Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:395/15.1BECTB-A
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FALTA DE INSTRUMENTALIDADE
REJEIÇÃO LIMINAR
Sumário:
As providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais, de que são preliminares ou incidente (arts 112º, nº 1 e 113º, nº 1 do CPTA), constituindo a intrumentalidade o principal traço característico da tutela cautelar.

Inexiste instrumentalidade entre a providência cautelar de admissão provisória a concurso de colocação de professores para ano letivo e a ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo de aplicação de pena disciplinar de demissão.

Nesse sentido, por implicar um efeito que excede o peticionado na ação principal, deve ser rejeitado liminarmente o requerimento cautelar, nos termos do artigo 116.º, n.º 1 e n.º 2, al. d) do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Decisão:
Relatório

José ……………………. requereu providência cautelar, na pendência de ação principal, contra a Secretaria Regional de Educação da Região autónoma da Madeira, pedindo a «adoção da providência cautelar de permitir a sua admissão provisória ao concurso de colocação de professores da Região Autónoma dos Açores, para o ano letivo de 2019/2020, e ao concurso de colocação de professores do continente para o mesmo ano letivo».
Por despacho de 17.1.2019 foi o requerimento cautelar rejeitado liminarmente.
Inconformado com o decidido, o requerente interpôs recurso de apelação com alegações em que concluiu:
1 - «A recorrida rejeita liminarmente o requerimento cautelar nos termos do artigo 11 6º, nº 1 e nº 2, al d) do CPTA. (A manifesta ilegalidade da pretensão formulada).
2 - O motivo pelo qual, a levou a considerar a manifesta ilegalidade da pretensão formulada, foi pelo seguinte: «Nesse sentido, por implicar um efeito que excede o peticionado na ação principal, conclui-se pela inexistência de instrumentalidade entre a ação principal e a cautelar».

3 - Para a recorrida, ter decidido conforme o exposto, mais concretamente nos termos do citado artigo, devia, ter mencionado com objetividade qual ou quais as disposições legais que foram violadas, ao ter mencionado os factos praticados e ou os não praticados e por ela, devidos, por parte do ora recorrente, ao requerer a providência cautelar e não o fez, nem o podia fazer, porque, o recorrente, usou um instrumento previsto lei conferindo, ao recorrente, o direito, que exerceu, ao requerer a providência cautelar utilizando o meio legal previsto, através de um processo cautelar, na qual requerer a admissão provisória em concursos, esta, também, expressa na lei, e teve em conta, ao articular os factos os critérios de decisão e procedeu a uma exposição exaustiva,(até excessiva de mais ),dos fundamentos tendo em conta cada um dos critérios.

4 - Ao proceder-se conforme o direito e não como argumenta a recorrida, ao concluir a sua decisão de rejeitar liminarmente o requerimento cautelar o fazia nos termos do artigo 116º, nº l e nº 2, al d) do CPTA.

5 - A recorrida limitou-se, de forma errônea, desconexa e sem qualquer enquadramento legal, aliás, no âmbito do processo principal e da presente providência cautelar, caso tivessem sido praticados os factos invocados pela recorrida, todos estavam inquinados de vícios) mencionar factos e seus efeitos, que rigorosamente nem faz qualquer sentido numa análise jurídica, dentro do enquadramento de uma providência cautelar de admissão provisória em concursos, terem sidos mencionados.

6 - Tanto assim é, que, tenha-se em conta os factos que servem de fundamento à sua decisão: "...ora a função das providências cautelares antecipatórias (como é o caso da admissão provisória a concurso, aqui requerida) é antecipar a título provisório, a constituição de uma situação jurídica nova diferente da existente. Alteração da situação preexistente que tem que ser peticionada a título definitivo no processo principal..."

7 - Refere-se ainda, a recorrida, nos termos seguintes:

".... SE na ação principal se pretende a invalidade de um ato administrativo e, com isso, a destruição dos seus efeitos, só uma providência cautelar de suspensão de eficácia desse ato garante (provisoriamente) a paralisação dos efeitos jurídicos resultantes dessa decisão administrativa ..."

