Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12862/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/11/2016
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
MANIFESTA ILEGALIDADE
PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Sumário:I - O deferimento de pretensão cautelar, prevista no artigo 120º do CPTA, com fundamento na manifesta procedência da pretensão formulada na acção principal está dependente da formulação de um juízo de evidência, palmar, não devendo ser deferida a providência quando a procedência da aludida pretensão não seja manifesta, imediata e a análise da mesma clame uma análise das posições antagónicas dirimidas pelas partes.

II – Deve ser indeferida a pretensão cautelar formulada quando a análise entre os interesses públicos e privados em presença revele que os prejuízos resultantes para aqueles interesses do deferimento da pretensão cautelar são superiores aos prejuízos originados, para os interesses dos requerentes, pelo indeferimento da pretensão.
Decisão:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

Jorge ……………… e Hélder ………….. melhor identificados nos autos requereram contra a Polis Litoral Ria Formosa – Sociedade para a Requalificação e Valorização da Ria Formosa, S.A., providência cautelar na qual requereram a suspensão de eficácia das deliberações do conselho de administração da requerida, datadas de 8 e 19 de Maio de 2015, que determinaram a demolição, a desocupação e a tomada de posse administrativa de cada uma das edificações de que os requerentes referem ser proprietários, sitas na Ilha da Culatra, núcleo dos Hangares; bem como a intimação da entidade requerida para se abster de efectuar quaisquer trabalhos de intervenção ou demolição dos acessos e das vias de circulação interna do núcleo dos Hangares da referida Ilha.

Por decisão proferida em 23 de Outubro de 2015, o T.A.F de Loulé deferiu a pretensão cautelar formulada.

