Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1558/10.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:CERTIDÃO DE CITAÇÃO;
DOCUMENTOS AUTÊNTICOS;
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO FIXAÇÃO DA MATÉRIA
TRIBUTÁVEL .
Sumário:I. A certidão de nota de marcação de citação com dia e hora certa constituem documentos autênticos.

II. A força probatória material dos documentos autênticos restringe-se, nos termos do artigo 371, nº1 do Código Civil, aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e validade das declarações prestadas perante essa mesma autoridade ou oficial público;

III. O primado da justiça material sobre a justiça formal é um princípio acolhido pela lei, nomeadamente, pela reforma processual de 1997, que impõe ao julgador a efectiva resolução de mérito das questões que são submetidas à sua apreciação, em detrimento das soluções meramente processuais.

IV. Porém, tal exigência, não significa a desvalorização das exigências processuais que sejam essenciais para garantir outros princípios fundamentais do processo, nem pode representar um intolerável dano ao valor da segurança jurídica.

V. Nos termos conjugados do disposto no n.º5 do artigo 86.º da LGT e no n.º 1 do artigo 117.º do CPPT, a impugnação de acto de avaliação indirecta com fundamento na falta dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos, ou no erro na quantificação, só é possível após prévio pedido de revisão da matéria tributável, de acordo com o disposto nos artigos 91.º a 94.º da LGT.

VI. A falta de notificação da decisão de fixação da matéria colectável por métodos indirectos da possibilidade de requerer a revisão da matéria colectável, constitui preterição de formalidade legal que releva como vício gerador de anulabilidade do acto de liquidação que foi praticado com base naquela fixação.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO
C......, LDA e a FAZENDA PÚBLICA dizendo-se inconformadas com a sentença proferida pela Mmª Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 14 de Fevereiro de 2011, na parte em que para cada uma delas a mesma lhes foi desfavorável, na impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2006, e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 74.655,81, vieram da mesma recorrer para este Tribunal Central Administrativo.

A recorrente C......, LDA apresentou para o efeito, alegações nas quais formulam as seguintes conclusões:

«I. Constitui objecto do presente recurso a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial em referência.

B - NULIDADE DO PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO, POR OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO:

II. A fls. 9 da sentença recorrida, ficou plasmado o seguinte:

«Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e PA apenso».

III. A agora Recorrente nunca foi notificada do teor da «prova documental junta [...] no processo administrativo», ficando por tal facto impedido de pronunciar-se, contraditar e/ou impugnar as respectivas validade e autenticidade formal e substantiva, com flagrante violação do princípio do contraditório.

IV. A isto acresce que ali consta prova relevante, já que foi expressamente determinadora da convicção do julgador para a fixação da matéria de facto - e daí a respectiva referência explícita na motivação da decisão de facto.

V. Desde a Lei Geral Tributária que o processo judicial tributário é um processo de partes, enformado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade entre as partes processuais, daqui decorrendo que cabe às partes processuais, entre outros, o ónus de apresentar as provas dos factos por si alegados ou as respeitantes aos factos de que o Tribunal conhece, mesmo na falta de contestação da Fazenda Pública.

VI. Ou seja, a lei permite - dir-se-ia que impõe - ao Tribunal que, mesmo no caso de absoluta inacção da Fazenda Pública, confronte os factos alegados pelo Impugnante e os factos relativos à Fazenda Pública - para além dos casos de conhecimento oficioso - com os factos que constam do "processo administrativo”.

VII. Mas se assim é, então os elementos contidos e os factos que resultam do processo administrativo não só são factos processualmente relevantes, como têm a natureza de prova e,

por virtude do princípio do contraditório, têm incontornavelmente de ser integralmente notificados ao Impugnante.

VIII. «O conteúdo essencial do princípio do contraditório está, de uma forma geral, em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar».

IX. Acresce, de resto, que constituindo os elementos constantes do "processo administrativo”, elementos probatórios apresentados pela parte processual Fazenda Pública, deveria esta ter dado cabal cumprimento ao disposto no artigo 148.° (anterior 152.°), do Código de Processo Civil, o que esta não fez.

