Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:105/18.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:TAXA
COMPENSAÇÃO POR DESPESAS DE FISCALIZAÇÃO
ISENÇÃO DE PAGAMENTO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I. A dispensa de taxas ou encargos prevista no artigo 29.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95 tem lugar, no quadro da concessão do serviço público de telecomunicações.

II. O Tribunal Constitucional no Acórdão nº 288/2004, de 27 de Abril de 2004, decidiu que «a norma do artigo 29.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, não padece nem de inconstitucionalidade orgânica nem de inconstitucionalidade material.».
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, DA 1ª SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL



I.RELATÓRIO
Nos presentes autos, em que é recorrente P................ S.A. e recorrida a Câmara Municipal de Lisboa, foi interposto recurso da sentença proferida pelo 5º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (extinto na sequência da reforma dos tribunais administrativos e fiscais, concretamente, com a entrada em funcionamento dos novos tribunais tributários, como se alcança do artigo 10.º n.º 1 do DL n.º 325/2003 de 29 de Dezembro) que julgou improcedente, por intempestiva, a impugnação judicial deduzida, contra a liquidação da denominada "taxa de compensação por despesas de fiscalização" no montante de 832.597$00.

A recorrente produziu alegações, das quais constam as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso tem por objecto apreciar da tempestividade da impugnação em apreço.
2. ln casu, entendeu-se aderir à fundamentação expendida pela Recorrida, interpretação que, com o devido respeito, não é de acolher.
3. Com efeito, pretende-se que o prazo de impugnação do acto recorrido seja aferido a partir da data em que foi proferido o despacho que indeferiu a reclamação graciosa que lhe era respeitante.
4. Olvida-se, porém, que a Factura em causa foi parcialmente anulada, facto que tomaria obrigatória a emissão de uma outra em sua substituição.
5. Uma vez que esta outra, embora tendo como fonte a primeira, é diferente e distinta desta.
6. Destarte, não o tendo sido feito, a recorrente insurgiu-se contra um facto tributário jurídico-formalmente inválido, porque inexistente.
7. Resulta por isso manifesto não existir qualquer facto tributário, qualifique-se como se quiser a situação em causa, pelo que a liquidação é ilegal.
8. Deste modo, ao decidir como decidiu, a douta sentença em crise violou o disposto no artº 120º do CPT, pelo que, dando-se provimento ao presente recurso, deve ser revogada e substituída por outra que julgue ilegal a liquidação efectuada, dado só assim poder ser rigorosamente observado o disposto na lei e como tal poder ser feita inteira JUSTIÇA.

Contra-alegou a recorrida finalizando com o seguinte quadro conclusivo:
«1. O recurso ora em crise, tem por objecto apreciar a tempestividade da impugnação apresentada pela Recorrente.
2. Foi expresso de forma clara e inequívoca no oficio nº…./DR/DCEF/99, respeitante à notificação em que foi dado conhecimento à Recorrente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o seguinte: " Nos termos do disposto no nº 2 do art. 123º do CPT, poderá deduzir impugnação judicial no prazo de oito dias após a presente notificação, a entregar nestes serviços" (fls. 1O1 do processo instrutor).
3. O prazo em que a ora Recorrente deveria ter deduzido a Impugnação, conta-se nos termos do artº279º do CCivil, aplicável por força do disposto no nº2 do artº49º do CPT, pelo que, tendo a notificação sido efectuada em 21-10-99, conforme data aposta no AR de fls. 104 ss. do processo instrutor, o prazo para a dedução da Impugnação Judicial expirava em 29.10.99.
4. Contudo, a Impugnação foi apresentada quatro dias mais tarde, em 02.11.99, tendo sido, assim, extemporânea, por tardia.
5. A anterior factura foi parcialmente anulada, por erro de cálculo, por não ter sido considerada a Lei de 1 de Agosto de 1997, que passou a isentar a Recorrente de pagamento da taxa devida pelas despesas de fiscalização relativas à reposição de pavimentos na realização de trabalhos, posteriores aquela data.
6. A factura supra referida foi, assim, substituída por outra com a liquidação corrigida naqueles termos, o que não é o fundamento do indeferimento da reclamação graciosa, não tendo por isso qualquer razão a Recorrente, em chamar tal facto à colação.
