Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:638/15.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO;
PRINTS.
Sumário:I. Os prints informáticos elaborados pela Administração Tributária constituem meros documentos elaborados pela própria Administração para efeitos internos e não provam nem a remessa da citação para a execução fiscal, nem muito menos o seu recebimento pelo contribuinte.

II. O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que considere úteis de modo a apurar se a carta citação foi ou não remetida para o domicílio do oponente, o que é essencial para determinar se a oposição foi deduzida tempestivamente.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

V........., melhor identificado nos autos, deduziu oposição ao processo de execução fiscal n.º ......... e apensos, que contra si corre termos no Serviço de Finanças (SF) de Leiria 2, para a cobrança coerciva de dívidas provenientes de taxas de portagem referentes ao ano de 2008.

Inconformado com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, na qual se julgou verificada a caducidade do direito de acção e, em consequência, se absolveu a Fazenda Pública da instância, veio dela interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo.

O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I - Tem o presente recurso como fundamento específico a invocação pelo Tribunal “a quo" dos art°s 203° e 191° do CPPT para considerar regularmente citado o executado e, em consequência, julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção por intempestividade da apresentação da oposição, normas com cuja interpretação e aplicação não podemos concordar.

II - A citação prevista no n° 1 do art° 191° não configura uma citação em sentido próprio e técnico, não produzindo os efeitos típicos da citação, não determinando o "dies a quo" do exercício dos direitos de defesa dos executados.

III - A citação postal feita ao executado, atestada nos presentes autos, constitui uma citação provisória que dispensa a citação definitiva até ao momento em que seja efectuada a penhora de bens.

IV - Pela falta de segurança de que se reveste tal citação provisória, não é susceptível qe abrir o prazo para a defesa do executado, designadamente o prazo de oposição execução fiscal como resulta inequivocamente do disposto no art° 203°, n° l, al. a) do CPPT.

V - Pelo que o direito de defesa do oponente não se encontra precludido pela apresentação de um requerimento de pagamento em prestações, uma vez que tal pedido foi formulado com total desconhecimento de todo o teor, infracção, prazos e cominação legais com clara violação dos seus direitos de defesa.

VI - A citação tem de obedecer aos formalismos legais previstos no art° 190° do CPPT e, r o caso da citação pessoal, rege o disposto no art° 192° do mesmo Código que remete para os termos agora previstos no art° 225° do CPC, pelo que, não é qualquer acto de simples comunicação de instauração da execução que produz os efeitos da citação.

VII - Admitir a possibilidade de diferenciar a forma de chamamento à execução dos executados em função do valor do processo executivo, não é compatível com os princípios gerais de direito e com os princípios de direito tributário, da legalidade, da certeza e segurança jurídica, nem com os direitos de defesa dos contribuintes.

VII - No caso “sub iudice" o executado antecipou até a sua defesa ao deduzir oposição à execução fiscal onde invocou, para sustentar a sua tempestividade, a falta de citação pessoal.

Nestes termos, nos melhores do Direito, mas sempre com o douto suprimento de V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão de que se recorre nos termos e pelos fundamentos constantes das conclusões que se deixam exposta, substituindo-se por outra que julgue apresentada tempestivamente a oposição apresentada pelo Executado/Oponente, mantendo-se nos seus precisos termos que prosseguirão a sua legal tramitação, tudo com as legais consequências.

O que se pede e espera assim se fazendo JUSTIÇA.»


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A recorrida, notificada da admissão do recurso interposto, não contra-alegou.


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal Central, pugnou no seu douto parecer pela improcedência do recurso.