X. Acresce que, ainda que se entendesse que o "processo administrativo” possui a natureza jurídica de "informações oficiais” artigo 111°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário outra não poderia ser a solução, já que não só as informações oficiais têm igualmente valor probatório, como é obrigatória a notificação do «teor das informações oficiais» - cft. artigo 115°, n° 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

XI. O incumprimento da notificação do processo administrativo é passível de influir no exame da causa, assim como na decisão a proferir, tal como o demonstra o facto de o processo administrativo ser referido na sentença sob censura como tendo contribuído para a motivação da decisão da matéria de facto, constituindo tal falta de notificação a omissão de um acto exigido por lei que - sendo susceptível de influir no exame ou na decisão da causa - constitui nulidade sujeita ao regime dos artigos 195.°, 197.° e 199.°, do CPC.

XII. Assim, tem a Recorrente, o direito de ser notificada, não da junção do processo administrativo aos autos ou de uma selecção dos documentos deste que lhe são notificados, mas sim da totalidade dos elementos de prova juntos aos autos, para mais, juntos pela contraparte processual, para que lhe seja possível exercer adequadamente o respectivo direito de contraditório.

XIII. Por todos veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em 08 de Fevereiro de 2012, no recurso n.° 0684/11 ou, ainda, o Acórdão do Tribunal ad quem, proferido em 06 de Julho de 2010, no recurso n.° 02663/08.

XIV. Nada obsta a que esta nulidade seja suscitada em sede de recurso, já que, uma vez que a nulidade não estava sanada quando foi proferida a sentença recorrida, esta acabou por lhe dar cobertura, embora de forma implícita, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação - Cfr. douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de Abril de 1997, proferido no processo n.° 21.070.

XV. Verificou-se deste modo nulidade no processo judicial tributário, por violação dos princípios da igualdade processual, da imparcialidade, da descoberta da verdade material e do contraditório, dos artigos 3°, 148.° (anterior 152.°) e 439.°, todos do Código de Processo Civil, 13° e 115°, n° 3, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 20.°, da Constituição, pelo que deverá a sentença sob recurso ser revogada, determinando-se a notificação, à agora Recorrente, da cópia integral do processo administrativo tributário.

C - ERRO NA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

XVI. No que se refere ao teor da certidão de diligências, que consta da alínea l) do

probatório, não é verdade que «o segurança presente na portaria (Sr. C......) que de acordo com ordens recebidas estava impossibilitado de facultar o acesso ao interior do “condomínio” de todas as pessoas que os condóminos indicassem não querer receber, bem como de assinar ou aceitar quaisquer documentos. Uma vez que o Dr. A...... indicou não querer que entrasse ninguém quando não estivesse em casa, não podia facultar o acesso ao interior do espaço comum».

XVII. Com efeito, fazia e faz parte das regras do condomínio que os funcionários da portaria facultassem o acesso ao interior do condomínio de todas as autoridades que como tal se apresentem e identifiquem.

XVIII. Tal foi corroborado, quer pelas declarações de parte, quer pela testemunha M.......

XIX. Também a testemunha M...... corroborou que o acesso era sempre facultado a qualquer autoridade que se identificasse como tal.

XX. Daqui decorre suficientemente provado o facto de que, no dia 2 de Dezembro de 2009, os inspectores tributários não foram impedidos de entrar no condomínio por ordem do gerente da Recorrente, mas apenas porque não se identificaram, perante o então porteiro,

XXI. O qual, na ausência de tal identificação e cumprindo as regras em vigor, não facultou a entrada aos referidos inspectores tributários.

XXII. Também não pode considerar-se provado que o Dr. A...... não se encontrava em casa, no dia e na hora marcados para a notificação para hora certa da Recorrente.

XXIII. Com efeito, resulta claramente das declarações do Dr. A...... que este se encontrava em casa no dia e na hora marcados para a notificação para hora certa da Recorrente.