7. Os fundamentos do indeferimento residem no facto de a ora Recorrente, não se encontrar isenta do pagamento da taxa prevista no nº2 do artº39º do Regulamento de Obras na Via pública (ROPV) constante do Edital nº ........, relativa ao serviço de fiscalização por parte da CML, dos trabalhos executados pela Recorrente na via pública.
8. A Recorrente não se encontrava isenta do paga mento da taxa em apreço porquanto se constatou que a Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração das Infraestruturas e Serviços de Telecomunicações, que vigorava à data do facto gerador da liquidação - data da realização dos trabalhos, era, quanto aos trabalhos realizados até 1 de Agosto de 1997, a Lei nº88/89 de 11-09, a qual não lhe conferia qualq uer isenção.
9. A "diferença ou distinção" das facturas, invocada pela Recorrente, respeita apenas à quantia, ou seja, trata-se apenas de uma questão quantitativa e não qualitativa, não tendo por isso qualquer razão a Recorrente, em chamar novação a tal facto, pois não há o surgimento de u ma nova obrigação, tratando-se apenas de uma simples modificação daquela, expressa na correcção de um erro de cálculo.
10. A liquidação e cobrança da taxa prevista no nº2 do artº39º do Regulamento de Obras na Via Pública (ROPV) constante do Edital nº ........, relativa ao serviço de fiscalização por parte da CML, dos trabalhos executados pela Recorrente na via pública, representa o acto tributário jurídico formalmente válido, pese embora a correcção de que foi objecto, o que aliás se prova pela própria Impugnação subjudice, apresentada ao abrigo do artº 120º do CPT, cuja legalidade é inquestionável.
11. O prazo da Impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso, pelo que, tendo caducado o direito de acção, deverá manter-se a douta decisão recorrida, que julgou improcedente a Impugnação por se ter provado a ocorrência daquela excepção peremptória, nos termos dos nº 1 e 3 do art. 493º do CPC.
12. Deste modo, indubitável será de concluir, que bem andou a sentença recorrida, face à letra e ao espírito dos referidos dispositivos legais, ao negar provimento ao recurso, não tendo razão alguma a Recorrente, ao afirmar, que o prazo de impugnação foi contado a partir da data em que foi proferido o despacho que indeferiu a reclamação graciosa, muito menos que inexista facto tributário, e que a liquidação seja ilegal, não tendo, pois, havido qualquer violação do disposto no art. 120° e consequentemente, do art. 123° do CPT.».

Por Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 25 de Setembro de 2001 (fls. 126 e segs) foi decidido que a impugnação judicial era tempestiva, por se tratar de uma impugnação/reclamação necessária, seguindo o regime previsto no artigo 123.º, n.º1 alínea a) do CPT e não no n.º2 da mesma norma, como tinha decidido o Tribunal a quo. Quanto à natureza do tributo impugnado, considerou aquele Acórdão tratar-se de uma contribuição especial, que deve ser tratada como um verdadeiro imposto.

Desse Acórdão interpôs o Ministério Público, recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º1 alínea a) da LTC, pugnando pela atribuição da qualificação de taxa ao invocado tributo.

Por Acórdão do Tribunal Constitucional de 10 de Outubro de 2002, foi decidido conceder provimento ao recurso, revogar o Acórdão recorrido, « (…) para ser reformulado de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.»

Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Nos presentes autos foi dado prévio cumprimento ao dever de assegurar o contraditório (fls 149) a que alude o nº 3 do artigo 665.º do CPC.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Neste quadro, a questão a decidir é a de saber se no caso vertente não logra aplicação artigo 29.º, alínea e) do Decreto-Lei n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, que aprovou as bases da concessão do serviço público de telecomunicações, por violar o disposto nos artigos 168.º n.º 1 alínea s) e 240.º n.ºs 1 e 3 da Constituição, na versão da Lei n.º 1/92, de 25 de Novembro.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«a) A impugnante P................, SA, procedeu, nos anos de 1996 a 1998, na área de jurisdição da Câmara Municipal de Lisboa, à abertura de valas no subsolo do domínio público, para colocação ou reparação de infra­ estruturas de telecomunicações - cfr. fls. 30 e 31 destes autos e 23 a 63 do apenso.
