Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:358/17.2BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO.
ANULAÇÃO DE SENTENÇA.
DÉFICE INSTRUTÓRIO.
Sumário:Incorre em défice instrutório a sentença que omite a diligência de prova cuja realização permitiria apurar factos relevantes no que respeita à demonstração da gerência de facto.
Votação:COM UM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
J ……………, executado por reversão no processo de execução fiscal n.º ……………..748, instaurado pelo Serviço de Finanças do Montijo, primeiramente contra a sociedade “P ……….., Lda”, por dívida de IVA, do ano de 2010, no valor de 8.642, 73 EUR, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada oposição. O TAF de Almada (área do contencioso tributário), por sentença proferida a fls.108 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 10 de Outubro de 2018, julgou procedente a mesma, determinando a extinção do processo executivo contra o oponente.
Inconformada com o assim decidido, a Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional, tendo nas suas alegações de fls.141 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), formulado as seguintes conclusões:

«I. Entendeu-se na sentença ora questionada, que o oponente não exerceu a administração de facto da sociedade devedora originária.

II. Em causa nos presentes autos estão dívidas de IVA do ano de 2012, no valor de 8.642,73 € (oito mil seiscentos e quarenta e dois euros e setenta e três cêntimos) da sociedade P..........., Lda. que reverteram contra o Oponente, ora recorrido.

III. Para fundamentar a procedência da oposição apresentada, funda-se a sentença, na ilegitimidade do Oponente por falta de verificação dos pressupostos de que dependa a efetivação da responsabilidade subsidiária.

IV. Em nosso entendimento a sentença recorrida: errou nos juízos fáctico-conclusivos resultantes do probatório, não conclui de acordo com o mesmo.

V. E em consequência do erro nos juízos fáctico-conclusivos resultantes do probatório, errou na aplicação do direito, ao concluir pela falta dos pressupostos da responsabilidade do oponente, considerando que é parte ilegítima.

VI. Foi fixado nos pontos H e J do probatório que:

*“H. Em 25.07.2005, O Oponente assinou a declaração de início de atividade da sociedade “P..........., Lda.”, tendo em Junho de 2013 subscrito, enquanto representante legal daquela sociedade, um declaração de alterações – cf. fls. não numeradas do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;

* I. Em 26.03.2009 e 16.10.2012, o Oponente assinou requerimentos dirigidos ao Serviço de Finanças do Montijo “P..........., Lda.” – cf. fls. não numeradas do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;”

VII. Face a tais factos que resultam do probatório, impunha-se ao tribunal ad quo, outra decisão quanto ao exercício, de facto, da Administração.

VIII. A lei não estabelece de forma precisa em que é que se consubstanciam os poderes de gerência.

IX. Porém, face ao previsto nos artigos. 259º e 260º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), parece resultar que serão típicos atos de gerência aqueles que implicam a representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objeto social.

X. Por sua vez, o mesmo CSC no seu artigo 64º, impõe aos gerentes/administradores um dever de diligência, ao abrigo do qual estes devem atuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

XI. O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade.

XII. Sendo que, se o ato em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão.

XIII. Já se o ato tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.

XIV. Ora, parece claro que o oponente, ao assinar os requerimentos praticou atos de gerência que se enquadra num típico ato com eficácia externa, sobre terceiros, vinculando a sociedade.

XV. Ao assinar documentos da sociedade na qualidade de representante legal, estava a exteriorizar a vontade da sociedade, vinculando-a, estava a representá-la perante terceiros.

XVI. Mesmo que sejam estes os únicos factos praticados pelo oponente enquanto gerente da sociedade, eles revelam o exercício, ainda que restrito, da gerência, como decorre do artigo 260°, n.º 4, do Código das Sociedades Comercial.

XVII. Tal como vem sendo jurisprudencialmente entendido, a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.

XVIII. Ora, face a essa factualidade fixada e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, impõe-se concluir que o oponente foi administrador de facto da sociedade.

XIX. Neste caso concreto, não só o oponente não logrou afastar a gerência de facto, como ficou demonstrado que ele praticou atos em representação da sociedade originária devedora, designadamente a assinatura em requerimentos e petições.

XX. E, o facto de o Oponente ter assinado os referidos documentos, é o suficiente para que se considere que praticou atos de administração.

