Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09780/16
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2016
Relator:BARBARA TAVARES TELES
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DE SOCIEDADE COM DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Sumário:Se a divida em causa remonta ao período final da sociedade, mais precisamente aos dois meses imediatamente anteriores à sua declaração de falência, tendo-se vencido após essa declaração por decisão judicial, e se a data limite de pagamento voluntário da divida terminou em data posterior à declaração , nesse período o Recorrido não pode ser considerado gerente da sociedade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Fazenda Publica inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Leiria que julgou procedente a oposição à execução nº ..., instaurado no serviço de finanças do ... originariamente contra a sociedade C... Lda., e revertida contra P..., por dividas relativas a IVA de 2011/3T no valor total de €117.554,71, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional, terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES

A) A decisão em 1.ª instância julgou procedente a presente oposição judicial, determinando quanto ao oponente, a extinção do processo de execução fiscal n.º ..., por divida de IVA do período 2011/09T, autoliquidado a 29-10- 2011, sem meio de pagamento (Doc. 1)
B) Impugna-se a douta sentença proferida, no que julgamos ter sido excesso de pronúncia, na ponderação que foi feita acerca da fundamentação da demonstração da gerência de facto do oponente até ao momento em que foi decretada a insolvência da devedora originária, uma vez que o oponente não arguiu que não tivesse sido gerente da devedora originária, ficando evidenciado na petição inicial.
C) Também, no que consideramos ter sido erro de julgamento, porquanto não relevou devidamente a matéria de facto, reputando-se a mesma suficiente para suportar a fundamentação do acto de reversão impugnado, quer quanto insuficiência de bens da devedora originária, como à gerência de facto do oponente, além da culpa na insuficiência do património, conducente ao incumprimento de entrega de um imposto (IVA), que investe o seu sujeito passivo na figura de fiel depositário do montante que liquidou.
D) Acusa-se ainda, erro de julgamento, em sede de decisão final, porque ao decidir apoiando-se unicamente na falta de fundamentação do despacho de reversão, não podia decretar a extinção da execução fiscal quanto ao oponente. A procedência de fundamento formal (vicio de fundamentação), como acabou por se verificar, deverá determinar a anulação do acto que considere inválido e nunca a extinção da própria execução.
E) A falta de fundamentação do despacho de reversão tem por efeito anular tal despacho, absolvendo o oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução, deixando assim, incólume o restante processado da execução fiscal, de modo a não obviar a que o órgão de execução fiscal profira novo acto expurgado do vício que determinou a anulação do anterior.

Nestes termos e nos demais de facto e de Direito, que certamente o mui douto entendimento do Insigne Colectivo não deixará de convocar, defende a Representação da Fazenda Publica, o provimento do presente recurso jurisdicional, determinando a revogação da decisão provinda do Tribunal a quo, substituindo-a por decisão que determine o decaimento do pedido formulado na oposição judicial pleiteada.”


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O Recorrido apresentou contra-alegações e concluiu da seguinte forma.
“CONCLUSÕES:

A) A Recorrente apresentou as alegações após o término do prazo para o fazer, considerando-se deserto o recurso, nos termos e para os efeitos do n.º 3 e 4 do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
B) A Recorrente veio juntar um documento às alegações, sem para o qual tenha suporte jurídico, devendo o mesmo ser desentranhado, de acordo com o disposto no artigo 651.º e artigo 425.º, todos do Código de Processo Civil.
C) A decisão da 1.ª instância julgou procedente, por provada, a oposição judicial apresentada pelo Recorrido, extinguindo o processo de execução fiscal.
D) O Recorrido nunca foi gerente de facto, tal como alegou e demonstrou através da junção da sentença de um outro processo que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
E) O tribunal a quo tinha pleno conhecimento de todos os factos para tomar uma boa decisão, que veio a fazê-lo.
O término do prazo legal de pagamento do tributo em causa terminou quando o Recorrido não exercia qualquer função, quer de direito quer de facto, na gerência da Devedora Originária, em função da declaração de insolvência e pela aplicação do artigo 81.º do CIRE.
F) A Recorrente não fez prova de nenhum dos pressuposto de que depende a reversão para o responsável subsidiário, nomeadamente, o Recorrido.
G) Não existiu qualquer excesso de pronúncia nem erro de julgamento.
H) Deve manter-se a decisão da 1.ª instância, improcedendo o presente recurso que se contra-alega.

Assim, nestes termos e nos demais de direito que V. Exa., doutamente suprirá, deverão proceder as presentes contra-alegações, negando provimento ao presente recurso, determinando a manutenção da decisão da 1.ª instância, para que se faça a habitual justiça.


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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo a improcedência do recurso, por a decisão não padecer de quaisquer vícios.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
As questões suscitadas pela Recorrente consistem em apreciar se a sentença a quo é nula por excesso de pronuncia e se errou ao considerar que o Recorrido é parte ilegítima para a reversão por não estar demonstrado o efectivo exercício da gerência por parte do revertido, aqui Recorrido.

Questão Prévia:
Nas contra-alegações de recurso o Recorrido invoca, antes de mais, a junção tardia de um documento por parte da Recorrente e pede o seu desentranhamento.
Importa quanto a este pedido dizer que o desentranhamento consta de fls. 160 dos autos, tendo sido ordenado por despacho proferido pela Meritíssima Juiz a quo em 20/04/2016, e que o mesmo transitou em julgado.
Face ao exposto, nada mais a este respeito importa agora decidir ou ordenar.
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II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
“Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

1. Em 6/9/2011 por sentença proferida pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial do ..., no processo de insolvência n.º .../11.0TBCTX, foi declarada a insolvência da sociedade C..., Lda. (cf. certidão constante a fls. 30 a 35 dos autos em suporte de papel).

2. Em 4/12/2011 o serviço de Finanças do ... emitiu a certidão de divida n.º ..., no valor de EUR 117.554,71, relativa ao período de 7/2011 a 9/2011, cuja data de pagamento voluntário terminou em 16/11/2011, constante de fls. 49 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

3. Em 13/12/2011 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ... por dívida de IVA do período 201103T, no montante total de EUR 117.554,71 (cf. cf. informação a fls. 65 dos autos em suporte de papel).

4. Em 21/12/2012 foi emitido o projecto de despacho de reversão contra o ora oponente, constante de fls. 52 e 53 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual constam os seguintes fundamentos:
“ (…)

Insuficiência de bens da devedora originária, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º da LGT, decorrente de situação liquida negativa declarada pela devedora originária na ultima declaração referente à informação Empresarial Simplificada (IES) e ou face de insolvência declarada pelo Tribunal;
Gerência de direito conforme alínea b), n.º1 do artigo 24.º da LGT, no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da AT;
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão.
(…)”

5. Em 9/1/2013 o Chefe do Serviço de finanças do ... emitiu o despacho de reversão contra o ora oponente, constante de fls. 58, 59 e 60 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte:
“ (…)

Presume-se a insuficiência de bens penhoráveis da executada:

Por diligências efectuadas com recuso aos Sistemas Informáticos da AT onde constam os bens ou rendimentos penhoráveis, nomeadamente, o Sistema de Imposto Municipal sobre Imóveis, Imposto Único de Circulação, bem como, a consulta do processo individual do sujeito passivo, e face aos elementos carreados para o processo, apenas foi encontrado em nome da devedora originária o bem móvel sujeito a registo, veículo ligeiro de passageiros, marca Mitsubishi, modelo Canter, matrícula ..., do ano de 2000, sobre o qual, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 150.º do CIRE, foi ordenada a apreensão para a entrega imediata ao administrador de insolvência nomeado no âmbito do processo de insolvência n.º .../11.0TBCTX.

(…)”.

6. Em 11/1/2013, o ora oponente recepcionou aviso de recepção que acompanhou o envio por correio registado do ofício com o assunto “Citação (reversão) dirigido ao oponente (cf. oficio, registo e AR constantes de fls. 62 e 64 dos autos).
7. Em 29/1/2013 a presente oposição foi apresentada no Serviço de Finanças da ... (cf. autuação a fls. 2 dos autos em suporte de papel).

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A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.

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Não se provaram quaisquer outros factos passiveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”

Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas.