b) Após a conclusão desses trabalhos procedeu ao enchimento das valas e à reposição do pavimento - cfr. fls. 30 e 31 destes autos e 23 a 63 do apenso.
c) Os serviços competentes da Câmara Municipal de Lisboa procederam, à falta de elementos fornecidos pela impugnante, ao cálculo do valor dos trabalhos referidos em a) e b) que antecede, tendo sido de esc. 11.035.817$00 - cfr. fls. 5 do apenso.
d) Com base no montante referido em c) que antecede, os serviços competentes da CML liquidaram, à impugnante, em 1998, a quantia de esc. 1.103.582$00, pela modificação da resistência dos pavimentos e despesas de fiscalização, correspondente a 10% daquele valor, nos termos do art. 39º, nº 2, do Regulamento de Obras na Via Pública - cfr. fls. 35 a 41 destes autos e 5 do apenso.
e) Em 30/10/1998, no seguimento do processo de liquidação referido em d) que antecede, a ora impugnante reclamou graciosamente alegando, para além do mais, encontrar-se isenta do pagamento da quantia liquidada (art. 29º do DL 40/95, de 15/02) e, os serviços da CML indeferiram tal pedido mas, tendo concluído pela existência de alguns trabalhos efectuados após O 1-08- 1997, data da entrada em vigor da Lei nº 91/97 de 01-08, que concedeu isenção à reclamante, por despacho da Directora Municipal de Finanças, Planeamento e Controlo de Gestão procederam à anulação parcial da liquidação e pelo montante de esc. 270.985$00, mantendo-se os restantes- cfr.. proc. administrativo junto por linha nº ......../98.
f) Da decisão referida em e) que antecede foi a ora impugnante notificada em 21-10-1999, data em que assinou o aviso de recepção enviado para a sua notificação e, nos seguintes termos:
«...foi indeferido o proc. ......../98, no que diz respeito à isenção da taxa devida pelas despesas de fiscalização relativas à reposição de pavimentos, porquanto face ao quadro legal e regulamentar vigente à data do facto gerador da liquidação- data da realização dos trabalhos- a reclamante, apesar de dispensada de licenciamento de obras, não se encontra isenta do pagamento da taxa em questão.
Porém e atendendo ao facto de que, a liquidação da referida taxa materializada na factura/guia de receita nº08.00.484 engloba diversos trabalhos, foi a mesma anulada parcialmente na parte respeitante aos trabalhos realizados após 1 de Agosto de 1997, na quantia de esc. 270.985$00, mantendo-se os restantes.
Nos termos do disposto no nº2 do artº 123º do CPT poderá deduzir impugnação judicial no prazo de oito dias após a presente notificação, a entregar nestes serviços.» - cfr. Fls. 9 destes autos e 101 a 104 do apenso.
g) Perante a notificação referida em f) que antecede, P................ SA veio deduzir a presente impugnação judicial em 02-11-1999, reafirmando não ser devedora de quaisquer taxas - cfr. fls.3 a 7 destes autos.»
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B. DO DIREITO
A ora recorrente (P................, S.A.) deduziu impugnação judicial junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, visando a anulação da liquidação da receita fiscal autárquica denominada «taxa de compensação por despesas de fiscalização», no montante de 832.597$00, relativa a trabalhos realizados em data anterior a 1 de Agosto de 1997, dizendo, em síntese, que a o tributo em causa reveste a natureza de imposto e sempre a por força da norma constante da alínea e) do artigo 29º do Decreto-Lei nº 40/95, de 15 de Fevereiro, se encontra isento do pagamento da taxa cobrada pela Câmara Municipal de Lisboa.
Quando à questão controvertida relativa à natureza do tributo em causa nestes autos, em sintonia com o Acórdão do Tribunal Constitucional proferido na sequência do recurso interposto pelo Ministério Público (fls.122/139), atento o juízo prolatado, é manifesta a falta de razão da recorrente, uma vez que o tributo liquidado no acto impugnado têm a natureza de taxa.
