Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:801/10.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRC
CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
PRAZO DE PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
ATO DE LIQUIDAÇÃO/ATO DE COMPENSAÇÃO
Sumário:I- No CIRC os prazos legais de pagamento voluntário são distintos consoante o imposto seja autoliquidado ou liquidado pelos serviços. Caso o imposto tenha sido autoliquidado o pagamento deve ser efetuado até ao termo do prazo para a entrega da declaração, por seu turno, caso o imposto tenha sido liquidado pela Autoridade Tributária, o sujeito passivo é notificado para pagamento no prazo de trinta dias a contar da notificação, conforme preceituado no artigo 110.º do Código do IRC.

II- O facto de uma nota de liquidação não contemplar prazo para pagamento voluntário, não implica de per se que a subsunção normativa seja, desde logo, arredada do artigo 102.º, nº1, alínea a), do CPPT, aliás, em conformidade com o consignado nos citados artigos 84.º, 85.º ambos do CPPT e 110.º do CIRC.

III- Porém, a demonstração de liquidação de IRC não pode ser vista desassociada do ato de demonstração de compensação, porquanto esta última representa o resultado dos fluxos financeiros associados à mesma;

IV- Assim, existindo um documento de compensação com saldo zero, substanciado em nota nula, será de aplicar o prazo previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.° do CPPT.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:l – RELATÓRIO

N….., LDA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que teve por objeto a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) nº ….., respeitante ao exercício de 2006, no montante de €26.152,85, a qual julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação.


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A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

A) O presente recurso vem interposto da Sentença proferida em 30 de Abril de 2019, no processo de Impugnação Judicial que correu termos sob o n.º 801/10.1BESNT;

B) A Sentença proferida absolveu a entidade impugnada da instância como consequência do julgamento como procedente da excepção de caducidade do direito de acção;

C) Ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo – que fez incorrecta interpretação dos factos e da Lei -, estamos perante um acto de liquidação de que resulta imposto a pagar – em concreto € 26.152,85;

D) Sucede, porém, que, posteriormente a entidade impugnada promoveu compensação com crédito que a ora Recorrente detinha (decorrente da substituição de anterior acto de liquidação);

E) Movimento financeiro realizado porque do acto de liquidação de que resulta imposto a pagar ao Estado.

F) Em suma, qualquer compensação (movimento financeiro correlativo) é um acto posterior ao da prática do acto de liquidação que só é possível e faz sentido, porque do mesmo resulta imposto a pagar.

G) O facto de o acto de liquidação não fazer referência a data limite para pagamento voluntário é irrelevante dado que o mesmo se encontra previsto no artigo 110.º, n.º 1 do Código do IRC, sendo de 30 dias a contar da notificação do acto;

H) Assim, tendo o acto de liquidação sido notificado a 11 de Janeiro de 2010, a data limite para pagamento ocorreu trinta dias após, ou seja a 10 de Fevereiro de 2010.

I) Sendo o prazo para dedução da impugnação judicial de noventa dias, a caducidade do direito de acção verificou-se, apenas, em 11 de Maio de 2010 – data de apresentação da petição inicial junto do Serviço de Finanças de Sintra.

J) Destarte, a Sentença recorrida efectuou uma errada interpretação dos factos e, bem assim, da aplicação da Lei aos mesmos, devendo ser revogada por violação do disposto no artigo 102.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente Recurso proceder, anulando-se a Sentença recorrida e, bem assim, os actos de liquidação de Imposto, com as necessárias consequências legais.”


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A Recorrida devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público, promoveu a improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A) Em cumprimento das ordens de serviço n.ºs ….. e ….., com despacho de 02.10.2009, emitidas pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, teve início, um procedimento inspetivo à ora Impugnante, de âmbito interno e parcial, para os exercícios de 2005 e 2006 – cf. fls. 86 a 92 do processo administrativo tributário (PAT).

B) A ação identificada na alínea que antecede foi desencadeada na sequência de informação do Serviço de Finanças de Sintra-1 após ter detetado que:

“[…] no âmbito das ordens de serviço nº …..e ….., e após apuramento do imposto pelos serviços de inspeção, o contribuinte se prontificou a corrigir voluntariamente a situação, através da apresentação de declarações de substituição, sendo o procedimento de inspeção encerrado por regularização voluntária.

[…]

Em sede de IRC e para 2006, apresentou substituição na tentativa de anular o apuramento anterior, mas a declaração não foi tratada automaticamente, pelo que foi analisada em sede de reclamação graciosa, no processo ….., tendo sido indeferida por despacho de 2009.07.10.”

– cf. fls. 89 do PAT (ponto “II. 2” do Relatório de Inspeção).

C) A ação de inspeção mencionada no Relatório levado à alínea que antecede, efetuada a coberto das ordens de serviço nºs …..e ….., e cujo teor de relatório final também aqui se dá por integralmente reproduzido, concluiu, no ponto “VI.1. – IRC”, em relação ao ano de 2006, que:

“[…]as regularizações efectuadas pelo sujeito passivo, em sede de IRC, firam as seguintes:

2005                     2006

Resultado Tributável Declarado             […]                       2.951,51

Correcções                                                         […]                        87.015,92

Resultado Tributável Corrigido               […]                        89.697,43

O sujeito passivo entregou […] em 200/07/15, a declaração modelo 22 – IRC n.º ….., para [o exercício] de […] 2006 […], e que [reflecte a regularização acima referida].”.

– cf. o Relatório de inspeção a fls. 102 a 107 do PAT.

D) Da declaração de substituição para o exercício de 2006 apresentada em 15.07.2008 resultou a liquidação n.º ….. que apurou imposto a pagar no montante de € 26.256,12 – cf. fls. 62/63 e 71 do PAT.

E) Em 09.03.2009 a Impugnante apresentou nova declaração de substituição de IRC para o exercício de 2006, repondo o resultado tributável declarado inicialmente, antes da ação de inspeção mencionada em C), no valor de € 2.951,51, declaração que ficou no sistema informático da AT como “Doc. Não Liquidável” – cf. fls. 64/65 e 59 do PAT.

F) Ato impugnado: Do procedimento inspetivo interno mencionado em A) e B) resultou a emissão em 28.12.2009, da liquidação de IRC n.º ….., no valor de € 26.152,85, sendo € 1.409,61 de juros compensatórios, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cf. doc.1 a que se refere a p.i. (fls. 53 dos autos).

G) A liquidação que antecede foi notificada à Impugnante em 11.01.2010, sem indicação de data limite de pagamento voluntário – cf. doc. 1 a que se refere a p.i. (fls. 53/54 dos autos).

H) Relativamente à liquidação que antecede foi emitido o documento de compensação com saldo “0” (zero), substanciado na nota nula n.º 2010 6142, objeto de notificação à Impugnante através de registo postal de 06.01.2010, com o n.º …..– fls. 73 do PAT.

I) A presente impugnação foi apresentada em 10.05.2010 – cf. comprovativo de registo postal a fls. 7 dos autos.


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A decisão recorrida fundamentou a matéria de facto da forma que infra se transcreve:

“O julgamento de facto assentou nos documentos referidos em cada uma das alíneas, que não foram impugnados pelas partes no que à sua autenticidade se refere, e bem assim com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, sendo certo que em relação a todos os elementos que estão na base da factualidade provada as partes tiveram oportunidade de se pronunciar.”


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III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a exceção da caducidade do direito de ação.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento de facto, por ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos e erro de julgamento de direito por errónea apreciação dos pressupostos de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, se verifica a exceção da caducidade do direito de ação.

Apreciando.

A Recorrente começa por sustentar que a decisão recorrida fez incorreta interpretação dos factos e da Lei, porquanto do ato impugnado resulta imposto a pagar, em concreto €26.152,85, logo o dies a quo corresponderia ao consignado no artigo 102.º, nº 1, alínea a), do CPPT.

Mais aduz que, não obstante do ato impugnado não constar, como refere o Tribunal a quo, um prazo de pagamento voluntário, tal circunstância é meramente irrelevante, visto que esse prazo se encontra previsto no artigo 110.º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, de 30 dias a contar da notificação do ato.

Sufragando, outrossim, que em nada releva o facto de a Entidade Impugnada ter, ulteriormente, promovido a compensação com crédito que a ora Recorrente detinha, e isto porque mais não representa do que um movimento financeiro correlativo, sendo, por isso, posterior ao da prática do ato de liquidação, o qual só é possível e faz sentido, porque do mesmo resulta imposto a pagar.

Conclui, assim, que tendo o ato de liquidação sido notificado a 11 de janeiro de 2010, a data limite para pagamento ocorreu trinta dias após, ou seja, a 10 de fevereiro de 2010, nessa medida tendo a ação sido interposta a 11 de maio de 2010, é a mesma tempestiva.

Apreciando.

Comecemos por atentar na fundamentação coligida pelo Tribunal a quo para julgar verificada a caducidade do direito de ação.

“No caso dos autos, conforme foi invocado pela Fazenda Pública a propósito da defesa por exceção, a liquidação objeto dos autos – liquidação de IRC n.º ….. – não obstante conter o valor de imposto a pagar deu origem a nota de compensação nula, como resulta provado em F) e H), por incluir o estorno da liquidação n.º ….., vigente à data da apresentação da 2.ª declaração de substituição, razão pela qual a notificação da liquidação objeto da presente impugnação não continha a indicação de data limite de pagamento voluntário. Consequentemente, e não obstante a mesma ser suscetível de impugnação judicial, como, de resto, é feita menção no respetivo documento [cf. al. F) do probatório], o prazo para o efeito não é o previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, por inexistir, em concreto, o respetivo termo inicial, sendo aplicável a alínea e), que determina a contagem do prazo de 90 dias a partir da data da notificação do ato, ou seja, in casu, a partir de 12.01.2010, considerando que a notificação ocorreu em 11.01.2010 – cf. al. G) do probatório.

Deste modo, o prazo, contado nos termos do art.º 279.º do CC, como expressamente se refere no n.º 1 do art.º 20.º do CPPT, terminou em 10.04.2010.

Tendo a petição sido apresentada em 10.05.2010, um mês depois do termo do prazo, a mesma mostra-se claramente intempestiva. Pelo exposto, impõe-se julgar procedente a invocada exceção de caducidade do direito de ação.”

Delimitada, assim, a posição das partes e a fundamentação jurídica em que se apoiou o Tribunal a quo, importa, então, chamar à colação o quadro normativo que releva para os presentes autos.

Preceituava o artigo 128.º CIRC, sob a epígrafe de “reclamações e impugnações” que:

“1 - Os sujeitos passivos de IRC, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar ou impugnar a respetiva liquidação, efetuada pelos serviços da administração fiscal, com os fundamentos e nos termos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

Estatuía, por seu turno, o artigo 102.º do CPPT, com a redação aplicável à data da emissão dos atos impugnados, que:
“1 - A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.
2 - Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.
3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.
4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.”

Resulta, assim, do citado preceito legal que a impugnação judicial terá de ser apresentada por referência ao termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias, no prazo de 90 dias para as liquidações efetuadas até dezembro de 2012 e de três meses para os posteriores, face à redação dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2013.

Com efeito, e quanto ao cômputo concreto do prazo importa ter em consideração que o prazo de impugnação judicial é um prazo de natureza substantiva, de caducidade e perentório, que se conta nos termos do artigo 279.º do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT.[1].

É, portanto, um prazo contínuo, correndo em férias judiciais. Contudo, de acordo com a alínea e), do artigo 279.º do Código Civil, o termo do prazo de 90 dias transfere-se para o primeiro dia útil seguinte se terminar em domingo ou dia feriado. Terminando o prazo nas férias judiciais, a impugnação pode ser intentada no primeiro dia útil seguinte [2].

Mais importa ter presente o consignado nos artigos 84.º e 85.º nºs 1 e 2 do CPPT, os quais definem o pagamento voluntário da dívida tributária, salientando-se no que para os autos releva, que os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias, sendo que na sua ausência o prazo de pagamento será de 30 dias após a notificação para pagamento efetuada pelos serviços competentes.

Face ao supra aludido e atenta a natureza da dívida tributária da presente lide recursiva importa, outrossim, ter presente que no CIRC os aludidos prazos legais de pagamento voluntário são distintos consoante o imposto seja autoliquidado ou liquidado pelos serviços.

Com efeito, em ordem ao consignado nos artigos 104.º, nº 1, 108.º e 109.º todos do CIRC, caso o imposto tenha sido autoliquidado o pagamento deve ser efetuado até ao termo do prazo para a entrega da declaração, por seu turno, caso o imposto tenha sido liquidado pela Autoridade Tributária, o sujeito passivo é notificado para pagamento no prazo de trinta dias a contar da notificação, conforme preceituado no artigo 110.º do Código do IRC.

Feito o enquadramento jurídico da questão, vejamos, então, o que resulta do acervo fático dos autos.

Ora, atentando na matéria de facto provada resulta que na sequência da realização do procedimento inspetivo interno, foi emitida em 28 de dezembro de 2009, a liquidação de IRC n.º ….., no valor de € 26.152,85, sem menção expressa de qualquer prazo para pagamento voluntário e objeto de notificação em 11 de janeiro de 2010.

Mais dimanando assente que relativamente à aludida liquidação foi emitido o documento de compensação com saldo “0” (zero), substanciado na nota nula n.º 2010 6142, a qual foi objeto de notificação à Recorrente através de registo postal datado de  06 de janeiro de 2010.

Tendo a impugnação judicial sido deduzida a 10 de maio de 2010.

Ora, face à factualidade supra expendida importa, desde já, ter presente que o facto de uma nota de liquidação não contemplar prazo para pagamento voluntário, não implica de per se que a subsunção normativa seja arredada do artigo 102.º, nº1, alínea a), do CPPT, aliás, em conformidade com o consignado nos citados artigos 84.º, 85.º ambos do CPPT e 110.º do CIRC.

Porém, sem embargo do exposto, a questão que subjaz é se existindo um documento de compensação com saldo zero, substanciado na nota nula n.º 2010 6142, ou seja, que materializa que inexiste qualquer quantia pecuniária a entregar nos cofres do Estado, se, ainda assim, se deve inferir e “ficcionar”, para efeitos de dies a quo, um prazo de pagamento voluntário de trinta dias.

Neste particular, importa chamar à colação o Acórdão do STA proferido no processo nº 01431/17, de 30 de maio de 2018, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte: “[a] distinção entre o documento de demonstração da liquidação de IRC e o documento da demonstração de acerto de contas é meramente de forma, pois não existe qualquer impedimento legal a que o acerto de contas, que contem a indicação do montante a pagar, respetivo prazo e referências de pagamento, conste do próprio documento da demonstração da liquidação.” (sublinhados e destaques nossos).

Mais sublinhando que “[a] opção da AT de criar documentos distintos, ainda que não proibida, não resulta de nenhuma imposição legal ou regulamentar pelo que não se trata de atos de diferente natureza.”

Salientando, in fine, que “[o] documento de demonstração da liquidação de IRC deve ser visto de forma integrada e em conjunto com a demonstração de acerto de contas pelo que se resulta imposto a pagar, então o prazo conta-se, no caso do IRC, a partir do fim do prazo de pagamento do imposto.” (sublinhados e destaques nossos).

Até porque, enfatiza, “[r]esultando imposto a pagar, por força da indicada liquidação adicional, não se descortina justificação para decompor tal liquidação adicional num denominado documento de demonstração da liquidação de IRC e num denominado documento da demonstração de acerto de contas. Não se acompanha tal artificial separação que não encontra suporte ou justificação legal.”

Concluindo, assim, que “[o] prazo para apresentar impugnação da liquidação adicional de IRC da qual resultou que o imposto a reembolsar é inferior ao imposto reembolsado, tal como resultou da autoliquidação de IRC, tendo o contribuinte sido notificado para pagar a diferença se conta a partir do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.

No mesmo sentido julga o Aresto deste Tribunal proferido no processo nº 1060/16.8 BESNT, de 11 de outubro de 2018, doutrinando, de forma clara, que:

“Não é despicienda a emissão da demonstração de acerto de contas com imposto a pagar, uma vez que esta consubstancia a exigência de pagamento de tributo que conduz à aplicação da contagem do prazo nos termos enunciados no artº.102, nº.1, al.a), do C.P.P.T. - termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte - como definidor do “dies a quo” por estar interligada com a liquidação reclamada.

Importa realçar que a nota de demonstração não é um acto desgarrado da liquidação, mas sim o resultado dos fluxos financeiros associados à mesma e que, no caso em particular, resultou no apuramento de montante de imposto a pagar.

A opção da A. Fiscal de criar documentos distintos, ainda que não proibida, não resulta de nenhuma imposição legal ou regulamentar, pelo que não estamos perante actos de diferente natureza. Tal artificial separação não encontra suporte ou justificação legal. Mais, o documento de demonstração da liquidação adicional de I.R.C. deve ser visto de forma integrada e em conjunto com a demonstração de acerto de contas, assim resultando imposto a pagar pelo sujeito passivo, em consequência do que o termo inicial do prazo previsto no artº.70, nº.1, do C.P.P.T., se conta a partir da data final de pagamento do imposto, conforme decidiu o Tribunal “a quo”. (sublinhados e destaques nossos).

Ora, tendo presente a fundamentação jurídica constante nos citados Arestos e transpondo para o caso vertente, ajuizamos, efetivamente, que a situação sub judice se subsume no artigo 102.º, nº 1, alínea e), do CPPT, não se inferindo que a ratio legis subjacente ao enquadramento normativo no artigo 102.º, nº1, alínea a), do CPPT, se compatibilize com a criação de uma “ficção” de prazo de pagamento voluntário, donde que abranja as situações em que inexista entrega, efetiva, de pagamento de imposto.

Com efeito, devendo o ato de liquidação adicional e o correspondente documento de compensação –realidades fáticas não impugnadas- serem analisados como um todo e dimanando, como visto, que não obstante o ato de liquidação consubstancie um valor a pagar, a verdade é que do documento de compensação resulta saldo nulo, ou seja, inexiste qualquer quantia, efetiva, a pagar.

E a tal entendimento não obsta que a Recorrente pretenda a anulação da liquidação adicional com o nº ….., e bem assim que, em caso de anulação tal implique a reposição da situação ex ante, mormente das quantias pagas indevidamente.

E isto porque, como já devidamente evidenciado, a demonstração de liquidação de IRC não pode ser vista desassociada do aludido ato de compensação. Aliás, se atentarmos no ato impugnado consta menção e remissão expressa para o ato de demonstração de compensação.

Conclui-se, assim, que a nota de demonstração não é um ato desgarrado da liquidação, mas sim o resultado dos fluxos financeiros associados à mesma e que, no caso em particular, não resultou no apuramento de montante de imposto a pagar.

Consequentemente, o termo inicial do prazo deve ser visto à luz do artigo 102.º, nº1, alínea e), do CPPT, iniciando-se o cômputo do prazo a 12 de janeiro de 2010, pelo que tendo a Recorrente interposto a presente impugnação judicial a 10 de maio de 2010, é efetivamente intempestiva.

Neste particular, vide o doutrinado por Jorge Lopes de Sousa[3], o qual a propósito da subsunção normativa no artigo 102.º, nº1, alínea e), do CPPT, refere expressamente que “[s]erá de aplicar o prazo previsto nesta alínea e) do n.º 1 do art. 102.°- à impugnação de actos de liquidação nos casos em que deles não resulte imposto a pagar, mas antes um valor nulo (não haver imposto a pagar nem a reembolsar) ou imposto a reembolsar, nos casos em que não haja norma especial que preveja outro regime de impugnação” (destaque e sublinhado nosso).

Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerações, nenhuma censura merece a decisão recorrida, mantendo-se, por isso, o decidido quanto à verificação exceção da caducidade do direito de ação.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 22 de outubro de 2020

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires
_______________________________
[1] Veja-se, por todos, o acórdão de 16.04.2008, proferido no processo n.º 77/08, e a jurisprudência aí citada, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[2] Vide Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 06.06.2012, proferido no processo n.º 1064/11, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[3] Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, II volume, 2011, p. 154