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II.2. Do Direito

O que importa agora nesta sede averiguar é se a sentença a quo incorreu em erro de julgamento de direito quando julgou procedente a oposição por entender que o Recorrido é parte ilegítima para a execução por não ter sido demonstrado o exercício efectivo da gerência.

Começa a Recorrente por considerar que a sentença é nula por excesso de pronúncia uma vez que, segundo diz, “o oponente não arguiu que não tivesse sido gerente (de facto) da devedora originária”

Vejamos.

O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, o que determina que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.

A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias e tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:

- Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;

- Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C. P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.

A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr. ac. TCA Sul 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, CPC anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).

Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (primeira parte da norma) ou de um excesso de pronúncia (segunda parte da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, CPC anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.;

No processo judicial tributário o excesso de pronúncia como causa de nulidade da sentença, está este previsto no artº.125, nº.1, do CPPT, (cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.; ac. STA, 10/3/2011, rec.998/10; ac. STA, 15/9/2010, rec.1149/09; ac. TCA Sul, 17/1/2012, proc.5265/11.

No caso sub judice, desde logo, se dirá que o Oponente/Recorrido baseia a p.i. que originou a presente oposição nas seguintes causas de pedir:

Da inexistência de Responsabilidade Tributária Subsidiária e da Ilegitimidade do Revertido e Da Insolvência da devedora Originária, onde alega, além do mais, que:

“ importa analisar as consequências da insolvência da devedora originária e o facto de a exigibilidade das dividas, ora em reversão, apenas ter surgido em momento que o Oponente já não exercia, por força do CIRE, funções de gerente, bem como analisar a aplicabilidade da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT (o que foi feito pela AF), ao caso em analise e ora colocado em crise.”(…)

“legalmente, o Oponente deixou de ser gerente no dia 6 de Setembro de 2011, por sentença que decretou a insolvência da devedora originária”

Ora, face ao que consta da pi e tendo sido invocada a ilegitimidade do revertido além do mais, porque este alega que já não exercia a gerência da devedora originária quando a divida em causa deveria ter sido paga, verifica-se que tendo a sentença conhecido este argumento, não excedeu a pronúncia, pelo que improcede, este argumento do recurso.

Invoca ainda a Recorrente, nesta sede recursiva, que a sentença errou ao decidir apoiando-se unicamente na falta de fundamentação do despacho de reversão, não podia decretar a extinção da execução fiscal quanto ao oponente. A procedência de fundamento formal (vicio de fundamentação), como acabou por se verificar, deverá determinar a anulação do acto que considere inválido e nunca a extinção da própria execução. A falta de fundamentação do despacho de reversão tem por efeito anular tal despacho.

No entanto, a Recorrente não tem razão.

Vejamos, antes de mais o que vem dito na decisão sob análise:

“O oponente vem invocar a ilegalidade do despacho de reversão por alegadamente não exercer a gerência de facto da sociedade devedora originária, a ausência de culpa do oponente na insuficiência do património da devedora originária e a falta de fundamentação relativa à alegada insuficiência.

Cumpre decidir.

Resulta do disposto no artigo 124.º do C.P.P.T., aplicável «ex vi» do artigo 211.º, n.º 1, do C.P.P.T. que devem ser prioritariamente apreciados os vícios quer conduzam à declaração de inexistência ou de nulidade do ato impugnado. Quanto aos restantes, deve ser observada a ordem estabelecida pelo oponente se forem apresentados segundo uma relação de subsidiariedade. Caso contrário, deve ser seguida a ordem que, no prudente critério do julgador, determine mais estável tutela dos interesses do Oponente.

Assim, no que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dividas tributárias, somos remetidos para o artigo 24.º da LGT, nos termos da qual:

(…)

Cabe à administração tributária, desde logo, o ónus da prova da efetiva gerência por parte do revertido. Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime da responsabilidade subsidiária, sendo que, depois de demonstrada a gestão de fato, aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do artigo 24.º, da LGT, o que no caso concreto seria a alínea a), cabendo à administração fiscal não só carrear para o processo de execução indícios da gestão de facto do oponente como da sua culpa na insuficiência do património.

A administração fiscal com vista à demonstração da gestão de facto por parte do oponente, invoca única e exclusivamente o registo de remunerações de categoria A, contudo este facto isoladamente não permite concluir que o oponente geria de facto a sociedade, contactando com fornecedores, autoridades administrativas e bancárias, tomando decisões em nome e no interesse da sociedade.

Poderia constituir um indício a par com outros elementos de prova, mas não demonstra por si só, o efectivo exercício de gerência.

Como tal, deve proceder a presente oposição.” (destaques nossos)

Como resulta claro e evidente do teor da sentença a quo esta, ao contrario do que vem dito pela Recorrente, não conhece o invocado vicio da falta de fundamentação do despacho de reversão uma vez que entendeu, com base na lei, que devem ser prioritariamente apreciados os vícios quer conduzam à declaração de inexistência ou de nulidade do acto impugnado. Assim sendo, a sentença apenas se pronunciou sobre a responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias e a consequente sobre a (i) legitimidade do Recorrido para a reversão e, face ao seu procedimento, ficaram prejudicados os demais vícios.

Mais uma vez concluímos pela improcedência deste esteio do recurso.

Finalmente a Recorrente, contrariando-se face ao que foi entretanto por si invocado, vem nas alegações e conclusões de recurso apontar erro à sentença a quo por entender que: “não relevou devidamente a matéria de facto, reputando-se a mesma suficiente para suportar a fundamentação do acto de reversão impugnado, quer quanto insuficiência de bens da devedora originária, como à gerência de facto do oponente, além da culpa na insuficiência do património, conducente ao incumprimento de entrega de um imposto (IVA), que investe o seu sujeito passivo na figura de fiel depositário do montante que liquidou”

No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do Recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24 da LGT, diploma que entrou em vigor em 1/1/1999 levando em consideração o período temporal do ano de 2011 uma vez que as dividas aqui em causa são de IVA relativas a esse período temporal.

A responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual.

O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do CPCI; artº.239, nº.2, do CPT; artº.153, nº.2, do CPPT).

Analisemos agora os regimes que aqui nos importam e que estão consagrados no art.24º da LGT

“Artigo. 24º Da LGT

Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Este artigo 24.º da LGT, distingue duas situações, nas duas alíneas do seu n.º1.

A primeira corresponde à sua al. a), referindo-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do fato tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torna-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efectiva - culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda situação, constante da al. b) do n.º 1 do artigo 24.º, da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à divida tributária. No artigo 24.º, n.º1, al. b), da LGT já se presume que a falta de pagamento da obrigação é imputável ao gestor.

Ora, a divida em causa remonta ao período final da sociedade, mais precisamente aos dois meses imediatamente anteriores à sua declaração de falência, tendo-se vencido após a declaração de falência por decisão judicial (cf. pontos n.º 1 a 3 dos factos provados). E conforme também resulta da matéria assente a data limite de pagamento voluntário da divida terminou em 16/11/2011, pelo que ocorreu em data posterior à declaração de falência da sociedade, período no qual o ora Recorrido não era gerente da sociedade.

Por outras palavras, relativamente às dívidas de IVA de 2011 o Recorrido já não exercia a gerência na sociedade executada originária na data limite de pagamento voluntário daquelas dívidas. Deste modo, a situação dos autos subsume-se à previsão legal da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.
Assente então, que é aplicável o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, para a efectivação da responsabilidade subsidiária da ora Recorrente há que resultar provada a sua culpa na insuficiência do património da pessoa colectiva para a satisfação das dívidas tributárias, sendo que o ónus da prova cabe à Fazenda Pública.
Deste modo, competia à AT, efectivamente, provar a culpa do Recorrido na insuficiência económica da sociedade para pagar aquela divida, o que não fez. A AT com vista à sua demonstração invoca única e exclusivamente o registo de remunerações de categoria A, contudo este facto isoladamente não permite concluir a culpa do Recorrido na insuficiência do património societário.
Face a tudo que vem exposto, resta concluir pela improcedência total do recurso.

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III.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 24 de Novembro de 2016.


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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)

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(Anabela Russo)