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e e) do CIMI) para se poder concluir se os terrenos se destinam ou não para construção, antes se definindo como mero elemento indiciador, formal, para esse efeito, a considerar pelo Julgador com os demais elementos de facto”.
11. A sentença recorrida não teve em consideração que, também no caso “em que um prédio tenha passado a figurar no activo circulante de uma empresa que tenha por objecto a sua venda”, a lei contempla uma não sujeição temporária a IMI, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 9.º do CIMI.
12. A recorrente está isenta do pagamento do IMI, violando a sentença recorrida a al. d) do n.º 1 do art. 9º do CIMI.
Nestes termos e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e substituída por outra que julgue preenchido o condicionalismo legalmente imposto para que a Recorrente possa beneficiar da hipótese fáctica constante da al. d) do n.º 1 do art. 9º do CIMI,
Assim se fazendo JUSTIÇA”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, que resumem-se, em suma, em analisar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a matéria da extemporaneidade da liquidação e bem assim apreciar a reclamada suspensão da tributação em sede de IMI com referência ao imóvel descrito nos autos.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) A sociedade A...A...- Gestão e Investimentos Turísticos, S.A. está colectada pelo exercício da actividade de “compra e venda de bens imobiliários” com o CAE 68100 (cfr. fls. 11 do processo administrativo);
B) O objecto social da Impugnante é a “promoção, coordenação de empreendimentos turísticos, promoção, compra de prédios rústicos ou urbanos para revenda, avaliação de imóveis” (cfr. fls. 42 do processo administrativo);
C) Em 02/02/2007 a Impugnante celebrou contrato de compra e venda do prédio rústico denominado “vale verde”, sito na freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 07773, inscrito na matriz sob o n.º 6587 e do prédio rústico denominado “vale verde”, sito na freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 07273, inscrito na matriz sob o n.º 6588 (cfr. fls. 32 a 38 do processo administrativo);
D) Por despacho de 12/9/2007, os prédios rústicos supra referidos foram emparcelados, dando origem ao prédio rústico com o artigo matricial nº 6830 da freguesia de Almancil (cfr. fls. 10 dos autos e por acordo);
E) Em 20/11/2007 foi emitido pela Câmara Municipal de Loulé o alvará de loteamento de obras de construção n.º 941/2007 em nome da Impugnante (cfr. fls. 29 do processo administrativo);
F) Em 15/01/2008 participou ao Serviço de Finanças de Loulé como prédio novo, o lote de terreno, licenciado pelo alvará de construção n.º 941/2007, resultando um prédio urbano com o artigo matricial n.º 12616, proveniente do referido rústico n.º 6830 (cfr. fls. 18 do processo administrativo);
G) Em 15/01/2008 a Impugnante enviou ao Serviço Finanças de Loulé 2, um requerimento de não sujeição a IMI para os lotes de terreno descritos na alínea C) (cfr. fls. 27 do processo administrativo);
H) Em 26/09/2008 foi emitida a liquidação n.º 2007 441464803, de IMI, relativa ao ano de exercício económico de 2007 (cfr. fls. 7 dos autos);
I) A Impugnante recebeu a liquidação referida na alínea anterior em 08/10/2008 (cfr. fls. 7 dos autos);
J) Em 05/12/2008, o T.A.T.A. do Serviço de Finanças de Loulé 1, elaborou a informação n.º 31/2008, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…)
6 - Por consulta ao sistema informática, designadamente o registo de contribuintes, verifiquei que a requerente não se encontra colectada pela actividade de construção de edifícios para venda.
7 - Assim, não reúne os pressupostos exigidos na al. d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI, pelo que, parece-me que a petição em apreço poderá ser indeferida, notificando-se o contribuinte para exercer o direito de audição. (…)” (cfr. fls. 51 do processo administrativo);
K) Em 05/12/2008, o Adjunto em regime de substituição do Chefe de Finanças, veio proferir o seguinte despacho “Concordo, acrescendo informar que a unidade de construção de edifícios para venda não consta do objecto social da empresa, conforme resulta da cópia dos estatutos juntos aos autos.” (cfr. fls. 50 do processo administrativo);
L) Por oficio nº 6620 de 15/12/2008 o Serviço de Finanças de Loulé informou a Impugnante do seguinte “(...) para, querendo e no prazo de 10 dias a contar da data a assinatura do aviso de recepção, usar do direito de audição prévia relativamente ao projecto de despacho proferido nos autos (...)“ (cfr. fls. 52 do processo administrativo);
M) Em 25/02/2009 o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Loulé 1 elaborou informação, onde consta, designadamente “(...) 8 - A impugnante não exerceu o direito de audição. Remetam-se os autos ao Exm.º Senhor Director de Finanças.” (cfr. fls. 58 do processo administrativo);
N) Os lotes de terreno identificados na alínea C) estão contabilizados no activo circulante da empresa com destino a construção (cfr. fls. 27 do processo administrativo e por acordo.
Fundamentação do julgamento:
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se se na documentação junta com os articulados, no processo administrativo junto aos autos e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência contraditória.
A testemunha, B..., em suma, referiu que é a empresa promotora imobiliária, adjudica a empreitada à empresa do grupo que faz a construção dos imóveis e que tem certificado para isso que é a “A...- Sociedade de construção” e neste caso, foi o que aconteceu.
No pedido de isenção apresentado em 15 de Janeiro de 2008, estava evidenciada a inscrição no activo o prédio como destinado a construção no Balanço da Impugnante.
O objecto da sociedade é a promoção imobiliária, hoteleira, prestação de serviços. A empresa está a construir para venda, mas não é uma empresa de construção civil, mas sim, promotora imobiliária. Adjudicou a construção e depois promove a sua venda.
III-2. Factualidade não provada:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”
3.1 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, a Recorrente aponta que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a falta de notificação da Recorrente para exercer o direito de audição, nos termos da a) do n.º 1 do art. 60º da LGT, antes de ser notificada da liquidação impugnada, sendo que a sentença é nula nos termos do art. 125º do CPPT porquanto não se pronunciou sobre todas as questões que a Recorrente tinha submetido à sua apreciação.
Segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
A partir daqui, lida a sentença, é óbvio que a Recorrente tem razão em relação à invocação da nulidade por omissão de pronúncia, pois que, embora tenha sido suscitada nos autos a questão do cumprimento do direito de audição antes da liquidação dos impostos e acrescidos, alínea a) do nº 1 do art. 60º da LGT, o Tribunal acabou por olvidar completamente tal questão.
Assim sendo, o tribunal deixou de exercer os seus poderes de pronúncia por não ter apreciado uma questão submetida à sua apreciação, o que significa que, neste segmento, a sentença é nula.
Quanto às consequências da nulidade, e por referência ao art. 715º nº 1 do C. Proc. Civil, cabe notar que se trata de uma nulidade parcial, pois que, no mais, a decisão recorrida ponderou e decidiu em conformidade com o pedido e causa de pedir formulada, de modo que, por estarem em causa bens diferenciados, o segmento decisório ferido de nulidade tem suficiente autonomia que permite declarar a nulidade parcial da sentença, mantendo-se incólume a parte restante, não estando em causa a eficácia da sentença na parte não afectada pela nulidade, o que permite a apreciação da matéria que foi omitida, decretando-se a nulidade parcial da sentença com referência à descrita omissão, o que impõe, desde já, porque os autos contém os elementos necessários para o efeito, a análise da questão que ficou por apreciar, entrando-se depois na análise dos fundamentos do recurso.
Nesta matéria, é sabido que:
a. Na sequência do facto id. em F), foi realizada em 03-04-2008 a avaliação do imóvel em apreço, tendo sido fixado o VPT de 18.957.960,00 (Ficha nº 2056398) (fls. 22-23 do PAT).
Pois bem, neste domínio, é sabido que o direito de audição consagrado nas normas dos art.ºs 267.º n.º5 da CRP e 60.º da LGT, confere aos contribuintes o direito a serem ouvidos e a pronunciarem-se nos procedimentos que lhes digam respeito, antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados do sentido dela, sendo que, por força daquela norma constitucional, é o mesmo exercido de acordo com a regulamentação da lei ordinária.
Nesta sequência, a norma do art. 60º da LGT dispõe sobre as formas dessa participação, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, ou seja, é a própria LGT, ela própria, que igualmente dá relevo a outras formas de participação dos contribuintes nas decisões que lhes digam respeito, de acordo com os vários procedimentos tributários específicos, que neste caso são os directamente aplicáveis, em bloco ou globalmente, que não o regime da mesma LGT, ainda que por remissão expressa desta.
Entende-se que se encontra neste âmbito o procedimento de avaliação regulado nos arts. 14º e segs e 71º e segs do CIMI, aprovado pelo art. 2º do D.L. nº 287/2003, de 12 de Novembro, situação que encontra expressão na avaliação do imóvel em apreço, sendo que do resultado desta avaliação poderia o contribuinte requerer uma segunda avaliação, para a qual tinha o direito de nomear um perito ou de comparecer ele próprio, nos termos do disposto nos art.ºs 74.º e 75.º do mesmo CIMI, sendo esta a forma específica do direito de participação do contribuinte na futura liquidação do IMI, que como se sabe, determinado que se encontre o VPT, que é a matéria que pode envolver interesses conflituantes entre a AT e o contribuinte e logo o direito de este puder intervir de forma activa na definição desse valor, desta forma bem se alcançando a sua participação nesse procedimento, já a liquidação corresponde a uma simples operação aritmética de multiplicação da taxa fixado para o período de tributação em causa pelo referido VPT para encontrar o valor do IMI devido nesse contexto.
No caso, não discutindo o contribuinte o resultado dessa avaliação, com ela se conformando e não havendo notícia de ter requerido a segunda, nenhuma norma do CIMI dispõe, que neste caso, mesmo obstante esta concordância quanto ao valor do imóvel (onde se situa a mais potencial zona de conflito entre o contribuinte e o Fisco), tenha de ser remetido ao mesmo, um projecto de decisão com a futura liquidação correspondente, possivelmente porque neste caso, em termos substantivos, esta liquidação assente em valor do prédio com que o contribuinte se conformou ou aceitou.
Ora, o art. 60º nº 2 da LGT visa evitar que a audição se transforme num momento procedimental que não tenha qualquer sentido racional na perspectiva da utilidade para a formação da decisão ou deliberação tributárias. Um momento de simples decoração do procedimento, que nenhum valor substancial justifica e antes é arredado pelos princípios gerais da utilidade racional dos actos jurídicos, da celeridade, da simplicidade e da eficiência do procedimento.
E seria o que aconteceria no presente caso, em que o valor patrimonial do imóvel sobre que incidiu a liquidação apurado por efeito da avaliação, situação que o contribuinte aceitou, sem ter requerido uma 2ª avaliação, pelo que mesmo à luz das normas da própria LGT, sempre essa audição seria dispensável, não podendo proceder a questão suscitada pela Impugnante neste domínio.

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da matéria em discussão nos autos, tendo presente que a Recorrente começa por apontar que a liquidação emitida em 26/09/2008, foi extemporânea porquanto a resposta ao pedido de isenção do IMI foi elaborada posteriormente, sendo que o Tribunal a quo ao decidir que “o procedimento de liquidação e o procedimento do pedido de não sujeição ao IMI são autónomos entre si”, viola o princípio da segurança jurídica derivado do art. 2º da Constituição da República Portuguesa.
Neste ponto, o probatório informa que:
G) Em 15/01/2008 a Impugnante enviou ao Serviço Finanças de Loulé 2, um requerimento de não sujeição a IMI para os lotes de terreno descritos na alínea C) (cfr. fls. 27 do processo administrativo);
H) Em 26/09/2008 foi emitida a liquidação n.º 2007 441464803, de IMI, relativa ao ano de exercício económico de 2007 (cfr. fls. 7 dos autos);
I) A Impugnante recebeu a liquidação referida na alínea anterior em 08/10/2008 (cfr. fls. 7 dos autos);
J) Em 05/12/2008, o T.A.T.A. do Serviço de Finanças de Loulé 1, elaborou a informação n.º 31/2008, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…)
6 - Por consulta ao sistema informática, designadamente o registo de contribuintes, verifiquei que a requerente não se encontra colectada pela actividade de construção de edifícios para venda.
7 - Assim, não reúne os pressupostos exigidos na al. d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI, pelo que, parece-me que a petição em apreço poderá ser indeferida, notificando-se o contribuinte para exercer o direito de audição. (…)” (cfr. fls. 51 do processo administrativo);
K) Em 05/12/2008, o Adjunto em regime de substituição do Chefe de Finanças, veio proferir o seguinte despacho “Concordo, acrescendo informar que a unidade de construção de edifícios para venda não consta do objecto social da empresa, conforme resulta da cópia dos estatutos juntos aos autos.” (cfr. fls. 50 do processo administrativo);
L) Por oficio nº 6620 de 15/12/2008 o Serviço de Finanças de Loulé informou a Impugnante do seguinte “(...) para, querendo e no prazo de 10 dias a contar da data a assinatura do aviso de recepção, usar do direito de audição prévia relativamente ao projecto de despacho proferido nos autos (...)“ (cfr. fls. 52 do processo administrativo);
M) Em 25/02/2009 o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Loulé 1 elaborou informação, onde consta, designadamente “(...) 8 - A impugnante não exerceu o direito de audição. Remetam-se os autos ao Exm.º Senhor Director de Finanças.” (cfr. fls. 58 do processo administrativo).
Ora, nesta matéria, a tese da Recorrente não tem qualquer virtualidade, dado que, como bem se refere na decisão recorrida, o procedimento de liquidação e o procedimento relativo ao pedido de não sujeição ao IMI são autónomos entre si, não dependem um do outro, nem um origina a suspensão do outro.
Com efeito, não existe qualquer norma legal que confira efeito suspensivo ao requerimento apresentado pela ora Recorrente no que concerne à não sujeição de IMI, verificando-se que o CIMI, tal como se aponta na sentença posta em crise, apenas prevê a suspensão da liquidação nos casos descritos no art. 118º desse diploma, e que não contempla a situação descrita nos autos.
Por outro lado, quanto ao princípio da segurança jurídica derivado do art. 2º da Constituição da República Portuguesa, não se vislumbra de que forma a situação em apreço coloca em crise tal princípio, pois que, o êxito da Recorrente na sua pretensão de não sujeição a IMI determinará a anulação da liquidação em causa, com as legais consequências, ou seja, a situação anterior será reconstituída, não existindo assim qualquer situação irreversível susceptível de viabilizar a construção da Recorrente.

A Recorrente refere depois que formalmente e substantivamente o terreno destina-se a construção, a Recorrente exerce a actividade de promoção imobiliária, tendo inscrito o terreno na rubrica do Activo referente a terrenos destinados a construção para venda, sendo que o terreno objecto de liquidação foi inscrito no Balanço da Impugnante como “terreno destinado a construção para venda” e no âmbito do conceito de promoção de empreendimentos turísticos ou prédios inclui-se a construção para venda, de modo que, o facto de parte do âmbito do conceito de promoção, em particular a “construção para venda”, não estar incluído ipsis verbis no objecto social da sociedade constante da certidão do registo comercial, ou no CAE (forma), não significa que substantivamente o objecto da impugnante não seja esse, sendo que deve dar-se prevalência à substância, sobre a forma, conforme Art.º 11º, n.º 3, da LGT.
Que dizer?
Na sentença recorrida, ponderou-se que:
“…
Ora, decorre da factualidade provada que a Impugnante tem como objecto, não a construção de prédios para venda, mas a “promoção, coordenação de empreendimentos turísticos, promoção, compra de prédios rústicos ou urbanos para revenda, avaliação de imóveis”.
Além disso, resultou do depoimento da testemunha que o objecto social da Impugnante é a promoção, a compra e venda de imóveis e que quando o que se pretende é construir, é feita a adjudicação da empreitada à “A...- Sociedade de Construção, restringindo-se a actividade da Impugnante à “promoção imobiliária, hoteleira e de prestação de serviços”. A A...– Sociedade de Construção, constrói no terreno adquirido pela Impugnante e depois esta promove a venda do imóvel.
Assim sendo, não logrou a Impugnante demonstrar que o seu objecto social é a construção para venda, pelo que não estão reunidos os pressupostos da al. d) do nº 1 do art. 9º do CIMI invocado pela mesma como fundamento para a anulação da liquidação em causa. …”.
Vejamos as disposições legais cm interesse neste domínio:
Art°8°doCIMI:
“1 - O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar.
(...)“.
Artº 9º nº 1, al d), do CIMI:
“1 - O imposto é devido a partir:
(…)
d) Do quarto ano seguinte, inclusive, àquele em que o terreno para construção tenha passado a figurar no activo de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda;
(…).