Inconformada com o decidido, a requerida recorreu para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 23/10/2015, a fls …, que decidiu julgar totalmente procedente o pedido e deferir a presente providência cautelar, com custas a cargo da ora Recorrente.
B) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida sofre de erro de julgamento, uma vez que, no processo principal, é evidente a existência de uma cumulação ilegal de pedidos, por violação das regras da competência em razão da matéria, nos termos do artigos 5º, nº2 e 89º, nº1, al.ª g) do CPTA – o que só por si o que obsta ao conhecimento do mérito – art. 120º, nº1, al.ª b), parte final, do CPTA.
C) Com efeito, os Requerentes identificaram, inequivocamente e a título principal, o objecto imediato da causa principal, que consiste no “reconhecimento do seu direito de propriedade” (cf. art. 72º do R.I.); que consideram violado (art. 31º do R.I.) pelo que, sendo incontroversa a natureza civil dessa acção principal, deverá forçosamente ser o tribunal civil o competente para a apreciação do pedido formulado na causa principal, nos termos dos artigos 212º, n.º 3, da Constituição, artigo 1º, nº1, e 4º, nº1, al.ª a) do ETAF e o artigo 144º da LOSJ (Lei nº 62/2013, de 26 de agosto), art. 15º, nº1 da Lei nº 54/2005, de 15/11 (na redação dada pela Lei n.º 34/2014 de 19/06) e artigo 10º, nºs 3, “a contrario”, do DL nº353/2007.
D) Tendo sido peticionada a título principal, e objecto imediato da causa principal, a questão da propriedade não pode ser considerada como um incidente desta acção, nem tão pouco existe uma relação de prejudicialidade, antes existindo uma cumulação ilegal de pedidos, nos termos supra referidos, o que determina pura e simplesmente a absolvição da instância – art. 5º, nº2 do CPTA.
E) A formulação de um pedido principal, aspirando à condenação de alguém (neste caso à condenação da R.) e, por isso mesmo, à obtenção de um caso julgado material, exclui a recondução à facti species do artigo 15º, nº1 do CPTA.
F) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida sofre de omissão de pronúncia sobre a questão da preterição de litisconsórcio necessário passivo, com o Estado português, questão esta de ordem pública e de conhecimento oficioso, expressamente suscitada nos artigos 26º e seguintes da Oposição, ou pelo menos sofre de erro de julgamento.
G) Desde logo, na medida em que a questão central em causa é a discussão acerca da propriedade das construções em apreço, edificadas, sem qualquer licença, em terrenos pertencentes ao domínio público marítimo (o que os Requerentes confessam – art. 9º do R.I.), a entidade directamente afectada e com legitimidade passiva nessa acção será a pessoa colectiva pública de base territorial a quem pertencer a respectiva titularidade controvertida, ou seja, o Estado, nos termos dos artigos 3º e 4º da Lei nº 54/2005, de 15/11, alterada pela Lei nº34/2014, de 19/06.
H) Verifica-se, pois, a preterição de litisconsórcio necessário passivo com o Estado, que possui um legítimo e directo interesse na demanda, nos termos previstos nos artigos 10º, nº1 e 57º do CPTA, conjugados com o artigo 33º, nº1 do C.P.C.
I) In casu, a preterição de litisconsórcio necessário é uma excepção insanável, dada a necessidade de assegurar a identidade subjectiva das partes titulares da relação material controvertida, no procedimento cautelar e na acção principal.
J) É inconcebível o decretamento de uma providência cautelar, sem ter sido chamada a defender-se a verdadeira parte titular daquela relação – o Estado.
K) É pacífico na jurisprudência que deve verificar-se uma identidade subjectiva entre as partes do procedimento cautelar e as da acção principal.
L) Por outro lado, a pretensão a formular na acção principal relativa ao “reconhecimento da legalidade urbanística das ditas casas” (art. 72º do R.I.), teria de ser proposta contra a respectivas entidades licenciadora que, tal como configurada a causa de pedir, seria a Câmara Municipal de Faro, nos termos do artigo 5º do DL n.º 555/1999, de 16 de Dezembro (e alterações subsequentes), e não a Recorrente, que não é parte nessa relação material controvertida.
M) A ilegitimidade passiva ou preterição de litisconsórcio necessário passivo, é uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito – fumus malus determinante da absolvição do pedido - artigo 120º, nº1, al.ª b), parte final do CPTA
N) Salvo o devido respeito, a Recorrente considera incorrectamente seleccionada e julgada a matéria de facto, por omissão de selecção e decisão sobre os factos alegados nos artigos 74º, 75º, 76º (al.ªs A) e B) do probatório), 77º, 82º a 87º, 93º a 99º, 107º, 108º, 109º, 113º, 121º, 193º, 194º, 197º a 201º, 203º a 209º, 210º, 213º, 214º, 215º, 216º a 218º, 219º, 220º e 221º da Oposição, manifestamente relevantes para a boa decisão da causa, completados com os factos instrumentais, que devem ser dados como “provados”.
O) Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida são:
 Quanto ao art. 74º da Oposição - por confissão judicial espontânea expressamente aceite, do intróito do R.I. e das procurações forenses subscritas pelos Requerentes, na parte em que declaram que o 1º Requerente reside em Zona Pinheiros de Marim, Caixa Postal 152 A, 8700-225 – Olhão; e que o 2º Requerente reside em 53 Rue A. Thiery Guernantes, França (art. 346º, nº1 do C.C. e 46º do CPC).
 Quanto ao art. 75º da Oposição - por confissão judicial espontânea expressamente aceite, do artigo 9º do R.I., na parte em que os Requerentes confessam que ambas as construções aqui em apreço foram construídas em terrenos do Domínio Público Marítimo (art. 346º, nº1 do C.C. e 46º do CPC), e também por acordo, uma vez que estes factos, que interessam à decisão da causa, constam da fundamentação dos actos suspendendos notificados aos Requerentes, sem que estes os tenham posto em causa nestes autos.
 Quanto ao 76º da Oposição (al.ªs A) e B) do probatório) – a resposta dada teria de ser completada com a reprodução fidedigna das indicadas notificações e deliberações, acompanhadas da respectiva fundamentação integral constante das propostas de decisão, nos seus precisos termos, de acordo os docs. nºs 1 e 2 do R.I.
 Quanto ao art. 77º da Oposição – por acordo, no artigo 28º do R.I., complementado e concretizado pela reprodução da acta da assembleia geral junta a fls. 389-424 do Sitaf.
 Quanto aos arts. 82º a 87º da Oposição - por acordo, uma vez que estes factos, que interessam à decisão da causa, constam da fundamentação dos actos suspendendos notificados aos Requerentes, sem que estes os tenham posto em causa nestes autos, cf. docs. nºs1 e 2 do R.I. e no processo instrutor a fls. 122-331 do Sitaf
 Quanto aos arts. 93º a 99º da Oposição - cf. docs a fls. 425-458, a fls. 459-469 e a fls. 773-774 do Sitaf.
 Quanto ao art. 107º da Oposição – cf. doc. a fls. 470-471 do Sitaf
 Quanto ao art. 108º da Oposição - cf. doc. a fls. 122-331 do Sitaf
 Quanto aos arts. 109º a 113º da Oposição – cf. docs. 1 e 2 do R.I. e fls. 122-331 Sitaf
 Quanto aos arts. 121º, 194º da Oposição - cf. doc. a fls. 472-611 do Sitaf
 Quanto aos arts. 193º, 208º e 210º da Oposição - cf. DL nº92/2008.
 Quanto aos arts. 197º a 200º, 203º a 207º, 213º - cf. contratos de empreitada a fls. 663-678 do Sitaf
 Quanto aos arts. 201º, 214º, 215º da Oposição - cf. contratos de financiamento comunitário a fls. 612-635 do Sitaf e docs. a fls. 770-772 e a fls. 830 do Sitaf.
 Quanto ao art. 209º da Oposição - art. 37º, nºs 1, 5 e 6 do POOC.
 Quanto aos arts. 216º a 218º da Oposição - cf. docs. a fls. 334-340 e a fls. 679-700 do Sitaf
 Quanto aos arts. 219º, 220º e 221º da Oposição - cf. docs. a fls. 334-340, a fls. 425-458, fls. 459-469, 679-700, 701 do Sitaf
P) O princípio da liberdade de julgamento não significa que o juiz é livre para escolher os factos e valorar a prova de forma subjectiva ou arbitrária, pois que o mesmo está vinculado ao indicado critério de selecção dos factos, bem como à força probatória fixada na lei, designadamente nos artigos 376º, nº1 e 358º, nºs 1 e 2 do Código Civil, sendo que a livre apreciação das provas não abrange os factos plenamente provados por documentos, confissão ou acordo – artigo 607º, nº5, parte final do CPC.
Q) Do processo constam todos os elementos de prova, designadamente prova documental pré-constituída, pelo que o Tribunal “ad quem” poderá (e deverá) ampliar e alterar a decisão da matéria de facto – art. 662º, nºs 1 e 2, al.ª c) do C.P.C.
R) A sentença recorrida sofre de erro de julgamento, porque também falta o pressuposto processual (atípico) do interesse em agir relativamente à pretensão a formular na acção principal (art. 72º do R.I.), uma vez que os Requerentes não alegaram, nem provaram, terem apresentado qualquer pedido de licenciamento de operações urbanísticas, perante a entidade competente, nem pedido de realojamento mediante a atribuição de habitação social, o que significa a ocorrência de “fumus malus” (Ac. do TCAS, de 12/01/2012, proc. nº 08327/11) – al.ª b), do nº1, do artigo 120º, do CPTA.
S) Tendo em conta que os Requerentes nunca requereram a atribuição de habitação social (art. 66º e 112º da Oposição), é, pois, totalmente inútil a pretensão a formular na acção principal, relativa ao mero reconhecimento que as “casas” constituem a respectiva habitação, soçobrando o pressuposto processual do interesse em agir.
T) Além disso, o grave erro de julgamento da sentença recorrida resulta desde logo da matéria de facto dada por indiciariamente provada pela sentença (factos A) a G) do probatório), manifestamente insuficiente para sustentar as suas conclusões.
U) Da simples leitura do R.I. e patente que toda a factualidade alegada, é manifestamente genérica, vaga, e insuficiente para constituir alegação e prova de habitação.
V) No intróito do R.I. e procurações forenses os próprios Requerentes confessam que residem em Olhão e na França, respectivamente – cf. arts. 74º e 105º da Oposição.
W) Do mesmo modo, os próprios Requerentes confessam e reconhecem que as mesmas construções foram edificadas em terrenos do domínio público marítimo (art. 9º do R.I. e arts. 75º e 104º da Oposição), sem qualquer título de uso privativo, ou seja, de forma abusiva e sem qualquer suporte legal, pelo que a sentença merece censura
X) Tanto basta para evidenciar a manifesta falta de condição de procedência da pretensão, nos termos do art. 120º, nº1, al.ª a) a contrario, CPTA.
Y) Como referido no douto acórdão do TCAS de 01/10/2015, proc. nº12373/15, em caso idêntico envolvendo a ora Recorrente, basta a circunstância de se tratar de terrenos pertencentes ao DPM, ou de “espaço edificado a renaturalizar” nos termos no artigo 37º do POOC «(…) – sendo que uma só já era bastante - de localização territorial do edificado da ora Recorrida para se concluir em desfavor da decretada providência, precisamente pela ausência de fundamento jurídico no tocante ao pressuposto cautelar da probabilidade do bom direito que a ora Recorrida se arroga, ou, utilizando a expressão latina em uso, do fumus boni iuris ainda que na dimensão do artº 120º nº 1 b) CPTA do fumus non malus iuris.».
Z) A sentença recorrida sofre de erro de julgamento por violação das regras sobre o ónus de alegação e prova da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, que recaia sobre os Requerentes, nos termos dos arts. 8º, nº1 e 342.º do Código Civil, 114.º, n.º 3, al. g), 118.º e 120.º do CPTA, 5º, nº1 e 365.º, n.º 1 do CPC.
AA) Ónus esse que os Requerentes não lograram minimamente cumprir.
BB) Sofre de grave erro de julgamento a sentença recorrida, por julgar preenchido o requisito do “fumus boni iuris”, a que se refere a al.ª a), do nº1, do artigo 120º do CPTA, apenas com fundamento em carecer «de mais longa indagação no meio processual próprio» apesar de os próprios Requerentes terem confessado e reconhecido que residem em Olhão e na França, respectivamente (cf. art. 74º da Oposição), sendo incontroverso que não se verifica o preenchimento do pressuposto normativo de primeira (e única) residência previsto no art. 37º, nº2, al.ªs a) e do POOC Vilamoura – Vila Real de Santo António, que, aliás, nunca foi alegado pelos Requerentes.
CC) Ao decidir assim, a sentença operou verdadeira violação das regras sobre o julgamento da matéria de facto e repartição do ónus da prova, em violação dos artigos 8º, nº1 e 342º do Cód Civil, do artigo 37º, nº2, al.ª b) do POOC e do artigo 88º, nº1 do CPA.
DD) É sobre o requerente da suspensão da eficácia que recais o ónus de alegação e prova, por isso, em caso de “dúvida”, como invocado pela sentença recorrida, a providência cautelar requerida teria de ser julgada improcedente, e não o contrário.
EE) A sentença recorrida sofre de erro de julgamento, por errada subsunção e estatuição do artigo 120º, nº1, al.ª a) do CPTA, bem como a violação da alínea b) do mesmo número, por não se encontrarem preenchidos os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, antes pelo contrário: é manifesta a falta de fundamento da pretensão.
FF) A questão suscitada pelo Requerente como causa de pedir não é nova, e tem vindo sucessivamente a ser indeferida por este Tribunal Central Administrativo Sul, como a mero título exemplificativo referimos os doutos acórdãos de 09/07/2015, proc. nº12253, de 21/08/2015, proc. nº12360/15, e de 21/08/2015, proc. nº 12385/15.
GG) O Plano Estratégico não é um instrumento de gestão territorial, desde logo porque não se encontra no elenco típico dos planos definido na lei, nem tem vocação normativa, porque nem sequer pretende impor-se às entidades públicas ou particulares – como o declara expressamente no segmento acima transcrito -, pelo que não reveste regulamento a natureza de administrativo, interno ou externo.
HH) O Plano Estratégico é apenas um documento de programação e de enquadramento da acção, como ressalta do seu próprio texto, e por isso não tinha de ser aprovado pelas Assembleias Municipais, ao contrário do que alegam os Requerentes.
II) Além disso, a sentença recorrida operou uma errada interpretação e aplicação do artigo o 37º do POOC, porque o que resulta deste normativo é que, atento o espaço onde está inserida - que foi qualificado pelo POOC e não pela POLIS -, as construções terão que ser demolidas, uma vez que a área irá ser renaturalizada, sujeita à categoria de espaço natural envolvente e nela são interditas todas as obras de edificação.
JJ) Ao contrário da sentença recorrida, o certo é que o Edital 56/2012, emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Faro (facto D) do probatório), não tinha que ser tomado em conta no procedimento pela entidade Requerida, ora Recorrente – nem poderia ter sido, dizemos nós –, porque os bens do domínio público hídrico estão sujeitos a título de utilização privativa emitida pelas autoridades hidráulicas, marítimas ou portuárias com jurisdição na área, e não pelas Câmaras Municipais.
KK) A sentença fez tábua rasa dos arts. 154º a 173º da Oposição, quando o certo é que, pelo menos desde o Século XIX, não é permitida, sem licença, a execução de quaisquer obras, quer permanentes, quer temporárias, nas costas do mar e das baías, enseadas e interior dos portos sujeitos à jurisdição das autoridades marítimas; sendo que estas licenças tinham de ser requeridas e concedidas pelo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, nos termos do Decreto de 1 de Dezembro de 1887, conforme artigos 260º e seguintes do Regulamento dos Serviços Hidráulicos de 19/12/1892. O mesmo decorre do artigo 30º do DL nº468/71, ao tempo vigente.
LL) Também é manifesto o fumus malus iuris da pretensão a formular na acção principal, relativa ao reconhecimento da propriedade sobre as casas (art. 72º do R.I.), uma vez que os próprios Requerentes confessam (art. 9º do R.I.) que as construções em apreço, foram edificadas em terrenos pertencentes ao domínio público marítimo, que não é susceptível de usucapião, nem de aquisição pelos modos de direito privado (arts. 202º, nº 2 do Código Civil e arts. 18º, 19º e 20º do DL nº 280/2007).
MM) Os terrenos da ilha-barreira (barreira de sedimentos) da denominada ilha da Culatra, na Ria Formosa, aqui em apreço, são considerados leitos das águas do mar, na acepção do artigo 10º, nº1, da Lei nº 54/2005, de 15/11, por as características do solo terem a natureza de areais formados por deposição aluvial, pertencendo ao domínio público marítimo do Estado, nos termos dos artigos 1º, nº1, 3º, alª c), e 4º, mesma Lei – cf. documentos a fls. 425-458, a fls. 459-469 e a fls. 773-774 do Sitaf.
NN) Especificamente sobre o núcleo da Culatra (sito na parte central da mesma ilha-barreira, como evidencia a planta de síntese) identificado como UOPG 4, prescreve o artigo 84.º, nº2, al.ª a) do POOC Vilamoura – Vila Real de Santo António, como objectivo: “Manutenção do carácter de dominialidade do domínio hídrico”.
OO) Não é compaginável o raciocínio da sentença recorrida, sendo absolutamente proibida por lei a manutenção de construções ilegais no domínio público marítimo, insusceptíveis de regularização, sendo certo que o artigo 37º do POOC, a Lei da Água e o DL nº226-A/2007 não prevêem, nem permitem, qualquer ocupação do domínio público hídrico afecto a fins habitacionais, nem mesmo a título precário.
PP) Não sendo proprietários das construções em apreço, não há que proceder a qualquer expropriação: este instituto só é aplicado quando é necessário que um determinado bem privado passe para a esfera pública, sendo que não é o caso dos autos.
QQ) Também não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade, sendo que as medidas de planeamento foram fixadas e decididas pelo legislador do POOC, que não cabe nesta sede sindicar, e as quais à Recorrente compete apenas executar.
RR) O princípio da igualdade impõe que todos sejam tratados de igual forma, mas não proíbe as entidades competentes para gerir o território de tomar as opções que fundamentadamente considerem adequadas (discricionariedade de planeamento).
SS) Não se verifica o requisito do periculum in mora, desde logo, porque se confirmou que as construções em apreço não são a residência dos Requerentes, sendo que a construção ilegalmente edificada, a descoberto de uso privativo, não tem qualquer valor comercial (art. 202º, nº2, C.C)
TT) Além disso, também nada se provou acerca do (eventual) prejuízo qualificado derivado da execução do acto suspendendo, que não é automático como decorrência imediata da demolição, ao contrário do que sugere a sentença recorrida, mas carece de alegação e prova, ainda que indiciária, como requisito da providência cautelar.
UU) É ao Requerente da providência que compete demonstrar – ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova –, o (eventual) prejuízo qualificado derivado da execução do acto suspendendo - acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28/04/2015, proc. nº12110/15
VV) Tão-pouco se pode considerar atendível um fundado receio nestas circunstâncias, onde o prejuízo invocado é apenas indemnizatório; e não existe qualquer legítimo direito privado a tutelar, mas antes o bem público protegido e até mesmo criminalmente relevante, nos termos da Lei nº 32/2010, de 02/09, que aditou o crime de Violação de regras urbanísticas, no artigo 278º-A, nº1 do Código Penal.
WW) Sem conceder, a douta sentença recorrida também operou uma errada ponderação dos interesses em presença, tendo violado o requisito previsto no artigo 120º, nº2 do CPTA, já que os danos que resultam para o interesse público da concessão da providência se mostram desproporcionais e muito superiores àqueles que resultam para os Requerentes da sua recusa – v. pareceres do M.P. juntos a fls. 702-767 do Sitaf.
XX) A jurisprudência do TCAS tem sido unânime ao reconhecer a premência e a prevalência do interesse público aqui em causa, como a título de exemplo referimos os doutos acórdãos de 17/09/2015, proc. nº12386/15; de 29/10/2015, proc. 12392/15; de 29/10/2015, proc. 12515/15; e de 29/10/2015, proc. 12566/15, entre outros.
YY) Deve ser revogada a decisão quanto a custas, e as mesmas ficarem a cargo dos recorridos, por se considerar que às mesmas deram causa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 527.º e 539.º do Código de Processo Civil.
ZZ) Ao não ter julgado de acordo com as antecedentes conclusões, a douta sentença recorrida violou as sobrecitadas disposições legais.