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Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre, agora, decidir.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a questão a decidir consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que que o Oponente foi citado no processo de execução fiscal e, consequentemente, julgou verificada a caducidade do direito de acção.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1.Em 19.10.2011 o SF de Leiria 2 instaurou contra o Oponente o PEF n.º ......... para cobrança coerciva de dívidas ao Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, I. P. referentes ao exercício de 2008, no valor de €265,55 (cf. auto e certidão de fls. 25 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2.Em 19.10.2011 o SF de Leiria 2 instaurou contra o Oponente o PEF n.º ......... para cobrança coerciva de dívidas ao Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, I. P. referentes ao exercício de 2008, no valor de €265,55 (cf. auto e certidão de fls. 25 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3.Em 19.10.2011 o SF de Leiria 2 instaurou contra o Oponente o PEF n.º ......... para cobrança coerciva de dívidas ao Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, I. P. referentes ao exercício de 2008, no valor de €407,95 (cf. auto e certidão de fls. 33 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4.Em 19.10.2011 o SF de Leiria 2 instaurou contra o Oponente o PEF n.º ......... para cobrança coerciva de dívidas ao Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, I. P. referentes ao exercício de 2008, no valor de €192,75 (cf. auto e certidão de fls. 37 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5.Em 19.10.2011 o SF de Leiria 2 instaurou contra o Oponente o PEF n.º ......... para cobrança coerciva de dívidas ao Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, I. P. referentes ao exercício de 2008, no valor de €142,35 (cf. auto e certidão de fls. 41 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6.Dos autos de instauração dos processos executivos e das certidões de dívida referidos supra constava como residência do Oponente Rua…………., R/C B, ………..Milagres (cf. autos e certidões de fls. 25 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7.À data de 31.03.2015 constavam da tramitação do PEF n.º ......... as seguintes menções (cf. print de fls. 46 do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

“(…)

2011-10-19 – F001 – Para Citação Postal

(…)

2011-11-11 – F003 – Com Citação Postal

(…)”

8.Em 11.12.2011 o Oponente apresentou junto do SF de Leiria 2 requerimento de pagamento em prestações das dívidas em cobrança coerciva dos PEF n.º ......... e apensos (cf. requerimento e lista de fls. 47 e 48 do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9.Em 15.12.2011 o Chefe do SF de Leiria 2 deferiu o requerimento referido em 8. (cf. despacho de fls. 49 do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

10.Em 28.10.2014 foi concedida ao Oponente proteção jurídica, nas modalidades de dispensa do pagamento da taxa de justiça, de nomeação de patrono e de pagamento faseado da compensação do patrono (cf. despacho de fls. 23 e seguintes do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11.Em 05.01.2015 o Oponente apresentou, junto do SF de Leiria 2, a presente oposição (cf. carimbo de fls. 1 do processo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).»


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B. DO DIREITO

A Meritíssima Juiz «a quo» enfrentando a questão excepção da caducidade do direito de acção, suscitada pela Fazenda Pública, decidiu exclusivamente com base na informação referente à tramitação do processo de execução fiscal n.º ........., que tendo o Oponente (doravante recorrente) sido citado em 11.11.2011, tem de entender-se que tendo a petição inicial sido apresentada em 05.01.2015, há muito que havia decorrido o prazo de trinta dias contemplado na alínea a) do n.º1 do artigo 203.º do CPPT.

Desta decisão recorreu o Oponente, alegando como na petição inicial que não foi citado no referido processo de execução fiscal.

Neste quadro em causa está a tempestividade da oposição que deu origem aos presentes autos.

Vejamos, então.

E começamos por dizer que acompanhamos por inteiro, o enquadramento jurídico traçado na sentença recorrida quanto à analise da questão da caducidade do direito de acção, porém, não podemos acompanhar o raciocínio do Tribunal «a quo» quando entendeu que o recorrente foi citado na execução fiscal tendo unicamente por suporte o conteúdo dos documentos (“print informáticos” do sistema informático da Administração Tributária) juntos ao processo de execução.

E não acompanhamos pelas razões que adiante se dirão.

Como sabemos, a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao demandado de que foi proposta contra ele determinada acção (cfr. artigos 219.º do CPC e 35.º n.º 2 e 189.º do CPPT) , constituindo um pressuposto necessário do exercício do direito de defesa (cfr. artigo 20.º da CRP).

A mesma noção geral é aceite pela nossa jurisprudência, como se colhe, entre outros, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.12.2015, proferido no processo n.º 1581/15: «A citação funciona, assim, como meio de proporcionar ao destinatário o conhecimento de que contra ele foi instaurada uma execução garantindo a possibilidade de a ela se opor judicialmente, sendo esta, assim, a sua função primordial (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No mesmo sentido vai a doutrina, citando-se, a título de exemplificativo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA ao referirem que o acto de citação «[e]ncerra o duplo sentido de transmissão de conhecimento e de convite para a defesa”, e que, “constituindo o direito de defesa uma vertente fundamental do direito à jurisdição -art 3º/1 – a citação tem por função facilitar o seu exercício efectivo» (Código Processo Civil anotado, I, pág. 376).