XXIV. Também a testemunha M...... corroborou que poderá ter acontecido que o notificando não tivesse respondido ao contacto via intercomunicador porque os intercomunicadores funcionavam de modo deficiente, como consta do respectivo depoimento.

XXV. Em face do que se deixou aqui escrito, impugna-se, pois, a fixação da matéria de facto, na parte em que se considerou provado que, no dia 2 de Dezembro de 2009, os inspectores tributários teriam sido impedidos de entrar no condomínio por ordem do gerente da Recorrente.

XXVI. Bem diversamente, deverá ser dado como provado que o porteiro não facultou a entrada no condomínio aos inspectores tributários apenas porque não se identificaram, perante o então porteiro, o qual, na ausência de tal identificação e cumprindo as regras em vigor, não facultou a entrada aos referidos inspectores tributários.

XXVII. Em face do que se deixou aqui escrito, impugna-se igualmente a fixação da matéria de facto, na parte em que se considerou provado que, no dia 2 de Dezembro de 2009, não se encontrava em casa ou recusou receber os senhores inspectores tributários.

XXVIII. Bem diversamente, deverá ser dado como provado que o Dr. A...... se encontrava em sua casa no dia e na hora marcados para a notificação para hora certa da Recorrente.

XXIX. E deverá ainda ser dado como provado que é plausível que o Dr. A...... não tenha respondido ao contacto do porteiro do condomínio via intercomunicador simplesmente porque, devido a deficiências mais ou menos generalizadas que se verificavam então no sistema de comunicações do condomínio, a chamada do porteiro não chegou ao seu destinatário.

XXX. E, em face de tais factos, deverá igualmente ser fixado o facto de que a impossibilidade de acesso ao condomínio da AT e de notificação por contacto pessoal não foi imputável ao gerente da Recorrente, Dr. A......, antes o sendo à AT, cujos funcionários recusaram identificar-se própria e adequadamente, como condição de acesso ao interior do condomínio.

XXXI. A tudo isto acrescendo que a Recorrente nunca recebeu a carta registada, contendo cópia da notificação e restantes diligências, a que a própria certidão de diligências se refere a final, facto que deverá igualmente ser fixado.

D - ERRO DE JULGAMENTO:

D.1 - Falta de notificação do relatório final do procedimento de inspecção tributária

XXXII. Vimos já que existiram razões ponderosas - quase que se diria, uma 'tempestade perfeita' - para que a notificação por contacto pessoal se tivesse frustrado.

XXXIII. Ora, a verdade é que não se tendo realizado notificação por contacto pessoal por facto não imputável à Recorrente (já que foi a inusitada recusa de identificação por parte dos senhores inspectores tributários que impediu o acesso ao interior do condomínio), não poderia a Recorrente ser validamente notificada por mera "certidão de verificação de hora certa".

XXXIV. A isto acresce que, num processo de elevado valor e com recurso a métodos indirectos, a AT não achou adequado notificar a Recorrente por via postal em momento posterior ao da afixação da "certidão de verificação de hora certa", bem sabendo a AT que, na falta de leitura daquela certidão - afixada num poste na rua a Recorrente veria seriamente limitado o seu direito de defesa, por via do que dispõe o artigo 86.° da LGT.

XXXV. O representante legal da Recorrente encontrava-se no local, data e hora aprazados para a realização da notificação e, não obstante, esta não se realizou, por facto que não é imputável à Recorrente.

XXXVI. E não sendo imputável à Recorrente, não estava a AT autorizada a avançar para notificação mediante afixação da "certidão de verificação de hora certa" e muito menos a não enviar posteriormente à Recorrente, por via postal, notificação com o respectivo conteúdo.

XXXVII. Assim sendo, há que concluir que a Recorrente não foi validamente notificada do relatório final do procedimento de inspecção tributária e da decisão de fixação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.

XXXVIII. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o artigo 240.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, na redacção em vigor à data dos factos, pelo que deverá ser revogada e anulado o acto tributário impugnado.