Contra-alegou o Recorrido Jorge Manuel dos Santos Quitério, formulando as seguintes conclusões:

“1.ª - A douta sentença recorrida não enferma dos erros de julgamento que lhe são imputados pela Recorrente;

2.ª - Todas as conclusões da Recorrente em matéria de erro de julgamento assentam no pressuposto de que a qualificação que ela própria recorrente atribui à ilha da Culatra como leito do mar, e que por isso constituiria na sua totalidade domínio público marítimo, não pode ser sindicada judicialmente por tal ter sido "certificado" pela Agência Portuguesa do Ambiente, I. P.

3.ª - A dita "certidão" da Agência Portuguesa do Ambiente constitui porém mero artifício processual uma vez que a mesma não é subsumível à previsão do n.º 3 art.º 9.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na sua actual redacção, nem podia sê-lo, porque ainda não foi publicada a Portaria que irá definir a forma e os critérios técnicos a observar na identificação das faixas de território que correspondem aos leitos ou margens das águas do mar, ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que integrem a jurisdição da APA.

4.ª - Razão pela qual uma "certidão" com a declaração subscrita por um órgão da APA de que a lha da Culatra é considerada leito do mar, não possui a força probatória de um documento autêntico, contrariamente àquilo que a Recorrente sustenta, pois na verdade estamos perante uma questão de interpretação e integração de conceitos legais que incidem sobre matéria controvertida, a qual é indiscutivelmente da esfera de competência judicial, constituindo por isso a posição sustentada pela Recorrente uma grande violação do princípio da separação de poderes.

5.ª - A douta sentença recorrida faz correcta selecção e apreciação dos factos e igualmente correcta interpretação da lei, maxime do art.º 120.º do CPTA, não merecendo qualquer

O EMMP emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

II) Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

A) Pelo ofício de 2015.05.08, da Entidade Requerida, o Requerente, Jorge Manuel dos Santos Quitério, foi notificado da deliberação de 2015.05.08 (cfr doc nº 1 da petição inicial);

B) Pelo ofício de 2015.05.08, da Entidade Requerida, o Requerente, Helder João Fernandes Viegas, foi notificado da deliberação de 2015.05.19 (cfr doc nº 2 da petição inicial);
C) No Edital da Sessão Pública de 2008.02.29, da Assembleia Municipal de Loulé, consta designadamente o seguinte: “c) - Proposta 11/2008 - Aprovação da participação do Município de Loulé na Sociedade Anónima de Capitais exclusivamente públicas – Polis Litoral, SA – Ria Formosa (…)” (cfr doc nº 5 da petição inicial);
D) No Edital nº 2/2008, de 2008.03.03, da Assembleia Municipal de Olhão, consta designadamente, o seguinte:
“1. Aprovar, sob proposta da Câmara, o Quadro Estratégico da Operação produzida pelo grupo de trabalho nomeado pelo Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, o qual será desenvolvido para um Plano Estratégico contendo os objectivos da ―POLIS LITORAL RIA FORMOSA – Operação Integrada de Requalificação e Valorização da Ria Formosa”.
Posto à votação foi aprovado por unanimidade” – (cfr. doc. 7 da petição inicial);
E) No Edital 56/2012 de 2012.03.01, lavrado pelo Presidente da Câmara Municipal de Faro, consta o seguinte:
«( Texto no original)»
cfr. doc. nº 8 da petição inicial);

F) Data de Janeiro de 2010 a “Avaliação Ambiental do Plano Estratégico da Intervenção de Requalificação e Valorização da Ria Formosa”, elaborado pela Entidade Requerida (cfr. doc. junto com a oposição pela Entidade Requerida);
G) Em 2015.08.06, a Entidade Requerida emitiu Resolução Fundamentada (cfr. doc. junto com a oposição);
Ao abrigo do art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º, do CPTA, procede-se à alteração da factualidade dada como provada nos seguintes termos
O facto F) é substituído pelo seguinte facto:
F) De acordo com o Relatório Ambiental Final do processo de Avaliação Ambiental do Plano Estratégico da Intervenção de Requalificação e Valorização da Ria Formosa, datado de Janeiro de 2010, foram, entre outros, identificados os seguintes riscos de grau elevado como associados a um cenário em que hipoteticamente não se concretizasse a intervenção:
- erosão/regressão do sistema praia/duna;
- ocorrência de episódios de recuo da linha de costa e migração das ilhas-barreira em direcção ao continente (que se acentuará com a previsível elevação do nível médio do mar/alterações climáticas);
- ocorrência de galgamentos oceânicos, nomeadamente associados a eventos climatéricos extremos;
- provável abertura de novas barras;
- permanência de infra-estruturas, equipamentos e habitações em áreas potencialmente sujeitas a inundações;
- permanência das necessidades de reestruturação e requalificação dos espaços edificados, com prejuízo da imagem percepcionada pelos visitantes/turistas e residentes (cfr. documento de fls. 293 a 303).
- São aditados os seguintes factos:
H) O requerente Jorge ……………… indicou no requerimento inicial residir na Zona dos ……………, Caixa Postal 152 A, ……..– cfr. requerimento inicial (fls. 1 dos autos)
I) O requerente Hélder …………… indicou no requerimento inicial residir em 53 Rue A. Thiery …………….., França – cfr. requerimento inicial (fls 1 dos autos).
J) Na procuração forense outorgada pelo ora recorrido Jorge ……………… consta que o mesmo reside em Olhão – cfr. fls. 23 dos autos.
L) Na procuração forense outorgada pelo ora recorrido Hélder ……………. consta como morada “…53 Rue A. ………………, França” – cfr. fls. 24 dos autos.
M) Foi elaborada proposta, datada de 7 de Maio de 2015, assinadas pelo Presidente do Conselho de Administração da requerida, da qual se extrai o seguinte:
(…)
“Na sequência da criação do Programa Polis Litoral Ria Formosa, pela Resolução do Conselho de Ministros nº 90/2008, de 3 de Junho, e da constituição da Polis Litoral – Ria Formosa, S.A. e pelo Decreto-Lei nº 92/2008, de 3 de Junho, e de acordo com o estabelecido no nº 4, do artigo 2º, deste último diploma, foi elaborado o Plano Estratégico de Intervenção de Requalificação e Valorização da Ria Formosa, onde forma definidos os principais projectos para a Ria Formosa, inseridos em vários vectores de acção (P1 a P4), para os cinco concelhos abrangidos pelo POOC, nomeadamente, Loulé, Faro, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António.
Para o vector 2.1. do Plano Estratégico (artº 37º do POOC), foram estabelecidos como principais objectivos, a retirada de ocupações em zona de risco (demolições), a manutenção e reposição das condições naturais do ecossistema (renaturalização) e a minimização das situações de risco para pessoas e bens por via de medidas correctivas de erosão e defesa costeira.
A demolição da construção aqui em causa, bem como a acção de renaturalização do espaço onde a mesma se encontra, foi devidamente enquadrada no plano de intervenção e requalificação das Ilhas Barreira e Ilhotes, elaborado pela Polis Litoral – Ria Formosa, S.A. tendo em conta as exigências de equilíbrio natural e reposição das condições naturais do ecossistema e respectiva minimização das situações de risco para pessoas e bens por via de medidas correctivas de erosão e defesa costeira naquele espaço.
(….)
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, propõe-se, ao abrigo do artigo 3º nº 2, do Decreto-Lei nº 92/2008, de 3 de Junho e das supra referidas disposições legais:
a) Determinar-se a demolição da construção em referência, incluindo a remoção de todo o entulho e materiais para local adequado, devendo para o efeito ser intimado o interessado para desocupá-la, totalmente livre e desembaraçada de pessoas e bens, impreterivelmente, até ao próximo dia 26 de maio de 2015.
b) Considerando a sensibilidade ambiental do local, determinar-se que seja a própria sociedade Polis Litoral Ria Formosa, S.A. a proceder à demolição, sem quaisquer encargos para o interessado, a menos que, uma vez decorrido o prazo fixado, não seja voluntariamente acatada a decisão, caso em que os custos correrão por conta do interessado, sem prejuízo da aplicação das penas que no caso couberem e da responsabilidade civil pelos danos causados, nos termos do artigo 2º do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio.
c) Para efeitos da demolição supra referida, determinar a posse administrativa da edificação em apreço, pela Polis Litoral Ria Formosa, S.A. entre as 10H e as 17horas do dia 28 de maio de 2005, cuja posse se manterá pelo período necessário à execução da demolição, a concluir até ao final do mês de dezembro de 2015, sendo o interessado desde já chamado a participar na elaboração do respectivo auto de posse administrativa, no local, dia e hora indicados na alínea anterior” – cfr. doc. 1 junto com o r.i..
N) Foi elaborada proposta, datada de 18 de Maio de 2015, assinada pelo Presidente do Conselho de Administração da requerida, da qual se extrai o seguinte:
(…)
“Na sequência da criação do Programa Polis Litoral Ria Formosa, pela Resolução do Conselho de Ministros nº 90/2008, de 3 de Junho, e da constituição da Polis Litoral – Ria Formosa, S.A. e pelo Decreto-Lei nº 92/2008, de 3 de Junho, e de acordo com o estabelecido no nº 4, do artigo 2º, deste último diploma, foi elaborado o Plano Estratégico de Intervenção de Requalificação e Valorização da Ria Formosa, onde forma definidos os principais projectos para a Ria Formosa, inseridos em vários vectores de acção (P1 a P4), para os cinco concelhos abrangidos pelo POOC, nomeadamente, Loulé, Faro, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António.
Para o vector 2.1. do Plano Estratégico (artº 37º do POOC), foram estabelecidos como principais objectivos, a retirada de ocupações em zona de risco (demolições), a manutenção e reposição das condições naturais do ecossistema (renaturalização) e a minimização das situações de risco para pessoas e bens por via de medidas correctivas de erosão e defesa costeira.
A demolição da construção aqui em causa, bem como a acção de renaturalização do espaço onde a mesma se encontra, foi devidamente enquadrada no plano de intervenção e requalificação das Ilhas Barreira e Ilhotes, elaborado pela Polis Litoral – Ria Formosa, S.A. tendo em conta as exigências de equilíbrio natural e reposição das condições naturais do ecossistema e respectiva minimização das situações de risco para pessoas e bens por via de medidas correctivas de erosão e defesa costeira naquele espaço.
(….)
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, propõe-se, ao abrigo do artigo 3º nº 2, do Decreto-Lei nº 92/2008, de 3 de Junho e das supra referidas disposições legais:
a) Determinar-se a demolição da construção em referência, incluindo a remoção de todo o entulho e materiais para local adequado, devendo para o efeito ser intimado o interessado para desocupá-la, totalmente livre e desembaraçada de pessoas e bens, impreterivelmente, até ao próximo dia 26 de maio de 2015.
b) Considerando a sensibilidade ambiental do local, determinar-se que seja a própria sociedade Polis Litoral Ria Formosa, S.A. a proceder à demolição, sem quaisquer encargos para o interessado, a menos que, uma vez decorrido o prazo fixado, não seja voluntariamente acatada a decisão, caso em que os custos correrão por conta do interessado, sem prejuízo da aplicação das penas que no caso couberem e da responsabilidade civil pelos danos causados, nos termos do artigo 2º do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio.
c) Para efeitos da demolição supra referida, determinar a posse administrativa da edificação em apreço, pela Polis Litoral Ria Formosa, S.A. entre as 10H e as 17horas do dia 28 de maio de 2005, cuja posse se manterá pelo período necessário à execução da demolição, a concluir até ao final do mês de dezembro de 2015, sendo o interessado desde já chamado a participar na elaboração do respectivo auto de posse administrativa, no local, dia e hora indicados na alínea anterior” – cfr. doc. 2 juntos com o r.i..
O) A Polis Litoral Ria Formosa, SA, elaborou o Plano Estratégico da Intervenção de Requalificação e Valorização da Ria Formosa, o qual consta de fls. 189 a 258, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se previu designadamente que:
- a estratégia de intervenção para esta zona costeira consubstancia-se em três eixos, sendo que o Eixo 1 agrega os projectos que visam a minimização da erosão costeira, garantindo assim a preservação do sistema lagunar e a minimização de situações de risco de pessoas e bens, através nomeadamente da renaturalização;
- o vector 2 (que respeita a acções de renaturalização) deste Eixo 1 tem como principais objectivos a retirada de ocupações em zonas de risco (demolições), a manutenção e reposição das condições naturais do ecossistema (renaturalização) e a minimização das situações de risco para pessoas e bens por via de medidas correctivas de erosão e defesa costeira;
- os custos de execução do Plano Estratégico são financiados, em média, em quase 50%, com valores comunitários, sendo que os trabalhos de renaturalização são financiados com valores comunitários em percentagem superior a tal média (cfr. documento de fls. 189 a 258).
P) Foi celebrado, em 13.3.2015, um contrato de empreitada, outorgado entre a Sociedade Polis Litoral Ria Formosa, SA, como dona da obra, e a S……………, Sociedade ………………, SA, como empreiteira, tendo por objecto a execução das obras de intervenção de requalificação da Ilha da Culatra – Núcleo dos Hangares, pelo preço de € 734 297,81, ao qual acresce o valor do IVA à taxa legal em vigor - sendo o respectivo financiamento assegurado em 76% por fundo comunitário (POVT) -, e com o prazo de execução de 180 dias (cfr. documento constante de fls. 259 a 266).
Q) No dia 11 de Março de 2013 foi outorgado entre o Programa Operacional Temático Valorização do Território e a Sociedade Polis Litoral Ria Formosa – Sociedade para a Requalificação e Valorização da Ria Formosa, S.A. acordo escrito intitulado “Contrato de Financiamento”, destinado a comparticipar financeiramente a realização da operação com o Código POVT-12-0233-FCOES – 000059 “Medidas Correctivas da Erosão e Defesa Costeira na Ria Formosa” – cfr. doc. de fls. 272/277 dos autos.
R) No dia 30 de Setembro de 2014 a Comissão Directiva do POVT deliberou, por proposta do beneficiário da operação, alterar a decisão favorável de financiamento de 21 de Fevereiro de 2013, no que diz respeito nomeadamente ao prolongamento da data de conclusão financeira da operação para 30 de Setembro de 2015 – cfr. fls. 282 dos autos.

III) Fundamentação jurídica

As questões a decidir no presente recurso – delimitadas pelas conclusões das alegações [cfr. artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC ex vi artigo 140º do CPTA] – são as seguintes:
- Erro de julgamento na apreciação da excepção da competência material do tribunal [cfr. conclusões B) a J) do recurso];
- Nulidade por omissão de pronúncia ou erro de julgamento na apreciação da questão da ilegitimidade passiva ou, pelo menos, da preterição de litisconsórcio necessário activo com o Estado Português [cfr. conclusões F), G) a J) do recurso];
- Erro de julgamento por preterição de litisconsórcio necessário passivo, por não ter sido indicado como contra-interessado o Município de Faro relativamente à pretensão a formular na acção principal relativamente “ao reconhecimento da legalidade urbanística das ditas casas [cfr. conclusão L) e M) do recurso];
- Erro de julgamento da matéria de facto [cfr. conclusões N) a Q) do recurso];
- Erro de julgamento, dado carecerem os recorridos de interesse em agir relativamente ao pedido a formular na acção principal relativamente ao reconhecimento da “legalidade urbanística” [cfr. conclusões R) e S) do recurso];
- Erro de julgamento da apreciação das regras gerais sobre o ónus da alegação e prova da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida [cfr. conclusões Z) e AA) do recurso];
- Erro de julgamento na apreciação do requisito do fumus boni iuris [cfr. conclusões T) a Z) e BB) do recurso];
Erro de julgamento na apreciação do critério consagrado na alínea a) do nº 1 do artº 120º do CPTA [cfr. conclusões EE) a SS) do recurso]
- Erro de julgamento na apreciação do requisito do periculum in mora [cfr. conclusões SS) a VV) do recurso interposto pela entidade requerida];
- Erro de julgamento na ponderação dos interesses em presença cfr. conclusões WW) e XX) do recurso interposto pela entidade requerida].

Algumas das questões supra elencadas foram já apreciadas em Acórdão recentemente proferido por este Tribunal Central, em 14 de Janeiro de 2016, Proc. nº 12756/15, cuja argumentação se acolhe e se transcreve:
(….)
“2.2. Entendem os recorrentes que o TAF de Loulé é incompetente em razão da matéria para conhecer da presente providência, dado estar em causa o reconhecimento do direito de propriedade sobre os imóveis em causa nos autos, questão essa que não tem a natureza de questão prejudicial.
2.2.1. Como se refere no Acórdão deste TCAS de 15/10/2015, proferido no processo n.º 12449/15, em tudo idêntico ao presente, “o pedido de reconhecimento do direito de propriedade é, claramente, um pedido que extravasa do âmbito material da jurisdição administrativa e fiscal, bastando para tal atentar no teor do artigo 4º do ETAF. Porém, no caso dos autos, o pedido principal que os requerentes pretendem acautelar com a presente providência consiste, inequivocamente, na declaração da ilegalidade da deliberação em causa, pela procedência dos vícios indicados no requerimento inicial.
Ora, de acordo com o disposto no DL n.º 92/2008, de 3 de Junho, a sociedade requerida (…) é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, que se rege pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado, pelo decreto-lei em causa e pelos respectivos estatutos [cfr. artigos 1º e 2º, n.ºs 1 e 2 do citado DL], e que tem por objecto a gestão, coordenação e execução do investimento a realizar no âmbito do Polis Litoral Ria Formosa - Operação Integrada de Requalificação e Valorização da Ria Formosa, na área e nos termos definidos no respectivo plano estratégico, compreendendo igualmente o desenvolvimento das acções estruturantes previstas naquele documento em matéria de valorização e requalificação ambiental e urbana, dinamização de actividades turísticas, culturais, de lazer e outras intervenções que contribuam para o desenvolvimento económico e social da sua área de intervenção, ficando para o efeito autorizada a utilizar os bens do domínio público do Estado abrangidos pelo Polis Litoral Ria Formosa - Operação Integrada de Requalificação e Valorização da Ria Formosa, com vista à realização das operações previstas no plano estratégico e à prossecução dos seus fins, sendo-lhe também conferidos os poderes e as prerrogativas de que goza o Estado quanto à protecção, desocupação, demolição e defesa administrativa da posse dos terrenos a que se refere o número anterior, das instalações que lhe estejam afectas e direitos conexos a uns e outras, bem como das obras por si executadas ou contratadas, necessários para as operações previstas no plano estratégico, além dos poderes de que goza o Estado para, nos termos do Código das Expropriações, agir como entidade expropriante dos bens imóveis, e direitos a eles inerentes, necessários à prossecução do seu objecto social [cfr. artigo 3º do citado DL].
E, sendo assim, de acordo com o disposto no artigo 4º, nº 1, alínea d) do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a “fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos”, o que coloca no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal” a actuação da entidade requerida. E prossegue: “de qualquer modo, a sede própria para apreciar e decidir a questão da admissibilidade da cumulação de pedidos quando algum deles não pertença ao âmbito da jurisdição administrativa, deverá ser a acção principal a interpor - podendo importar a absolvição da instância relativamente ao pedido que extravase do âmbito da jurisdição administrativa, nos termos do n.º 2 do artigo 5º do CPTA - e não a presente providência cautelar, uma vez que o pedido principal formulado na providência cautelar - suspensão da eficácia da deliberação da entidade requerida que determinou a posse administrativa das casas dos requerentes com vista à sua demolição – mantém, ainda assim, uma relação de instrumentalidade com o pedido de declaração de ilegalidade daquela deliberação, a formular no processo principal””.

Nestes termos, improcedem as conclusões B) a J) do recurso interposto pela entidade requerida.

“2.3. Alega a entidade requerida/recorrente que “a acção judicial para dirimir a alegada questão da propriedade ou posse teria de ser proposta contra o Estado, e não (só) contra a Requerida, na medida em que a questão central em causa é a discussão acerca do peticionado ''reconhecimento do direito de propriedade'', por via da usucapião, sobre aquelas construções e parcelas de terreno presuntivamente pertencentes ao domínio público, nos termos dos artigos 12º, nº 1, al. a), parte final e 15º da Lei nº 54/2005, de 15/11, a única entidade com legitimidade passiva nessa acção será a pessoa colectiva pública de base territorial a quem pertencer o respectiva titularidade controvertida, ou seja, o Estado Português, nos termos dos artigos 3º e 4º da mesma Lei, alterada pela Lei nº 34/2014, de 19/06”.
2.3.1. Também aqui não lhe assiste qualquer razão.
Continuando a citar o referido Acórdão do TCAS de 15/10/2015, diremos que “de acordo com o disposto no artigo 10º, n.º 1 do CPTA, cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor. No caso dos autos, partes na relação material controvertida – ou na relação jurídico-administrativa em causa – são apenas a [entidade requerida], que determinou a posse administrativa das casas dos requerentes, com vista à sua demolição, e estes, não se antevendo que quer o Estado Português – que conferiu àquela os seus poderes e as prerrogativas de que goza quanto à protecção, desocupação, demolição e defesa administrativa da posse dos terrenos integrados no seu domínio público, das instalações que lhe estejam afectas e direitos conexos a uns e outras, bem como das obras por si executadas ou contratadas, necessários para as operações previstas no plano estratégico –, quer o município de Faro sejam titulares de interesses contrapostos aos dos requerentes, pelo que nunca se poderia estar perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo, cuja preterição determinasse a ilegitimidade passiva da recorrente””.

Improcedem, assim, as conclusões F), G) a J), L) e M) das alegações da recorrente, não sendo a decisão recorrida nula dado que concatenando o que na mesma se decidiu quanto à incompetência material do Tribunal para conhecer do pedido formulado quanto ao reconhecimento da propriedade com o que se decidiu quanto à legitimidade passiva da requerente não se poder concluir que a sentença omitiu pronúncia quanto à invocada preterição de litisconsórcio necessário.

Sustentou ainda a entidade requerida/recorrente que o Tribunal a quo errou na apreciação das regras gerais sobre o ónus da alegação e prova da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, bem como no julgamento da matéria de facto.

Assim, considera ter sido incorrectamente seleccionada e julgada a matéria de facto, por omissão de selecção e decisão sobre os factos alegados nos artigos 74º, 75º, 76º (alªs A) e B), do probatório), 77º, 82º a 87º, 93º a 99º, 107º, 108º, 109º, 113º, 121º, 193º, 194º, 197º a 201º, 203º a 209º, 210º, 213º, 214º, 215º, 216º a 218º, 219º, 220º e 221º, da Oposição, completados com os factos instrumentais resultantes da instrução, manifestamente relevantes para a boa decisão da causa, que devem ser dados como (indiciariamente) provados”. – cfr. conclusão N) das alegações – questão que o Tribunal considera prejudicada dado que, tendo sido aditados factos aos que constavam já sentença recorrida, ao abrigo do artigo 642º do CPC, se considera os mesmos suficientes para a decisão do presente recurso, permitindo o conhecimento, em substituição, de todas as questões suscitadas nos autos, e que se prendem com os requisitos consagrados no artigo 120º do CPTA.

A decisão recorrida deferiu a pretensão cautelar com base na manifesta procedência da pretensão a formular no processo cautelar, juízo que este Tribunal não acolhe, pelos motivos que se passará a explanar.
A decisão recorrida baseou-se o seu juízo de manifesta procedência da pretensão a formular na acção principal no seguinte fundamento:
(…)
“Assim sendo, os poderes atribuídos à Entidade Requerida não se confundem com as competências das autarquias locais. No entanto, não devem conflituar com estas, como ressalta o “Programa Polis Litoral – Operações Integradas de Requalificação e Valorização da Orla Costeira foi criado por Resolução do Conselho de Ministros nº 90/2008, de 3 de Junho, quando nele se refere: “o cumprimento dos POOC aplicáveis e a adopção de outras medidas de requalificação e valorização de zonas específicas do terreno litoral consideradas em risco e de áreas naturais degradadas situadas em domínio público marítimo, através de intervenções integradas, de natureza urgente e prioritária, com dimensão significativa e de escala intermunicipal. Neste contexto, considera-se que a prossecução deste objectivo deve passar, desde logo, pela compatibilização da gestão atribuída às entidades que tenham a seu cargo a administração local das zonas costeiras a abranger” (o sublinhado é nosso).

Não pode, assim, ser escamoteado o teor do Edital nº 56/2012, de 2012.03.01 emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Faro, no qual a Entidade Requerida não atentou no procedimento que conduziu à prolação dos actos sub juditio, na esteira do Plano Estratégico da Intervenção de Requalificação e Valorização da Ria Formosa, que se pautou pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Vilamoura- Vila Real de Santo António, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 103/2005, de 27 de Junho e que abrange parte dos concelhos de Loulé, Faro, Olhão, Tavira, Vila Real de Santo António e Castro Marim e pela Resolução do Conselho de Ministros nº 78/2009, de 2 de Setembro que aprovou o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa.”

Parece ter sido entendimento adoptado pela sentença recorrida o de que se estaria perante uma situação de manifesta procedência da pretensão formulada no processo principal dado a entidade requerida não ter atentado, no procedimento que conduziu à prolação dos actos impugnados, no teor do Edital 56/2012, de 1 de Março de 2012, emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Faro.

Ora, conforme é sabido, o deferimento de providências cautelares com base no requisito da manifesta procedência da pretensão formulada na acção principal exige que o referido juízo de procedência seja manifesto, palmar, o que, manifestamente não se verifica na situação em apreço em que não se pode concluir, como se fez na sentença recorrida, que a circunstância de a entidade requerida não ter, eventualmente, atendido ao teor do referido Edital nº 56/20102, permite o juízo – imediato – de estarmos perante uma situação de manifesta procedência da acção principal, não sendo, pelo contrário, tal manifesta procedência de verificação palmar, imediata como exige a alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, pelo que nesta medida deve ser concedido provimento ao recurso, não se afigurando nem o vício apreciado na decisão recorrida como fundamento para concessão da providência, nem os demais suscitados como de verificação palmar, imediata, sendo, assim, insusceptíveis de alicerçar o deferimento da pretensão cautelar com base na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.