Consequentemente, improcede nesta parte o recurso.
Como já referimos, o fundamento invocado em torno do artigo 29º, alínea e), do DL n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, não foi conhecido pela sentença recorrida dada a procedência da questão da caducidade do direito de acção, sendo assim, cumprido que foi o artigo 665.ºdo CPC, nada obsta à apreciação da questão suscitada pela Impugnante na petição inicial e não apreciada pelo Tribunal “a quo”.
Vejamos, então.
A impugnante suscitou a questão respeitante à sua eventual isenção de que, por força da alínea e) do artigo 29.º do Contrato de Concessão (Bases de Concessão do Serviço Público de Telecomunicações) celebrado com o Estado Português aprovado pelo Decreto – Lei n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, gozaria relativamente à taxa em causa nos autos. Acrescentando, que tal isenção veio a ser mais uma vez, expressamente consagrada pelo artigo 13.º da Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto, que define as bases gerais a que obedece o estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações e a prestação de telecomunicações.
Em sede de contestação, defendeu-se que só através do artigo 13.º da Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto, a Impugnante passou a estar isenta do pagamento da taxa, uma vez que a Lei 88/89 de 11 de Setembro (Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração das Infra-Estruturas e Serviços de Telecomunicações) que serviu de Lei Habilitante à elaboração do Decreto – Lei 40/95 de 15 de Fevereiro não estabeleceu qualquer tipo de isenção a favor da Impugnante, razão pela qual, a referida alínea e) do artigo 29.º contida naquele diploma legal, padece de inconstitucionalidade formal e orgânica, por contrariar a alínea s) do n.º1 do artigo 168.º da Constituição da República Portuguesa, o que determina a sua não aplicação pelos tribunais.
Estabelece a alínea e) do artigo 29.º do Decreto - Lei n.º 40/95, de 15 de Fevereiro:
« e) Ocupar e utilizar, nos termos fixados na lei, as ruas, praças, estradas, caminhos e cursos de água, bem como terrenos ao longo dos caminhos de ferro e de quaisquer vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e de quaisquer outros encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão(sublinhado nosso)
É este o normativo em causa.
A questão do normativo inserto no artigo 29º, alínea e), do DL n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, por, pretensamente, violar o determinado nos artigos 168º, n.º 1, alínea s), e 240º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, na versão da Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de Novembro, foi já apreciada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 288/2004, de 27 de Abril de 2004 (tirado em plenário), pronunciando-se no sentido de «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 29º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95, de 15 de Fevereiro;».
Escreveu-se no citado Acórdão:
«4.Está em causa a alegada violação, por um lado, de normas relativas à competência legislativa, que reservavam à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, a competência para legislar sobre “[e]statuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais” e sobre “[d]efinição e regime dos bens do domínio público”. Para além desta inconstitucionalidade orgânica, é invocada a inconstitucionalidade material da norma em apreço, por violação da norma constitucional (artigo 238º) que prevê que as “autarquias locais têm património e finanças próprios” e que as “receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços” (bem como, ainda, no n.º 4, que as “autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei”).
Antes ainda de começar a tratar da referida inconstitucionalidade orgânica, e contendendo a norma em causa com a cobrança de tributos pelos municípios pela ocupação do domínio público, cumpre recordar que logo a Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro (Lei das Finanças locais) previu, no seu artigo 11º, que os municípios poderiam cobrar taxas por “ocupação do domínio público e aproveitamento dos bens de utilização pública” (isentando-se, porém, no artigo 27º, n.º 1, o “Estado e seus institutos e organismos autónomos personalizados (…) do pagamento de todas as taxas e encargos de mais-valias devidos às autarquias locais”).
Foi durante a vigência desta Lei das Finanças Locais que veio a ser aprovado o Decreto-Lei n.º 40/95, onde se enquadra a norma ora em causa. Este Decreto-Lei, inserido no “processo de reorganização e reestruturação do sector das comunicações em Portugal”, veio aprovar, em anexo, as “bases da concessão do serviço público de telecomunicações”, visando “estabelecer um claro quadro definidor”, no qual se enquadrava, entre os direitos da concessionária previstos, o direito, previsto na norma impugnada, de ocupação e utilização, nos termos fixados na lei, de vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e de outros encargos, “sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão”.