D.2 - Absolvição da instância - artigo 86.°, n.° 5, da LGT

XXXIX. A sentença recorrida entendeu que, tendo a Recorrente, invocado «o não preenchimento dos pressupostos de tributação por métodos indirectos e o excesso na quantificação da matéria colectável, logo se conclui que tais fundamentos não podem ser apreciados sem prévia reclamação (artigo 91° da LGT), pelo que, quanto a eles, se julga verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto, determinante, quanto a tais vícios, da absolvição da Fazenda Pública da instância [cfr. artigo 89°, n° 1, alínea c) do CPTA ex vi da alínea c) do artigo 2° do CPPT]».

XL. É patente que o processo de notificação da decisão de fixação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos foi, no mínimo, atribulado e que envolveu circunstâncias fora do controlo da Recorrente,

XLI. Circunstâncias essas que ditaram que, de uma forma ou de outra, não tivesse sido notificada da referida decisão e que, em consequência, não tivesse apresentado pedido de revisão da fixação da matéria tributável.

XLII. Salvo melhor entendimento, a Justiça deve prevalecer sobre todas as actuações do Estado, conforme se preceitua no n.° 2 do artigo 5.° da LGT, que estabelece expressamente como limite à tributação o respeito pelo princípio da justiça material.

XLIII. Num processo tão atípico e com tanta incerteza, parece à Recorrente que a falta do pedido de revisão da fixação da matéria tributável não deverá constituir obstáculo à discussão, em sede de impugnação judicial, dos pressupostos e da quantificação da fixação.

XLIV. Tratar-se-á, aqui, de conferir prevalência à realização da justiça material sobre a justiça meramente formal,

XLV. E, na prevalência da realização da justiça material, a Recorrente deverá ser admitida a discutir na presente impugnação judicial os pressupostos dos métodos e a quantificação da matéria tributável.

NESTES TERMOS, DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E DECIDIDA A ANULAÇÃO TOTAL DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS OBJECTO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.»


A recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou alegações nas quais formulam as seguintes conclusões:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial deduzida pela sociedade “C...... LDA", contra a demonstração de acerto de contas n.° ......, a qual incorpora os atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios, e em consequência, determinou a anulação dos atos de liquidação de juros compensatórios, por vício de falta de fundamentação, por considerar que “do RIT não resulta qualquer referência aos mesmos, ainda que mínima”, considerando ainda ser “essencial, pelo menos, uma explicitação quanto à “imputabilidade” da responsabilidade ao contribuinte e uma alusão ao motivo por que os valores base e das taxas de juros são os aí referidos.”

B. Ora, salvo o devido respeito, a Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz uma correcta apreciação da matéria de facto e direito relevante no que concerne à liquidação de juros compensatórios, pelo que, a douta sentença está ferida de erro de julgamento.

C. É inquestionável que a liquidação de juros compensatórios, como ato tributário que é, está sujeita a fundamentação. Na verdade, a fundamentação é um dos elementos constitutivos do ato administrativo tributário, acarretando a sua falta, obscuridade, contradição ou insuficiência a anulabilidade do acto. (Cfr. artigos 125.° e 135.° do CPA, atuais 153.° e 163.°)

D. Neste seguimento é Jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores que a mínima fundamentação exigível em matéria de atos de liquidação de juros compensatórios, terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada.

E. No presente caso, concluíram os Serviços de Inspeção Tributária que “nem todos os proveitos foram declarados”, referindo ainda, em sede de análise do direito de audição prévia exercido pela impugnante que “conforme provado no projeto de relatório, e ao contrário do defendido pelo sujeito passivo, houve efetivo prejuízo para o Estado uma vez que nem todos os proveitos foram declarados”

F. Donde resulta que a Impugnante omitiu proveitos, e tendo em conta que os juros compensatórios fazem parte integrante da dívida do imposto com a qual são conjuntamente liquidados, atento o n.° 8 do artigo 35.° da LGT, tem-se que a fundamentação contida no projeto de relatório notificado pelos Serviços de Inspeção Tributária, é suficiente para explicar a origem dos mesmos.

