Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03958/10
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/09/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
PRESCRIÇÃO.
LEGALIDADE EM CONCRETO.
Sumário:1.Não ocorre a prescrição da obrigação tributária relativa ao IRC do exercício do ano de 1996, quando a reclamação graciosa e o respectivo recurso hierárquicos interpostos da liquidação, aquela instaurada em 2002 e este findo em Outubro de 2003, que nunca estiveram parados por mais de um ano na sua tramitação, pelo que o início do prazo prescricional só se retomou nesta última data e por inteiro (8 anos), por força do efeito interruptivo até então ocorrido e que teve por efeito inutilizar todo o tempo decorrido até 2002;

2. Tendo mais tarde vindo a ser instaurada execução fiscal e a executada vindo a ser citada, de novo se interrompeu o decurso de tal prazo então já de novo em curso, e tendo a execução fiscal sido suspensa por força da prestação da garantia em 2009, e da dedução da oposição, o decurso de tal prazo suspendeu-se e a sua contagem só se reinicia com a decisão que puser termo à oposição;

3. No caso de dívida de IRC, não pode na oposição à execução fiscal conhecer-se da legalidade em concreto ou correcta liquidação desse tributo, por a lei assegurar meio impugnatório judicial contra o acto de liquidação do imposto (ainda que a contribuinte, em tempo oportuno, o não tenha exercido).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. J..... D......... - Comércio e Indústria, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 4.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1. A não aceitação pela Administração Fiscal da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 1996, ainda que fora de prazo pelas razões em sede de recurso aduzidas e mediante o pagamento das coimas que fossem devidas, determinou a liquidação oficiosa de imposto com base nos valores declarados em sede de IVA, majorado com a aplicação de um coeficiente de 20%;
2. Levando a que fosse fixado como valor em dívida, objecto da execução fiscal, o valor de 165.086,47 € e não o valor real e efectivo dos rendimentos declarados pelo contribuinte, que atentos os custos do exercício e os prejuízos fiscais do ano de 1995 a reportar, implicariam um valor aproximado de IRC a pagar de cerca de 5.016,06 €;
3. O valor pretendido pela Administração Fiscal resulta assim de uma extrapolação de valores (porque assente nas declarações de IVA que incluem as transacções intra­comunitárias) que, em nada corresponde ao valor efectivo dos rendimentos do ora Recorrente, violando assim o princípio da tributação efectiva dos rendimentos auferidos pelo contribuinte e ainda o princípio da especialização dos exercícios previsto no Código do IRC;
4. Prova inequívoca de que nunca houve qualquer intenção de lesar a Fazenda Pública e que as dificuldades de funcionamento e de operacionalidade da ora recorrente se foram acentuando a partir da década de 90, foi o facto de que esta acabou por ser dissolvida e liquidada administrativa pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa;
5. A douta Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa não se debruça sequer sobre a análise e apreciação do documento - a Declaração Modelo 22 de IRC do ano de 1996- trazido aos autos em sede de oposição à execução, violando assim o disposto na alínea i) do número 1 do art. 204° do CPPT;
6. Por último, ao aplicar o prazo de prescrição previsto no art.34° do CPT de 10 anos, violou a douta Sentença o princípio da aplicação do prazo mais favorável consagrado no art. 297° do Código Civil;
7. Princípio este que determina a aplicação do prazo de prescrição estabelecido no art. 48° da LGT, fixado em 8 anos, o que aplicado ao caso sub Júdice leva a que o acto tributário ocorrido em 1997 se encontre já prescrito por força do decurso do prazo de oito anos.
8. Pois não obstante a interrupção da contagem da prescrição por força da reclamação apresentada pelo ora Recorrente, deverá ser retomada a contagem do prazo prescricional por força da interrupção do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte!
9. Termos em que feito o computo geral e total a dívida exequenda se encontra já prescrita, pois decorreram mais de 12 anos!
10. Mais, porque de conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo, deverá o V. Digno Tribunal declarar a prescrição da dívida tributária, pois não o fazendo viola o disposto no artigo 48° da LGT, que estabelece um prazo de prescrição de 8 anos mais favorável e aplicável por força do disposto no art. 297° do Código Civil!