8 - É, verdade, o vertido pela recorrida, em termos jurídicos, numa visão abstrata, mas não faz sentido por ser desnecessário e, até, seria um expediente processual inútil, em subsumir ao caso concreto, porque, a suspensão invocada aqui, pela recorrida só fazia sentido se fosse para regressar ao quadro de pessoal da EBS Professor Dr. Francisco Freitas Branco, não quanto à providência cautelar requerida, de admissão provisória em concursos, não trazia nenhum efeito jurídico, que não possa verifica-se por se não ter requerido a citada suspensão invocada pela a recorrida.

6 - O culminar, do que refere a recorrida, no que concerne, à matéria factual, que assenta os fundamentos da sua decisão, encontra-se assim se expressa:

"...No caso sub judice, no processo principal, não é peticionada a admissão ao concurso de colocação de professores da Região Autónoma dos Açores para o ano 2019/2020, a admissão ao concurso de colocação de professores do Continente, (...) mas apenas a declaração de nulidade do despacho de execução da pena condenatória de 7 de maio de 2009, do Secretário Regional de Educação da Região Autónoma da Madeira e a condenação da Entidade demandada a reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado..."

7 - Tendo em conta, o descrito, legitima, o ora recorrente, em afirmar, que segundo a recorrida, o pedido ao integrar o que ela, põe como condição de não se verificar a manifesta ilegalidade da pretensão formulada, só, se não dava, se tivesse no processo principal, terminado os articulados da ação e em simultâneo tivesse pedido, o que se pedia mais as medidas preventivas a serem tomadas quanto à matéria de admissão em concursos, aqui sim, é que se estaria, numa situação de manifesta ilegalidade da pretensão formulada.

8 - Contrário, aos fundamentos invocados pela a recorrida, como suporte da sua decisão, aqui recorrida, o requerido, na providência cautelar não está inquinado de qualquer de tipo de vício, nem na sua formação, nem quanto à matéria vertida.

Tanto, assim, que é verdade afirmar o seguinte:

O processo cautelar, no qual requer-se a providência cautelar de admissão provisória em concurso está na integra realizada no cumprimento dos formalismos, necessários, essenciais e legais de modo a não poder ser alvo de uma decisão de rejeição liminar do mesmo e muito menos, quando esta decisão assenta em factos, a serem produzidos, estes sim, inquinados de ilegalidade, além, de não terem aplicabilidade, nem em termos de matéria de facto como de direito no caso da providência cautelar de admissão provisória em concursos, não deixam sim, de revelar em abstrato, o que são os efeitos jurídicos que estes atos produzem, mas não, no caso aqui, em apreço, no que concerne, á providência cautelar requerida.

9-Todavia, não se impugna só, a decisão quanto à matéria de facto, é pertinente uma análise à matéria de direito, pondo em relevo, precisamente o artigo mencionando pela recorrida, artigo 1 1 6º, nº l e nº 2, al d) do CPTA, na sua antiga redação consigna o seguinte: "A manifesta ilegalidade da pretensão formulada e na atual redação dispõe o seguinte:" A manifesta falta de fundamento da pretensão formulada.

10 -Facilmente, verifica-se dos factos invocados pela recorrida, que a mesma não invoca a falta de fundamento da pretensão formulada, até porque, a recorrida, ao rejeitar a providência liminarmente, não conheceu do pedido, significa do exposto, que os factos por si invocados, quanto à manifesta ilegalidade da pretensão formulada, esta não existe, devido ao rigor da providência cautelar, tanto na sua formação como materialmente, encontra-se conforme ao direito.

11- Também, quanto aos factos, que a recorrida diz concluir pela inexistência da intrumentalidade entre a ação principal e a cautelar, a razão pela qual rejeita, liminarmente o requerimento nos termos, não da manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, (esta, está devidamente fundamentada com precisão, é concreta e objetiva) mas sim, na manifesta ilegalidade da pretensão formulada, disposição legal, esta, não aplicada a este processo cautelar, por ter sido a sua redação alterada, pelo, que, conclui -se, que a decisão da recorrida, não tem suporte legal, ao invocar um artigo em que a sua redação foi alterada, deixando de estar em vigor.

12 - Por seu turno, admitindo por mera hipótese que a recorrida, reporta-se à redação em vigor, obviamente, os factos invocados pela recorrida não são consumíveis na norma citada.