Posteriormente, também a citada Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto – que veio definir bases gerais a que obedece o estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações e a prestação de serviços de telecomunicações –, previu, no seu artigo 13º, sob a epígrafe “isenção de taxas”, que os “operadores de redes básicas de telecomunicações estão isentos do pagamento de taxas e de quaisquer outros encargos, pela implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou pela passagem das diferentes partes da instalação ou equipamento necessário à exploração do objecto de concessão da respectiva rede”. Esta norma, contida numa lei parlamentar, repetia, pois, a previsão da isenção já constante do artigo 29º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95, embora não apenas para a concessionária do serviço público de telecomunicações, e antes para os “operadores de redes básicas de telecomunicações”. Nos termos do artigo 12º desse diploma, ao Estado compete “assegurar a existência, disponibilidade e qualidade de uma rede pública de telecomunicações endereçadas, denominada «rede básica», que cubra as necessidades de comunicação dos cidadãos e das actividades económicas e sociais no conjunto do território nacional e assegure as ligações internacionais, tendo em conta as exigências de um desenvolvimento económico e social harmónico e equilibrado”. Esta rede básica, que constitui “bem do domínio público do Estado”, deve “funcionar como uma rede aberta”, sendo assegurada a sua utilização por todos os operadores de telecomunicações em igualdade de condições de concorrência, e é composta pelo “sistema fixo de acesso de assinante, pela rede de transmissão e pelos nós de concentração, comutação ou processamento, quando afectos à prestação do serviço fixo de telefone” integrado no serviço universal de telecomunicações (artigo 12º, n.ºs 2, 4 e 5, e artigo 8º dessa Lei).
Mais tarde, a Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, que aprovou uma nova Lei das Finanças Locais, manteve, no seu artigo 19º, alínea c), a previsão da possibilidade de os municípios cobrarem taxas por “ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal e aproveitamento dos bens de utilidade pública”, bem como a referida isenção do “Estado, seus institutos e organismos autónomos personalizados” (artigo 33º, n.º 1).
Por último, como já se referiu, a recente Lei das Comunicações Electrónicas veio prever a possibilidade de estabelecimento de uma “taxa municipal de direitos de passagem”, a pagar pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.
5.Importa começar por averiguar se a norma em apreço enferma de inconstitucionalidade orgânica, por ter sido aprovada pelo Governo sem precedência de qualquer autorização legislativa.
Com efeito, ainda que se entendesse que o citado artigo 13º da Lei n.º 91/97 veio, em lei parlamentar, reiterar, para os operadores de redes básicas de telecomunicações, a isenção que a norma em análise previa para a concessionária do serviço público de telecomunicações, eliminando, a partir daí, a questão da inconstitucionalidade orgânica – questão que pode deixar-se em aberto –, o certo é que, no presente caso, a decisão recorrida se pronunciou sobre a aplicação da isenção logo no ano de 1995, e, portanto, anteriormente ainda a tal diploma de 1997.
Pode, por outro lado, deixar-se também de parte a referência ao “regime geral das taxas”, incluída na competência parlamentar reservada pelo artigo 165º, n.º 1, alínea i), quer por a previsão dessa reserva datar apenas da IV revisão constitucional (aliás, não é invocado na decisão recorrida), sendo a norma em questão de 1995, quer por, manifestamente, não estar em causa nesta última a previsão de qualquer regime geral de taxas, mas apenas a introdução de uma determinada isenção para uma situação específica, na qual poderiam ser previstas taxas municipais.
A inconstitucionalidade orgânica desse artigo 29º, alínea e), resultaria, segundo a decisão do tribunal a quo e a recorrida, de violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, na parte em que esta abrange, quer o regime das finanças locais, quer a definição e regime dos bens do domínio público.
Quanto à primeira, salientou-se no Acórdão n.º 631/99 (publicado no Diário da República [DR], I série-A, de 28 de Dezembro de 1999):
“Desde a sua versão originária que a Constituição consagra o princípio da autonomia do poder local como um dos princípios fundamentais da organização do Estado (descentralizado) – artigos 6º, n.º 1, 237º, 242º (correspondentes aos actuais artigos 6º n.º 1, 235º e 241º).