Nestes termos, nos melhores de Direito e com a sempre mui douto suprimento de V. Exas. devem as presentes ALEGAÇÕES e respectivas CONCLUSÕES ser atendidas e julgada prescrita a obrigação tributária em sede de IRC relativa ao exercício de 1996 e, consequentemente, declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, ou quando assim se não entender, julgado procedente o presente RECURSO, em conformidade com o alegado e provado nas presentes alegações, pois só assim se fará JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por o decurso do prazo prescricional se não ter completado atenta a causa de suspensão do mesmo, bem como a legalidade em concreto não constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a conhecer: Se no caso decorreu o prazo prescricional da obrigação tributária relativa ao IRC do exercício do ano de 1996; E se em sede de oposição à execução fiscal é de conhecer da legalidade em concreto ou correcta liquidação da dívida exequenda, quando a lei assegura meio legal de impugnação judicial.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1°- No S. F. de Lisboa 3 foi instaurado o processo de execução fiscal nº.............., e apensos, contra a oponente, por dívidas de IRC de 1996 e 1998, cujos prazos de pagamento voluntários terminaram respectivamente em 19/11/2001 e 30/10/2002- doc. fls. 32, 33 e 35.
2°- A executada foi citada em 07/01/2004 - doc. fls.
36.
3°- A executada deduziu reclamação graciosa em 18/02/2002 - processo de reclamação graciosa apenso.
4°- A executada deduziu recurso hierárquico em 25/11/2002 - processo de recurso hierárquico apenso.
5°- Esta oposição foi deduzida em 05/03/2004 - doc.
fls. 5

A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica do conjunto da prova produzida, nomeadamente os documentos referidos juntos aos autos.

Não se provaram outros factos.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC, se acrescentam ao probatório mais os seguintes pontos, em ordem a dele constar outra matéria relevante para a apreciação das questões suscitadas no presente recurso, quanto à prescrição:
6º- O recurso hierárquico referido em 4.º do probatório, foi indeferido por despacho do Exmo Subdirector-Geral dos Impostos de 5/8/2003, de que foi notificado em 7/10/2003 – cfr. docs. de fls 14/16 desse recurso;
7º- Na execução fiscal referida nos pontos 1.º e 2.º do probatório, por despacho de 24/3/2009, da Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de ....... 3, foi proferido o despacho que aceitou a garantia oferecida tendo em vista suspender o decurso da mesma execução fiscal – cfr. fls 87 e segs dos mesmos autos de execução.


4. Para julgar improcedente a oposição à execução fiscal deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que até 31.12.2006 não se verificou o decurso do prazo prescricional de 8 anos contados desde a entrada em vigor da LGT(1), pelo que tal prazo era insusceptível de continuar a correr desde então, tendo em conta a redacção do art.º 49.º, n.º4 da LGT, introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 e em sede de oposição à execução fiscal não ser possível conhecer da legalidade da dívida exequenda ou a sua correcta liquidação da dívida exequenda.

Para a recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta dupla fundamentação que se vem a insurgir, continuando a pugnar pela prescrição da obrigação em causa, ainda que não tenha contrariado especificamente os concretos argumentos aduzidos pelo M. Juiz do Tribunal “a quo” e que autorizavam a concluir pela não prescrição da obrigação, o mesmo acontecendo com o conhecimento da legalidade em concreto da dívida exequenda, que no caso se entendeu não constituir fundamento válido de oposição à execução fiscal.

Vejamos então.
A Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), pelo seu art.º 89.º, veio dar nova redacção ao n.º4 do art.º 49.º, n.º4 da LGT, nos seguintes termos:
O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.

Esta mesma Lei, neste mesmo artigo (e não no Dec-Lei n.º 100/99, como se fundamentou na sentença recorrida), também deu nova redacção ao n.º3 do art.º 49.º da mesma LGT, nos seguintes termos:
Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.

A interpretação que tem vindo a ser feita daquele primeiro normativo, designadamente pela jurisprudência do STA(2), é que se até 1.1.2007, a dedução de qualquer um dos processos que no caso tiveram por efeito interromper a prescrição não estivessem parados por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, então a prescrição só se reiniciava após a decisão que puser termo ao último deles e desde que esta paragem que origina a suspensão do prazo prescricional tenha também já ocorrido no âmbito da vigência desta Lei.

No caso, como bem se pronuncia a Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, quer a reclamação graciosa, quer o recurso hierárquico interpostos, não estiveram parados por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, pelo que a interrupção do prazo decorrente da sua instauração em 18/2/2002, se manteve até à decisão final no recurso hierárquico dela interposto, ou seja até 7/10/2003, data em que foi notificada da decisão final nele proferido, pelo que só nesta última data tal prazo se iniciou de novo e por inteiro, nos termos do disposto no art.º 326.º do Código Civil, já que a interrupção da prescrição inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, ou seja, no caso, desde 8/10/2003, pelo que, desde logo, o referido prazo de 8 anos se não pode ter completado até hoje (completar-se-ia, na melhor das hipóteses, não considerando qualquer outra causa de interrupção ou de suspensão em Outubro de 2011), ressaltando-se todavia, que a este resultado nem sequer se entra em linha de conta com efeitos da dedução da execução fiscal e consequente citação e aquele n.º4 do art.º 49.º da LGT.

