Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09594/16
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2016
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:REGIME DA PENHORA E APREENSÃO DE VEÍCULO NA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I. O regime previsto no n.º 4 do art. 221.º do CPPT que foi aditado pela Lei n.º 82.º-B/2014, de 31/12 estabelece um regime de excepção relativamente ao n.º 1, porém, não é aplicável à penhora de veículos automóveis, porquanto nos termos do art. 22.º, n.º 1 do Código de Registo Automóvel a penhora de veículos automóveis implica necessariamente a proibição do veículo circular;
II. O regime legal aplicável no caso de penhora de veículos é o previsto no art. 768.º do CPC, e portanto após a penhora deve proceder-se à apreensão do documento de identificação do veículo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:B…, LDA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que indeferiu liminarmente a Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal, por si intentada, contra a penhora com efectiva apreensão, dos veículos automóveis de matrícula -26, -11 e -39, no processo executivo n.º .

A Recorrente B…, Lda apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«II. CONCLUSÕES

32. Vem a Reclamante notificada de sentença que negou provimento à Reclamação apresentada relativamente ao despacho proferido pelo Senhor Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de que fundamenta as notificações de penhora dos veículos pertencentes à empresa com as matrículas -26, -11 e -39, com pedido de apreensão das mesmas e dos respectivos documentos.
33. A fundamentação do despacho aqui reclamado integra-se nas penhoras notificadas à Reclamante em 05/11/2015 e enferma de clara violação de lei e chocante violação dos direitos da Reclamante, porquanto é inadmissível que a Administração Tributária escolha sem qualquer justificação nem base legal, apreender veículos, sufocando assim uma empresa que de outro modo poderia gerar os ganhos necessários a cumprir com as suas obrigações, designadamente com as famílias que dela dependem.
34. Estando a Reclamante a pagar a sua divida tributária em prestações, é arbitrário, desproporcionado, desleal e de má fé que a penhora feita pela Administração Tributária para garantia dos seus créditos, seja feita com recurso à apreensão das viaturas, uma vez que tal apreensão além de colocar diretamente em causa a possibilidade da empresa continuar a laborar e os postos de trabalho que dela dependem, impossibilita a Reclamante de proceder ao pagamento da sua dívida tributária.
35. Trata-se aqui de uma situação em que a Administração Tributária, a par de autorizar o pagamento fracionado da divida tributaria, ao mesmo tempo coloca a Executada numa situação de impossibilidade de cumprir esses mesmos créditos tributários.
36. Antes da apreensão dos veículos haveria, pois a penhora sem apreensão ou a garantia do penhor mercantil sobre os mesmos bens no âmbito de um plano de pagamento fracionado, como forma de garantir o pagamento dos créditos por um lado, em vez de sem mais, inviabilizar sem mais a empresa, as suas operações e os seus postos de trabalho.
37. Não se verifica respeito pelo que a sentença recorrida refere como "principio da necessidade ou de ultima ratio que decorre do art. 751ºnº3 do Código de Processo Civil, aqui aplicável até por maioria de razão", decorrendo aqui o excesso não do valor, mas da extensão da medida que como se refere e bem, deveria ser de ultima ratio.
38. Não se vislumbra por conseguinte que seja do interesse da Administração Tributária que uma sociedade que opera no mercado seja subitamente impedida de continuar a exercer a sua atividade e por conseguinte de gerar os proveitos necessários a cumprir com todas as suas responsabilidades, fiscais ou outras.
39. Além disso, a Reclamante não deve ser obrigada a entregar os seus veículos quando essa entrega não tutela nenhum bem ou interesse da Administração Tributária que não possa ser adequadamente assegurado pela penhora sem apreensão ou a constituição de penhor mercantil sobre os mesmos bens.
40. A desnecessidade da apreensão decorre ainda do nº. 4 do artigo 221º do CPPT, nos termos do qual "A penhora efetuada nos termos do disposto no n.º 2 não obsta a que o executado possa dispor livremente dos bens, desde que se trate de bens de natureza fungível e assegure a sua apresentação, no prazo de cinco dias, quando notificado para o efeito pela administração tributária.".
41. Refira-se que a Administração Fiscal, ainda que entenda que ser inidónea ou desadequada qualquer outra garantia que pudesse ser oferecida pela Exequente para suspender o processo de execução fiscal, sempre deveria ao menos, de acordo com os princípios da colaboração, da justiça material, e da celeridade processual, convidar o contribuinte a oferecer outro bem em garantia ou de reforçar a garantia prestada com outros bens também eles suscetíveis de satisfazer os créditos tributários em causa, ao invés de ordenar a imediata penhora com apreensão, como neste caso acontece (como sucede por exemplo no caso previsto no nº. 9 do artigo 199º do CPPT).
42. O Tribunal a quo não se pronuncia ainda sobre a falta de fundamentação invocada, revelada pela total ausência de normas jurídicas que suportem a decisão o despacho reclamado, e pela justificação para não se proceder a uma forma de garantia que não implique a apreensão das viaturas, em violação do artigo 36º do CPPT.