G. Do mesmo modo, determinava o artigo 102.° do CIRC, na redação e numeração à data dos factos que sempre que, por motivo imputável ao sujeito passivo, fosse retardada a liquidação do imposto devido, acresceriam juros compensatórios ao montante de imposto, à taxa e nos termos previstos no artigo 35.° da Lei Geral Tributária.

H. Assim, demonstrado que está o nexo de causalidade entre a atuação da impugnante e o retardamento da liquidação de Imposto, apenas e só àquela imputável, visto que, ficou provado que omitiu proveitos, o que originou correções ao lucro tributável por métodos indiretos, então, são devidos juros compensatórios, com vista a compensar o Estado pela perda da disponibilidade da quantia que deixou de ser liquidada no momento em que deveria

I. Por outro lado, a liquidação dos juros evidencia claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas, pois aquando da notificação à Impugnante da demonstração do acerto de contas, sob o registo dos CTT n.° RY………. (Cfr Doc. 1 da p.i.) foi também enviada, sob o registo dos CTT n.° RY…………, a notificação da demonstração de liquidação dos respetivos juros compensatórios.

J. Ora, a notificação da demonstração de liquidação dos respetivos juros compensatórios notificada à impugnante evidência claramente o período de tributação, o período de cálculo, incluído o n.° de dias, o montante principal da prestação, taxa aplicável e o valor final dos mesmos.

K. No entanto, a Impugnante apenas invocou genericamente a alegada falta de fundamentação dos juros compensatórios, não indicando ou fazendo qualquer referência se seria a constante da notificação da demostração do acerto de contas (registo dos CTT n.° RY………) ou da notificação da liquidação de imposto (registo CTT n.° RY………) ou da notificação da liquidação dos juros compensatórios (registo dos CTT n.° RY………….)

L. Acresce que, não obstante a fundamentação da liquidação de juros compensatórios não ter que constar do Relatório de Inspeção Tributária, o certo é que do mesmo resulta que o comportamento omissivo da impugnante originou prejuízo ao Estado.

M. E na eventualidade da notificação da liquidação não estar devidamente fundamentada, poderia o Impugnante requerer essa fundamentação no prazo de 30 dias, face ao previsto do artigo 37.°, n.° 1, do CPPT, o que optou por não fazer, pelo que findo este prazo o eventual vício ficou sanado, não podendo ser agora invocado nem apreciado em sede de impugnação

N. Por todo o exposto, podemos concluir que foi dado a conhecer na notificação da demonstração de liquidação dos respectivos juros compensatórios a fundamentação exigível e reconhecida pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, ou seja, o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa aplicável e o período da sua contagem, como também resulta do RIT a “imputabilidade da responsabilidade ao contribuinte”, pelo que a atuação da Administração Tributária não foi mais do que dar cumprimento aos preceitos legais em vigor à data e a sua atuação no estrito cumprimento dos mesmos

O. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária deu cumprimento ao dever de fundamentação dos atos decisórios de procedimentos tributários e dos atos tributários concretizado no artigo 77.° da LGT, face à notificação do RIT e da demonstração de liquidação dos juros compensatórios (registo dos CTT n.° RY………….)

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada,

JUSTIÇA!.»

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Não foram apresentadas contra-alegações em ambos os recursos.
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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de que seja negado provimento a ambos os recursos.
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Colhidos os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir em conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

-Do recurso da Impugnante

- Erro de julgamento da matéria de facto;

- Nulidade processual - falta de notificação do processo administrativo tribuário-;

- Saber se a sentença fez ou não correcto julgamento de facto e de direito ao considerar que a Impugnante foi validamente notificada do Relatório de Inspecção Tributária;

- Saber se a sentença ao decidir pela inimpugnabilidade do acto de liquidação violou do Princípio da Justiça Material.

