Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:309/06.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC;
AMORTIZAÇÃO FISCAL DE IMÓVEIS EM USUFRUTO;
INDISPENSABILIDADE.
Sumário:1. No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2009), está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos.
2. No mesmo entendimento, um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios.
3. Não pode concluir-se que a celebração de um negócio entre os sócios e a sociedade pelo qual esta se obriga a construir em terreno daqueles um armazém de é usufrutuária por 10 anos com a finalidade de o afectar à sua actividade corresponda à prossecução de um interesse alheio (o dos sócios) e não a um genuíno interesse empresarial.
4. Como assim, a amortização anual da construção, registada no imobilizado corpóreo da sociedade impugnante deve ser reconhecido como custo dedutível, dessa forma permitindo à sociedade a recuperação do capital investido na construção do armazém.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação deduzida por L…………, LDA., contra o indeferimento da reclamação graciosa que teve por objecto a liquidação de IRC ……… relativa ao ano de 2000 no montante total de 43.985,72 Euros, incluindo juros compensatórios.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«

I) Entendeu a douta sentença recorrida, na sequência do enquadramento que fez sobre a dedutibilidade dos gastos previstos no art. 23° do CIRC, que os as amortizações anuais do custo da obra são gastos indispensáveis e, como tal, dedutiveis à luz do regime supra

II) Suportou o sentido da sua decisão no facto de na redação do art. 23°, do CIRC não se fazer alusão à questão da propriedade para efeitos da sua dedução porquanto resulta claro que os custos que a impugnante teve com a construção do armazém onde labora são indispensáveis para a realização dos proveitos e para a existência da própria sociedade com vista à realização do seu objeto social

III) E na circunstância de que, inexistindo no ativo fixo da impugnante imóvel suscetível de dar satisfação às necessidades de armazenamento dos materiais que comercializa - a necessidade imporia sempre incorrer em custos de arrendamento ou igual natureza em princípio também eles dedutíveis para efeitos fiscais neste particular.

IV) Afirmar que o art. 23°, do CIRC não faz alusão à propriedade para justificar a dedução dos custos é um argumento manifestamente inócuo tendo em conta que este regime não estabelece um principio de tipicidade. Tudo está em apurar de que modo esse mesmo gasto é dedutível por via da influência que o direito de propriedade tem ou pode ter na noção de indispensabilidade.

V) Não está cuidar de saber se a propriedade tem de estar contemplada no corpo do artigo para que daí possamos concluir tratar-se de um gasto dedutível.

VI) Os SIT viram esta questão na ótica simétrica, ou seja, precisamente porque inexiste no ativo da impugnante um local de armazenagem dos materiais que imponha necessariamente o suportar custos de arrendamento não se vislumbra motivo porque haveria de incorrer em custos manifestamente dispensáveis com a construção de um armazém, se essa mesma necessidade poderia ser assegurada por via do arrendamento.

VII) Isto remete-nos para os verdadeiros motivos que estão na base desta opção, os quais nada têm que ver com a indispensabilidade do gasto com a construção do armazém o qual podia ter sido assegurado de outra forma sem afrontar a indispensabilidade tal como vem prevista no art. 23º, do CIRC, mas com o objetivo de, mediante o abuso das formas, fazer da empresa impugnante uma entidade que financiou os seus sócios mediante o pagamento das despesas de construção do imóvel de que os mesmos são os seus proprietários, os quais viram transferido para o seu património pessoal um edifício cujas obras foram pagas integralmente pela Impugnante, no que constitui uma forma de adiantamento por conta de lucros (arts. 6°, nº 4 e 5°, nº 2, alinea h), ambos do CIRS, tendo esta ainda beneficiado dos custos de amortização sobre um bem imóvel que não faz parte do seu ativo imobilizado.