De todo o explanado se conclui: A recorrida na sua decisão não especificou os fundamentos de facto e de direito que justifique a sua decisão;

Os fundamentos, revelam ambiguidade, com resultado na decisão de indeferimento liminar da providência cautelar, ao fazê-lo nos termos do artigo 116º, nº l e 2, al d), do CPTA.

Decorre do exposto que estamos perante uma sentença inquinada de vícios, violação de lei gerando que a decisão em causa seja nula. (Art nº 1° do CPTA e art. nº 615º nº 1alíneas b), e) e d) do CPC.)

A Região Autónoma da Madeira contra-alegou o recurso e, sem conclusões, refutou a nulidade da decisão, por falta de fundamentação, por oposição entre os fundamentos e a decisão, por omissão ou excesso de pronúncia.


O Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, em que pugna pela improcedência do recurso.

Cumpre apreciar.

O objeto do recurso:
Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nº 1 e nº 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, cumpre saber se a sentença recorrida padece de nulidade e errou quanto à solução jurídica da causa, com violação dos arts 112º nº 1, 113º nº 1 e 116º do CPTA, por se verificar relação de instrumentalidade com a ação principal, devendo ser revogada.


Fundamentação de facto
O Tribunal a quo deu como indiciariamente provados os factos que seguem:

i) No presente processo cautelar, o requerente pretende a admissão provisória ao concurso de colocação de professores da Região Autónoma dos Açores para o ano 2019/2020 e ao concurso de colocação de professores do continente para o mesmo ano letivo.

ii) Por seu turno, no processo principal, que corre termos sob o nº 395/15.1BECTB – A, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, o requerente peticiona o seguinte: [nestes] termos, … deve o presente recurso ser considerado procedente por provada a inexistência da notificação da decisão de demissão e por via dela declarado nulo o despacho de execução da respetiva pena condenatória de 7 de maio de 2009 do Secretário Regional de Educação e Cultura da Região Autónoma da Madeira.

Como consequência deve ser o ora recorrido ser condenado a reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado.

iii) A 22.4.2009 foi publicado no DRE, 2ª série, nº 78, o aviso nº 23/2009/M, com o seguinte teor: Nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, é avisado José ………………………………, professor de nomeação definitiva na Escola Básica e Secundária Professor Doutor Francisco de Freitas Branco - Porto Santo, arguido nos processos disciplinares n.º DRL-231/99, 10.07/00178/RL/07 e 07/D/2002, com a última residência na…………………………, n.º ….., …… Dt.º, ………… Castelo Branco, de que lhe foi aplicada a pena de demissão, nos termos da alínea b) do artigo 26.º do Estatuto Disciplinar, por despacho do Secretário Regional de Educação e Cultura de 14/03/2009.


O Direito.
Nulidade da decisão.

Nos termos do art 615º, nº 1 do CPC ex vi art 1º do CPTA, a sentença é nula nos casos previstos nas suas alíneas a) a e): não contenha a assinatura do juiz (al a)), quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (al b)), os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al c)), quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al d)) e quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (al e)).

As nulidades da sentença (ou do acórdão) estão taxativamente enunciadas e não se confundem com o erro de julgamento. As primeiras contendem com a validade intrínseca da decisão, o segundo com o mérito da decisão.

Tanto a jurisprudência como a doutrina consideram que há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação.

Nos termos do art 615º, nº 1, al b) do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Como refere o Prof Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 221, «diferente da omissão de pronúncia – que resulta da abstenção de conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou de pedidos por elas formulados - … esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)».