- Do recurso da Fazenda Pública

- Saber se a sentença fez ou não correcto julgamento de direito ao considerar que a liquidação de juros compensatórios enferma de falta de fundamentação.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«A) No âmbito da sua actividade, e enquadrado no regime geral de IRC, foi emitida em nome da Impugnante, por referência ao exercício de 2006, a liquidação de IRC n°………….., onde se apurou um reembolso no montante de € 7.062,40 (cfr. fls. 60 do PA apenso);

B) Em cumprimento das Ordens de Serviço n° OI200901083, OI200901084 e OI200901085, de 04.03.2009, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Lisboa realizaram uma acção inspectiva externa à Impugnante, de âmbito parcial, relativamente a IRC dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, que teve na sua origem o cruzamento de dados e a constatação de que o sócio gerente, entre 1987 e 2007, figurou como administrador em 274 empresas a actuar no ramo imobiliário (cfr. RIT a fls. 70 e seguintes do PA apenso);

C) Foi enviada à Impugnante a carta-aviso em 09.03.2009 e as ordens de serviço foram assinadas pelo representante legal da C...... em 19.03.2009 (cfr. RIT a fls. 76 do PA apenso);

D) Em 02.09.2009, foi elaborada pelos SIT a seguinte informação, subordinada ao assunto "Pedido de prorrogação do prazo de procedimento da acção inspectiva ao abrigo das……….., …………. e ……….. (exercícios de 2005, 2006 e 2007 - IRC)", que parcialmente se transcreve:

"(...) 8. Em 2009/04/16 foi ouvido o Sr. A...... sobre várias questões suscitadas no âmbito do processo inspectivo à C...... Lda. Entre as questões colocadas foi questionado se autorizava a administração tributária a aceder a informações e documentos bancários de que fosse titular, (...).

9. Após vários contactos telefónicos, foi entregue nesta Direcção de Finanças no dia 24 de Abril de 2009, uma Declaração assinada pelo Sr. A......, na qualidade de gerente da C......, autorizando a Administração Fiscal a aceder à informação bancária relativa à entidade C.......

10. Foi solicitado ao Banco de Portugal para que divulgasse junto das várias entidades bancárias com as quais a C...... Lda teve relações financeiras no período de 2005/01/01 a 2007/12/31, a autorização de acesso à informação bancária por parte do sujeito passivo, solicitando-se o envio de cópia dos extractos bancários relativos àquele período.

11. Aguardam-se as respectivas respostas das entidades bancárias, para se proceder à sua análise.

12. Decorre igualmente uma acção inspectiva ao gerente da C...... Lda (que até 2008 era também sócio), do qual poderá derivar factos ou declarações que revelem erros ou omissão de proveitos na esfera da C......, Lda.

Conforme se pode facilmente verificar através do exposto, o prazo de seis meses para conclusão do procedimento de inspecção, indicado no n.° 3 do art. 36° do RCPIT, tornou-se insuficiente face à complexidade de tal procedimento, derivada especialmente do acesso à informação bancária, autorizado pelo sujeito passivo, e comparação posterior dos extractos bancários com os elementos já recolhidos junto da contabilidade do sujeito passivo, e de elementos prestados por terceiros, nomeadamente as sociedades criadas pela C...... Lda e cujas acções foram alienadas (mais de 30 sociedades nos 3 exercícios em análise).

Face ao exposto, solicita-se que seja concedida a prorrogação do procedimento de inspecção, para os exercícios de 2005, 2006 e 2007, ao abrigo da alínea a) do n.° 3 do art. 36° do RCPIT, por um período de três meses (...)" (cfr. registo n° 006783090 do SITAF);

E) Sobre a informação antecedente recaiu despacho de concordância do Director de Finanças Adjunto, de 03.09.2009, que autorizou a prorrogação do prazo de inspecção por 3 meses (cfr. registo n° 006783090 do SITAF);