VIII) A douta sentença enferma, assim, de erro de julgamento quanto à valoração que deu aos factos e ao direito face à prova produzida, à luz do art. 23°, do CIRC, impondo-se a sua revogação e a prolação de acórdão que julgando procedente o presente recurso confirme a legalidade das correções em causa, e determine a baixa dos autos para apreciação dos eventuais vicias formais ainda não apreciados.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso, revogada a douta sentença recorrida confirmando-se a legalidade das correções em causa, e ordenada a baixa à primeira instância para apreciação dos eventuais vícios formais não apreciados, como é de Direito e Justiça.».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista à Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta que emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a resolver e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão nuclear que importa decidir reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pelo reconhecimento fiscal dos custos contabilizados pela impugnante com a amortização de imóveis em usufruto.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado, tendo-se renumerado de 1 a 12 os ali identificados pontos a) a l):
«

Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:

1) A Impugnante tem como objecto social a “actividade de importação exportação e vendas por grosso de produtos alimentares, higiene, limpeza, beleza, utilidades domésticas, artigos escolares e de ferragens” a que corresponde o CAE 51390 (cfr. fls. 86 do PAT);
2) A Impugnante é sujeito passivo de IRC, Regime Geral, por força alínea a) n.º1 e art.º2 do CIRC (cfr. fls. 87 do PAT)
3) A 31/05/2001 a impugnante entregou declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, relativo ao exercício de 2000, com um lucro tributável de 359.876,35 euros (cfr. fls.87 do PAT);
4) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 23 493 de 29.10.2002, Cód. PNAIT 22104, foi efectuada uma acção de inspecção à Impugnante quanto ao exercício de 2000 (cfr. fls. 82 do PAT)
5) Na sequência da acção de fiscalização a que se reporta a alínea anterior do probatório foi elaborado Relatório de Inspecção Tributária no qual pode ler-se o seguinte (cfr. fls. 99 a 102 do PAT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):


«imagem no original»






6) A 08/11/2004, com base na correcção efectuada a que se refere a alínea anterior do probatório, foi emitida liquidação adicional de IRS n……………, no montante total para pagamento de 43.985,73 euros, com data limite de pagamento voluntário a 15/12/2004 (cfr. fls. 30 do processo de reclamação graciosa em apenso);
7) A 11/03/2005, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra liquidação identificada na alínea anterior do probatório (cfr. fls. 2 do processo de reclamação graciosa apenso);
8) A 24/02/2006, a reclamação graciosa a que se reporta a alínea anterior do probatório foi indeferida (cfr. fls. 236 do processo de reclamação graciosa apenso);

9) O prédio sito na Rua…………. , Moinhos da Funcheria está afecto à actividade da Impugnante (cfr. depoimento da testemunha A...........);
10) A 15/03/2006, deu entrada no Serviço de Finanças Amadora - 1 a petição inicial que originou os presentes autos (cfr. carimbo aposto a fls. 3 dos autos);
11) Por documento, com data de 31 de Março de 1998, foi celebrado entre S........... e a aqui impugnante, representada pelo seu sócio G.......... um denominado “Contrato Promessa Permuta e Usufruto”, com o seguinte clausulado (cfr. fls. 41 e 45 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):




“O primeiro contraente é proprietário de um terreno para construção, sito na Rua
2ª Entretanto, o primeiro contraente mandou elaborar um projecto de construção que se encontra já licenciado pela Câmara Municipal de Amadora e que constitui o processo n." 159-PO/94, tendo prevista a construção de um edifício com dois pisos, composto de cave e rés-do-chão, destinado a armazém para "cash and carry",
3ª Por força deste contrato, a segunda contraente com o acordo do primeiro contraente, obriga-se a realizar, por si ou por interposta pessoa, a construção aprovada para o supracitado terreno, de acordo com o projecto aprovado e livre de ónus e encargos.
4ª Todos os custos de construção, neles se incluindo, para além das despesas de construção propriamente ditas, todas as outras com ela relacionadas, nomeadamente taxas, licenças e registos, eventualmente mais-valias camarárias ou fiscais, sob o terreno, se as houver, serão por conta da segunda outorgante.
5.ª A construção será efectuada com materiais de boa qualidade, em conformidade com o projecto e o caderno de encargos produzido.