A autonomia financeira é pacificamente reconhecida como um pressuposto da autonomia local – sem a autonomia financeira, assente na independência financeira, compreendendo quer o domínio patrimonial quer a independência orçamental (cfr. Sousa Franco ‘As finanças das autarquias locais’, AAFDL, 1985, p. 14), não há condições para uma efectiva autonomia.
Daí que, logo também na sua versão originária, a Constituição tivesse consagrado essa autonomia no artigo 240º, cujo conteúdo preceptivo se mantém nas versões de 82, 89 e 97 (nesta, artigo 238º, apenas com o aditamento do n.º 4, que atribui às autarquias locais poderes tributários nos casos e nos termos previstos na lei).
No âmbito da autonomia financeira, consagra a Constituição os princípios da justa repartição dos recursos públicos e da correcção das desigualdades a que há-de obedecer o regime das finanças locais (artigo 238º, n.º 2) regime este que, nos termos do mesmo preceito, constitui reserva de lei.
Paralelamente, o artigo 165º, n.º 1, alínea q), da CRP integra na reserva relativa de competência da Assembleia da República legislar em matéria de regime das finanças locais que, significativamente, faz compreender no estatuto das autarquias locais (artigos 168º, n.º 1, alíneas s) e r), e 167º, alínea h), nas revisões de 89 e 82 e na versão originária, respectivamente).”
O alcance da reserva de competência legislativa relativa ao regime das finanças locais pode, desde logo, ser problematizado, como se salientou no Acórdão n.º 4/2000 (publicado no DR, I série-A, de 5 de Fevereiro de 2000), quanto ao ponto de saber “se de tal regime fazem parte todos os aspectos da regulação sobre as finanças locais ou apenas os seus traços essenciais”.
Este Tribunal já concluiu que integra o regime das finanças locais, para efeito da reserva de competência legislativa, a fixação pelo Governo da afectação de receitas de certas taxas municipais a uma determinada finalidade – no caso do Acórdão n.º 452/87, relativo a uma norma de um decreto-lei que fixava o destino das receitas camarárias provenientes de taxas de registo e licenciamento de cães –, bem como o regime de apoios financeiros às autarquias. Foi este último o caso do Acórdão n.º 4/2000, onde se afirmou:
“seria sempre matéria de regime das finanças locais, no sentido previsto no artigo 165º, n.º 1, alínea q), uma regulação que versasse sobre apoios financeiros, pela necessária interferência desta com o modelo concreto de autonomia autárquica e mesmo que se referisse a apoios financeiros sem carácter contínuo e duradoiro. Assim, pelo facto de se estar perante um aspecto respeitante à disciplina do relacionamento financeiro entre as autarquias e o Governo Regional incorrer-se-á inevitavelmente no âmbito do regime das finanças locais.”
Não é já, porém, de afirmar que todas as normas que delimitem possíveis fontes de receitas autárquicas, como as taxas, integrem o “regime das finanças locais” integrante da reserva parlamentar.
Na verdade, a norma do artigo 29º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95 não prevê qualquer alteração ao “regime das finanças locais”, mas apenas, para determinada situação, uma isenção para uma possível fonte de receitas dos municípios. Ao contrário das hipóteses acima referidas, esta norma apenas indirectamente tem reflexo nas finanças locais – apenas pelo facto de excluírem a incidência em relação a uma determinada pessoa, numa situação específica que poderia ser objecto de taxa.
Aliás, o direito de ocupação e utilização de vias de comunicação do domínio público que fundava a isenção prevista na norma em análise afigura-se revestir um cariz eminentemente funcional, ligado à qualidade de concessionária do serviço público de telecomunicações. A isenção de taxas e encargos por tal ocupação e utilização é, pois, resultado do regime jurídico do serviço público de telecomunicações, e não uma isenção de natureza tributária e pessoal, não residindo a sua fundamentação em quaisquer considerações ou razões financeiras, ou ligadas às finanças locais, mas nesse regime jurídico-administrativo.