Nestes termos e nos demais aplicáveis em Direito, e com o douto suprimento de V. Exas. deverá ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, pois só assim se fará Justiça.»

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A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Omissão de pronúncia do tribunal a quo relativamente à falta de fundamentação invocada do despacho reclamado (conclusão 42);
_ Erro de julgamento na medida em que a apreensão dos veículos é inadmissível, face ao disposto nos artigos 224.º, n.º 1 e 199.º, n.º 9 do CPPT, violando-se os direitos da reclamante, sendo desproporcional e arbitrário, e ainda violando-se os princípios da colaboração, da justiça material e da celeridade processual (conclusões 33 a 41).

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«(…) Sobre estas temáticas, cumpre antes de mais elencar os seguintes factos, extraídos desta execução nº e da informação lavrada pelo Órgão de Execução Fiscal. E são os seguintes:

1. A execução foi instaurada a 16 de setembro de 2014, visando a cobrança coerciva de Imposto sobre o Valor Acrescentado, proveniente de saldo da conta corrente no valor de €40.739,08, referente ao segundo trimestre de 2014.
2. Citada, a Executada fez em 21 de outubro de 2014 um pedido de pagamento da dívida em prestações, o qual lhe foi autorizado por seis prestações, por despacho do Órgão de Execução Fiscal dessa data, de que foram pagas algumas prestações, permanecendo em dívida cerca de €32.085,91.
3. Como não fora prestada/dispensada a prestação de garantia, paralelamente foi ordenada a penhora de diversos créditos da Executada, em 18 de novembro de 2014, depois em 19 de janeiro de 2015, do que foram obtidos €3.321 de um cliente da Executada, bem como €528,19 de um outro; as demais notificações ou obtiveram resposta de não reconhecimento de dívidas àquela, ou não obtiveram resposta alguma.
4. Paralelamente também, naquela segunda data foi determinada a penhora do veículo de mercadorias matrícula -26.
5. Em 6 de março de 2015, no âmbito destes autos foi determinada a penhora de outros móveis, dirigido à Executada, e do qual foi notificada a 1 de abril de 2015, sobre o que não houve resposta.
6. Em 7 de abril de 2015, no âmbito destes autos e de outros mais, foi determinada a penhora de outros móveis, do que a Executada foi notificada a 3 de maio seguinte, sobre o que não houve resposta.
7. Em 3 de maio de 2015 foi determinada a penhora dos veículos automóveis de mercadorias matrículas -11 e -39.
8. Mais recentemente, em 22 de outubro de 2015, foi determinada a penhora de móveis, notificada à Executada, sem que até à elaboração da informação se soubesse se a Executada fora e quando fora notificada.
9. Relativamente aos veículos, do primeiro foi a Executada destituída do cargo de sua fiel depositária, do que foi notificada a 16 de maio último; quanto ao -11 o mesmo sucedeu, tendo sido notificada da destituição em 18 de julho de 2015; por fim, quanto ao terceiro, matrícula -39, dessa destituição foi a Executada notificada nesta última data.
10. Informa o Órgão de Execução Fiscal que o primeiro e o último veículos foram também penhorados noutras execuções fiscais, que indica.
11. Em 23 de abril e em 21 de julho de 20015 a Executada pediu para ser mantida como fiel depositária dos veículos e, na sequência do seu indeferimento em 28 de setembro último, do que foi notificada em último lugar, a 1 de outubro de 2015, reclamou apresentando a petição em apreço.
(…)»

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2. Do Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida invocando omissão de pronúncia relativamente à falta de fundamentação invocada (conclusão 42).

Nos termos do disposto no art. 125.º do CPPT constitui nulidade da sentença “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”.

Ou seja, ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.

Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).

Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 0514/14).