6.ª Pelo presente contrato, o primeiro contraente promete permutar com a segunda contraente, o identificado terreno com o projecto aprovado, desocupado e livre de ónus e encargos, recebendo daquela, a construção já edificada no mencionado terreno.
7.ª Como contrapartida da prestação realizada pela segunda contraente, o primeiro contraente, constitui por um prazo de dez anos, a contar de 1 de Janeiro de 1999, um usufruto que aquela irá gozar neste período, a partir de então plenamente, de forma gratuita.
8.ª Ambas as partes estabelecem, que findo o prazo estabelecido na cláusula anterior, os bens permutados e atrás identificados, se equivalem em termos de valor e preço, computada para o efeito a respectiva inflação.
9.ª A segunda contraente, fica, desde já autorizada, a entrar na posse do terreno supra identificado, para nele edificar ou mandar edificar o projectado edifício, obrigando-se o primeiro contraente a assinar todos os documentos necessários á viabilização da construção.
10.ª A segunda contraente compromete-se a envidar todos os esforços, no sentido de concluir A construção com a máxima brevidade, obrigando-se ao cumprimento integral, diligente e de boa fé, de todos os actos e trâmites necessários á conclusão da construção e posterior vistoria e licenciamento.
12.ª As escrituras de Permuta e de Usufruto, serão marcadas em data a acordar por ambas as partes, até 30 dias da data em que todos os documentos necessários para o efeito estiverem prontos. 12.ª As referidas escrituras serão marcadas pela segunda contraente em "dia, hora e cartóri entender por conveniente, obrigando-se desde já a notificar o primeiro contraente com dez (10 dias de antecedência.
13 .ª Para além da área de construção a edificar no terreno supra mencionado, q e constitui a prestação a cumprir pela segunda contraente, esta, reconhece expressamente, que o primeiro contraente, é o exclusivo proprietário da construção que irá ser edificada e objecto deste contrato, depois de expirar o prazo do usufruto.

14 .ª Todas as benfeitorias e melhoramentos entretanto realizados pela segunda contraente no prédio identificado, revertem para o primeiro contraente e ficam incluídas no seu património sem qualquer custo para este.
15 .ª Os encargos com as escrituras, os registos, as taxas, os impostos, as vistorias e outros encargos inerentes à construção e conservação do imóvel, até ao prazo limite do seu gozo, são da única e exclusiva responsabilidade da segunda contraente.
16 .ª O presente contrato fica sujeito à execução específica, nos termos e para os efeitos do artigo 8300 do código civil." (fls, 37 a 41 dos presentes autos).”
12) Os lotes que eram designados pelo 30 e 31 passaram a designar-se por lote 28, a que corresponde o n.º 23 da Rua …………….(cfr. fls. 101 do PAT apenso).

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.


*


Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos, não impugnados e na prova testemunhal produzida, conforme se indica em cada alínea do probatório.
A testemunha mostrou ter conhecimento directo quanto à funcionalidade do armazém no qual labora a impugnante e desenvolve a respectiva actividade, designadamente no que toca ao armazenamento do seu stock, com prestação de depoimento bastante consistente e credível, respondendo prontamente, com clareza e especificadamente, às questões que foram formuladas na inquirição quanto a esta matéria.».


B.DE DIREITO

Em acção inspectiva externa a que foi sujeita a impugnante, constatou a Administração tributária contabilizados como custos do exercício de 2000 as amortizações anuais dos gastos incorridos com a construção de um armazém de que a impugnante é usufrutuária pelo prazo de 10 anos, correspondendo a taxa de depreciação anual utilizada de 10% aos 10 anos do usufruto.

Entende a inspecção tributária que sendo o armazém construído propriedade dos seus sócios e não da impugnante, não são de aceitar como custos fiscais as amortizações anuais do custo da obra, infringindo tal o disposto no art.º 23.º do CIRC.