No que concerne ao prazo para deduzir oposição rege o artigo 203.º, do CPPT, que determina que a oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora ou a contar da data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado.

Tal prazo é de natureza judicial, para efeitos do disposto no artigo 20.º, nº2 do CPPT, ao qual se aplica o CPC, correndo continuamente mas suspendendo-se em férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr. artigo 144.º, nºs 1 a 3 do CPC - artigo 138.º do NCPC) atenta a referida natureza judicial do prazo, é aplicável ao mesmo o disposto no artigo 145.º do CPC ( cfr. artigo 139.º do NCPC), relativamente à prática do acto fora do prazo.

Deve ter-se em conta, por outro lado, que ao aludido prazo de 30 é acrescida da dilação de 5 dias, nos termos do n.° 1, alínea a) do artigo 252.°-A do CPC (cfr. artigo 245.° do NCPC).

A extemporaneidade da petição inicial de oposição conduz à sua imediata rejeição (artigo 208.º, nº1, alínea a) CPPT), dando lugar à absolvição da Fazenda Pública do pedido (e não da instância, uma vez que a caducidade do direito de acção obsta à produção do efeito jurídico dos factos articulados pelo oponente (neste sentido, vide, entre outros o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.05.2013, proferido no processo n.º 0340/13, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, vejamos, então, se o recorrente foi citado no processo de execução fiscal e, em caso afirmativo, se a presente oposição é tempestiva.

Pois bem, regressando aos autos, verifica-se que a informação referente à tramitação do processo de execução, constante do mesmo, e com base na qual o Tribunal « a quo» deu como provada a citação do recorrente, mais não constitui do que mero prints que não pode deixar de ser considerado como documento interno elaborado pela própria Administração, para efeitos internos, que não prova nem o envio da nota de citação, nem o seu recebimento por parte do destinatário (neste sentido, entre muitos, podem ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.03.2015, proferido no processo n.º 1181/13 e Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 27.5.2010, proferido no processo n.º 463/11, ambos disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt).

Por conseguinte, a prova da remessa de carta citação ao contribuinte, não se basta mero print interno, processado pelos respetivos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que coletivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o seu domicílio fiscal.

O mesmo é dizer que do documento em causa nenhum valor probatório se retira quanto ao envio e recepção pelo destinatário da carta citação, e note-se que no caso de o citando negar ter recebido a carta de citação, como é o caso dos autos, cabe à Administração Tributária provar a remessa da mesma (cfr. artigo 74.º da LGT e 342.º do C.Civil).

Assim sendo, concluímos que o Tribunal «a quo» não podia dar como provado que o recorrente foi citado em 11.11.2011, no processo de execução fiscal n.º ......... porquanto a informação extraída dos registos informáticos da Administração Tributária não tem a virtualidade de demonstrar que a carta-citação foi emitida nem, muito menos, que foi efetivamente expedida para o domicílio fiscal do recorrente.

O que significa, que se impunha que realizasse todas as diligências que considerasse úteis ao apuramento da verdade (cfr. artigo 13.º do CPPT e 99.º da LGT), no sentido de apurar, desde logo, se a carta citação foi ou não remetida ao recorrente, o que é essencial para determinar se a oposição foi deduzida tempestivamente.

Deste modo, não podemos deixar de concluir que padecem os autos de déficit instrutório determinante de anulação da sentença tal como se prevê no artigo 662.º CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

IV. CONCLUSÕES

I. Os prints informáticos elaborados pela Administração Tributária constituem meros documentos elaborados pela própria Administração para efeitos internos e não provam nem a remessa da citação para a execução fiscal, nem muito menos o seu recebimento pelo contribuinte.

II. O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que considere úteis de modo a apurar se a carta citação foi ou não remetida para o domicílio do oponente, o que é essencial para determinar se a oposição foi deduzida tempestivamente.

V. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.

Sem custas.


Lisboa, 25 de Março de 2021.


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]

(Ana Pinhol)