O “regime das finanças locais”, reservado à competência parlamentar, não pode, por outro lado, abranger toda a regulação material das possíveis fontes de receitas municipais, nos seus diversos aspectos. Para além de tal levar a incluir na reserva de competência da Assembleia da República todo o regime das taxas (ou, até, de outras fontes de receitas, mesmo não coactivas, das autarquias), um entendimento tão amplo do “regime das finanças locais”, que levasse a incluir nele, em globo, o regime das fontes de receitas autárquicas, dificilmente poderia – como, aliás, notou o recorrente, nas suas alegações – deixar de abranger igualmente os variados regulamentos locais que criam taxas a favor do município, fixando a sua incidência e o seu regime jurídico. Podendo a criação de múltiplas taxas – que constituem uma importante fonte de receitas municipais com reflexos nas “finanças locais” – ter lugar por regulamento, sem violação da reserva de competência relativa ao “regime das finanças locais”, terá de concluir-se que também a previsão, pelo legislador, de uma certa e determinada isenção, para uma empresa concessionária de serviço público, não viola essa reserva de competência.
6.Ainda em sede de inconstitucionalidade orgânica, sustenta a recorrida que a norma em causa, ao prever uma isenção de taxas pela ocupação e utilização do domínio público, estaria a invadir a competência reservada da Assembleia da República para estabelecer o regime dos bens do domínio público (artigo 168º, n.º 1, alínea z), da Constituição, na redacção em vigor em 1995), e, em particular, do domínio público das autarquias locais, reconhecido no artigo 84º, n.º 2, da Constituição, no qual se preceitua também que a lei define o “regime, condições de utilização e limites” deste limite público.
Entende-se, porém, que a introdução de uma específica isenção de taxas e quaisquer outros encargos para ocupação e utilização de vias de comunicação do domínio público, quando que se mostrem necessárias à implantação das infra-estruturas de telecomunicações, para a passagem de diferentes partes da instalação ou para equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão do serviço público de telecomunicações, como a prevista na norma em apreço, não é de considerar abrangida na reserva de competência da Assembleia da República, também na parte em que esta se refere à definição do regime dos bens do domínio público.
Aceitar-se-á que a generalidade desses bens – designadamente, das vias de comunicação situadas no município – cuja ocupação e utilização é permitida, sem taxas e encargos, pela norma em análise, integra o domínio público (o artigo 84º, n.º 1, da Constituição, na sua alínea d), inclui neste, designadamente “as estradas”, e no caso vertente estava, justamente, em causa a ocupação da via pública), e o domínio público das autarquias locais. Todavia, seria precipitado considerar a previsão da isenção em questão como integrando a definição do “regime dos bens do domínio público”, para efeitos da reserva de competência parlamentar.
Na verdade, a presente norma não procede a qualquer “definição” dos bens que integram o domínio público – nem sequer quanto aos seus limites, como acontecia no recente Acórdão n.º 131/03 (publicado no DR, I série-A, de 4 de Abril de 2003), no qual se declarou inconstitucional um diploma da Assembleia da República que alterava a definição dos limites do domínio público marítimo efectuada, remetendo, em certas hipóteses, tal definição para os órgãos de governo das regiões autónomas). A norma do artigo 29º, alínea e), agora em causa, limita-se a, sem se ocupar de outras condições para a sua ocupação e utilização, prever uma isenção de taxas e demais encargos, justificada por aquelas se revelarem indispensáveis para o serviço público de telecomunicações.
Poderá, na verdade, questionar-se, desde logo, que a definição do regime dos bens do domínio público que compete à Assembleia da República deva abranger todos os aspectos, gerais, especiais, e não essenciais (incluindo os encargos e taxas) da utilização de todos os bens que devam considerar-se integrantes do domínio público.