Analisada a p.i. constata-se que a Reclamante invocou que a apreensão “enferma de clara violação de lei e chocante violação dos direitos da Reclamante, porquanto não apresenta qualquer tipo de base legal que comporte solução totalmente absurda preconizada de apreender viaturas e respectivos documentos (…)”.

Ora, do invocado não resulta claramente autonomizada qualquer questão de falta de fundamentação propriamente dita que cumpra conhecer. Na verdade, a forma com a Recorrente concluiu na sua reclamação não deixa inequívoco que quisesse ver apreciada a falta de fundamentação (formal) do acto de apreensão.

Na verdade, o invocado, no contexto em que foi, e considerando as demais conclusões formuladas, surge como mais um argumento (e não como uma verdadeira questão autonomizada) contra o acto de apreensão que reputa de manifestamente ilegal, desproporcionado, e violador dos direitos da Reclamante, sendo que sobre a legalidade do acto, sua proporcionalidade e enquadramento jurídico a sentença emitiu a devida pronúncia.

Pelo exposto, não se verifica a omissão de pronúncia invocada.

Invoca ainda a Recorrente erro de julgamento na medida em que a apreensão dos veículos é inadmissível, face ao disposto nos artigos 224.º, n.º 4, violando-se os direitos da reclamante, sendo desproporcional e arbitrário, e ainda violando-se os princípios da colaboração, da justiça material e da celeridade processual (conclusões 33 a 41). A apreensão dos veículos pela AT não tem base legal (conclusão 33) é arbitrária e desproporcional porquanto impossibilitará a sua continuação laboral sendo certo que a Reclamante se encontra a pagar as suas dívidas a prestações (conclusão 34, 35, 38), antes da apreensão haveria a penhora sem apreensão ou a garantia do penhor mercantil (conclusão 36, 39) deveria ter sido a última ratio a apreensão sendo desnecessária nos termos do n.º 4 do art. 221.º do CPPT (conclusão 37, 40), devendo a AT ter convidado a Reclamante a oferecer outra garantia de acordo com os princípios da colaboração, da justiça material, e da celeridade processual (conclusão 41).

No que diz respeito à alegação de que é ilegal, inadmissível, arbitrária e violadora dos direitos da Reclamante que a AT apreenda veículos, não será assim.

Com efeito, a lei tributária confere à Reclamante o direito de obter a suspensão da execução fiscal dentro dos condicionalismos previstos na lei, sendo que “[a] cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações (…)” – n.º 1 do art. 52.º da LGT.

Portanto, havendo pagamento em prestações da dívida exequenda devidamente autorizado, o processo de execução fiscal fica suspenso. Todavia, essa suspensão “depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.” (n.º 2).

Estando em causa nos autos o pagamento em prestações, rege então o disposto no art. 199.º do CPPT que dispõe do seguinte modo:
“1-Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
3 - Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.
4 - Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
6 - A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 % da soma daqueles valores, sem prejuízo do disposto no n.º 13 do artigo 169.º.(Redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)
7 - As garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efectuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 15 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até 30 dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excepcionais. (Anterior 6 - Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
8 - A falta de prestação de garantia idónea dentro do prazo referido no número anterior, ou a inexistência de autorização para dispensa da mesma, no mesmo prazo, origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos e para os efeitos do n.º 4. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
9 - É competente para apreciar as garantias a prestar nos termos do presente artigo a entidade competente para autorizar o pagamento em prestações. (Anterior 8 - Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
10 - Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n.º 8 deste artigo..(Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
11 - A garantia poderá ser reduzida, oficiosamente ou a requerimento dos contribuintes, à medida que os pagamentos forem efectuados e se tornar manifesta a desproporção entre o montante daquela e a dívida restante. (Anterior 10 - Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
12 - As garantias bancárias, caução e seguros-caução previstas neste artigo são constituídas a favor da administração tributária por via electrónica, nos termos a definir por portaria do Ministro das Finanças. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)”

É este o preceito legal que a Reclamante não está a considerar, pois, desde logo, cabia-lhe ter oferecido garantia com o pedido de pagamento em prestações (n.º 1 e 2) ou ter pedido a dispensa de prestação de garantia (n.º3) de modo a obstar ao efeito jurídico previsto no n.º 8 que é “a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes”.

Ou seja, conforme resulta do ponto 3 da matéria de facto fixada no despacho recorrido não foi prestada nem dispensada a prestação da garantia, e nessa medida, era inevitável que o processo de execução fiscal seguisse os seus termos para a penhora dos bens.