Conforme se referiu em Acórdão proferido por este Tribunal Central em 29/10/2015, no âmbito do Proc. 12515/15, em que estava também em causa deliberações de conteúdo igual às suspendendas relativamente a construções localizadas na Ilha da Culatra, Núcleo dos Hangares:

“Ora, a procedência destes vícios não é evidente, tendo, desde logo, em conta as razões avançados no sentido da sua improcedência pela recorrente na respectiva contestação [nos artigos 45º a 109º, onde impugna a matéria de facto, e nos artigos 110º a 224º, onde defende de forma pertinente que a pretensão formulada ou a formular na acção principal é manifestamente improcedente, invocando doutrina e jurisprudência em abono da tese que apresenta], as quais foram reafirmadas nas alegações de recurso.

Com efeito, face a estes argumentos, invocados pela recorrente, no sentido da improcedência desses vícios, só através designadamente de uma laboriosa indagação em termos de facto e de direito se pode apurar se tais vícios procedem, ou seja, a sua procedência não é patente, nem ostensiva, antes exigindo esforço instrutório, bem como uma cuidada análise da lei – pois o quadro normativo a aplicar apresenta complexidade, em especial o regime legal do domínio público marítimo -, incluindo análise de jurisprudência e doutrina, o que é suficiente para se concluir que não é palmar, nem manifesta a procedência da acção principal, isto é, que tal procedência é, no mínimo, controversa.

Aliás, a própria sentença recorrida tem alguns trechos que apontam neste sentido [“Tal matéria, carece de mais longa indagação no meio processual próprio para esse efeito, que é a acção principal de que a presente providência constitui meio cautelar.”; “Em segundo lugar, concatenado com o que antecede, da prova documental, ressalta o teor do Edital 56/2012, emitido em 2012.03.01, pelo Presidente da Câmara Municipal de Faro, que necessita de uma indagação profunda e como tal, do conhecimento abalizado do histórico que o enformou e bem assim da sua compatibilização perante a situação de cada casa habitada pelos Requerentes na Ilha da Culatra, o que, sem dúvida, deverá ser apreciado nos autos principais.”] e sendo certo que na mesma não é explicitada de forma precisa e convincente qualquer ilegalidade manifesta [a decisão recorrida não é totalmente clara, parecendo, no entanto, que a mesma elegeu, como argumento para fundamentar a manifesta ilegalidade das deliberações suspendendas, o teor do Edital 56/2012, mas cumpre salientar que este Edital só assume relevância se estiver assente que as construções em causa localizam-se em domínio privado do Estado (porque os bens do domínio público hídrico estão sujeitos a título de utilização privativa emitido pelas autoridades hidráulicas, marítimas ou portuárias com jurisdição na área e não pelas Câmaras Municipais - cfr. arts. 56º a 72º, da Lei 58/2005, de 29/12, DL 226-A/2007, de 31/5, arts. 27º e 28º, do DL 280/2007, de 7/8, e, anteriormente, arts. 17º a 32º, do DL 468/71, de 5/11), situação que não se verifica, pois tal realidade encontra-se controvertida, devendo ser apurada nos autos principais].”

O Tribunal acolhe a argumentação supra transcrita importando referir não ser manifesta a procedência da pretensão a formular na acção principal, não sendo igualmente manifesta, por palmar e evidente, a improcedência das pretensões aí formuladas, face às soluções plausíveis de direito a apreciar em sede de processo principal.

Assim sendo, a decisão ora sindicada enferma de erro de julgamento ao ter deferido as providências cautelares requeridas nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 120º, do CPTA, razão pela qual deverá ser revogada.

A procedência do presente recurso, nesta parte, implica, face ao estatuído no art. 149º n.º 3, do CPTA, que este tribunal conheça, em substituição – como solicitado nas alegações de recurso -, dos pedidos formulados neste processo cautelar, ao abrigo do art. 120º n.ºs 1, al. b), e 2, do CPTA.

A pretensão cautelar formulada pelos ora recorridos subsume-se a uma providência conservatória pelo que se deve indagar o preenchimento dos critérios de decisão consagrados na alínea b) do nº 1 artigo 120º do CPTA (versão anteriormente vigente) de acordo com a qual “quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento do mérito.”

No caso em apreço, os recorrido nunca alegaram que os edifícios objecto das deliberações suspendendas eram a sua primeira e única habitação e que aí residiam, tendo-se limitado a alegar, de forma insuficiente que necessitam “…das suas casas por serem as suas habitações” – cfr. item 11º do requerimento inicial – e que “têm todos eles recordações de uma vida ligadas àquelas suas casas, onde passaram a sua infância, a sua adolescência, onde se tornaram adultos, onde convivem com os seus amigos e familiares” – cfr. item 11º - e que “…os acessos e vias de circulação interna do Núcleo dos Hangares são imprescindíveis para os Requerentes poderem aceder a suas casas.” – cfr. item 12º - e que pretendem “…a declaração de ilegalidade das deliberações em crise, com a concomitante manutenção das suas casas por forma a garantir a continuidade da respectiva utilização como sua habitação” – cfr. item 73º, todos do r.i..

Não foi alegado que as construções em apreço eram a primeira e única habitação dos recorridos, o que bem se compreende dado os próprios indicarem que residem em Olhão, - concretamente o requerente Jorge ……. que indicou, no r.i., residir na Zona dos Pinheiros de Marim – e em França, o recorrido Hélder ……………, que indicou no r.i. residir em França concretamente em 53 Rue A. ………………, morada que igualmente constante da procuração forense que outorgou.

Assim, e na esteira do já expendido no Acórdão deste Tribunal supra referido é de concluir pela constituição de uma situação de facto consumado dado que se as construções forem demolidas, por força da execução das deliberações suspendendas, já não será possível garantir a execução do efeito repristinatório da (eventual) invalidação que seja decretada na acção principal, isto é, verifica-se uma situação de facto consumado, sendo certo que os recorridos, com as providências requeridas, pretendem a salvaguarda do seu (alegado) direito de propriedade sobre as construções aqui em causa, ou seja, encontram-se neste processo a defender o seu interesse patrimonial.

No que diz respeito aos danos morais escassamente invocados pelos recorridos decorrentes do desgosto, tristeza e mágoas de verem destruídas as referidas construções, às quais estão emocionalmente ligados pela vivência que mantiveram e mantêm nas mesmas, com as suas famílias e amigos, importa referir que tais danos não patrimoniais são insusceptíveis de integrar o conceito de prejuízos de difícil reparação, na medida em que não excedem o que é normal em situações como a presente, além de que, mesmo que mereçam ser reparados, não é problemática a sua quantificação – isto é, a fixação da indemnização é feita por um processo que não é mais árduo ou controverso do que o usual nos danos desta espécie -, razão pela qual não podem ser considerados de difícil reparação – neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 28.8.2002, proc. n.º 1334/02, 12.11.2008, proc. n.º 976/08, e 27.11.2014, proc. n.º 961/14.

Importa agora proceder à análise do requisito negativo previsto na segunda parte do preceito referido, requisito esse relativo ao critério do fumus boni iuri, ou, como também já foi qualificado, fumus non malus iuris, critério que, no domínio das providências cautelares conservatórias, como é a dos presentes autos, é mais suave, dado intervir apenas numa formulação negativa, isto é, a não ser que existam elementos que revelem a improcedência da pretensão a deduzir no processo principal não será por este requisito que a concessão da providência será recusada.

No caso presente é convicção do Tribunal encontrar-se preenchido tal requisito, dado não se verificar qualquer circunstância que obste ao conhecimento do mérito da pretensão formulada no processo principal: as deliberações são impugnáveis e os ora recorridos têm legitimidade activa, sendo que a invocada falta de interesse em agir dos recorridos relativamente a uma das pretensões que pretendem ver apreciada na acção principal não obstará, em princípio, ao conhecimento senão total pelo menos parcial das pretensões aí formuladas, dado a pretensão – principal – ser a obtenção de decisão judicial que obste às demolições decididas por força das deliberações suspendendas, não sendo, igualmente, manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo dado que, face às ilegalidades apontadas pelos requerentes aos actos em apreço e face às diversas soluções de direito plausíveis, não é notória a falta de razão destes.

Importa, agora, proceder à ponderação dos interesses nos termos exigidos pelo nº 2 do artigo 120º do CPTA nos termos do qual “nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que se possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.”

Continuando a acolher os argumentos tecidos no supra aludido Acórdão deste Tribunal:
(…)
Como se sumariou no Ac. do STA de 27.11.2014, proc. n.º 0844/14:
“V - A imposição da «recusa» da adopção da providência requerida, tal como é consagrada pelo nº2 do artigo 120º do CPTA, emerge de três juízos que, apesar de interactivos, são metodologicamente distintos: - o juízo de ponderação sobre os interesses públicos e privados, em presença; - o juízo sobre a superioridade dos danos que resultariam da concessão da providência, em face daqueles que podem resultar da sua recusa; - e o juízo sobre a possibilidade de evitar ou de atenuar aqueles primeiros danos, através da adopção de outras providências”.

Nesse mesmo aresto explicitou-se o seguinte:
“Como vemos, para realizar esta «avaliação complexa» certo é que para além da alegação dos interesses presentes no caso, e a ponderar pelo julgador, deverão também ser alegados danos concretos que resultariam da concessão e da recusada providência, de modo a habilitar o julgador a concluir pela superioridade ou não dos primeiros.
Os danos resultantes da recusa deverão ser alegados, por regra, pelo respectivo requerente cautelar, dado integrarem a respectiva causa de pedir, enquanto os danos que podem resultar da concessão deverão ser alegados, isto também por regra, pelo requerido cautelar [artigo 342º do CC].
Acontece que no presente caso, como ressuma do que ficou dito, o requerente cautelar não concretiza quaisquer danos, para além dos interesses referidos, que nos permitam realizar aquele «juízo de superioridade» que é indispensável à dita avaliação interactiva e complexa exigida pelo nº2 do artigo 120º do CPTA. Os que mais se aproximam da exigida densificação concreta são, tal como vimos, inidóneos, por serem hipotéticos, eventuais, abstractos, e sem suporte jurídico consistente.
Efectivamente, não basta ao tribunal, para fazer o julgamento imposto por essa norma, ficar-se pela ponderação dos interesses em presença, sejam públicos ou privados, pois que a recusa tem como causa próxima o juízo sobre os danos e a possibilidade de os evitar ou atenuar pela adopção de outras providências” (sublinhados e sombreados nossos).

Como acima se concluiu, em caso de demolição das construções aqui em causa já não é possível garantir a execução do efeito repristinatório da (eventual) invalidação que seja decretada na acção principal, isto é, verifica-se uma situação de facto consumado, sendo certo que os recorridos, com as providências requeridas, pretendem a salvaguarda do seu (alegado) direito de propriedade sobre as construções aqui em causa, ou seja, encontram-se neste processo a defender o seu interesse patrimonial.

De todo o modo, em caso de procedência da acção principal surgirá a obrigação de reparação de danos, em espécie ou em dinheiro, sendo que certo que não se perspectiva qualquer dificuldade no cumprimento dessa obrigação de indemnização, tanto mais que, constata-se, foram tiradas diversas fotografias das construções em causa - as quais constam dos processos administrativos (também constando da acta de 24.4.2015, aí junta – cfr. o respectivo ponto 2.1. -, a determinação no sentido de ser lavrado, aquando da posse administrativa, auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam) -, ou seja, não será difícil a reconstrução de um imóvel semelhante ou a fixação de um quantitativo em dinheiro para reparação dos danos.

Além disso, quanto ao desgosto, tristeza e mágoas provocados por tal demolição, trata-se de danos que, mesmo que mereçam ser reparados, não é problemática a sua quantificação, como foi acima explicitado.

(…)
Por sua vez, a recorrente defende neste processo o interesse público do ambiente, ordenamento do território, urbanismo e segurança das populações e bens.

A suspensão da eficácia das deliberações de 24.4.2015 implica - tendo em conta a possibilidade de a decisão a proferir na acção principal ser objecto de recurso para o TCA Sul e para o STA (embora neste último caso o mesmo se encontre sujeito a uma decisão de admissibilidade – cfr. art. 150º n.ºs 1 e 5, do CPTA) – a não realização das demolições das edificações em causa (….), sitas na Ilha da Culatra, Núcleo dos Hangares, concelho de Faro) seguramente por vários anos. E mesmo que a acção principal venha a ser julgada improcedente, não é nada seguro que tais demolições venham a ocorrer logo de seguida ao trânsito em julgado da decisão final, pois a constituição da ora recorrente (pelo DL 92/2008, de 3/6) permitiu reunir recursos humanos, técnicos e financeiros (incluindo fundos comunitários de montante elevado – in casu os mesmos asseguram o financiamento de 76% dos custos, os quais têm de ser aplicados até final do corrente ano) que, notoriamente, não serão fáceis de reunir noutra ocasião.

Tal retardamento na execução das deliberações suspendendas, e de acordo com a factualidade dada como assente, maxime em S) e W), implicará a impossibilidade de minimização da situação de risco de pessoas e bens, bem como de reposição do sistema natural nesse local, assim impedindo a inversão do processo de erosão da zona costeira onde tais edificações se localizam.

Dito de outro modo, o deferimento da suspensão da eficácia implica o agravamento das condições ambientais do local em causa, bem como impede que se reduzam os riscos potenciais para pessoas e bens, ou seja, estes não têm as condições de segurança que normalmente devem existir.

Assim, tem de concluir-se no sentido de que os danos que resultam para o interesse público da concessão da medida cautelar - pois designadamente o interesse relativo à segurança das populações assume alguma premência – mostram-se superiores aos danos (patrimoniais, os quais não serão de difícil ressarcimento) que resultam para os requerentes, ora recorridos, da recusa da suspensão da eficácia do acto, ou seja, a concessão da providência provocará danos - ao interesse público - desproporcionados em relação àqueles que se pretendem evitar que sejam causados à esfera jurídica dos recorridos, isto é, o prejuízo - ao interesse público – mostra-se superior ao dano que se pretende evitar com a decretação da providência.

E que nem se vê que outra providência pudesse vir a ser adoptada em ordem a evitar ou atenuar esses danos resultantes da sua concessão.”

No caso em apreço, os argumentos vertidos no Acórdão supra parcialmente transcrito são inteiramente aplicáveis aos autos importando reiterar que retardamento na execução das deliberações suspendendas, e de acordo com a factualidade dada como assente, maxime em F) e O), implicará a impossibilidade de minimização da situação de risco de pessoas e bens, bem como de reposição do sistema natural nesse local, assim impedindo a inversão do processo de erosão da zona costeira onde as edificações a demolir se localizam, a que acresce a circunstância de o deferimento da suspensão da eficácia implicar o agravamento das condições ambientais do local em causa, bem como impedir que se reduzam os riscos potenciais para pessoas e bens, existindo risco de perda de financiamento comunitário para a vasta operação de requalificação ambiental que constitui o escopo da constituição da requerente, operada pelo D.L. 92/2008, de 3 de Junho.
Assim, impõe-se concluir no sentido de que os danos que resultam para o interesse público da concessão da medida cautelar se mostram superiores aos danos, que não serão de difícil ressarcimento, que resultam para os requerentes, ora recorridos, da recusa da suspensão da eficácia do acto, ou seja, a concessão da providência provocará danos - ao interesse público - desproporcionados em relação àqueles que se pretendem evitar que sejam causados à esfera jurídica dos recorridos, isto é, o prejuízo - ao interesse público – mostra-se superior ao dano que se pretende evitar com a decretação da providência, tendo presente que comprovadamente as edificações a demolir não constituem a primeira e única habitação dos recorridos, pelo que deve ser dado provimento ao recurso interposto da decisão proferida pelo T.A.F. de Loulé, indeferindo-se a pretensão cautelar deduzida.

IV) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder provimento ao recurso interposto pela Sociedade Polis Litoral Ria Formosa, S.A. revogando a decisão recorrida, indeferindo a pretensão cautelar formulada.
Custas pelos recorridos na 1ª instância e neste T.C.A. pelo recorrido que contra alegou.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2016

Nuno Coutinho

Carlos Araújo

Rui Belfo Pereira