XXI. Como se refere na jurisprudência, «Não explicitando a lei no que consiste a gerência, vem a doutrina e a Jurisprudência referindo que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerente praticam actos de disposição ou de administração, de acordo com o objecto social da sociedade, em nome representação desta, vinculando-a perante terceiros, atentos os contornos normativos que dela é feita nos artigos 252.º, 259.°. 260.º e 261.º do Código das Sociedades Comerciais. - (cfr., entre outros, os Acs. do STA de 4-2-81, in AD 236º; de 3-10-85, in AD 237° e Acs. T.T. 2ª Instância de 12-11-91, (In CTF 365°, pág. 259 e de 24-6-84, in CTF 376º, pág. 257.»

XXII. Deve constatar- que foi produzida prova da gerência de facto por parte do opoente.

XXIII. A conclusão contrária implica um incorreto julgamento de direito na sentença recorrida pois pode e deve afirmar-se a responsabilidade subsidiária do oponente como gerente da sociedade originária devedora à luz do direito aplicável.

XXIV. Face ao exposto, não pode ser retirada outra conclusão que não a de que a Administração tributária estava legitimada para operar a reversão por responsabilidade subsidiária do oponente, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1 alínea b) da LGT, perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efetivo do cargo por parte do mesmo.

XXV. O oponente é nessa medida responsável pelo pagamento das dívidas de imposto e deve ser considerado parte legítima na presente execução, mantendo-se o despacho que contra ele decretou a reversão;

XXVI. Não se podendo assim a mesma manter antes devendo ser revogada e substituída por uma decisão que dê provimento à pretensão da recorrente, e consequentemente julgar a oposição improcedente quanto às dívidas de imposto.

XXVII. Ao não o fazer, violou a sentença o disposto nos artigos 23.º e 24.º n.º 1 alínea b) da LGT.

X
O recorrido apresentou contra-alegações, conforme requerimento de fls.154 e ss. (numeração em formato digital–sitaf), no qual expendeu conclusivamente o seguinte:

«1 - Salvo o devido respeito, não pode proceder o entendimento da recorrente de que se encontra comprovada a gerência de facto do recorrido na sociedade P..........., Lda.

2 - É sobre a recorrente que impende o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem aplicar o instituto da reversão ao recorrido,

3 - Provar que este exerceu de facto a gerência da sociedade na data em que nasceu a obrigação tributária e em que o seu pagamento passou a ser exigido.

4 - Não ficou provado qualquer facto relevante que indicie a prática, pelo recorrido, de actos de gestão em nome e no interesse da sociedade,

5 - Não ficaram provados quaisquer factos que indiciem que o recorrido praticou actos de gerência, designadamente, nas relações com clientes, fornecedores, instituições bancárias, trabalhadores ou instituições públicas e que tais actos tenham sido praticados em nome e no interesse da sociedade P..........., Lda..

6 - O processo de execução fiscal objecto dos presentes autos diz respeito a uma dívida respeitante ao ano 2012,

7 - As declarações e os requerimentos juntos aos autos pela recorrente, não dizem respeito a esse período de tempo.

8 - Conforme entendimento da jurisprudência e da doutrina, a prática de actos que revelem o exercício da gerência de facto devem ser contemporâneos com os factos que subjazem à divida exequenda,

9 – Conforme refere o acórdão proferido pelo Ac. do TCAN, de 12/06/2014, tirado no proc.º01944/10.7BEBRG em função da inclusão no artº.24º da Lei Geral Tributária das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

10 - A declaração fiscal e o requerimento assinado pelo recorrido, são actos isolados e sem conexão com qualquer prática reiterada e sucessiva.

11 - A recorrente não provou factos integradores do exercício da gerência do oponente na sociedade devedora originária no período a que se reportam as dívidas.

12 - Não pode aceitar-se que a Administração tributária, a quem os contribuintes por força de deveres tributários acessórios, estão obrigados a apresentar toda uma série de declarações e documentos relacionados com a sua actividade e as operações económicas que praticam, para além da possibilidade de acesso da AT a esses elementos por via inspectiva, mais não consiga trazer para os autos que dois documentos por ele assinados, num período que nem sequer diz respeito à dívida exequenda em causa – 2012.

13 - Pelo exposto deve ser mantida a douta sentença proferida pelo tribunal a quo em virtude da mesma não enfermar de qualquer vício que leve à sua revogação e substituição como é requerido pelo recorrente.

X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido «de padecer a douta sentença de défice instrutório pelo que não se pode manter na ordem jurídica, ficando prejudicada a apreciação dos fundamentos invocados no recurso.»
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«A. Em 25.07.2005, foi constituída a sociedade “P..........., Lda.” – cf. fls. não numeradas do PEF apenso, que se dão por integralmente reproduzidas;
B. O Oponente, juntamente com A ………….., foi nomeado gerente da sociedade “P..........., Lda.”-cf. fls. não numeradas do PEF apenso, que se dão por integralmente reproduzidas;
C. A sociedade “P..........., Lda.” obrigava-se com a assinatura de um gerente – cf. fls. não numeradas do PEF apenso, que se dão por integralmente reproduzidas;
D. Em 20.12.2010, o Oponente renunciou à gerência da sociedade “P..........., Lda.”, tendo tal sido registado na Conservatória do Registo Comercial em 26.08.2014;
E. Em 23.12.2013, o Serviço de Finanças do Montijo instaurou o PEF n.º ……………….748 em nome da sociedade “P..........., Lda.”, para cobrança coerciva de dívida de IVA do ano de 2012, no valor de €8.642,73 – cf. fls. não numeradas do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;
F. Em 15.10.2014, foi elaborado “Termo de Juntada – Informação” por funcionário do Serviço de Finanças do Montijo, no qual, além do mais, consta o seguinte:
« Imagem no original »

- cf. fls. não numeradas do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;
G. Em 15.10.2014, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do Montijo despacho de reversão contra o Oponente do PEF referido no ponto E. supra, no qual, além do mais, consta o seguinte:
« Imagem no original »
(…)
- cf. fls. não numeradas do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;
H. Em 25.07.2005, o Oponente assinou a declaração de início de atividade da sociedade “P..........., Lda.”, tendo em Junho de 2013 subscrito, enquanto representante legal daquela sociedade, uma declaração de alterações – cf. fls. não numeradas do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;
I. Em 26.03.2009 e em 16.10.2013, o Oponente assinou requerimentos dirigidos ao Serviço de Finanças do Montijo em nome da sociedade “P..........., Lda.” – cf. fls. não numeradas do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;
J. O Oponente foi citado da reversão contra si do PEF referido no ponto E. supra – cf. informação oficial que consta de fls. 12 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;
K. Em 04.12.2014, a petição inicial foi apresentada no Serviço de Finanças do Montijo - cf. carimbo aposto a fls. 3 dos autos.
*
Factos Não Provados
Não se provaram outros factos que, face às plausíveis soluções de direito, importe registar como não provados.
*
Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, juntos aos autos e ao PEF, conforme referido em cada um dos pontos do “probatório”
X
Compulsados os autos, a alínea I), do probatório passa a ter a redacção seguinte:
«I. Em Junho de 2013, o oponente dirigiu ao Fisco, em nome da sociedade devedora originária, requerimento de alteração de actividade – PEF».
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
L. Em 27/10/2013, o oponente, em nome da sociedade devedora originária, pedido de pagamento em prestações da dívida de €7.719,80- PEF.
M. Em 30/08/2014, o oponente apresentou, em nome da sociedade devedora originária, a Informação Empresarial Simplificada – PEF.
N. O oponente apresentou em nome da sociedade devedora originária, no tempo próprio, as declarações modelo 22 de 2012, 2013 e 2014 – PEF.
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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto e quanto ao correcto enquadramento jurídico da causa.
A sentença julgou procedente a oposição, determinando a extinção da execução fiscal quanto ao oponente, considerando que não foi demonstrado o exercício de facto da gerência no período relevante, por parte do recorrido. Está em causa a reversão da execução, contra o oponente, por dívida de IVA de 2012, no montante de €8.642,73, com data limite de pagamento voluntário em 03/12/2013 (1). A sentença considerou, em síntese, que:
«(…) a dívida exequenda respeita a 2012 e resulta dos factos provados que as “declarações” e “petições” referidas no despacho de reversão não se reportam a este ano (cf. pontos H. e I. dos factos provados). E a prática de atos que revelem o exercício da gerência de facto devem ser contemporâneos dos factos tributários subjacentes à dívida exequenda, por maioria de razão, uma vez que o que está aqui em causa é a gerência de facto da executada originária. // Em segundo lugar, porque ficou provado nos presentes autos que o Oponente renunciou à gerência da sociedade devedora originária em 20.12.2010 (cf. ponto D. dos factos provados). E assim sendo, impunha-se que o Serviço de Finanças do Montijo tivesse demonstrado o envolvimento do Oponente na atividade da sociedade devedora originária no exercício de 2012, designadamente, no que respeita ao contato com clientes, fornecedores, instituições bancárias e com os trabalhadores em representação da sociedade devedora originária. E a este respeito, nada consta no despacho de reversão. // Em terceiro lugar, porque no contexto concreto dos presentes autos não se pode inferir pela assinatura de “declarações” fiscais e de “petições” apresentadas junto do Serviço de Finanças que tal atuação consubstancie a prática de verdadeiros atos materiais de gestão. E isto, desde logo, porque tais documentos respeitam unicamente à situação fiscal da sociedade devedora originária o que, em face das regras da experiência comum, não permite depreender, em nada denunciando ou fazendo subentender, um ato material de gestão. A assinatura destes documentos surge, no contexto dos presentes autos, como atos isolados e pontuais praticados pelo Oponente sem relação direta com o curso normal da atividade da executada originária, não tendo o Serviço de Finanças carreado para os autos qualquer outro documento ou feito prova da realização/intervenção do Oponente noutros atos que permita concluir pela sua efetiva intervenção na gestão da sociedade devedora originária. // Também não arrolou a Fazenda Pública qualquer testemunha que pudesse confirmar que o Oponente exercia, efetivamente, a gerência de facto da sociedade devedora originária».
2.2.2. A recorrente alega que o exercício de facto da gerência por parte do oponente no período relevante mostra-se comprovado nos autos, pelo que ao julgar não verificado o pressuposto do exercício efectivo da gerência, a sentença incorreu erro de julgamento.
Apreciação.
Na contestação, a recorrente invocou a existência de indícios do exercício da gerência de facto no período relevante e arrolou testemunhas. As mesmas não foram objecto de inquirição por parte do tribunal recorrido.
Seja no quadro do regime do artigo 13.º do CPT, seja no âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente. A este propósito de referir cumpre que «[c]omo resulta da regra geral de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à gerência de facto. Por outro lado, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função. Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)» (2). Existe gerência de facto «quando alguém – ainda que de modo esporádico e apenas em relação a um único pelouro da empresa – exterioriza de algum modo a representação da vontade social por meio de actos substantivos e materiais, vinculando terceiros» [Ac. do TCA Sul, de 09.02.99, P. 00227/97]. O que importa não é a relação jurídico-civil entre o oponente e a sociedade, mas antes a relação entre ele e a vida da sociedade, a ponto de se poder comprovar a imediação entre a vontade por si externada e a vontade a imputável à sociedade e, como consequência, aferir do grau de censurabilidade que a sua actuação implicou para a garantia patrimonial dos credores da mesma. Por outras palavras, o que releva é o exercício de representação da empresa face a terceiros (credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado. Se é verdade que «[d]a nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade; // Contudo, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados» (3).