O entendimento relatado viria a ser sancionado em reclamação graciosa, embora a par da fundamentação aduzida no RIT e acolhida se faça também referência, na reclamação graciosa, à falta de credibilidade do negócio jurídico (contrato-promessa de permuta e usufruto celebrado entre sócio da impugnante e esta – cf. ponto 11 do probatório) que está na base da fonte geradora dos encargos anuais com amortizações contabilizados pela impugnante.

A sentença não validou o entendimento da AT expressado em sede de RIT e reclamação graciosa, com o que se não conforma a Recorrente, assacando à sentença erro de julgamento. Vejamos.

À data dos factos, dispunha o art.º 23/1 do CIRC: «Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(…)
g) Reintegrações e amortizações».

Por outro lado, dispunha o art.º 28/1 do mesmo CIRC, que «São aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas».

No caso presente, não está em causa a comprovação da efectividade, ou a contabilização do custo com a amortização, unicamente a sua indispensabilidade, na medida em que a fonte geradora dos mesmos – a construção do armazém – não se apresentaria como necessária “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora”.

Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?

Sobre o tema já o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou em diversos arestos, sendo elucidativo da linha decisória seguida naquele alto tribunal o que exemplarmente se escreveu no seu Acórdão de 11/15/2017, tirado no proc.º 0372/16 (Rel. Conselheiro Francisco Rothes):

“Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).
Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (…).
Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).
Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à data, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.
«A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.
A esta luz, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito» (Cfr. acórdão de 15 de Junho de 2012 do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, proferido no processo n.º 29 2012 – T (…).
O que significa que, nos termos do citado art. 23.º do CIRC, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social. A utilização daquele preceito legal para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado circunscreve-se às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros. Dito de outro modo, «se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável» (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.).
A aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa» (fim de citação).

Como escreve Rui Duarte Morais, “Apontamentos ao IRC”, Almedina, Nov./2007,
«Os sujeitos passivos são, pois, livres nas suas escolhas, nomeadamente para decidirem como gerir as suas empresas, para decidirem quais (na sua espécie e montante) os encargos por eles tidos por convenientes para a prossecução de determinada actividade económica.
Temos, pois, como princípio inerente à ideia de Estado Fiscal, a não interferência da administração na gestão das empresas.
A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por um outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais».

Pois bem, a sentença deu como provado que o armazém construído pela impugnante e de que ela é usufrutuária se encontra realmente afecto à sua actividade (cf. ponto 9 do probatório), tendo a testemunha A........... deposto, com sólida razão de ciência, que a actividade da impugnante se desenvolve aí, nomeadamente no que toca ao armazenamento do seu stock.

E assim sendo, não pode questionar-se a indispensabilidade do custo, na acepção que do conceito têm a jurisprudência e a doutrina fiscalista, sendo irrelevante que a finalidade visada com a construção do armazém pudesse ser alcançada através de um arrendamento ou outro negócio menos oneroso para a sociedade impugnante.

A circunstância de se poder vislumbrar no intitulado negócio de permuta e usufruto um interesse económico coincidente dos sócios (proprietários do imóvel) e da sociedade, não exclui objectivamente a motivação empresarial da transacção, nem há elementos objectivos que permitam concluir que o interesse predominante foi o dos sócios, não bastando para tanto alegar que “o financiamento das obras foi obtido através da empresa, funcionando como uma entidade financeira que pagou todas as despesas da construção do edifício cuja propriedade é dos sócios…” (cf. RIT, a fls. 56 do apenso de RG).

Tudo visto, não sendo por um lado questionável que a construção do armazém consta do activo imobilizado da impugnante e, por outro, tendo resultado demonstrado que a instalação serve de armazém de bens da impugnante, há que concluir pela dedutibilidade fiscal do custo contabilizado com a amortização anual da construção, conseguindo dessa forma a impugnante recuperar o capital investido naquela construção.

A liquidação enferma, pois, de erro nos pressupostos, o que a torna anulável, tal como decidido na sentença recorrida que assim se confirma inteiramente, negando-se provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.



Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes