Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07648/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
IMPOSTO DE SELO. LEI 150/99, DE 11/9.
INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA.
VERBA Nº.28, DA TABELA GERAL DO IMPOSTO DE SELO (T.G.I.S.)
ARTº.6, DA LEI 55-A/2012, DE 29/10. NORMA DE DIREITO TRANSITÓRIO.
Sumário:1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.

2. Com a Lei 150/99, de 11/9, e posterior reforma do património (cfr.dec.lei 287/2003, de 12/11), o Imposto de Selo mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro imposto incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. No que especificamente diz respeito aos bens imóveis, a determinação do seu valor tributável passou a ter por base o novo sistema de avaliações constante do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (cfr.preâmbulo do dec.lei 287/2003, de 12/11).

3. As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.

4. A verba nº.28, aditada à Tabela Geral do Imposto de Selo (T.G.I.S.) pelo artº.4, da Lei 55-A/2012, de 29/10, sujeita a incidência de imposto de selo, além do mais, a propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (vpt) constante da matriz, calculado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre tal vpt fazendo recair a taxa de 1%.

5. Do exame da norma de direito transitório constante do artº.6, da Lei 55-A/2012, de 29/10, deve concluir-se, além do mais, que em relação ao ano de 2012, o facto tributário se considera verificado a 31 de Outubro de 2012, mais sendo o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto correspondente ao que resulta das regras do C.I.M.I. por referência ao ano de 2011 (cfr.artº.6, nº.1, da citada Lei 55-A/2012, de 29/10).

6. Da concatenação das duas normas acabadas de examinar, deve entender-se que a tributação prevista na verba nº.28 da T.G.I.S. é, no ano de 2012, efectuada à taxa de 0,5% sobre o valor patrimonial tributário, desde que igual ou superior a € 1.000.000,00, de prédios urbanos com afectação habitacional, mais se reportando o facto tributário respectivo a 31 de Outubro de 2012.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.120 a 128 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pelo recorrido, "I………….. - Empreendimentos ……………., S.A.", visando liquidações de Imposto de Selo, relativas ao ano de 2012 e no montante total de € 3.516,16.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.141 a 143 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Deve ser dado provimento ao presente recurso, porquanto dos autos se mostra que as liquidações foram efectuadas em 21 de Março de 2013;
2-Daí não se poder fazer funcionar no caso vertente a norma do artº.6 n° 1 da Lei 55-A/2012, impondo-se sim observar a disposição do seu n° 2; basta admitir que o pressuposto de aplicação é o fenómeno da liquidação como momento autónomo na aplicação da norma tributária;
3-Por outro lado, entrando em linha de conta e seguindo-se os termos daquele preceito, não pode deixar de entender-se que a hipótese sub judice se compreende na norma de incidência em causa (verba 28 TGIS);
4-Pois, a expressão "deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano" (art. 6 n° 2 Lei n° 55-A/2012, 29/10), é significativa, a nosso ver, no sentido de a alteração do VPT pela avaliação geral relevar para efeitos de tributação em imposto de selo;
5-Assim, pelo exposto, e, principalmente pelo que será suprido pelo Douto Tribunal, deve ser revogada a sentença recorrida e julgar-se improcedente a acção de impugnação judicial, como é de JUSTIÇA.
X
Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.172 a 192 dos autos), o qual pugna pela confirmação do julgado e termina estruturando as seguintes Conclusões:
1-Do doc. 2 junto aos presentes autos com a impugnação judicial resulta que as notas de liquidação impugnadas têm data de 21.03.2013, o que no entanto não têm qualquer efeito sobre a decisão final proferida;
2-Determina a alínea a) do número 1 do artigo 6.° da Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro que "o facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012", no caso que se trata, ou seja de imposto relativo ao ano 2012;
3-Bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" ao aplicar a regra do artigo 6.° n.° 1 da Lei n.° 55-A/2012, de 29/10, porquanto as notas de liquidação, juntas como doc. 2 aos autos, são inequívocas: o ano de imposto a que se refere é 2012;
4-No dia 31 de Outubro de 2012, data em que objetivamente, nos termos do artigo 6.° da Lei 55A/2012 se verificaria o facto tributável, a impugnante não era proprietária de qualquer prédio destinado a habitação, com valor patrimonial tributário, igual, ou superior, ao referido um milhão de euros pelo que estaria fora do âmbito de aplicação do normativo;
5-Da conjugação do disposto no artigo 6.° e da verba 28 da TGIS, ambos do mesmo diploma legal: a Lei 55-A/2012 de 29 Outubro, resulta que, em relação ao ano 2012, o proprietário de prédio destinado a habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, à data de 31 de Outubro de 2012, veria tal imposto liquidado até 20 de Novembro do mesmo ano, devendo proceder ao seu pagamento até 20 de Dezembro de 2012 e no ano de 2013 a liquidação do imposto deve incidir sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano;
6-O prédio em apreço nos presentes autos encontra-se em propriedade total, correspondendo a 16 unidades autónomas, destinadas a apartamentos turísticos, suscetíveis de utilização independente, e como tal avaliadas;
7-Está provado que, desde 2010 e até à avaliação geral, ao prédio foi atribuído o VPT total do de 978.427,32 € (ponto 2) da factualidade provada na Douta sentença do Tribunal "a quo";
8-Está provado que através da avaliação geral efetuada em 18 de Dezembro de 2012 foi atribuído ao prédio o VPT de 1,054,800.00 € (ponto 3) da factualidade provada na Douta sentença do Tribunal "a quo";
9-Estando também provado que as liquidações impugnadas foram efetuadas com referência ao ano de 2012;
10-Resulta da lei que, com referência ao ano de 2012, para efeitos de cobrança de imposto de selo, o facto tributário verificar-se-ia à data de 31/10/2012;
11-Em relação ao prédio em apreço, tal imposto não é devido porquanto à data da verificação do facto tributário (31 de Outubro de 2012) o prédio tinha um VPT inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), ou seja, inexistia qualquer facto tributário, nos termos da legislação aplicável;
12-Ainda que assim não se considere, o que se diz sem se conceder e apenas por mero exercício académico, e que não se considerasse aplicável ao caso em apreço o disposto no n.° 1 do artigo 6.° da Lei n.° 55-A/2012 de 29/10, e se seguisse o raciocínio da recorrente, ou seja, se fosse seguido o critério do n.° 2 do referido artigo 6.°, sempre o resultado seria o mesmo: ilegalidade das liquidações efetuadas e a procedência da impugnação apresentada pela ora recorrida;
13-Em abstrato, temos que o facto tributário se verifica no dia 31 de Dezembro de cada ano, por remissão para o artigo 113.° do CIMI, ex vi artigo 23.°, n.° 7 do CIS;
14-Nos termos da Lei 60-A/2011, de 30 de Novembro, que alterou o D.L. 287/2003 de 12 de Novembro, mais concretamente no artigo 15.°-E, está definido o regime de notificação do valor patrimonial tributário apurado na avaliação geral, sendo que no caso dos presentes autos foi por meio de notificação eletrónica;
15-O sujeito passivo, após a notificação do resultado da avaliação geral poderá, em 30 dias, caso não concorde com o valor atribuído, promover uma segunda avaliação, nos termos do número 1 do artigo 15.°-F do mesmo diploma;
16-O VPT resultante da avaliação geral apenas se torna definitivo, procedendo os Serviços à atualização da matriz decorridos que se mostrem 30 dias sobre a notificação do valor atribuído, caso não haja sido requerida segunda avaliação, de harmonia com o previsto no artigo 15.°-H do diploma supra referido;
17-Resulta do supra exposto, e da factualidade dada como provada na douta sentença do Tribunal "a quo", que as avaliações gerais datam de 18 de Dezembro de 2012, foram efetuadas por via eletrónica e presumem-se recebidas, nos termos do número 2 do artigo 15.° E do mesmo diploma "no 3° dia posterior ao do registo ou no 1° dia útil seguinte, quando aquele dia não seja útil, daqui resultando que a notificação se presume recebida em 21 de Dezembro de 2012;
18-Significa isto que, o VPT resultante da avaliação geral apenas entrou em vigor em 20 de Janeiro de 2013, pelo que, à data de 31 de Dezembro de 2012, a ora recorrida era proprietária de um prédio urbano, composto por 16 unidades suscetíveis de utilização independente, cujo VPT, nessa mesma data era de € 978.427,32. conforme consta da factualidade provada na douta sentença;
19-Ou seja, nem mesmo seguindo o raciocínio da recorrente poderia a verba 28 da TGIS ser aplicada ao prédio em apreço, resultando por isso na ilegalidade das liquidações efetuadas à recorrida;
20-Por outro lado, em relação ao ano 2013, o imposto de selo ainda não podia ser liquidado àquela data de 21.03.2013, porquanto no diploma que criou o imposto o legislador estabeleceu duas realidades distintas, com o objetivo único de antecipar a cobrança deste novo imposto e assim se conseguir cumprir com as metas orçamentais impostas pela Troika com a arrecadação de uma receita extraordinária para o ano de 2012;
21-Isto porque, se se aplicassem as regras do CIMI (regime geral) ao imposto criado, o mesmo seria devido pelo titular inscrito em 31 de Dezembro de 2012, e seria liquidado apenas em 2013, tornando, assim, manifestamente inútil, do ponto de vista dos objetivos orçamentais que lograva cumprir, a sua criação no ano de 2012;
22-É óbvio que o legislador não criou dois impostos iguais para o ano 2012, um que incidia sobre o proprietário em 31 de Outubro de 2012 e sobre o valor que o prédio tinha a tal altura, e um outro que incidia sobre o proprietário em 31 de Dezembro de 2012, devendo ser liquidado nos termos do CIMI em 2013;
23-Significa isto que, o imposto criado foi apenas um, e pretendeu-se, tão só, antecipar receitas que, nos termos normais, seriam recebidas em 2013, para 2012, daqui resultando que, nem por esta via, seria devido o imposto de selo pela ora recorrida, ou seja, nem alegando a recorrente que se tratava de imposto a liquidar durante o ano 2012, pois como se provou à data de 31/10/2012 o prédio em apreço nos presentes autos tinha uma valor patrimonial inferior a € 1.000.000,00;
24-Nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, designadamente no seu artigo 8.°, n.° 1, o imposto é devido pelo proprietário do prédio à data de 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar;
25-E nos termos do artigo 113.°, n.° 1 do CIMI, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita;
26-Ou seja, com referência ao ano 2013, apenas em 31/12/2013 se gera o facto tributário, nos termos dos supra referidos artigos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, significando isto que, apenas após a verificação do facto tributário, ou seja, apenas em 2014 a Autoridade Tributária poderá emitir notas de liquidação deste imposto, referentes a 2013, tendo como sujeito passivo o titular inscrito em tal data e o valor patrimonial que constar na matriz;
27-Se assim não fosse, verificar-se-ia, em relação ao ano de 2012, sem sombra de dúvida, uma duplicação do imposto cobrado o que não é admissível, nem legalmente possível;
28-Assim, uma vez que o prédio que ora se discute à data da liquidação do imposto devido pelo ano 2012 (31 de Outubro de 2012) não tinha um VPT igual ou superior a € 1.000.000.00 (um milhão de euros), não poderá incidir, sobre o mesmo o imposto de selo constante do ponto 28 da Tabela;
29-Mesmo que assim não se entenda, o que se diz sem conceder e apenas por mera cautela de patrocínio, nos termos do artigo 149.°, n.º 3 do Código de Processo Administrativo, aplicável ex vi artigo 2.° alinea c) do CPPT, deverão V. Exas. proceder à apreciação do pedido relacionado com a questão da afetação do prédio, questão esta cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao litígio;
30-A verba 28, que foi aditada à Tabela Geral do Imposto de Selo, é específica, e para o que nos interessa, aplica-se a prédios urbanos com afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI seja igual ou superior a € 1.000.000,00;
31-Resulta da caderneta predial junta à impugnação judicial apresentada como doc. 3 (e igualmente documento 1, referente à actual descrição do prédio) o referido artigo urbano 8890 é de um prédio urbano de 4 pisos, destinado a indústria, em regime de propriedade total, constituída por 16 fogos;
32-O prédio - Lote 7 (anterior Bloco 47) encontra-se classificado para efeitos turísticos, e faz parte do empreendimento denominado "Apartamentos ……………. 3***". sito na Quinta ……….., em Olhos ………., A……….;
33-Para o empreendimento turístico supra, de que faz parte o prédio que ora se analisa, foram emitidas, pela Câmara Municipal de Albufeira, as licenças de utilização números 76 a 81, em 11 de Março de 1988, que destinavam os prédios a habitação;
34-A Câmara Municipal de Albufeira emitiu a licença normal, para habitação, e, paralelamente, desenvolveu-se o processo de classificação no Turismo, pois a legislação da altura não impunha a emissão de uma licença de utilização turística, como hoje;
35-Por ofício datado de 20 de Setembro de 1988 a Direcção Geral de Turismo autorizou a abertura do empreendimento como "Apartamentos ……………….." - of. DGT/DSEAT/ATRS/ATC-22058 -(conforme doc. 20 junto à impugnação judicial);
36-Em 17 de Setembro de 1997, por aplicação do Decreto Regulamentar 34/97, o empreendimento foi "classificado, independentemente de quaisquer formalidades, como Apartamentos …………..***", e em 28 de Dezembro de 2010, foi deferida a reconversão do empreendimento para Apartamentos ………………..*** - SI-RJET n.° 986 -22058 (tudo conforme doc. 21 junto à impugnação judicial);
37-Em 21 de Novembro de 2011, foi efetuada a última classificação, que se encontra válida até 21 de Novembro de 2015, tendo atribuído ao empreendimento, onde se localiza o prédio, o registo número 1172 (conforme doc. 22 constante da impugnação);
38-Desde a sua edificação (1988) até aos dias de hoje, o prédio, inserido no empreendimento turístico em causa, nunca esteve afecto a habitação, estando apenas, e só, afecto à indústria hoteleira;
39-A recorrente ao aplicar ao prédio para indústria hoteleira, propriedade da ora recorrida, o previsto no artigo 6.° da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, fê-lo erroneamente porquanto o referido prédio urbano não está abrangido pelo âmbito de aplicação objetiva do imposto, pois não se encontra, nem nunca se encontrou, afecto a habitação;
40-Há que interpretar o espírito do legislador, e a teleologia da norma, o intuito foi o de aplicar aos sujeitos passivos proprietários de prédios ditos de "luxo" (com valores patrimoniais tributários iguais ou superiores ao referido um milhão de euros), um imposto especial, destinado, efetivamente, a taxar o "luxo" e a refletir, em prol da comunidade, o benefício da existência de uma acrescida capacidade contributiva do titular do imóvel, tendo tido o cuidado, por exemplo, de isentar os prédios destinados a outros fins, por exemplo, comércio, indústria ou serviços, em que o seu valor patrimonial nada espelha a nível da "capacidade contributiva", mas, eventualmente, apenas nível de "aptidão produtiva", fazendo incidir o imposto somente sobre prédios destinados a habitação (com VPT acima de determinado valor e todos os prédios detidos por sociedades sedeadas nos chamados paraísos fiscais);
41-A ora recorrida não era proprietária de qualquer prédio destinado a habitação, com valor patrimonial tributário, igual, ou superior, ao referido um milhão de euros pelo que estaria fora do âmbito de aplicação do normativo;
42-Assim, por falta de preenchimento dos elementos objetivos do imposto deverá ser determinada a anulação das notas de liquidação impugnadas.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.205 e 206 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.121 a 124 dos autos - numeração nossa):
1-A impugnante é proprietária do prédio em propriedade total, sito em Quinta ……………, Olhos …….., da freguesia e concelho ……….., identificado como Bloco 47, atual Lote 7, inscrito na matriz sob o artigo ……… (cfr.documento junto a fls.22 a 31 dos presentes autos);
2-Desde 2010, até à avaliação geral, ao prédio identificado no nº.1 foram atribuídos os seguintes VPTs parciais, correspondente ao VPT total de € 978.427,32:

0…………- 8890 - 1 59.043,03 €
0…………- 8890 - 2 59.043,03 €
0………………- 8890 - 3 60.576,62 €
0……………- 8890 - 4 60.576,62 €
0……………..- 8890 - 5 62.110,19 €
0……………….- 8890 - 6 62.110,19 €
0……………..- 8890 - 7 63.643,79 €
0………..- 8890 - 8 63.643,79 €
0………….- 8890 - 9 59.043,03 €
0…………- 8890 - 10 59.043,03 €
0……………….- 8890 - 11 60,576,62 €
0…………..- 8890 - 12 60.576,62 €
0………..- 8890 - 13 62.110.19 €
0…………- 8890 - 14 62.110,19 €
0……….- 8890 - 15 62 110,19 €
0……- 8890 - 16 62.110.19 €
(cfr.documento junto a fls.50 a 56 dos presentes autos, o qual se dá por reproduzido);
3-Em 18/12/2012, através da avaliação geral, foram atribuídos às zonas suscetíveis de utilização independente do prédio identificado no nº.1 os seguintes VPTs, no valor total de € 1.054.800,00:

0…………-8890-1 65,050.00 €
0…………..-8890-2 66,800.00 €
0………….-8890-3 65,050.00 €
0…………-8890-4 66,800.00 €
0………… -8890-5 65,050.00 €
0………..-8890-666,800.00 €
0……………-8890-7 65,050.00 €
0…………-8890-8 66,800.00 €
0……….-8890-9 65,050,00 €
0………….-8890-10 66,800.00 €
0……………-8890-11 65,050.00 €
0………..-8890-12 66,800.00 €
0……………-8890-13 65,050.00 €
0………..-8890-14 66,800.00 €
0………..-8890-15 65,050.00 €
0…………-8390-16 66,800.00 €

(cfr.documentos juntos a fls.57 a 72 dos presentes autos, os quais se dão por reproduzidos);
4-As avaliações identificadas no número que antecede foram notificadas à impugnante por via eletrónica (por acordo);
5-Atos impugnados: com referência ao ano de 2012 foram efetuadas, em 21/03/2013, as seguintes liquidações de Imposto de Selo relativas às zonas suscetíveis de utilização independente do prédio identificado no nº.1, tendo por base os VPTs apurados em 18/12/2012, e mediante aplicação da taxa de 1%, no valor total de € 3.516,16, com data limite de pagamento em Abril de 2013:


Ident. do Prédio Liquidação n.° Valor
080101-U-8890-1 …………. € 216,84
080101-U-8890-2 ……………… € 222.68
080101-U-8890-3 …………………. € 216.84
080101-U-8890-4 …………………. € 222.68
080101-U-8890-5 …………………… € 216.84
080101-U-8890-6 ………………. € 222.68
080101-U-8890-7 …………….. € 216.84
080101-U-8890-8 ……………… € 222,68
080101-U-8890-9 …………….. € 216,84
08010I-U-8890-10 …………….. € 222,68
080101-U-8890-11 ……………… € 216,84
080101-U-8890-12 ……………. € 222,68
080101-U-8890-13 …………… € 216,84
080101-U-8890-14 …………… € 222.68
080101-U-8890-15 …………… € 216.84
080101-U-8890-16 ……………….. € 222.68

(cfr.documentos juntos a fls.33 a 48 dos presentes autos, os quais aqui se dão por reproduzidos);
6-Em 30/04/2013 a impugnante procedeu ao pagamento das liquidações identificadas no nº.5 (cfr.documentos juntos a fls.33 a 48 dos presentes autos, os quais aqui se dão por reproduzidos);
7-Em 30/07/2013 a impugnante apresentou a presente impugnação judicial, junto do Serviço de Finanças de Albufeira (cfr.data de entrada aposta a fls.2 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório…”.
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Dado ser um erro material evidente, alterou-se a data de realização das liquidações de imposto de selo constante do nº.5 do probatório (31/12/2012), para a que corresponde ao teor dos documentos juntos a fls.33 a 48 dos presentes autos - 21/03/2013 (cfr.artº.614, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.249, do C.Civil).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar totalmente procedente a presente impugnação e, consequentemente, anular os actos tributários objecto do processo (cfr.nº.5 do probatório), devido a vício de violação de lei, mais tendo condenado a A. Fiscal na restituição à sociedade impugnante do valor do tributo pago, acrescido de juros indemnizatórios desde a data em que foi efectuado o pagamento até ao integral reembolso.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P. Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em síntese e conforme supra se alude, que deve ser dado provimento ao presente recurso, porquanto dos autos se mostra que as liquidações foram efectuadas em 21 de Março de 2013. Que não se pode fazer funcionar, no caso vertente, a norma do artº.6, nº.1, da Lei 55-A/2012, de 29/10, impondo-se sim observar a disposição do seu nº.2 do mesmo preceito. Que entrando em linha de conta e seguindo-se os termos daquele preceito, não pode deixar de entender-se que a hipótese "sub judice" se compreende na norma de incidência em causa (verba 28 TGIS), pois a expressão "deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano" (cfr.artº.6, nº.2, da Lei 55-A/2012, 29/10), é significativa, a nosso ver, no sentido de a alteração do VPT pela avaliação geral relevar para efeitos de tributação em imposto de selo (cfr.conclusões 1 a 4 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Antes de mais, se remete o recorrente para a sanação do erro material evidente constante do nº.5 do probatório (data de realização das liquidações objecto do presente processo) e supra mencionado em sede de decisão da matéria de facto.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6726/13).
O Imposto do Selo foi introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 12700, de 20/11/1926, o qual aprovou o respectivo Regulamento, sendo a Tabela Geral do Imposto de Selo aprovada pelo decreto 21916, de 28/11/1932, ambos os diplomas tendo sofrido muitas alterações posteriores. Este tributo podia definir-se como um imposto que incide sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, qualquer que seja a forma do respectivo pagamento. Sendo, em regra, um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podia configurar-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. O Prof. Teixeira Ribeiro defendia que este imposto constituía uma amálgama de tributação directa e indirecta. O mesmo incidia, nos termos do artº.1, do respectivo Regulamento, sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo. Por último, refira-se que em muitos casos, o imposto de selo se configurava, conforme mencionado, como uma verdadeira taxa, como era o caso do selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais (cfr.Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.272 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.595 e seg.; J.J. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 1977, pág.349).
Com a Lei 150/99, de 11/9, e posterior reforma do património (cfr.dec.lei 287/2003, de 12/11), o tributo em análise mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro imposto incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. No que especificamente diz respeito aos bens imóveis, a determinação do seu valor tributável passou a ter por base o novo sistema de avaliações constante do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (cfr.preâmbulo do dec.lei 287/2003, de 12/11; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág.359 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve, em primeiro lugar, fazer-se a exegese das normas constantes do artº.6, da Lei 55-A/2012, de 29/10, aplicável ao caso "sub judice" (cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil):
Artº.6
(Disposições transitórias)
1-Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.° do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%:
(…)
2-Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.° 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.
(...)