No caso, a Administração Fiscal pretende demonstrar o exercício de facto da gerência, por parte do recorrido, num contexto em que o mesmo apresentou requerimentos ao Fisco em nome da sociedade devedora originária, em momento próximo da data limite do pagamento voluntário da dívida exequenda (v. alíneas F., I. M., N. do probatório).

Neste quadro, a diligência de prova testemunhal requerida mostra-se essencial ao correcto enquadramento jurídico da causa.

«Cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados» (4).

A base probatória da sentença deve ser alargada e precisada, com vista a aferir do bem fundado da tese expendida pela recorrente, através conciliação dos elementos colhidos pelo tribunal (artigo 114.º do CCPT), com os demais elementos constantes dos autos.

Nos termos do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, «[a]nular a decisão proferida em 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos discriminados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».

Ao não proceder à referida diligência de prova referida, a sentença incorreu em défice instrutório, determinante de anulação do processado, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência requerida e à prolacção de nova decisão.

Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento do objecto do recurso.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em determinar a anulação da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência requerida e à prolacção de nova sentença.
Custas pelo recorrido, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Lopes, com voto de vencido)

Vencido pelas razões vertidas nos Acórdãos 1398/12.3BELRS, de 16/12/2020 e 400/14.9BELLE, de 03/12/2020, cuja linha decisória subscrevo.
Vital Lopes

(1) Alínea F), do probatório.
(2) Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente, I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pp. 45/64, maxime, p. 53/54.
(3) Ac. do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10.
(4) Acórdão do TCAS, de 09.70.2020, 9281/16.7BCLSB.