Tal significa que o único elemento em discussão prende-se com a natureza da actividade desenvolvida pela ora Recorrente, sublinhando-se o seu esforço em tentar evidenciar junto deste Tribunal a existência de vários elementos que suportam a tese por si defendida no sentido de que reúne os requisitos para beneficiar da aplicação da norma acima descrita.
Ora, neste contexto, temos que o objecto social da Impugnante é a “promoção, coordenação de empreendimentos turísticos, promoção, compra de prédios rústicos ou urbanos para revenda, avaliação de imóveis” (cfr. fls. 42 do processo administrativo).
Por outro lado, a sociedade A...A...- Gestão e Investimentos Turísticos, S.A. está colectada pelo exercício da actividade de “compra e venda de bens imobiliários” com o CAE 68100 (cfr. fls. 11 do processo administrativo).
Nesta medida, a própria Recorrente recortou a sua linha de actividade, não podendo ignorar a distinção entre o exercício de actividades imobiliárias e de construção em termos de definir o alcance que pretendia atribuir à sua actividade.
Por outro lado, importa notar que a Classificação das Actividades Económicas (vulgo CAE) é uma forma de classificar as diversas actividades económicas exercidas pelas sociedades humanas, sendo que a promoção imobiliária consiste em desenvolver com carácter permanente programas imobiliários, assumindo os promotores quer o risco financeiro, quer as responsabilidade das operações necessárias à sua execução. A promoção imobiliária consubstancia a reunião dos meios jurídicos, financeiros e técnicos a fim de construir os edifícios ou de implementar nos terrenos as infra-estrutura com vista à venda. Os promotores podem intervir quer como donos das obras quer como prestadores de serviços.
Nesta linha de análise, não se colhe da exposição da Recorrente elementos capazes de permitirem uma leitura diferente da realidade, quando tenta integrar os conceitos de forma diversa, até pela postura adoptada ao nível do enquadramento da sua própria actividade.
Por outro lado, os elementos relacionados com a aquisição do imóvel, a integração do mesmo e pretensa actividade da Recorrente não despertam no julgador a convicção de que se impõe uma leitura diferente da matéria em apreço, não podendo deixar de sublinhar-se a pobreza probatória que envolve os presentes autos no que concerne à demonstração da tal evidência relativa ao facto de a ora Recorrente ter como actividades quer a construção quer a venda de imóveis.
Com efeito, é de notar que a instrução do processo só foi concluída em 2011, ou seja, decorreu tempo mais do que suficiente para as actividades reclamadas pela ora Recorrente terem uma expressão capaz de permitir ao Tribunal fazer uma outra leitura da matéria, através da junção dos autos de prova documental capaz de evidenciar de forma clara o tipo de actividade desenvolvida pela Recorrente, não podendo subsumir-se todo o suporte da pretensão da mesma a um depoimento que ao definir as actividades do Grupo até afasta a Recorrente da actividade que aqui interessa, embora faça depois uma referência a construção para venda.
Com efeito, uma sociedade que constrói para venda, e relativamente a todo o processo de construção tem de ter toda a facilidade em documentar esse tipo de actividade, situação que a Recorrente em nenhum momento esteve sequer em condições de esboçar.
Assim sendo, tem de aceitar-se a conclusão da decisão recorrida no sentido de que não é aplicável à ora Recorrente a situação da al. d), do nº 1, do artº 9º, do CIMI, impondo-se a manutenção da decisão recorrida.
Efectivamente, não emergindo do objecto social da ora Recorrente a definição de uma realidade capaz de preencher a situação descrita na norma em apreço e afastando-se a indicação fornecida pela própria Recorrente à AT neste âmbito de tal elemento e não constando dos autos elementos susceptíveis de ultrapassar tal matéria, em termos de habilitar o Tribunal a dar esse passo no sentido de afirmar de forma diferente a situação relativa à actividade da Recorrente, tem de improceder o presente recurso nesta parte.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso e, nesta medida:
a) declarar nula a decisão na parte em que não apreciou a apontada falta de notificação da Recorrente para exercer o direito de audição, nos termos da a) do n.º 1 do art. 60º da LGT e, em substituição, julgar improcedente a presente impugnação neste domínio.
b) no mais, negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 04 de Junho de 2013

PEDRO VERGUEIRO
ANÍBAL FERRAZ
JORGE CORTÊS