Em data posterior à da decisão no citado recurso hierárquico, foi autuada a execução fiscal (a qual deixou de ter qualquer relevo para efeitos de interrupção da prescrição) – cfr. art.º 49.º, n.º1 da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho – mas passou a ter esse efeito a citação, que no caso teve lugar nessa execução em 4/2/2004, como não se encontra em causa, pelo que nesta data, de novo, se interrompeu o decurso desse prazo prescricional, já que a nova redacção introduzida no n.º3 do citado art.º 49.º pela citada Lei do Orçamento, que restringe a interrupção da prescrição a um único facto - o ocorrido em primeiro lugar - não era de aplicação retroactiva, não sendo de aplicar a um efeito previsto na lei até então vigente – cfr. art.º 12.º do Código Civil - sendo desta forma de dar relevo a este segundo e novo efeito interruptivo, e de contar até então, desse prazo, cerca de quatro meses do mesmo.

Como nesta execução fiscal a ora recorrente veio a oferecer e a ser aceite a garantia prestada, por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de 24/3/2009 – cfr. fls 87 dos autos de execução fiscal – para suspender a mesma execução, desinteressa conhecer das vicissitudes porque passou o decurso de tal prazo até então porque sempre o mesmo, manifestamente, se não completou até esta data (24/3/2009), e tendo tal facto ocorrido já em plena vigência da norma do n.º4 do art.º 49.º da LGT, na redacção da citada Lei n.º 53-A/2006, tal prazo prescricional, mesmo em curso que se encontrasse, depois de interrompido o seu decurso por força da citação e eventual paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, deixou de correr termos desde esta última data (24/3/2009), ficando suspenso, e não se reinicia até ao trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos, desta forma não podendo ter ocorrido a invocada prescrição, tendo em conta os efeitos interruptivos e suspensivos acima referidos, sendo nesta parte de negar provimento ao recurso e de confirmar a sentença com a presente fundamentação.


Na matéria das restantes conclusões do recurso, insurge-se a recorrente com a sentença recorrida, por esta não ter conhecido da legalidade da liquidação exequenda, designadamente dos efeitos da entrega (fora de prazo) da declaração modelo 22 de IRC e os apuramentos nela efectuados.

Como é sabido, a oposição à execução fiscal constitui uma contra acção do devedor à acção executiva, correspondendo aos embargos de executado e não visa a anulação da liquidação mas sim a extinção dessa mesma execução fiscal, pela eventual procedência de algum dos fundamentos taxativamente previstos, anteriormente no art.º 286.º do Código de Processo Tributário e hoje no art.º 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e que levem à extinção total ou parcial da dívida exequenda em relação a esse executado.

No caso, a dívida exequenda tem natureza tributária, já que se trata de dívida de IRC relativa ao exercício de 1996, pelo que o direito à impugnação ou à reclamação graciosa, manifestamente, se encontravam asseguradas, pelo que a situação não era subsumível à norma da alínea h) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT – ilegalidade da liquidação da dívida exequenda sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação – nem mesmo à sua alínea i), como invoca a recorrente na matéria da sua conclusão 5.ª, sendo que esta alínea tem um carácter residual e apenas a lei permite tal fundamento quando não envolva apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, como nela expressa e explicitamente se refere, que é o que a mesma precisamente pretende que se conheça, do acerto dessa dívida, pelo que também ao arrimo desta norma não pode ser conhecida da liquidação efectuada e da forma como esta teve lugar, não lhe sendo lícito pois, convocar esta norma do CPPT, para ao seu abrigo pretender discutir nesta oposição a legalidade em concreto ou correcta liquidação dessa mesma dívida, desta forma pretendendo deslocar a sindicância judicial do seu meio próprio para esta oposição à execução fiscal(3), improcedendo também a matéria destas conclusões do seu recurso, com a confirmação da sentença recorrida também nesta parte, que igualmente neste sentido decidiu.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,9 de Novembro de 2010
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Lucas Martins

(1) Não sendo por isso verdadeiro que o M. Juiz tenha aplicado o prazo de 10 anos previsto no art.º 34.º do CPT, como alega a recorrente na matéria da sua conclusão 6.ª.
(2) Cfr. entre muitos outros, os seus acórdãos de 19/3/2009 e de 14/4/2010, recursos n.ºs 1044/09 e 167/10, respectivamente.
(3) Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 23.10.2002, recurso n.º 966/02.