Ainda a decisão é nula se os fundamentos da mesma estiverem em oposição com a parte decisória ou revelarem ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível
No caso, o recorrente sustenta a nulidade da decisão, prevista no art 615º, nº 1, als b), c) e d) do CPC, ex vi art 1º do CPTA, na argumentação seguinte:
. «a decisão recorrida devia ter mencionado com objetividade qual ou quais as disposições legais que foram violadas, ao ter mencionado os factos praticados e ou os não praticados e por ela devidos … e não o fez, nem o podia fazer»,
. «a decisão recorrida limitou-se de forma errónea, desconexa e sem qualquer enquadramento legal, …, mencionar factos e seus efeitos, que rigorosamente não faz qualquer sentido …»;
. «é verdade o vertido pela decisão recorrida, em termos jurídicos, [que só uma providência cautelar de suspensão de eficácia desse ato garante (provisoriamente) a paralisação dos efeitos jurídicos resultantes da decisão administrativa], mas não faz sentido por ser desnecessário … só fazia sentido se fosse para regressar ao quadro de pessoal da EBS Prof Dr. Francisco Freitas Branco»;
. «o culminar da decisão recorrida, no que concerne à matéria factual, que assenta os fundamentos da sua decisão, encontra-se assim expressa: … no processo principal não é peticionada a admissão ao concurso de colocação de professoras da Região Autónoma dos Açores para o ano 2019/2020, a admissão ao concurso de colocação de professores do Continente … mas apenas a declaração de nulidade do despacho de execução da pena condenatória de 7.5.2009 … e a condenação da demandada a reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado»;
. «quando esta decisão de rejeição assenta em factos, a serem produzidos, estes sim inquinados de ilegalidade»;
. «todavia, não só se impugna a decisão quanto à matéria de facto … como os factos invocados pela decisão recorrida não são subsumíveis na norma do art 116º, nº 1 e nº 2, al d) do CPTA».
O discurso fundamentador do recurso, que vimos de transcrever, evidencia a falta de razão do recorrente quando, cumulativamente, aponta falta de fundamentação e omissão de pronúncia e, em simultâneo, ambiguidade à decisão recorrida.
O recorrente enfrenta os fundamentos de facto e de direito da decisão de rejeição do requerimento cautelar e discorda deles.
Afigura-se-nos, por isso, que o recorrente confunde nulidade da sentença com erro de julgamento, pois tudo quanto alega configura erro de julgamento de direito.

Assim, independentemente da validade desta argumentação, que, diga-se, não nos merece acolhimento, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia, nem de falta de fundamentação, nem de ambiguidade da decisão.

Pelo que, não se verifica a nulidade da decisão recorrida do art 615º, nº 1, als b), c) ou d) do CPC.


Erro de julgamento:
A decisão recorrida rejeitou liminarmente o requerimento cautelar, nos termos do disposto no art 116º, nº 1 e nº 2, al d) do CPTA, por inexistência de instrumentalidade entre a ação principal, já instaurada, e o presente processo cautelar.
O despacho de rejeição liminar, previsto no art 116º, nº 2 do CPTA, permite a eliminação ab initio de processo que não reúna as condições mínimas de viabilidade.
Com efeito, quando o tribunal considere que é evidente e manifesto que a pretensão cautelar deduzida é infundada ou que existem exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente deve rejeitar o requerimento cautelar.
Assim, e bem, decidiu o tribunal recorrido.
Vejamos.
As providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais, de que são preliminares ou incidente (arts 112º, nº 1 e 113º, nº 1 do CPTA).
A razão de ser do processo cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a adoção de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes. Razão pela qual se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. E também motivo pelo qual se faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal (fumus bonnus iuris).

Nesta medida, o artigo 112º, nº 1 do CPTA de 2015 [o aplicável ao caso (entrado em juízo a 14.1.2019)] admite que
quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.
A função preventiva das providências cautelares, como por exemplo da admissão provisória em concursos – cfr art 112º nº 2, al b) do CPTA – conduz a que estas assumam como características típicas, decorrentes da sua própria natureza, a
instrumentalidade e a provisoriedade.
O procedimento cautelar caracteriza-se pela sua instrumentalidade – dependência da ação principal – provisoriedade – por não estar em causa a resolução definitiva de um litígio – sumariedade – porque implica uma cognição sumária da situação em litígio através de um procedimento simplificado e rápido.
O principal traço característico da tutela cautelar, escreve Mário Aroso de Almeida e Carlos F. Cadilha, em Comentário ao CPTA, 2017, 4ª edição, pág. 914, «é a sua instrumentalidade: ela existe em função dos processos em que se discute o fundo das causas, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos, que, por isso, são qualificados como processos principais».
A instrumentalidade constitui, portanto, «um limite interno ao exercício do poder cautelar do juiz administrativo» (cfr Fernanda Maçãs, em As Medidas Cautelares, in Reforma do Contencioso Administrativo, vol. I, O Debate Universitário, pág. 457 e 458) e, por isso, não consente que a providência cautelar antecipe a sentença do processo principal, conduzindo a efeitos definitivos e irreversíveis. Pois, neste último caso, se a sentença final fosse favorável ao requerido perderia utilidade ou eficácia (cfr Ac do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.11.2004, processo nº 376/04, sob consulta em http://www.ggsi.pt/jtca.).
Esta característica da instrumentalidade, comum aos processos cautelares e às próprias providências, tem, designadamente, as seguintes manifestações:
- o pedido cautelar (a formular através de requerimento inicial que deve obedecer às exigências explicitadas no artigo 114º do CPTA) estando intimamente dependente da pretensão material principal (definitiva), pode ser apresentado previamente à instauração do processo principal, juntamente com a petição inicial do processo principal ou na pendência do processo principal (cfr. art 114º nº 1 als a), b) e c) do CPTA), no primeiro caso o processo cautelar é intentado como preliminar do processo principal, e nos outros, como incidente (cfr. art 113º nº 1 do CPTA);
- o Tribunal competente para decidir o pedido cautelar é o que é competente para julgar a ação principal, devendo assim ser nele apresentado o requerimento inicial da providência (cfr. arts 20º nº 6 e 114º nº 2 do CPTA);


- no requerimento inicial da providência deve ser indicada a ação principal de que o processo cautelar depende ou irá depender, se for preliminarmente instaurado, e quando apresentado na pendência do processo principal deve este ser identificado, conduzindo a falta de tais indicações, que não seja suprida após convite de aperfeiçoamento, à rejeição liminar do requerimento inicial da providência (cfr. arts 114º, nº 3, als e) e i) e 116º, nº 2, al a) do CPTA);


- a legitimidade para o pedido de decretação de providências cautelares está dependente da legitimidade para o processo principal, constituindo fundamento da rejeição liminar do requerimento inicial da providência a manifesta ilegitimidade do requerente (cfr. arts 112º, nº 1 e 116º, nº 2, al b) do CPTA);

- se em sede de apreciação liminar do requerimento inicial da providência for de concluir pela manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal o requerimento inicial da providência é liminarmente rejeitado (cfr. art 116º, nº 2, alínea f) do CPTA);


- se o requerente da providência cautelar não fizer uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou o processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca (cfr. art 123º, nº 1, al a) do CPTA);


- o processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca, se, tendo o requerente feito uso do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou, esse processo estiver parado durante mais de três meses por negligência sua em promover os respetivos termos ou de algum incidente de que dependa o andamento do processo, ou se esse processo findar por extinção da instância e o requerente não intentar novo processo, nos casos em que a lei o permita, dentro do prazo fixado para o efeito (cfr. art 123º, nº 1, als b) e c) do CPTA);


- se se verificar o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo principal, no caso de ser desfavorável ao requerente processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca (cfr. art 123º, nº 1, al d) do CPTA);


- quando o meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destina não está sujeito a prazo, o requerente deve fazer uso desse meio no prazo de 90 dias, contado desde o trânsito em julgado da decisão que decrete a providência cautelar, sob pena de caducidade da providência (cfr. art 123º, nº 2 do CPTA);


- o julgamento de improcedência da causa principal, decidido por sentença de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo, é relevante para efeitos de alteração ou revogação da providência cautelar decretada com fundamento em alteração dos pressupostos de facto e de direito inicialmente existentes (cfr. art 124º, nº 3 do CPTA);


- a adoção de providência cautelar depende (cumulativamente) de que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e de que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente
(cfr. art 120º nº 1 do CPTA).

No caso em análise, o recorrente, como incidente da ação principal nº 395/15.1BECTB, requereu fosse permitida a sua admissão provisória ao concurso de colocação de professores da Região Autónoma dos Açores, para o ano letivo de 2019/2020, e ao concurso de colocação de professores do Continente para o mesmo ano letivo.

Naquele processo principal, que segue a forma de ação administrativa especial, o ora recorrente impugnou o ato administrativo, proferido, em 7.5.2009, pelo Secretário Regional de Educação e Cultura da Região Autónoma da Madeira, lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
A decisão recorrida considerou, então, que inexiste instrumentalidade entre a providência cautelar requerida, de admissão provisória a concurso de colocação de professores para o ano letivo de 2019/2020, e a ação administrativa especial, onde foi impugnado o ato de aplicação ao ora recorrente, professor de nomeação definitiva na Escola Básica e Secundária Professor Doutor Francisco de Freitas Branco - Porto Santo, de pena disciplinar de demissão.
A decisão alicerça-se na fundamentação seguinte:
«Com efeito, na ação cautelar é requerida uma providência cautelar de admissão provisória ao concurso de colocação de professores da Região Autónoma dos Açores para o ano 2019/2020 e ao concurso de colocação de professores do continente para o mesmo ano letivo (concursos que, segundo alegado pelo Requerente, não passam de uma mera probabilidade), enquanto no processo principal o Requerente peticiona “[a declaração de nulidade do] despacho de execução da respetiva pena condenatória de 7 de maio de 2009 do Secretário Regional de Educação e Cultura da Região Autónoma da Madeira.”, bem como a condenação da Entidade Demandada a reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado.
Ora, a função das providências cautelares antecipatórias (como é o caso da admissão provisória a concurso, aqui requerida) é antecipar, a título provisório, a constituição de uma situação jurídica nova, diferente da existente. Alteração da situação preexistente que tem de ser peticionada, a título definitivo, no processo principal.

Se na ação principal se pretende a invalidade de um ato administrativo e, com isso, a destruição dos seus efeitos, só uma providência cautelar de suspensão de eficácia desse ato garante (provisoriamente) a paralisação dos efeitos jurídicos resultantes dessa decisão administrativa.

No caso sub judice, no processo principal, não é peticionada a admissão ao concurso de colocação de professores da Região Autónoma dos Açores para o ano 2019/2020, a admissão ao concurso de colocação de professores do continente, nem o reconhecimento do preenchimento das condições de admissão aos mencionados concursos, mas apenas a declaração de nulidade do despacho de execução da pena condenatória de 7 de maio de 2009 do Secretário Regional de Educação e Cultura da Região Autónoma da Madeira e a condenação da Entidade Demandada a reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado.

Nesse sentido, por implicar um efeito que excede o peticionado na ação principal, conclui-se pela inexistência de instrumentalidade entre a ação principal e a cautelar, razão pela qual se rejeita liminarmente o presente requerimento cautelar, nos termos do artigo 116.º, n.º 1 e n.º 2, al. d) do CPTA».

A abordagem assim feita não merece reparo, uma vez que entre o procedimento cautelar requerido e a ação principal antes instaurada não existe relação de dependência e instrumentalidade do pedido cautelar relativamente à ação administrativa de impugnação de ato administrativo que aplica ao requerente a pena disciplinar de demissão.

Nas circunstâncias do caso concreto, em que não está pedida nem vem pedida a suspensão de eficácia da medida punitiva de demissão, o recorrente não pode concorrer ao concurso de professores para o ano letivo de 2019/2020. Enquanto não obtiver ganho de causa na ação principal, é impossível almejar a admissão ao concurso de colocação de professores.

Assim sendo, o recorrente com este requerimento cautelar não pode antecipar, a título provisório, o resultado favorável pretendido no processo principal, mediante a admissão provisória em concurso de colocação de professores, designadamente, porque o objeto da ação principal não é a prática de ato administrativo, antes a remoção de ato administrativo, de conteúdo positivo, que ele pretenderia que não tivesse sido praticado, pois, torna inviável a manutenção da relação de emprego.

A medida cautelar pretendida pelo recorrente não assegura a utilidade da sentença a proferir na ação administrativa de impugnação de ato punitivo, por falta do pressuposto processual da instrumentalidade destes autos em relação à causa principal. O que bem ditou a rejeição liminar do requerimento cautelar apresentado pelo recorrente, por manifesta improcedência ditada por falta de fundamento da pretensão, nos termos do art 116º, nº 1 e nº 2, al d) do CPTA.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
*
Lisboa, 2019-04-04,

(Alda Nunes),


(José Gomes Correia),



(António Vasconcelos).