A dúvida quanto a que a reserva de competência parlamentar em matéria de definição do regime e das condições de utilização dos bens do domínio público deva incluir mais do que a fixação desse regime “no que a dominialidade tem de essencial”, “nomeadamente quanto à regulamentação das condições de utilização dos bens”, não deixou, aliás, de transparecer nas duas declarações de voto apostas ao Acórdão n.º 330/99 (publicado no DR, I série-A, de 1 de Julho de 1999), no qual estava em causa uma norma constante de diploma regional que autorizava a utilização, em determinados termos, dos leitos e fundos marinhos para extracção de areia. Para além disto, como se referiu também na fundamentação deste acórdão n.º 330/99, considerou-se neste aresto que a reserva parlamentar incluía a determinação das condições de utilização dos bens do domínio público – estas foram tidas como “parte integrante do regime daqueles bens” – por para essas condições valerem as “razões que levam a integrar a matéria atinente à definição e ao regime dos bens do domínio público na reserva de competência legislativa parlamentar – designadamente, a necessidade de preservar a integridade desses bens e o respeito pela sua afectação a finalidades de indiscutível interesse nacional”.
Ora, é justamente a consideração destas razões que permite concluir pela exclusão da norma do artigo 29º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95 da reserva de competência da Assembleia da República, no que se refere aos bens do domínio público.
Essa norma incide apenas sobre um particular aspecto da utilização das vias de comunicação. Ora, apesar de estas integrarem o domínio público, é de entender que nem toda a regulamentação relativa à sua ocupação ou utilização pode ser considerada como definição do regime dos bens do domínio público, para o efeito da competência parlamentar reservada. Assim, não se contesta que, apesar da norma em causa, a titularidade, o destino e a utilização das vias permanece com os municípios, não se dispondo, nem se autorizando qualquer verdadeira disposição das vias municipais. Nem se contesta, por outro lado, que a norma em causa se refere apenas a uma específica ocupação e utilização, e na medida em que estas sejam indispensáveis para as infra-estruturas de telecomunicações, para a passagem da instalação ou para equipamentos necessários à concessão do serviço público de telecomunicações.
A dispensa de taxas ou encargos prevista no artigo 29º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95 tem lugar, na verdade, no quadro da concessão do serviço público de telecomunicações, apenas para a concessionária e para esta limitada utilização, e visando a prossecução de um interesse público que transcende o âmbito das autarquias locais, consistente na manutenção de um serviço público de telecomunicações de âmbito nacional, que poderia ser dificultado pelo estabelecimento de condições diferenciadas de exploração em cada autarquia, e cuja concessão é naturalmente negociada e decidida pelo Governo. Diversamente da que foi apreciada no acórdão n.º 330/99, a norma em questão não implica que se autorize qualquer afectação da integridade dos bens, nem define as condições para a utilização destes, antes estabelece, apenas, na parte em questão, a isenção de taxas e de outros encargos para uma sua específica “afectação a finalidades de indiscutível interesse nacional”, pela ocupação e utilização das vias municipais, em todo o território, por parte do concessionário do serviço público de telecomunicações – sendo certo, aliás, que, como se referiu, as infra-estruturas e instalações em causa, quando integrarem a “rede básica de telecomunicações”, farão parte do domínio público, não das autarquias locais, mas do Estado.
Com estes limitados âmbito, finalidade e conteúdo, a previsão pelo Governo da isenção de taxas e encargos em questão não é de considerar como violadora da reserva de competência para a definição do “regime dos bens do domínio público”.»(http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040288.html).
Tendo-se concluído pela inexistência de inconstitucionalidade da norma em apreço, nada há pois a acrescentar quanto a esse ponto, não havendo, aliás, qualquer novo argumento que, tenha sido aduzido em sede de contestação.
Tanto basta para se poder concluir que tem razão a Impugnante ao defender que beneficia da isenção consagrada na alínea e) do artigo 29.º do Decreto – Lei n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, e sendo assim, é de anular a liquidação sindicada.
IV.CONCLUSÕES
I. A dispensa de taxas ou encargos prevista no artigo 29.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95 tem lugar, no quadro da concessão do serviço público de telecomunicações.
II. O Tribunal Constitucional no Acórdão nº 288/2004, de 27 de Abril de 2004, decidiu que «a norma do artigo 29.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, não padece nem de inconstitucionalidade orgânica nem de inconstitucionalidade material.».
V.DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes que integram a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar procedente a presente impugnação judicial.


Sem custas, por a recorrida delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 01.01.2004 .

Lisboa, 8 de Maio de 2019.

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Catarina Almeida e Sousa]