Por sua vez, igualmente se deve levar em consideração que a citada Lei 55-A/2012, de 29/10, a qual entrou em vigor no pretérito dia 30/10/2012 (cfr.artº.7, nº.1, da Lei 55-A/2012, de 29/10), aditou à Tabela Geral do Imposto de Selo, aprovada pela Lei 150/99, de 11/9, a verba nº.28 com a seguinte redacção:

28-Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;
(...).

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Por outro lado, releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5320/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09).
A norma sob exegese, a verba nº.28, aditada à Tabela Geral do Imposto de Selo (T.G.I.S.) pelo artº.4, da Lei 55-A/2012, de 29/10, sujeita a incidência de imposto de selo, além do mais, a propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (vpt) constante da matriz, calculado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre tal vpt fazendo recair a taxa de 1%.
Por sua vez, do exame da norma de direito transitório constante do artº.6, da Lei 55-A/2012, de 29/10, deve concluir-se, além do mais, que em relação ao ano de 2012, o facto tributário se considera verificado a 31 de Outubro de 2012, mais sendo o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto correspondente ao que resulta das regras do C.I.M.I. por referência ao ano de 2011 (cfr.artº.6, nº.1, da citada Lei 55-A/2012, de 29/10).
Da concatenação das duas normas acabadas de examinar, deve entender-se que a tributação prevista na verba nº.28 da T.G.I.S. é, no ano de 2012, efectuada à taxa de 0,5% sobre o valor patrimonial tributário, desde que igual ou superior a € 1.000.000,00, de prédios urbanos com afectação habitacional, mais se reportando o facto tributário respectivo a 31 de Outubro de 2012.
Revertendo ao caso dos autos, está em causa um prédio que compreende 16 unidades susceptíveis de utilização independente, cujo valor patrimonial tributário (vpt) foi determinado separadamente para cada uma dessas unidades, nos termos do disposto no artº.7, nº.2, al.b). do C.I.M.I.
Antes da avaliação geral de 2012, realizada em 18/12/2012 (cfr.nº.3 do probatório), a soma dos valores patrimoniais de todas as mencionadas 16 unidades susceptíveis de utilização independente era de € 978.427,32 (cfr.nº.2 do probatório), sendo que, após essa avaliação o mencionado vpt passou a ser superior a um milhão de euros (€ 1.054.800,00 - cfr.nº.3 do probatório).
Deste modo, para efeitos tributação em relação ao ano de 2012, não pode ser relevada factualidade ocorrida em data posterior à da verificação do facto tributário (31/10/2012), sendo certo que a avaliação realizada em Dezembro desse ano ocorre a jusante do dito facto tributário, mais não se reportando à data do mesmo (cfr.nº.3 do probatório).
Nestes termos, na esfera jurídica da sociedade impugnante, à data relevante para efeitos de tributação ao abrigo da verba 28.1 da T.G.I.S. e quanto ao ano de 2012 (31/10/2012), estamos perante um prédio urbano composto de 16 unidades susceptíveis de utilização independente, cujo vpt, nessa mesma data, é de € 978.427,32, assim não se subsumindo na norma de incidência ora transcrita. Deve acrescentar-se que, contrariamente ao defendido pelo recorrente, não se aplica, ao caso "sub judice", o artº.6, nº.2, da Lei 55-A/2012, de 29/10.
Mais se deve recordar que as normas de incidência estão sujeitas, desde logo, ao princípio da legalidade tributária (cfr.artº.103, nº.2, da C.R.P.; artº.8, da L.G.T.).
Em conclusão, deve confirmar-se a decisão recorrida, visto ser manifesto que as liquidações impugnadas padecem de vício de violação de lei.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora com a presente fundamentação, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 10 de Julho de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Pereira Gameiro - 2º. Adjunto)