Como se escreveu no recentíssimo Ac. do STA de 31/03/2016, proc. n.º 0223/16 “[o]pagamento em prestações da dívida exequenda é uma das formas de suspensão da execução previstas no artigo 52 da LGT, mas está dependente da prestação de garantia idónea.”

Em suma, o direito a obter a suspensão da execução fiscal em virtude do pagamento de prestações previsto no art. 52.º da LGT depende do cumprimento das exigências previstas no art. 199.º do CPPT.

Assim, e ao contrário do que parece entender a Reclamante (conclusão 41), não cabe ao órgão de execução fiscal fazer qualquer notificação para efeito da prossecução dos termos normais do processo de execução fiscal, pois não é esse o regime legal vigente, bem pelo contrário, impõe-se a penhora caso a dívida não tenha sido garantida ou dispensada a sua prestação nos casos de pagamento em prestações da dívida exequenda, e portanto, não se encontram violados os princípios invocados pela Reclamante.

Também por essa razão não se poderá afirmar, como faz a Reclamante, que a apreensão é desproporcional porque ficará impedida de exercer a sua actividade, e que não tem qualquer bem para prestar garantia, pois nesse caso dispunha do pedido de dispensa de prestação de garantia (n.º 3), mecanismo legal de que não lançou mão, e poderia tê-lo feito, o qual a ser deferido obstaria à penhora dos bens ora em causa e respectiva apreensão.

No que diz respeito à desnecessidade da apreensão que a Reclamante invoca que decorre do n.º 4 do art. 221.º do CPPT também não lhe assiste razão.

Senão, vejamos.

O Código de Procedimento e de Processo Tributário regula no art. 221.º das formalidades de penhora de móveis.

Estabelece-se no n.º 1, alínea a) daquele preceito legal que na penhora de móveis “os bens são efectivamente apreendidos e entregues a um depositário idóneo”. Portanto, desta norma resulta o regime regra da efectiva apreensão dos bens penhorados.

É certo que o n.º 4 daquele preceito legal, que foi aditado pela Lei n.º 82.º-B/2014, de 31/12, estabelece um regime de excepção ao dispor que a “penhora efectuada nos termos do disposto no n.º 2 não obsta a que o executado possa dispor livremente dos bens”. Ou seja, quando se trate de penhora de bens móveis que façam parte do activo dos sujeitos passivos de IVA a penhora pode ser feita mediante notificação que discrimine os bens penhorados e identifique o fiel depositário (n.º 2) não obstando que o executado possa dispor livremente desses bens (n.º 4).

Sucede que, este regime que a Recorrente invoca não se aplica à penhora de veículos automóveis, nem se poderia aplicar, desde logo porque nos termos do art. 22.º, n.º 1 do Código de Registo Automóvel a “apreensão, a penhora e o arresto envolvem a proibição de o veículo circular.”. Ou seja, a penhora de veículos automóveis implica necessariamente a proibição do veículo circular, e a “circulação do veículo com infracção da proibição legal sujeita o depositário às sanções aplicáveis ao crime de desobediência qualificada.”

Antes do aditamento do n.º 4 ao art. 221.º do CPPT pela Lei n.º 82.º-B/2014, de 31/12, já se entendia que a penhora implica a imobilização do veículo e a sua entrega à guarda de um depositário idóneo (vide acórdão do STA de 14/08/2013, proc. n.º 01279/13, e ainda, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. III, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 636), e tal entendimento deve ser mantido na medida em que a penhora envolve a proibição de o veículo circular (art. 22.º, n.º 1 do Código de Registo Automóvel), e portanto, é manifesto que este novo regime estabelecido no n.º 4 não é aplicável aos veículos automóveis, bem móvel sujeito a registo.

Portanto, o regime legal aplicável no caso de penhora de veículos é o previsto no art. 768.º do CPC que dispõe no n.º 3, alínea a) que após a penhora deve proceder-se à “apreensão do documento de identificação do veículo”.

Assim sendo, tendo sido efectuada a penhora nos autos, segue-se, ao abrigo daquele preceito legal, a apreensão dos veículos.

Aqui chegados, concluímos que a apreensão dos documentos efectuada pelo órgão de execução fiscal pautou-se pelo respeito das normas vigentes, não se verificando as ilegalidades invocadas, e assim sendo, o recurso não merece provimento.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 9 de Junho de 2016.


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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso