Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9659/16.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/11/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMPUGNAÇÃO MATÉRIA DE FACTO;
CUSTOS;
ARTIGOS 23.º E 41.º CIRC;
FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI;
NOTAS DE DEVOLUÇÃO/NOTAS DE CRÉDITO;
DEVOLUÇÃO DE MERCADORIAS;
AUTO DE ABATE.
Sumário:I- Não cumpre o ónus de impugnação da matéria de facto o Recorrente que se limita a convocar de forma absolutamente genérica e sem fazer alusão a qualquer alínea do probatório porque motivo a prova constante dos autos foi erradamente valorada.
II- Não sendo invocado em sede de relatório de Inspeção Tributária a indocumentabilidade do custo, apenas se fazendo alusão a esse fundamento em sede de contestação o mesmo não pode ser valorado por não ser contemporâneo do relatório inspetivo, revestindo fundamentação a posteriori.
III- Da interpretação conjugada dos normativos 23.º e 41.º ambos do CIRC resulta que este último normativo funciona como um segundo crivo relativamente a custos fiscais considerados admissíveis à luz do artigo 23.° do CIRC, pois neste fixa-se o critério para efeitos de determinação dos encargos contabilísticos que podem ser qualificados como custo fiscal, enquanto no preceito legal 41.º do CIRC estabelecem-se limitações à dedutibilidade de certos custos, os quais já previamente admitidos pelo artigo 23.° do CIRC.
IV- O Juiz do Tribunal a quo, não está vinculado a aferir de forma casuística, minuciosa e pontual os documentos que titulam os encargos não aceites pela Autoridade Tributária, quando ajuíza, por um lado, que do elenco das faturas, recibos, notas internas e cheques os mesmos respeitam a encargos com promoção e publicidade e por outro lado, porque a própria entidade fiscalizadora perfilha uma enumeração que qualifica de exemplificativa, no relatório inspetivo. O ónus da prova dos factos índice compete, em primeira linha, à Administração Tributária (artigo 74.º LGT).
V- Não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas de promoção e publicidade, estando as mesmas devidamente suportadas e assumindo a Administração Tributária, de forma inequívoca, que as mesmas são indispensáveis para a obtenção de proveitos devem ser aceites como custo fiscal nos termos do artigo 23.º do CIRC;
VI- Padece de erro de julgamento a correção respeitante à desconsideração dos créditos por devoluções de produtos vendidos por ter expirado o prazo de validade ou por se encontrarem danificados ou deteriorados quando a Administração Tributária não colocando em causa a materialidade das operações, apenas convoca uma falta de relevação contabilística.
VII- O custo decorrente da anulação da venda em função da emissão da nota de crédito não é passível de confusão conceptual com o custo decorrente da destruição potencial das mercadorias, em nada relevando a existência de auto de abate.
VIII- O artigo 80.º do CIVA só pode assumir relevo para efeitos de omissão de proveitos em sede de IVA. A presunção da transmissão dos bens não encontrados em quaisquer dos locais em que o sujeito passivo exerce atividade, apenas poderia ter pertinência e acuidade para uma eventual omissão de proveitos e não para efeitos da não assunção como custo fiscal de uma realidade respeitante à devolução dos bens com a consequente emissão da nota de crédito.
IX-Sendo os factos relevantes para assunção do custo a devolução das mercadorias e a disponibilização do crédito, existindo suporte documental das notas de devolução, com as correspondentes notas de crédito, e tendo esse circuito documental e meandros empresariais sido asseverados pela prova testemunhal, então não pode subsistir a correção realizada por padecer de erro sobre os pressupostos de direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (IRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, constante de fls. 483 a 526 dos autos do presente processo interposto pela P….., LDA, com o número de pessoa coletiva 501 ….. e demais sinais nos autos, que julgou parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, com a consequente absolvição da instância e procedente no demais, com a consequente anulação da liquidação de IRC nº 831001..., na parte respeitante às correções impugnadas e respetiva condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à correspondente emissão da nota de crédito.


***

O Recorrente, a fls. 548 a 563 dos autos, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


“CONCLUSÕES



A.




As questões a apreciar e a decidir resumem-se em saber se as correcções referentes às despesas suportadas com congressos médicos e congressos de empresa e os créditos efectuados a farmácias em virtude da devolução dos produtos inutilizados e por decorrência do prazo de validade devem ou não ser aceites como custo efectivo do exercício de 1996.



B.




As correcções levadas a efeito pelos serviços de Inspecção tributária tiveram como referência o disposto no art. 23° do CIRC que considera "custos ou perdas os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (...)''.



C.




De acordo com este normativo, para que os custos sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais são necessários dois requisitos fundamentais:


• Que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais;


• Que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.



D.




Para verificação de qualquer um destes requisitos concluímos, tal como a sentença recorrida, que o meio de prova em IRC é, acima de tudo documental levando a ausência de qualquer um daqueles requisitos à não consideração do gasto como custo fiscal uma vez que no IRC vigora o princípio do auto-apuramento do lucro contabilístico do sujeito passivo.



E.




Assim sendo, facilmente se conclui que para aferir da indispensabilidade do custo, este deve, primeiramente, encontrar-se documentado de forma a permitir a concreta identificação do mesmo e assim enquadrá-lo na actividade desenvolvida da empresa.



F.




As exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, tratando-se de uma prática reiterada que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada.



G.




Quanto à correcção relativa aos custos tidos com congressos, os documentos encontram-se deficientemente e insuficientemente documentados, não permitindo urna separação entre o que seriam encargos que se enquadrariam na noção de despesas de representação e encargos que se apresentariam como verdadeiros custos fiscais.



H.




Estando em causa uma insuficiente documentação dos encargos, deveria o Tribunal ter procedido a uma análise minuciosa e pontual/individual dos documentos que titulam os encargos não aceites pela Autoridade Tributária de forma a poder concluir se os mesmos se encontram suficientemente documentados e a poder identificar e separar os encargos relativos a despesas de representação dos que consubstanciam verdadeiros custos fiscais tidos com a inscrição dos trabalhadores nos Congressos ou mesmo com o aluguer do espaço para montagem dos "stands" da empresa naqueles eventos.



I.




Atento o exposto, e salvaguardando o devido e merecido respeito pelo Meritíssimo Juiz, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que todas as despesas inerentes à participação da Impugnante nos eventos indicados deveriam ser aceites como custo do exercício uma vez que, independentemente de serem ou não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa, a verdade é que inexistem documentos nos autos que os titulem de forma "comprovada".



J.




No que respeita à correcção relativa aos custos com créditos efectuados a farmácias em virtude da devolução de produtos, a Autoridade Tributaria nunca colocou em causa que a devolução de produtos pelas farmácias seja uma situação recorrente adveniente da natureza da própria actividade da Impugnante, o que se encontra questionado é a inexistência de documentos que demonstrem o controlo dos stocks dos produtos devolvidos, é a ausência de qualquer registo contabilístico quanto à entrada dos bens nas existências da Impugnante a acompanhar as notas de devolução efectuadas pela farmácia.



K.




O facto de estarmos perante produtos que seriam "inviáveis de comercializar" não impede o seu correcto registo contabilístico, isto é, a impugnante deveria contabilizar os produtos devolvidos dando entrada dos mesmos em stock, levando assim a um aumento das existências com a consequente emissão da nota de crédito às farmácias, para posteriormente registar o montante dos bens devolvidos como perdas/custos daquele exercício uma vez que os mesmos foram destruídos devido à ultrapassagem do prazo de validade ou sua deterioração.



L.




Deste modo, ainda que se admita a prova da realização do custo por qualquer meio, desde que adequado a demonstrar as principais características da transacção, conclui-se, inevitavelmente, que a Impugnante não logrou fazer prova de todos os elementos essenciais de forma a preencher os requisitos exigíveis pelo art. 23º do CIRC, não estando os encargos devidamente documentados.



M .




Inexistindo qualquer evidência da entrada dos bens devolvidos no stock da Impugnante, bem como inexistindo qualquer prova da destruição dos bens, seja auto de abate, seja qualquer documento emitido pela empresa que procedia a essa destruição, andou bem a Inspecção Tributária ao não aceitar o montante em causa como custo, pois, só desta forma se concretiza e respeita, a exigência legal de só se poderem considerar custos ou perdas "os que comprovadamente (com documentos emitidos nos termos legais) forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a Imposto ou para a manutenção da fonte produtora.



N.




Nesta perspectiva, entende-se estarmos perante um erro de julgamento de facto, uma vez que a factualidade considerada provada pelo Meritíssimo Juiz impunha uma decisão diferente da que foi tomada, tendo o Tribunal a quo insistindo essencialmente na questão da indispensabilidade dos custos quando o que estava em causa era a averiguação da devida documentação dos mesmos.



O.




Neste contexto, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, violando o disposto nos artigos 41º, n°1, al.g) e nº3 e ainda artigo 23º, ambos do CIRC, na radacção aplicável à data dos factos, devendo a sentença ser revogada.


Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação parcialmente procedente, atenta a revogação parcial efectuada pela Fazenda Pública aquando da contestação.”


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, conforme articulado de fls. 565 a 593 formulando as seguintes conclusões:

“IV.CONCLUSÕES


1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida contra a liquidação adicional de IRC n.º 831001…., respeitante ao exercício de 1996, datada de 26 de outubro de 2001, determinando a anulação do acréscimo à matéria coletável referente a despesas de representação, no valor de € 1.611,34, e do acréscimo referente a créditos por devoluções de produtos fora do prazo de validade, danificados ou deteriorados, no valor de € 502.744,09;


2ª A Ilustre Representante da Fazenda imputa à sentença recorrida erro de julgamento na parte referente ao acréscimo relativo a alegadas despesas de representação, no valor de € 1.611,34, alegando, em suma, que os custos em causa não se encontravam devidamente documentados por forma a permitirem "(...) uma separação entre o que seriam encargos que se enquadrariam na noção de despesas de representação e encargos que se apresentariam como verdadeiros custos fiscais" (cf. ponto 26 das alegações de recurso);


3.ª Não pode, todavia, proceder tal entendimento;


4.ª Com efeito, e desde logo, estando em causa uma alegada impugnação da matéria de facto dada como provada ou como não provada na sentença recorrida, impunha-se à Ilustre Representante da Fazenda Pública que cumprisse o ónus de impugnação que resulta do artigo 640.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, indicando os concretos pontos da matéria de facto incorretamente julgados e quais os meios probatórios que impunham decisão diversa daquela que foi proferida pelo Tribunal;


5ª Salvo o devido respeito, este ónus não foi cumprido pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, pelo que a matéria de facto não pode considerar-se como impugnada;


6 .ª Deste modo, permanece intato o juízo probatório de matéria de facto efetuado pelo Tribunal recorrido, devendo julgar-se improcedente, por conseguinte, o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida;


7.ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que não procedesse o que acima se aduziu, o que por mero dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre haveria que julgar improcedente o presente recurso, na medida em que o recurso apresentado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública encerra uma errónea interpretação do artigo 23.º do Código do IRC e da própria questão em discussão no caso subjudice;


8.ª Com efeito, nas suas alegações de recurso a Ilustre Representante da Fazenda Pública confunde a verificação dos requisitos previstos no artigo 23.º do Código do IRC - a saber: (i) encontrar-se devidamente documentado (comprovação) e (ii) ser indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (indispensabilidade) - com a questão da qualificação de determinadas despesas como despesas de representação nos termos do artigo 41.º do Código do IRC, que se reporta, apenas, à sua natureza;


9.ºDe facto, a não dedutibilidade das despesas de representação é uma não dedutibilidade legal, em face da sua natureza, e não uma não dedutibilidade resultante da falta de comprovação documental dos custos;


10.ª O requisito da comprovação do custo, no sentido da sua efetivação, funciona, pois, a montante da qualificação de uma determinada despesa como despesa de representação;


11.ª Com efeito, ou bem que um determinado custo não está devidamente documentado e não passa o teste do artigo 23.º do Código do IRC ou, estando, não passa o artigo 41.º por as despesas deterem natureza de despesas de representação;


12.ª Enquanto que a questão da comprovação do custo prende-se, como se aludiu, com a efetividade da operação, já a questão da sua qualificação como despesa de representação circunscreve-se à sua natureza, não concorrendo quaisquer alegadas insuficiências documentais;


13.ª Em face do exposto, bem andou o Tribunal recorrido quando decidiu no sentido da anulação da correção subjudice;


14ª De facto, sendo certo que inexistem exigências probatórias específicas para que determinadas despesas não sejam qualificadas como despesas de representação, e uma vez evidente que a natureza das despesas em causa não se compagina com o conceito de despesas de representação para efeitos do disposto no artigo 41.º n.º 3, do Código do IRC, dúvidas não restam quanto à improcedência do presente recurso;


15.ª Com efeito, o custo suportado pela Recorrida respeita, na generalidade, ao pagamento da cedência de espaços para a montagem de expositores nos locais onde ocorrem congressos médicos e a comparticipações publicitárias cuja contrapartida consiste na inscrição na respetiva documentação da imagem e denominação da Recorrida [cf. alíneas J) a N) da factualidade dada como provada na sentença recorrida], tendo um denominador comum: a promoção dos produtos que a Impugnante comercializa;


16ª Logo, sendo o objetivo visado com aquelas despesas a publicitação e promoção dos seus produtos, constituíam as mesmas "encargos de distribuição e venda" nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, na redação à data aplicável;


17ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve julgar-se improcedente o recurso interposto pela Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida;


18ª A Ilustre Representante da Fazenda Pública imputa ainda à sentença recorrida erro de julgamento na parte referente à correção relativa a créditos por devoluções de produtos fora do prazo de validade, danificados ou deteriorados, alegando, em suma, que embora não persistam dúvidas sobre a devolução dos produtos em causa e a indispensabilidade dos respetivos custos nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, os mesmos não podem considerar-se suficientemente documentados atenta a falta de alegados registos contabilísticos quanto à entrada dos bens em existências e dos respetivos autos de abate


19.ª Não pode, todavia, proceder tal entendimento;


20.ª Com efeito, e desde logo, também nesta parte, estando em causa uma alegada impugnação da matéria de facto dada como provada ou como não provada na sentença recorrida, impunha-se à Ilustre Representante da Fazenda Pública que cumprisse o ónus de impugnação que resulta do artigo 640.º CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, indicando os concretos pontos da matéria de facto incorretamente julgados e quais os meios probatórios que impunham decisão diversa daquela que foi proferida pelo Tribunal;


21.ª Salvo o devido respeito, este ónus não foi cumprido pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, já que, face ao factos dados como provados nas alíneas F) a D da factualidade da sentença recorrida, a Ilustre Representante da Fazenda Pública deveria ter evidenciado - o que não fez - de que forma aqueles factos, assim como os elementos probatórios constantes do doc. n.º 4 da p.i., deveriam dar-se por não provados;


22.ª Não tendo sido cumprido tal ónus probatório resultante do disposto no artigo 640.º do CPC, a matéria de facto não pode considerar-se como impugnada, devendo julgar-se improcedente, por conseguinte, o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida;


23ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que não procedesse o que acima se aduziu, o que por mero dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre haveria que julgar improcedente o presente recurso, na medida em que, residindo o dissídio da Ilustre Representante da Fazenda Pública na alegada necessidade de se impor, para comprovação dos custos em causa, um registo contabilístico quanto à entrada dos bens nas existências da Impugnante ou qualquer prova da sua destruição, é evidente a falta de fundamento legal para tal exigência;


24.ª Sendo certo que a comprovação documental do custo se refere "(...) à efectividade da realização dos custos (...) ", não havendo qualquer dúvida sobre a efetividade da devolução daqueles produtos e inexistindo qualquer exigência legal em matéria de prova, aqueles custos só podem dar-se, em face da matéria de facto dada como assente nos autos e como decidiu o Tribunal recorrido, como documentalmente comprovados;


25.ª É que, o custo em causa e a que deve reportar-se qualquer comprovação documental respeita à devolução dos produtos e não à sua eventual destruição;


26.ª Com efeito, a devolução dos produtos encerra a perda do seu valor e é esta que deve ser, e está, documentalmente comprovada;


27.ª Efetivamente, da deterioração dos produtos de cosmética, dermo-cosmética, etc, nomeadamente a decorrente do terminus do prazo de validade, resulta efeito igual ao da destruição dos bens, uma vez que outro destino não lhes pode ser dado;


28.ª A partir daquele momento, a existência do bem só ocorrerá, quanto muito, contabilisticamente porquanto materialmente já não tem valor, é como se estivesse destruído;


29.ª Com efeito, a posterior destruição física dos produtos deteriorados é tão somente uma consequência decorrente do próprio estado em que os mesmos se encontravam, isto é, a destruição é tão somente a eliminação física de algo que já não tem a natureza de existência;


30.ª Deste modo, a comprovação da deterioração dos produtos é quanto basta para concluir pela comprovação documental do custo para efeitos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC;


31.ª Improcedem, assim, os argumentos da Ilustre Representante da Fazenda Pública que pretendem atribuir a outros quaisquer movimentos contabilísticos o suporte documental para a comprovação dos custos em causa;


32.ª Ainda assim, e sem conceder quanto ao exposto, face à factualidade dada como provada na sentença recorrida, sempre pode dar-se como efetuada a destruição dos produtos em causa;


33ª Com efeito, resulta da alínea H) da factualidade dada como provada na sentença recorrida, não controvertida pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, que, após a devolução dos produtos e constatada a sua deterioração, os mesmos iam para destruição que era levada a cabo pela empresa Prolixo, razão pela qual não pode deixar de se concluir, também, pela efetiva destruição dos produtos;


34.ª A esta última conclusão não obsta a inexistência de auto de abate, já que, desde logo, atendendo ao elevado número de unidades de produtos devolvidos, o qual se cifrou no exercício de 1996 em, aproximadamente, 73.000 (cf. doc. n.º 5 da p.i.), não seria viável à Impugnante, ora Recorrida elaborar um auto de abate por cada destruição efetuada e, para além disso, também não lhe seria legalmente exigível que o fizesse;


35.ª De facto, aquele auto de abate representa só mais um meio de prova, para além das próprias notas de devolução dos produtos e da verificação que os seus funcionários fazem, da inutilização, deterioração ou carácter obsoleto dos produtos e, consequentemente, do motivo pelo qual os mesmos não se encontram nas existências da empresa;


36.ª Assim, face à inexigibilidade legal do auto de abate, só pode concluir-se, uma vez evidenciada a deterioração e destruição dos produtos em causa, pela ilegalidade da correção efetuada;


37.ª Em face do exposto, bem andou o Tribunal recorrido quando decidiu no sentido da anulação da correção sub judice, tendo por base os registos contabilísticos das notas de devolução das farmácias e demais clientes, a manifesta indispensabilidade dos custos em causa e tendo presente a inexigibilidade legal do auto de abate, assim como a inaplicabilidade do disposto no invocado artigo 80.º do Código do IVA;


38.ª De facto, pese embora o que é invocado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública em matéria de comprovação documental, o que é certo é que os serviços de inspeção tributária não adotaram qualquer procedimento objetivo no sentido de apurar de facto se os referidos produtos se encontravam ou não nas existências;


39.ª Nunca procederam a qualquer contagem, nunca solicitaram o inventário, nunca tentaram de qualquer outra forma apurar o real número de existências por forma a saber quais e quantas estavam efetivamente em falta, em suma, não constataram de modo objetivo a falta das existências nas instalações da Impugnante (cf. depoimento da testemunha M……, página 12 da sentença recorrida);


40.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve julgar-se improcedente o recurso interposto pela Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida;


41.ª Por último, pese embora se afigure à Recorrida que a Ilustre Representante da Fazenda Pública não suporta o seu recurso na aplicabilidade da presunção constante do artigo 80.º do Código do IVA, sempre importa referir, por mero dever de patrocínio e sem conceder, que não tem fundamento a desconsideração fiscal do custo relativo ao crédito efetuado pela Recorrida respeitante à devolução de mercadorias com base na presunção da venda das mesmas nos termos do artigo 80.º do Código do IVA;


42.ª Na verdade, enquanto a primeira tem origem na anulação parcial ou total do negócio, a segunda resulta da presunção legal da venda decorrente da constatação da inexistência das mercadorias nas instalações da empresa;


43.ª De facto, não só é inequívoca a devolução das mercadorias como também o é o crédito do respetivo preço, como, aliás, os próprios serviços da administração tributária, ao não questionarem a disponibilização às farmácias dos montantes creditados e exigindo à Recorrida a prova de ter procedido à destruição ou inutilização dos produtos, dão por provado;


44.ª Efetivamente, se os serviços da administração tributária alegaram, ainda que presumivelmente, que as mercadorias devolvidas foram posteriormente vendidas a um terceiro, desse facto decorre um efeito completamente diverso, qual seja, a presunção do proveito decorrente da venda daquelas mercadorias, mas não foi o procedimento adotado, como se verificou;


45.ª Ainda que por mera hipótese se admita, o que só por dever de patrocínio se pode aceitar, a suscetibilidade da aplicação da presunção prevista no artigo 80.º do Código do IVA e dos seus respetivos efeitos nos termos em que o faz a administração tributária, sempre a mesma seria ilegal;


46.ª Com efeito, no caso em concreto, não só não se verificam os pressupostos previstos no próprio artigo 80.º do Código do IVA viabilizadores da sua aplicação como, mesmo que se verificassem, a presunção nele contida nunca seria de aplicação direta e imediata em sede de IRC;


47.ª A aplicação desta presunção não pode resultar da mera adivinhação por parte da administração tributária, mas antes deve assentar numa constatação concreta de que as existências não se encontram nas instalações da Recorrida, mediante a verificação física das mesmas, a análise do inventário ou de qualquer outro meio objetivo de análise;


48.ª Ora, no caso sub judice, os serviços de inspeção tributária não adotaram qualquer procedimento objetivo no sentido de apurar de facto se os referidos produtos se encontravam ou não nas existências, não tendo procedido a qualquer contagem, solicitado o inventário, ou tentado de qualquer outra forma apurar o real número de existências por forma a saber quais e quantas estavam efetivamente em falta, em suma, não constatou de modo objetivo a falta das existências nas instalações da Impugnante (cf. depoimento da testemunha Ma….., página 21 da sentença recorrida);


49.ª Razão pela qual, em face do exposto, não pode deixar de se concluir pela falta de verificação dos pressupostos para aplicação da presunção prevista no artigo 80.º do Código do IVA;


50.ª Acresce que a aplicação desta presunção a outros impostos dependerá, naturalmente, da concomitante verificação dos pressupostos para estes especificamente previstos, legitimadores da aplicação dos métodos indiretos, nos termos do então artigo 51.º, n.º 1, do Código do IRC;


51ª Ora, nada disto foi efetuado pelos serviços da administração tributária, tendo os mesmos se limitado a anular um custo cujos pressupostos da sua relevação fiscal se encontram manifestamente demonstrados, em violação do que dispunham não só nos artigos 80.º, 82.º e 84.º do Código do IVA, na redação à data aplicável, como também o artigo 51.º do Código do IRC;


52.ª Razão pela qual, também com este fundamento, se imporia a anulação da correção efetuada, julgando-se improcedente o presente recurso e mantendo-se a douta sentença recorrida.


Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por provado, mantendo-se, nesta parte, a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!


Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00 e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja a Recorrida dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.”


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 220 dos autos).

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 483 a 526 dos presentes autos):
“A)
Pela ordem de serviço n.º 49518 datada de 22.05.2000, os serviços de Inspeção Tributária de Lisboa levaram a efeito uma acção de inspecção interna, donde resultaram correcções aritméticas ao lucro tributável, referente ao ano 1996, no montante de 102.173.214$00; (cfr. fls. 38 a 96 dos autos)
B)
Do exercício do direito de audição prévia ao projecto de relatório da acção de inspecção, foram alteradas as correcções inicialmente notificadas, referentes a pagamentos de despesas com funcionários da empresa, nos congressos no montante de 1.421.954$00 e, custos de distribuição, no montante de 5.608.929$00;(Cf. Fls. 43 e 44 dos autos)
C)
Do relatório inspectivo consta que foram efectuadas as seguintes correcções, ora impugnadas;
«(…)
2.1. Os custos registados nas contas 622… e 622…. Congressos Empresa, 622382 e 622388 Congressos Médicos no valor respectivamente de 4.559.712$00 e 2.604.610$00 têm a natureza de despesas de representação de acordo com o estipulado no n.º 3 do Art.º 41° do CIRC que considera como “despesas de representação” as refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades. As verbas relativas aos referidos custos não foram consideradas por parte do contribuinte como despesas de representação, não tendo, assim, sido acrescidas no quadro 17 da declaração Modelo 22 os correspondentes 20% nos termos da alínea g) do n°1 do Art.º41°do C.I.R.C.
Assim, o valor das despesas de representação cifra-se em 7.164.322$00, sendo de acrescer ao lucro tributável 1.432.864$00 correspondente a 20%. O Anexo I apresenta extracto das contas referidas, assim como alguns documentos a título exemplificativo.
(…)
2.4. O contribuinte relevou em Correcções relativas a exercícios anteriores –106.572.698$00. Se a regularização do valor de vendas de anos anteriores de 104.878.349$00 (106.572.698$00 – 1.694.349$00) traduz a contabilização de créditos efectuados em devoluções de vendas devido a prazo de validade expirado ou bens danificados e/ou deteriorados só há evidência de 4.087.208$00 com auto de destruição datado de 06.01.97 (contabilizados em 1996). Sendo, ainda de referir, que, para o exercício de 1997, os autos de destruição datados de 06/10/97, 23/05/97 e 10/12/97, que totalizam 22.071.842$00 estão reflectidos em Perdas de Existências (Quadro 28 L3) pela sua totalidade na Declaração Mod. 22 do exercício de 1997.
Assim, não pode ser aceite como custo o valor de 100.791.141$00 (104.878.349$00 -4.087.208$00), nos termos do Art.º 23° do CIRC. (…)» (cf. fls. 39 a 96 dos autos)
D)
O despacho do Diretor de Finanças de Lisboa de 25.09.2002 teve em conta a alegação da impugnante, no que respeita às despesas de representação, de cujo conteúdo se retira que:
«(…)8.2 – quanto ao acréscimo de 20% sobre 4 492 473$00, e analisados os documentos juntos aos autos como doc. n.º3, constata-se procederem em parte as alegações do impugnante, pelo que os custos titulados com os doc. de fls. 100, 103, 104, 112, 113, 114, 115, 117, 118, 119, 121, 122, 123, 156, 159, 187 188, 189 e 196 que totalizam 2.877.250$00 não devem ser considerados despesas de representação face ao conceito definido pelo n.º 3 do art.º 41° do CIRC, devendo assim anular-se no montante de 575 150$00 (20%*2.877.250$00), mantendo o valor de 323.045$00 (898.495$00– 575.450$00) por considerar insuficientemente, e deficientemente documentados os restante custos em causa. (…)
8.3 – quanto aos acréscimo de 100.791.141$00, embora o relatório dos serviços de inspeção tributária façam referência ao disposto no art.º 80.º do CIVA, o fundamento do acréscimo não se centrou na presunção prevista no citado artigo , contrariamente àquilo que a impugnante pretende fazer crer, mas no disposto no art.º 23 do CIRC (…)»; (cf. fls. 4 e 5 do processo administrativo junto autos).
E)
Em resultado das correções efetuadas foi emitida, em 26.10.2001, uma liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 1996 com o n.º 831001…., com prazo limite de pagamento voluntário de 19.12.2001, no montante de €293.961,06 (58.933.901$00); (cf. fls. 33 dos autos)
F)
As farmácias elaboravam notas de devolução dos produtos, cujo prazo de validade se encontrava expirada ou, a menos de três meses dessa mesma data, ou ainda quando se encontravam deteriorados ou danificados; (cf. depoimento das testemunhas M….. e C…..)
G)
As notas de devolução eram conferidas, qualitativa e quantitativamente por C….., no âmbito das funções que desempenhava, à data dos factos;(cf. depoimento da própria testemunha)
H)
Os produtos devolvidos após essa verificação eram selados dentro de caixas de cartão, arrumados em paletes para serem abatidos pela empresa “P…”; (cf. depoimento das testemunhas M…. e C….)
I)
Os produtos são identificados pelo, número de lote e prazo de validade, que são gravados na respectiva caixa (cf. depoimento das testemunhas M...... e C....).
J)
A impugnante atua como vendedor visitando as farmácias e com delegados que efetuam a divulgação dos produtos junto dos médicos dermatologistas e dentistas;(cf. depoimento das testemunhas M……)
K)
A impugnante, por meio dos seus representantes e delegados, tinha de pagar inscrição para estar presente nos congressos científicos; (cf. fls. 97 a 216, e depoimento das testemunhas M…..)
L)
A impugnante tinha de pagar a montagem dos Stands, que mandava fazer para apresentar os seus produtos às farmácias e aos médicos dermatologistas, cirurgiões plásticos e dentistas (cf. doc fls. 187, 188 e 189 dos autos e depoimento das testemunhas M….)
M)
Quando não havia possibilidade de montar Stand para apresentar os seus produtos, os delegados apresentavam directamente aos farmacêuticos e aos médicos;(cf. depoimento das testemunhas M….)


N)
Os delegados da impugnante apresentavam os produtos às farmácias, aos médicos, angariavam novos clientes e prestavam a informação aos clientes antigos; (cf. depoimento das testemunhas M….)
O)
Em 30.12.2002, na pendência da presente impugnação a impugnante procedeu ao pagamento da liquidação adicional, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 248-A/2002 de 14 de Novembro, cf. fls. 460 a 463 dos autos;

***


A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão.


***

A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como da prova testemunhal produzida, em sede de inquirição das testemunhas, arroladas pela impugnante.


Prova testemunhal:


M….., economista desde 1980 director de controlo de crédito na empresa impugnante, afere da qualidade dos clientes e análise de novos potenciais clientes, desde Maio de 1989.


Afirmou ao tribunal que acompanhou a inspeção tributária de natureza interna. Foi efetuada a partir de pedido de documentos da contabilidade. Explicou ao tribunal que para a presença da empresa em congressos, tinha de pagar um fee do aluguer do espaço para promover os produtos. Com um stand permite que a impugnante estabeleça contactos dos representantes da empresa com os médicos para a apresentação dos produtos e posterior comercialização dos produtos.


Informou ainda que, como a impugnante é uma empresa da área da dermo-cosmética que, em simultâneo, comercializa alguns medicamentos que fazem a ponte entre o medicamento, entendido como tal e, a dermo-cosmética, são produtos objeto de prescrição de médica de especialidade dermatológica e cirurgia plástica e também, como detém uma grande gama de produtos de higiene buco-dentária, também estava presente em congressos e reuniões de médicos dentistas.


Informou o tribunal que a empresa atua de duas formas. Uma, como vendedora que visita as farmácias e outra com delegados de informação médica que visitam os médicos de dermatologia, cirurgia plástica e dentistas.


Afirmou ainda ao tribunal que, quanto à devolução de produtos, tal como os medicamentos os produtos de dermo-cosmética têm impresso na sua cartonagem o número de lote e o prazo de validade. A prática do mercado é que as farmácias, a três meses do prazo de validade ou, em cima do prazo de validade, devolvem os produtos tal como fazem com os medicamentos, com a informação de não estar em condições de ser comercializado. Bastava as caixas dos produtos estarem danificadas para serem devolvidos.


Não se podia utilizar outra caixa porque não havia e porque cada produto pertence a um lote e à respetiva data de validade.


Explicou que à data, as farmácias faziam a devolução dos produtos através de notas de devolução que eram conferidas, qualitativa e quantitativamente na impugnante. Estes produtos ficavam sem qualquer valor, ficavam a valor zero escudos. Os produtos devolvidos, após essa conferência, eram selados dentro de caixas de cartão, arrumados em paletes e segregados dentro de uma parte do armazém com o objetivo para serem abatidos pela empresa “P…”.


Informou por fim que, à data dos factos, o auto de abate não era exigido. A contrapartida da devolução da farmácia é que os produtos eram segregados num armazém, quer em termos físicos, quer em termos informáticos, e eram identificados contabilisticamente e, por contrapartida das notas de créditos aos diversos clientes, é que se fazia o abate e destruição informática e física. Não tem ideia de algum inspector tributário se ter deslocado à empresa ou ao armazém a fim de verificar os produtos para destruição. À data dos factos a empresa P….. emitia uma factura correspondente aos serviços prestados da destruição dos produtos.


Recorda-se de no final de 1996, existir um único auto de abate por orientação de mudança de procedimentos interno da empresa, possivelmente por indicação do ROC que certificava as contas da empresa.


A testemunha C….., informou o tribunal que sua função na empresa há cerca de 26 anos, era de conferir devoluções de produtos selar as paletes com destino ao armazém para serem destruídos.


Explicou que as farmácias devolviam os produtos, e o que fazia era verificar e conferir se a quantidade correspondia à nota de devolução e se os produtos se encontravam danificados.


Informou que os produtos eram colocados em paletes e iam para o armazém para serem destruídos. Da forma como os produtos eram transportados quando devolvidos pelas farmácias era impossível voltar ao mercado. Isto porque vinham todos danificados ou porque se encontravam já fora de prazo de validade. Lembra-se que o volume devoluções era significativo, e lembra-se também que, tal como ainda hoje, os produtos eram destruídos pela empresa “P…..”.


As testemunhas revelaram nos seus depoimentos conhecimento directo dos factos a que foram indicados, tendo respondido com isenção e sem hesitação, pelo que lograram convencer o tribunal da sua veracidade.”



***


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

P. “P….., Lda”, ora Recorrida, dedica-se à venda de produtos de dermocosmética nas áreas de dermatologia, cirurgia plástica e medicina dentária (facto não controvertido expressamente alegado pela Impugnante e confirmado pela Impugnada; facto que se extrai do teor do RIT confirmado pela consulta na plataforma MJ on line);

Q. No Relatório de Inspeção Tributária evidenciado em C), no ponto 4, no Item identificado como “Direito de Audição-Fundamentação consta designadamente, o seguinte:

“4.2. No que se refere às Despesas com Congressos o custo mencionado no total de 7.164.322$00 comporta o seguinte enquadramento efectuado pelo sujeito passivo:

a) 4.492.473$00 (anexo 1) que têm a natureza de publicidade e não se enquadram na noção de despesas de representação.

b) 1.421.954$00 (anexo 2) relativos ao pagamento de despesas com funcionários da empresa presentes nos congressos e em reuniões comerciais e de marketing da empresa.

c) 1.429.895$00 (anexo 3) relative a pagamentos de estadas a participantes em congressos.

A argumentação apresentada pelo sujeito passivo no respeitante à al. a) não altera o enquadramento efectuado, pois tendo em atenção a participação de profissionais de saúde em eventos de carácter científico, atendendo aos documentos enviados pelo sujeito passivo a título exemplificativo (Anexo V), estamos perante despesas de representação conforme dispõe o nº3 do Art. 41.º do CIRC.

Os custos indicados na alínea b) no montante de 1.421.954$00 respeitam a funcionários da empresa presentes nos congressos e em reuniões comerciais e de marketing da empresa, veja-se documentos a título exemplificativo enviados pelo sujeito passivo (Anexo VI), não se enquadrando, assim, nas despesas de representação, sendo, assim, aceites como custo para efeitos fiscais, os respectivos 20% no valor de 284.391$00.

Quanto à correcção indicada na al. C) esta é aceite pelo sujeito passivo.

(…)

4. Relativamente à não aceitação como custo o montante de 100.791.141$00, relativo a créditos por devoluções de produtos vendidos por ter expirado o prazo de validade ou por se encontrarem danificados ou deteriorados, o contribuinte discorda referindo que: “ A aceitação de devoluções de produtos anteriormente vendidos, por ter expirado o prazo de validade ou por deterioração das embalagens é uma prática própria ao negócio da sociedade e ao mercado em que o contribuinte se insere. O facto gerador da perda é a recepção da devolução e o respectivo valor é a emissão da respectiva nota de crédito.O facto gerador da perda é a recepção da devolução. Atendendo à natureza destes factos a sua afectação ao resultado do exercício não pode estar dependente de os produtos terem sido fisicamente abatidos e elaborado o respectivo auto. Não existe actualmente nem em 1996 qualquer obrigação legal de proceder a qualquer prévia diligência ou participação junto dos serviços da Administração Fiscal nos moldes anteriormente previstos no artigo 26.º A do Código do Imposto de Transacções.(…)

Analisando toda a argumentação apresentada pelo Sujeito Passivo, a mesma não prova toda a fundamentação teórica que o sujeito passivo pretende. Quando do registo contabilístico das devoluções de vendas as mercadorias têm que dar entrada em stocks, contrariamente ao afirmado pelo contribuinte. Efectivamente, o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado não inseriu um dispositivo idêntico ao do Art. 26.º A do Código do Imposto de Transacções no sentido de subtrair à tributação os bens inutilizados, deteriorados ou obsoletos não encontrados nas existências dos sujeitos passivos. Contudo, o Art. 80.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado presume como transmitidos os bens não encontrados em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a actividade, salvo prova em contrário. Efectivamente os sujeitos passivos terão que ter na sua posse elementos justificativos das faltas nas suas existências dos bens destruídos ou inutilizados. Assim, não há evidência da destruição dos bens registados na conta “Correcções relativas a exercícios anteriores” pelo que não pode ser aceite como custo o valor de 100.791.141$00, nos termos do Art. 23º do CIRC.

Em virtude dos factos novos apresentados pelo sujeito passivo as correcções ao Lucro Tributável indicadas no projecto de conclusões foram alteradas passando de 108 066 534$00 para 102 173 214$00 e o Lucro Tributável Declarado de 97.320516$00 para Lucro Tributável Corrigido de 199493730$00.”

(cfr. fls. 43 a 46 dos autos);

R. No ano de 1996, foram emitidas faturas, recibos, notas internas e cheques, referentes ao pagamento de despesas por parte da “P…, Lda”, no valor total de € 22.408,36 respeitantes a alugueres de espaços para stands promocionais nos congressos e comparticipações publicitárias no âmbito das organizações dos congressos, jornadas de medicina e outras reuniões de especialidade, designadamente, “reunião da sociedade de Dermatologia”, “Congresso VII Jornadas de Medicina Dentária do Porto”, “25% do aluguer do espaço “P” para o XVI Congresso da SPEMD a realizar em Outubro de 1996”, “Utilização de um espaço nos Auditórios dos H.U.C durante as 2ªs Jornadas de Dermatologia para Clínica Geral, de 29 de Fev. a 1 de Março de 1996”, “Reunião Anual Medicina Dentária e Estomatologia”, “pagamento da reunião de inverno a realizar no Porto de 25 a 27/01/96”, “50% do valor da comparticipação no congresso anual “APMD96”, “X Jornadas de Medicina Oral”, “restantes 50% do valor referente ao XXVII Congresso Mundial da ASI”, “Associação Portuguesa de Ortodontia Straight Wire-pagamento de publicidade Ias Jornadas SPOSW” e “Ordem dos Farmacêuticos-Publicidade no Congresso Nacional dos Farmacêuticos 1996” (cfr. faturas, recibos e documentos internos de fls. 97 a 215 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

S. No ano de 1996, foram emitidas em nome da “P….., Lda” notas de devolução contendo a descrição do produto, a quantidade, e o motivo da devolução, constando no item da devolução, regra geral, a indicação “P/ Troca Prazo Validade”, “Fora de Prazo” (cfr. fls. 217 a 372 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

T. No ano de 1996, e em resultado das notas de devolução referidas na alínea antecedente foram emitidas pela “P….., Lda” notas de crédito, contemplando o fornecedor, o produto, a quantidade, o preço unitário, o valor da mercadoria, o IVA e o valor ilíquido (cfr. fls. 217 a 372 dos autos, 374 a 381 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC de 1996 e procedeu à anulação das correções impugnadas, concretamente, a correção no valor de €1.611,34 respeitante a 20% das despesas suportadas com congressos médicos e congressos de empresas qualificadas como despesas de representação (na parte subsistente correspondente ao montante de €8.056.70) e a correção concernente à desconsideração dos créditos por devoluções de produtos vendidos por ter expirado o prazo de validade ou por se encontrarem danificados ou deteriorados no montante total de €502.744,09.
Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento de facto, por ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos e erro de julgamento de direito por errónea apreciação dos pressupostos de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, as despesas suportadas com congressos médicos e congressos de empresas devem ser qualificadas como despesas de representação e se a desconsideração dos créditos por devoluções de produtos vendidos não podem ser aceites como custo fiscal, conforme propugna a Recorrente.
Apreciando.
Comecemos pelo erro de julgamento de facto.
A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em “[e]rro de julgamento de facto, uma vez que a factualidade considerada provada pelo Meritíssimo Juiz impunha uma decisão diferente da que foi tomada, tendo o Tribunal insistindo essencialmente na questão da indispensabilidade dos custos quando o que estava em causa era a averiguação da devida documentação dos mesmos.”
A Recorrida convoca, neste particular, que estando em causa uma alegada impugnação da matéria de facto dada como provada ou como não provada na sentença recorrida, impunha-se à Recorrente que cumprisse o ónus de impugnação que resulta do artigo 640.º CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, indicando os concretos pontos da matéria de facto incorretamente julgados e quais os meios probatórios que impunham decisão diversa daquela que foi proferida pelo Tribunal, o que não logrou fazer no caso vertente.
E, de facto, a razão está do lado da Recorrida. Vejamos porque assim o entendemos.
Preceitua o normativo 640.º do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT (cfr. anterior 685.º B do CPC) que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida(1).
No caso vertente, conforme se extrai com clareza do teor das alegações de recurso, a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita, limitando-se a convocar de forma absolutamente genérica e sem fazer alusão a qualquer alínea do probatório porque motivo a prova constante dos autos foi erradamente valorada.
Note-se que no caso dos autos, houve lugar à produção de prova testemunhal e a Recorrente no seu quadro conclusivo nem tão-pouco a convoca. É certo que no corpo das suas alegações alude ao depoimento das testemunhas, porém fá-lo de forma pouco definida e vaga, limitando-se a dizer que “tendo em conta os limites materiais impostos à prova testemunhal, concluímos que esta não é meio idóneo para contrariar a eficácia da prova assente em suportes documentais e lançamentos que não tenham sido descredibilizados”, o que é manifestamente insuficiente para colocar em crise o depoimento das mesmas. Acresce que quanto à credibilidade dos depoimentos consta na motivação da matéria de facto toda a ponderação que fundou o iter de fixação da matéria de facto, ou seja, o julgador exteriorizou o percurso lógico que o conduziu à formulação do juízo probatório sobre recorte probatório dos autos(2).
Aduza-se, em abono da verdade, que não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo(3).
Ademais, não se pode descurar e perder de vista que o recurso em matéria de facto para o Tribunal ad quem não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª instância, estabeleceria os factos provados e não provados.
Dir-se-á, em abono da verdade, que o Tribunal ad quem ao apreciar os meios de prova indicados pelas partes goza de autonomia nessa apreciação, assumindo, em rigor, um juízo próprio, mas também é igualmente certo que constitui condição essencial dessa apreciação que o Recorrente cumpra o ónus que a lei lhe impõe no citado normativo 640.º do CPC.
Ora, em face de todo o exposto, em consonância com o disposto, no nº1, alíneas a) e b) e 1ª parte da alínea a) do nº 2 do artigo 640º, impõe-se a rejeição, nessa parte, do recurso(4).
Aqui chegados, vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito por errada interpretação dos pressupostos de direito.
Comecemos pela correção no valor de €1.611,34 respeitante a 20% das despesas suportadas com congressos e qualificadas como despesas de representação.
A Recorrente alega que as correções tiveram por referência o artigo 23.º do CIRC, sendo que a questão não se reporta à indispensabilidade dos custos, mas sim à sua deficiente e insuficiente documentação. Mais evidenciando que estando em causa uma insuficiente documentação dos encargos, deveria o Tribunal a quo ter procedido a uma análise minuciosa, pontual e individual dos documentos que titulam os encargos não aceites pela Autoridade Tributária de forma a poder concluir se os mesmos se encontram suficientemente documentados e a poder identificar e separar os encargos relativos a despesas de representação dos que consubstanciam verdadeiros custos fiscais.
Densificando, nessa medida, que mal andou o Tribunal a quo ao considerar que todas as despesas inerentes à participação da Recorrida nos eventos indicados deveriam ser aceites como custo do exercício uma vez que, independentemente de serem ou não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa, a verdade é que inexistem documentos nos autos que os titulem de forma "comprovada".
Contra-alega a Recorrida convocando uma confusão conceptual entre a verificação dos requisitos previstos no artigo 23.º do Código do IRC e a qualificação de determinadas despesas como despesas de representação nos termos do artigo 41.º do Código do IRC. Densifica, para o efeito, que a não dedutibilidade das despesas de representação é uma não dedutibilidade legal, em face da sua natureza, e não uma não dedutibilidade resultante da falta de comprovação documental dos custos, sendo que o requisito da comprovação do custo, no sentido da sua efetivação, funciona, pois, a montante da qualificação de uma determinada despesa como despesa de representação.
Concluindo, nesse e para esse efeito, que atenta a inexistência de quaisquer exigências probatórias específicas para que determinadas despesas não sejam qualificadas como despesas de representação, e respeitando os custos em questão ao pagamento da cedência de espaços para a montagem de expositores nos locais onde ocorrem congressos médicos e a comparticipações publicitárias cuja contrapartida consiste na inscrição na respetiva documentação da imagem e denominação da Recorrida, então dimana evidente que visam encargos publicitários, donde, a promoção dos produtos que a Recorrida comercializa, sendo, por isso, subsumíveis no artigo 23.º, n.º1, alínea b), do Código do IRC.
Apreciando.
Vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu no aludido erro de julgamento de direito.
Como visto a Recorrente sufraga que o cerne da questão se coaduna com a indocumentabilidade dos custos, por inexistirem documentos nos autos que os titulem de forma comprovada, sendo que para aquilatar da exatidão e certeza de tal juízo de valoração importa atentar no teor do Relatório de Inspeção Tributária por forma a aferir-se quais os fundamentos que estribaram a aludida correção.
Ora, atentando nas alíneas C) e Q) da factualidade assente, constata-se que a entidade fiscalizadora evidenciou que os custos respeitantes a despesas com congressos fundaram-se na circunstância de tais despesas possuírem a natureza de despesas de representação, sendo que, de acordo com o artigo 41.º, nº3, do CIRC são despesas de representação “[a]s refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.
Relevando, para o efeito, que “as verbas relativas aos referidos custos não foram consideradas por parte do contribuinte como despesas de representação, não tendo, assim, sido acrescidas no quadro 17 da declaração Modelo 22 os correspondentes 20% nos termos da alínea g) do nº1 do Artº. 41.º do CIRC”, justificando, a final, que “o Anexo I apresenta o extracto das contas referidas, assim como alguns documentos a título exemplificativo”.
Ulteriormente, após exercício do direito de audição e conforme dimana inequívoco da alínea Q), ora aditada, a Administração Tributária reponderou o projeto de correções e procedeu à aceitação e consequente anulação dos custos no valor de 1.421.954$00 por respeitarem a despesas de funcionários da empresa presentes nos congressos e em reuniões comerciais e de marketing da empresa, não se enquadrando, assim, nas despesas de representação sendo, assim, aceites como custo para efeitos fiscais os respetivos 20%.
Ora, em face do supra aludido e como é bom de ver a razão de ser da correção que vimos analisando circunscreve-se a uma, alegada, errada qualificação das despesas com congressos, entendendo a entidade fiscalizadora que as mesmas assumem a natureza de despesas de representação, qualificação que não foi adotada pela Recorrida e que determina, na linha de entendimento da entidade fiscalizadora, o acréscimo de 20% à matéria coletável.
É certo que em sede de contestação, por remissão para a informação instrutora (cfr. facto D), a Administração Tributária vem alegar “quanto ao decréscimo de 20% sobre 4.492.473$00, e analisados os documentos juntos aos autos como doc. 3, constata-se que procederem em parte as alegações do impugnante, pelo que os custos titulados com os doc. de fls. 100, 103, 104, 112, 113, 114, 115, 117, 118, 119, 121, 122, 123, 156, 159, 187, 188, 189 e 196 que totalizam 2 877 250$00 não devem ser considerados despesas de representação face ao conceito definido pelo nº3 do art. 41.º do CIRC, devendo assim anular-se no montante de 575 450$00 (20%*2 877 250$00), mantendo o valor de 323 045$00 (898 495$00 – 575 450$00) por considerar insuficientemente, e deficientemente documentados os restantes custos em causa”, mas a verdade é que essa alegada indocumentabilidade não só não é contemporânea do relatório inspetivo, donde, sem relevo valorativo a posteriori(5), como não traduz, em rigor, uma indocumentabilidade na verdadeira aceção da palavra.
Com efeito, do supra aludido verifica-se que a correção se estribou numa incorreta valoração da natureza da despesa, aquiescendo a Administração Tributária que a mesma deveria ser enquadrada como despesa de representação, e não pelo facto de inexistirem suportes documentais que atestem a efetividade das despesas.
Aqui chegados, importa, então, atentar se o Tribunal a quo, julgou corretamente ao anular a correção no montante de €1.611,34 por as mesmas não revestirem a natureza das despesas de representação.
Para este efeito importa ponderar a fundamentação jurídica constante na decisão recorrida.
A decisão recorrida começa por evidenciar que “[o] primeiro requisito encontra-se devidamente preenchido, ou seja, documentado, uma vez que a comprovação pode ser efetuada através de documentos emitidos nos termos legais (normalmente facturas ou documentos equivalentes), sendo que em certas situações e, tendo em conta a natureza da componente negativa do rédito, são admissíveis documentos internos”.
Concretizando, outrossim, que “[q]uando se realizam congressos médicos e sempre que tal é possível, a impugnante, não só arrenda determinado espaço nas instalações em que os mesmos têm Iugar, (paga um fee) bem como, suporta ainda custos com publicidade, no sentido de dar a conhecer e de promover os seus produtos e a sua imagem. Enfatizando, para o efeito, que “As despesas, em questão, têm ambas um denominador comum: a promoção dos produtos que a impugnante comercializa.”
Sublinhando, a final, que a circunstância da Recorrida ter aceite parte da correção efetuada pela Inspeção Tributária “não altera, todavia, a natureza das despesas em que a Impugnante incorreu com a promoção dos produtos que comercializa e para as quais apresentou nos presentes autos os correspondentes elementos documentais. Com efeito, estando evidenciado nos presentes autos em que consiste o “fee” pago pela Impugnante e os fins para os quais a Impugnante o suporta, não pode subsistir qualquer dúvida de que as despesas incorridas, pela Impugnante a este título, não têm natureza de despesa de representação.
Portanto, enfatiza que a contabilidade da impugnante registou os documentos relativos aos pagamentos correspondentes à sua inscrição nos congressos ou reuniões médicas, a inscrição dos seus técnicos e bem assim as despesas inerentes à sua estada no local, o que dá cumprimento cabal ao primeiro requisito. Quanto ao segundo requisito, da indispensabilidade da realização do custo, encontra-se igualmente previsto, uma vez que, como decorre do depoimento das duas testemunhas, a participação da impugnante em congressos e reuniões médicas de especialidade de dermatologia, cirurgia plástica e medicina dentária, era uma das formas dos técnicos e delegados apresentarem e promoverem os seus produtos junto dos médicos, manter os clientes informados e promover a angariação de novos clientes.
Conclui, assim, que[t]odas as despesas inerentes à participação da impugnante nos eventos indicados devem ser aceites, como custo do exercício porque comprovadamente são indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. A não ser assim, não obstante o montante aceite pela impugnante referente ao lapso de contabilização, deveria ter a inspeção tributária, atendendo à especificidade do objeto social da impugnante, efetuado um escrutínio, indicando que despesas são inerentes a este tipo de participação em eventos, nomeadamente em relação à presente correção, com a devida fundamentação, o que não logrou fazer.”
Ora, atentando na fundamentação jurídica constante na decisão recorrida não se afigura que a mesma seja suscetível de qualquer censura.
Mas vejamos por que assim o entendemos, convocando para o efeito o teor dos normativos que relevam para o caso dos autos.
Neste particular, dispunha o artigo 23.º do CIRC, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que: “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.
A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo ou perda apenas desenha o conceito numa vertente finalística, traduzida tão-somente numa certa relação de causalidade com as componentes positivas do resultado.
De todo o modo, o citado artigo 23.º do CIRC permite aferir da existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos ou em face da manutenção da fonte produtora.
Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos”(6).
O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.
E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à Administração Tributária atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.(7)
No concernente às despesas de representação dispunha o artigo 41.º, nº1, alínea g) do CIRC, com a redação da Lei nº 39-B/94, de 27 de dezembro que não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício “As despesas de representação, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%”.
Consignando o nº 3 do aludido normativo que se consideravam “despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.”
Ora, da interpretação conjugada dos aludidos normativos resulta que enquanto no artigo 23.° do CIRC se fixa o critério para efeitos de determinação dos encargos contabilísticos que podem ser qualificados como custo fiscal, no citado artigo 41.º do CIRC estabelecem-se, por seu turno, limitações à dedutibilidade de certos custos, os quais já previamente admitidos pelo artigo 23.° do CIRC.
Dir-se-á, portanto, que na senda do evidenciado pela Recorrida o artigo 41.º do CIRC funciona como um segundo crivo relativamente a custos fiscais considerados admissíveis à luz do artigo 23.° do CIRC.
In casu, a decisão recorrida entendeu que face à natureza das despesas envolvidas -as quais se encontravam suportadas em documentos idóneos- não possuíam a natureza de despesas de representação. Concretizando, para o efeito, que estando evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Recorrida o suporta, e alocando-o ao objeto societário da empresa dúvidas não subsistiam de que tais despesas deveriam ser dedutíveis integralmente como custos fiscais.
E, de facto, o aludido entendimento não merece crítica, pois não tendo sido colocada em causa a efetividade da despesa, e a sua indispensabilidade e estando as mesmas suportadas em documentos idóneos não pode proceder o entendimento da Recorrente.
Com efeito, atentando no recorte probatório dos autos resulta que:
A Recorrente dedica-se à venda de produtos de dermocosmética nas áreas de dermatologia, cirurgia plástica e medicina dentária, atuando como vendedor visitando as farmácias e com delegados que efetuam a divulgação dos produtos junto dos médicos dermatologistas e dentistas.
Dimanando, outrossim, que a mesma por meio dos seus representantes e delegados, tinha de proceder ao pagamento da inscrição para poder estar presente nos congressos científicos.
Mais resultando assente que no âmbito da sua atividade tinha igualmente de proceder ao pagamento da montagem dos Stands de forma a proceder à apresentação dos seus produtos junto das farmácias, dos médicos dermatologistas, dos cirurgiões plásticos e dos dentistas, sendo certo que quando não existia a possibilidade de montagem dos Stands os delegados procediam à apresentação de forma direta junto dos farmacêuticos e dos médicos.
Dimanando, outrossim, que os delegados da Recorrida procediam à apresentação dos produtos às farmácias, aos médicos, angariando novos clientes e prestando informação aos clientes antigos.
Resultando, a final, que no ano de 1996, a Recorrente procedeu ao pagamento de despesas no valor de €22.408,36, respeitantes a despesas com alugueres de espaços para stands promocionais nos congressos e comparticipações publicitárias no âmbito dos congressos, jornadas de medicina e outras reuniões de especialidade.
Ora, em face do exposto, não tendo sido colocada em causa a efetividade das aludidas despesas, estando as mesmas devidamente suportadas -aliás a Recorrente não invoca que as mesmas não estejam suportadas com documento idóneo aduz apenas uma indocumentabilidade mas, como vimos, concatenada com a sua natureza- e assumindo, de forma inequívoca, que as mesmas são indispensáveis para a obtenção de proveitos nenhum vício pode ser assacado à decisão recorrida que assim o decidiu.
É certo que o Juiz do Tribunal a quo, não aferiu de forma casuística, minuciosa e pontual os documentos que titulam os encargos não aceites pela Autoridade Tributária, mas a verdade é que não o fez e não estava adstrito a fazê-lo, visto que computou que do elenco das faturas, recibos, notas internas e cheques juntos aos autos (alínea R) se constatava que os mesmos respeitavam a encargos com promoção e publicidade.
Ademais, fê-lo em consonância com o procedimento adotado pela entidade fiscalizadora na ação inspetiva, bastando para o efeito atentar no teor do relatório de Inspeção Tributária, do qual resulta expresso que o acréscimo foi realizado com base no extrato de conta e de acordo com uma enumeração que qualificam de exemplificativa, sendo certo que o ónus da prova dos factos índice compete, em primeira linha, à Administração Tributária (artigo 74.º LGT).
É certo, outrossim, que a Administração Tributária em sede de contestação, por remissão para a informação instrutora, aceita que parte das despesas apresentadas não são passíveis de qualificação como despesas de representação, mas a verdade é que não concretiza, com rigor e com a devida enunciação fáctica, porque motivo as despesas que entende subtrair do qualificativo de despesas de representação o deixam de ser, limitando-se a genericamente invocar que “face ao conceito definido pelo nº3 do art. 41.º do CIRC” não devem ser considerados despesas de representação.
Adicionalmente, sempre se dirá que se fizermos uma extrapolação do acervo documental constante na alínea R), com o teor dos documentos parcialmente admitidos pela Recorrente em sede de contestação não se aquiesce qual o fundamento que norteou tal procedimento. E isto porque não se perceciona, por exemplo, qual o motivo subjacente à aceitação da despesa respeitante a “Publicidade no Congresso Nacional dos Farmacêuticos 1996” e não é aceite a despesa suportada respeitante a “pagamento referente a publicidade Iªs jor. SPOSW”, quando ambas estão inteiramente relacionadas com publicidade. Dito de outro modo, não se perceciona quais os motivos que subjazem à aceitação expressa da dedutibilidade integral como custo fiscal numa situação e noutra situação paralela não se adote o mesmo entendimento.
A final, sempre importa relevar que no limite sempre o Tribunal teria de fazer valer-se da fundada dúvida contemplada no artigo 100.º do CPPT (anterior 121.º do CPT), e isto porque a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a Administração Tributária, não devendo ela efetuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles. O aludido normativo constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal, determinando que o interesse substancial da justiça domine o atual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado(8).
Com efeito, se os encargos em causa elencados na alínea R) respeitam ao pagamento de cedência de espaços para a montagem de expositores onde ocorrem os congressos e a comparticipações publicitárias identificadas no descritivo dos documentos em questão, as mesmas coadunam-se com despesas de promoção e publicidade inerentes ao normal desenvolvimento da atividade principal da sociedade Recorrida, e não a despesas de representação.
Neste âmbito, importa convocar, designadamente, o Aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09894/16, de 12 de janeiro de 2017, que doutrina na parte que para os autos releva o seguinte:
“[n]o que diz respeito ao conceito de despesas de representação, atento o disposto no artº.81, nº.7, do C.I.R.C. (cfr.anteriormente o artº.4, nº.6, do dec.lei 192/90, de 9/6; actual 88, nº.7, do C.I.R.C.), devem considerar-se como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no país ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2015, proc.8534/15; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.202 e seg.).
No caso "sub judice", do exame da factualidade provada (cfr.nºs.4 e 5 do probatório), deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que nos encontramos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta. Por outras palavras, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do nº.1 do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), assim devendo enquadrar-se no artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C., enquanto despesas de publicidade, conforme se entendeu na decisão recorrida.”
Ora, em face de todo o exposto, tudo visto e ponderado e sem necessidade de mais considerações, improcedem as razões invocadas pela Recorrente, mantendo-se a anulação decretada pelo Tribunal a quo, por a mesma padecer de vício de violação de lei por errada interpretação dos pressupostos de direito.
Atentemos, ora, no erro de julgamento referente à correção respeitante à desconsideração dos créditos por devoluções de produtos vendidos por ter expirado o prazo de validade ou por se encontrarem danificados ou deteriorados no montante total de €502.744,09.
A Recorrente sustenta que a Autoridade Tributaria nunca colocou em causa que a devolução de produtos pelas farmácias seja uma situação recorrente adveniente da natureza da própria atividade da Impugnante, o que se encontra questionado é a inexistência de documentos que demonstrem o controlo dos stocks dos produtos devolvidos.
Evidenciando, neste conspecto, que a circunstância de nos encontrarmos perante produtos "inviáveis de comercializar" não impede o seu correto registo contabilístico, sendo que no caso vertente a Recorrida deveria contabilizar os produtos devolvidos dando entrada dos mesmos em stock, levando assim a um aumento das existências com a consequente emissão da nota de crédito às farmácias, para posteriormente registar o montante dos bens devolvidos como perdas/custos daquele exercício uma vez que os mesmos foram destruídos devido à ultrapassagem do prazo de validade ou sua deterioração.
Concluindo, nessa medida, que ainda que se admita a prova da realização do custo por qualquer meio, a verdade é que inexistindo qualquer evidência da entrada dos bens devolvidos no stock da Impugnante, bem como inexistindo qualquer prova da destruição dos bens, o procedimento da Inspeção Tributária está inteiramente correto pois, só desta forma se concretiza e respeita, a exigência legal de só se poderem considerar custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Por seu turno, dissente a Recorrida contra-alegando que residindo a discordância da Recorrente na alegada necessidade de se impor, para comprovação dos custos em causa, um registo contabilístico quanto à entrada dos bens nas existências da Recorrente ou qualquer prova da sua destruição, é evidente a falta de fundamento legal para tal exigência, uma vez que não havendo qualquer dúvida sobre a efetividade da devolução daqueles produtos e inexistindo qualquer exigência legal em matéria de prova, aqueles custos só podem dar-se como documentalmente comprovados e subsumíveis no artigo 23.º do CIRC.
Ademais, enfatiza que o custo em causa e a que deve reportar-se qualquer comprovação documental respeita à devolução dos produtos e não à sua eventual destruição, uma vez que é a devolução dos produtos que encerra a perda do seu valor e é esta que deve ser, e está documentalmente comprovada para efeitos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.
De todo o modo enfatiza, neste âmbito, que sempre pode dar-se como efetuada a destruição dos produtos em causa, pois conforme resulta da factualidade dos autos, após a devolução dos produtos e constatada a sua deterioração, os mesmos iam para destruição que era levada a cabo pela empresa P….., razão pela qual não pode deixar de se concluir, também, pela efetiva destruição dos produtos, não relevando para o efeito a inexistência de qualquer auto de abate, desde logo, por não lhe ser legalmente exigível.
Reitera, a final, que os serviços de Inspeção Tributária não adotaram qualquer procedimento objetivo no sentido de apurar, de facto, se os referidos produtos se encontravam ou não nas existências, não tendo procedido a qualquer contagem, nunca solicitaram o inventário, nunca tentaram de qualquer outra forma apurar o real número de existências por forma a saber quais e quantas estavam efetivamente em falta, em suma, não constataram de modo objetivo a falta das existências nas instalações da Recorrente.
A final, afasta ainda a desconsideração fiscal do custo relativo ao crédito efetuado pela Recorrida respeitante à devolução de mercadorias com base na presunção da venda das mesmas nos termos do artigo 80.º do CIVA visto que não só não se verificam os pressupostos previstos no aludido normativo, sendo certo que mesmo que se verificassem, a presunção nele contida nunca seria de aplicação direta e imediata em sede de IRC.
A questão que importa, então, aferir é se o Tribunal a quo interpretou erradamente os pressupostos contidos no artigo 23.º do CIRC, in casu, importa aferir se a Recorrida demonstrou e suportou idoneamente as despesas incorridas com os créditos pagos aos clientes em virtude da devolução das mercadorias.
Para aferir do arguido erro de julgamento, cotejemos, então, qual o discurso fundamentador da decisão recorrida.
Sustenta a mesma que a “[d]eterioração ficou demonstrada, também, em sede de ação inspetiva, conforme, aliás, resulta do relatório de inspeção tributária. Com efeito, o que se exige é que o contribuinte tenha “(…) na sua posse elementos justificativos das faltas nas suas existências dos bens destruídos ou inutilizados. “(sublinhado nosso) (cf. doc. n.º2 da p.i.), dando como certo que as mesmas se encontravam fora do prazo de validade, deterioradas ou obsoletas. A comprovação da deterioração dos produtos resulta, igualmente, da confrontação das notas de crédito com as respectivas notas de devolução, emitidas pelas farmácias, nas quais se refere a causa da devolução (cf. doc. n.º 4 da p.i.). Do exposto resulta inequivocamente demonstrado que os produtos em causa encontram-se, pelos alegados motivos, inutilizados.
Concretiza, para o efeito, que “Em face do que se encontra documentado e provado nos autos, entende o tribunal o primeiro requisito encontra-se devidamente preenchido, uma vez que a comprovação pode ser efetuada através de documentos emitidos nos termos legais (normalmente facturas ou documentos equivalentes), sendo que em certas situações e, tendo em conta a natureza da componente negativa do rédito, são admissíveis documentos internos”.
Densifica, nessa medida, que “Embora, a falta de auto de abate dos produtos inutilizados e destruídos, tenha constituído a motivação da correção efetuada pela inspeção tributária, não deixa de assistir razão à impugnante, quanto à verificação do primeiro requisito, senão vejamos. A impugnante registou contabilisticamente as Notas de Devolução das farmácias e demais clientes, referentes à devolução dos produtos que se encontravam fora de prazo ou, cuja data limite do prazo inscrito na rotulagem, impediam o seu regresso ao mercado, tal como os produtos cuja embalagem se encontrava danificada e que não era possível substituir (por força da impressão do lote e do prazo de validade) bem como os produtos deteriorados, em virtude de transporte, em condições adversas como por exemplo o calor, chuva, conforme depoimento das testemunhas.Tais documentos fazem parte do documento n.º4, junto com a petição inicial, de fls.217 a 381 dos autos, onde se constata facilmente a conferência quantitativa das Notas de Devolução em relação aos produtos devolvidos. Como se encontra alegado e confirmado pelas duas testemunhas, as Nota de Devolução, depois de confirmadas qualitativa e quantitativamente, davam origem a uma Nota de Crédito, correspondente à totalidade dos produtos devolvidos por cada farmácia.”
Assim sendo, podemos concluir que a impugnante detinha, em termos de registo contabilístico, documentos comprovativos de todos os movimentos correspondentes aos montantes envolvidos na correção, razão pela qual a inspeção tributária não teve qualquer dificuldade em apurar o montante destas operações.
Quanto ao requisito da indispensabilidade do custo podemos dizer que o mesmo decorre da natureza da própria actividade da impugnante, tendo de reger- se pelas regras do seu mercado. Ou seja, deve respeitar e cumprir as regras impostas de que se os produtos se encontrarem a menos de três meses do prazo de validade, terem ultrapassado esse prazo ou se encontrarem danificados ou deteriorados, as farmácias e os demais clientes têm de proceder à sua devolução à impugnante.”
Concluindo, a final, que “[a]tento à prova efetuada nos autos, podemos afirmar que, se os produtos devolvidos não podiam voltar ao mercado, ou seja, não podiam gerar qualquer rendimento à impugnante, ficavam desprovidos de qualquer valor.
Desprovidos de qualquer valor, a emissão de uma nota de crédito, no montante do seu preço de venda inicial, aos clientes que os haviam adquirido, deve ser considerado como custo do exercício, por contrapartida do proveito inicialmente gerado.”
Ora, atendendo na fundamentação jurídica da decisão recorrida não se afigura que a mesma tenha incorrido em erro de julgamento de direito quanto à subsunção normativa no normativo 23.º do CIRC, uma vez que os custos, ora, sindicados se encontram documental e idoneamente suportados, revestindo, outrossim, caráter indispensável para a obtenção dos proveitos.
É certo que a Recorrente no quadro conclusivo aduz duas ordens de razão que se prendem com a não aceitação do valor de €502.744,09, concretamente, ausência de registo contabilístico quanto à entrada dos bens nas existências da Recorrida com a consequente emissão da nota de crédito às farmácias e bem assim a inexistência de documentos que atestem a destruição dos bens.
Mas a verdade é que tais alegações não podem determinar o afastamento da dedutibilidade do custo incorrido com os créditos por devoluções de produtos fora do prazo de validade, danificados ou deteriorados. Senão vejamos.
No concernente à falta de relevação contabilística importa, desde já, relevar que a mesma de per si, não pode determinar o acréscimo à matéria coletável de tal custo, desde logo, porque a Administração Tributária não coloca em causa a materialidade das operações relevando, outrossim, que “a Autoridade Tributária nunca colocou em causa que a devolução de produtos pelas farmácias seja uma situação recorrente adveniente da natureza da própria actividade da Impugnante”.
Acresce, outrossim, que o juízo de entendimento da Recorrente padece de erro, fundando-se, designadamente, em errada confusão conceptual entre o custo decorrente da anulação da venda em função da emissão da nota de crédito com o custo decorrente da destruição potencial das mercadorias, o qual, de resto, poderia assumir valores distintos.
Na verdade, conforme consta na alínea K) das conclusões das alegações de recurso : “O facto de estarmos perante produtos que seriam "inviáveis de comercializar" não impede o seu correcto registo contabilístico, isto é, a impugnante deveria contabilizar os produtos devolvidos dando entrada dos mesmos em stock, levando assim a um aumento das existências com a consequente emissão da nota de crédito às farmácias, para posteriormente registar o montante dos bens devolvidos como perdas/custos daquele exercício uma vez que os mesmos foram destruídos devido à ultrapassagem do prazo de validade ou sua deterioração.”, mas a verdade é que ainda que a Recorrida tenha de registar a contabilização dos bens devolvidos com a consequente relevação contabilística do aumento das existências, certo é que tal aumento das existências não decorre, conforme alegado pela Recorrente, com a emissão da nota de crédito às farmácias , na medida em que esta apenas materializa a anulação da venda.
Com efeito, o custo ocorre com a emissão da correspondente emissão da nota de crédito, que consubstancia, no fundo, a anulação de um proveito, em nada relevando a existência de auto de abate o qual, em rigor, só relevaria para efeitos de assunção e como o próprio nome indica da destruição efetiva dos bens, donde, para efeitos de equação de uma saída onerosa da sua esfera jurídica, no fundo para uma eventual e hipotética venda.
Ademais à data não era, de todo, exigível qualquer auto de abate muito menos para efeitos de afastamento da dedutibilidade fiscal de um custo que ocorre com a devolução dos bens e com a consequente emissão das notas de crédito as quais, como já evidenciado e resulta claro das conclusões das alegações, não foi colocada em crise.
Ora, se os factos relevantes para assunção do custo em questão são a devolução das mercadorias e a disponibilização do crédito e se estes não são colocados em causa, apenas e só a efetiva destruição dos bens, então não pode subsistir a correção realizada por padecer de erro sobre os pressupostos de direito.
Note-se que no ponto 47 das suas alegações a Administração Tributária alega, de forma inequívoca, que “As notas de devolução e as notas de crédito titulam a operação da devolução dos produtos demonstrando que as operações se realizaram efectivamente, bem como identificando o montante em causa, o que persiste, no caso em concreto, e repita-se, é a dúvida sobre a efectividade das operações relativas à destruição daqueles bens”.
De relevar, outrossim, que a alegação da Administração Tributária constante no relatório de Inspeção Tributária e refutada na sentença, ora, colocada em crise concernente ao artigo 80.º do CIVA em nada pode relevar para efeitos de acréscimo à matéria coletável de IRC.
Desde logo, porque tal normativo só pode assumir relevo para efeitos de omissão de proveitos em sede de IVA, o que, como é bom de ver, em nada respeita ao caso vertente. Dir-se-á, em abono da verdade, que a presunção da transmissão dos bens não encontrados em quaisquer dos locais em que o sujeito passivo exerce atividade, apenas poderia ter pertinência e acuidade para uma eventual omissão de proveitos e não para efeitos da não assunção como custo fiscal de uma realidade respeitante à devolução dos bens com a consequente emissão da nota de crédito.
De todo o modo e como bem evidencia a decisão no concernente à aplicabilidade do artigo 80.º do CIVA e meandros de atuação da entidade inspetiva “Como se pode confirmar, as notas de devolução têm a referência do produto, a sua identificação, quantidade, preço de venda e de custo e o motivo da devolução. Ou seja, as situações ora referidas são previsíveis e plausíveis de serem analisadas e verificadas, o que não cuidou a inspeção tributária de efetuar ou mesmo de referir a impossibilidade de análise por falta de alguma daquelas premissas. Pelo exposto, entende o tribunal que a inspeção tributária deveria ter ido mais longe, quedando-se apenas em referir a inexistência de auto de abate, documento não exigido por lei, não podendo, no caso em apreço socorrer-se do art.º 80.º do CIVA para justificar a sua postura, como fez nas conclusões do relatório inspetivo, aquando da apreciação do direito de audição”.
Ora, em face do que vem sendo dito e na senda do propugnado na decisão recorrida o custo colocado em causa subsume-se normativamente no artigo 23.º do CIRC, pois encontra-se documentalmente suportado com as notas de devolução e com as correspondentes notas de crédito, tendo esse circuito documental (não colocado em causa pela Recorrente) e meandros empresariais sido asseverados pela prova testemunhal, conforme resulta do recorte probatório dos autos.
Com efeito, dimana do acervo fático dos autos que no ano de 1996, foram emitidas pelos fornecedores e em nome da “P….., Lda” notas de devolução contendo a descrição do produto, a quantidade, e o motivo da devolução, constando no item da devolução, regra geral, a indicação “P/ Troca Prazo Validade”, “Fora de Prazo”, sendo que em resultado das mesmas foram emitidas pela Recorrida as competentes notas de crédito, contemplando o fornecedor, o produto, a quantidade, o preço unitário, o valor da mercadoria, o IVA e o valor ilíquido, porquanto é possível fazer a completa e competente extrapolação do circuito documental e material.
Resultando, outrossim, provado que as notas de devolução eram conferidas, qualitativa e quantitativamente, sendo que os produtos devolvidos após essa verificação eram selados dentro de caixas de cartão, arrumados em paletes para serem abatidos pela empresa “P…..”, sendo os mesmos identificados pelo, número de lote e prazo de validade, que são gravados na respetiva caixa.
Portanto, é quanto baste para se assumir o custo em questão como dedutível para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do CIRC, estando o mesmo devidamente suportado e mostrando-se indispensável para a manutenção da fonte produtora, devendo, nessa medida, a correção ser anulada por padecer de erro sobre os pressupostos de direito, conforme decidido pelo Tribunal a quo.
Em face de todo o exposto improcede na íntegra o alegado pela Recorrente não padecendo a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe é assacado, mantendo-se, por isso o julgado anulatório com o consequente reconhecimento dos juros indemnizatórios.

***
Quanto à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, requerida pela Recorrida entende-se que a mesma é de deferir.
Com efeito, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.
No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.A., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns – encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Sem custas, por delas estar isenta a Recorrente atenta a data de instauração da presente impugnação judicial, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.



Lisboa, 11 de abril de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Joaquim Condesso)


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(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(2) Vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 484/13.7 TBPVZ.P1, de 27 de março de 2017.
(3) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31 de maio de 2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07 de junho de 2018.
(4) Dada a expressão perentória da lei (através do emprego do adjetivo imediata), não cabe qualquer convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância desses ónus.
(5) Revestindo fundamentação a posteriori, logo não pode ser valorada, por inadmissível. Vide, designadamente, Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 01099/03, de 20 de janeiro de 2004, disponível para consulta em www:dgsi.pt
(6) TOMÁS TAVARES, «Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos», C.T.F. n.º 396, página 135.
(7) Neste sentido, por todos o Acórdão do STA de 29 de março de 2006, recurso n.º 1236/05.
(8) Vide, designadamente, o Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 0097/03, de 27 de maio de 2010.