F) A informação e despacho antecedentes foram notificados à Impugnante através do ofício n° 076181, por correio registado expedido a 04.09.2009 (cfr. Anexo 4 do RIT a fls. 116 a 119 do PA apenso);

G) Através do ofício n° 096437, de 10.11.2009, foi a Impugnante pessoalmente notificada do Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção Tributária, no qual se concedeu 10 dias de prazo para o exercício do direito de audição prévia (cfr. Anexo 25 do RIT a fls. 322 do PA apenso);

H) A Impugnante exerceu o direito de audição por meio de requerimento escrito, apresentado em 20.11.2009 (cfr. Anexo 26 do RIT a fls. 325 a 331 do PA apenso);

I) Em 25.11.2009, foi elaborado RIT, que se dá aqui por integralmente reproduzido e que conclui:

"(...) IV.3 Conclusão

(...) Ficou comprovado que a contabilidade da C...... não traduz a realidade de todas as operações praticadas pela empresa, e o resultado obtido, tirando-lhe assim a presunção de verdade e da boa fé, princípios a que devia obedecer.

Os factos apurados não permitem apurar correctamente a matéria colectável com recurso à contabilidade, uma vez que existem dúvidas e indícios fundados e comprovados de que esta não reflecte a totalidade das operações efectuadas pelo sujeito passivo nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, pelo que vamos proceder à determinação da matéria tributável dos anos referidos através da aplicação de métodos indirectos, conforme preceitua o artigo 52° do CIRC e de acordo com as condições previstas nos artigos 87° a 90° da LGT. (...)

V.3 Apuramento do Lucro Tributável com recurso à aplicação de Métodos Indirectos

De acordo com o critério definido nos pontos anteriores, determinamos para cada um dos anos, o lucro tributável (Anexo 17) conforme se discrimina: 

(Cfr. RIT a fls. 70 e seguintes do PA apenso);

J) Sobre o RIT recaiu parecer da Coordenadora de Equipa, bem como despacho concordante do Chefe de Divisão, de 27.11.2009, nos seguintes termos;

"(...) Concordo com o parecer da Chefe de Equipa, bem como com o relatório de acção inspectiva, em anexo.

Dos fundamentos dele constante resulta que se encontram verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 52° do Código do IRC e nos art°s 8° al. b) e 88° da Lei Geral Tributária, para o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, não sendo também possível a quantificação e comprovação directa e exacta da matéria colectável.

Desta forma, com os fundamentos referenciados, determino que se proceda, nos termos dos preceitos legais citados, bem como do art° 90° da LGT e art. 54° do CIRC, à determinação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos para o seu apuramento (...).

Determino ainda a fixação da matéria colectável referente aos exercícios em referência, nos montantes propostos.

(...) Notifique-se o Contribuinte com remessa do relatório" (cfr. RIT a fls. 71 e 71 do PA apenso);

K) Na mesma data foi emitido mandado de notificação pessoal à Impugnante "do teor do ofício n° 103115 de 27.11.2009, referente às conclusões do RELATÓRIO FINAL de Inspecção Tributária, resultante de acção de inspecção externa efectuada aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, referente a IRC correspondentes às Ordens de Serviço n° 0I200901083, 0I200901084 e 0I200901085" (cfr. fls. 332 e 373 do PA apenso);

L) Em 02.12.2009 foi elaborada Certidão de Diligências com o seguinte teor:

"Certifico que, tendo-me deslocado hoje pelas 10 horas e 30 minutos à morada a seguir indicada, a fim de notificar pessoalmente o sujeito passivo C...... (...) com sede fiscal declarada na Estr. ………….3° Dt°, Lisboa, do RELATÓRIO FINAL de Inspecção Tributária, resultante de acção de inspecção externa efectuada aos exercícios de 2005, 2006 e 2007 referente a IRC, .verifiquei não poder cumprir essa diligência em virtude de se encontrar ausente da referida morada pessoa competente para levar a cabo a notificação que me propunha efectuar, tendo a notificação sido efectuada por afixação na sede da sociedade, conforme a seguir se descreve:

Tendo-me deslocado no dia 27 de Novembro de 2009 pelas 17 horas à morada acima indicada, a fim de notificar pessoalmente o sujeito passivo C...... (...), na pessoa do seu sócio-gerente, Sr. A......, do RELATÓRIO FINAL de Inspecção Tributária acima identificado, não pude cumprir essa diligência em virtude de, conforme indicado no local, este se encontrar ausente da referida morada. Assim, e tendo em conta o disposto no n° 1 do artigo 240° do Código do Processo Civil (CPC), deixei "Nota de Marcação de Hora Certa" na pessoa de M......, NIF…………, residente naquela morada e sócia da C...... Lda, informando-a de que a deveria entregar ao Sr. A......, diligência testemunhada pela Técnica M.......

Ficou desse modo o sujeito passivo avisado que o procuraria nesse mesmo local no dia 2 de Dezembro de 2009 pelas 10 horas e 30 minutos, para levar a efeito a Notificação que me propunha fazer no passado dia 27 de Novembro de 2009, tendo ainda ficado avisado que, se neste dia não se encontrasse presente, a notificação pessoal seria feita na pessoa que em melhores condições para a transmitir ao sujeito passivo se encontrasse nessa morada ou, caso não fosse possível a colaboração de terceiros, seria efectuada por afixação da Certidão de Verificação de Hora Certa, na presença de duas testemunhas, conforme n° 3 do artigo 240° do CPC, valendo como notificação pessoal.

Em conformidade, no dia 2 de Dezembro do 2009 pelas 10 horas e 30 minutos, voltei à sede declarada do sujeito passivo, acompanhada dos técnicos F...... e S....... Tendo-nos dirigido à entrada de acesso ao "condomínio fechado" que constitui o lote 13 da Estrada do Lumiar, verificámos que o portão se encontrava encerrado, tendo sido solicitado na portaria que contactassem o apartamento do Sr. A......, correspondente ao 3° andar direito do bloco 5. Após tentativa de contacto, tal não foi possível, por ninguém responder ao chamamento, tendo o segurança presente na portaria tentado ainda o contacto telefónico para o telefone móvel do condómino, segundo indicado.

Não tendo encontrado naquele local o representante legal da sociedade ou qualquer pessoa capaz de transmitir a notificação que me propunha efectuar, tornou-se necessário proceder à afixação, de acordo com o n° 3 do artigo 240° do CPC, na porta da morada da sede declarada do sujeito passivo da "Certidão de Verificação de Hora Certa" e a "Nota de Notificação".

Tendo solicitado o acesso ao bloco 5 para que pudesse afixar na porta interior da referida morada os documentos acima referidos, fui informada pelo segurança presente na portaria (Sr. C......) que de acordo com ordens recebidas estava impossibilitado de facultar o acesso ao interior do "condomínio" de todas as pessoas que os condóminos indicassem não querer receber, bem como de assinar ou aceitar quaisquer documentos. Uma vez que o Dr. A...... indicou não querer que entrasse ninguém quando não estivesse em casa, não podia facultar o acesso ao interior do espaço comum.

Uma vez não ter sido possível afixar a documentação na porta do 3° Direito do bloco 5, por ser no interior de área do domínio privado e me ter sido vedado o acesso, procedi, de acordo com o n° 3 do artigo 240° do CPC à afixação na porta do n° 13 da "Certidão de Verificação de Hora Certa" e a "Nota de Notificação" onde constava o objecto da Notificação, e onde indicava que de todas as diligências e da cópia da notificação lhe seriam enviadas cópias, em carta registada, nos termos do artigo 241° do CPC, diligência testemunhada pelas técnicas F...... e S....... (...)" (cfr. fls. 333 a 338 do PA apenso e depoimento de M......);

M) Em resultado do documento de correcção, foi emitida, em 03.02.2010, liquidação adicional de IRC n°……….., referente ao exercício de 2006, no montante global de € 60.912,55, com data limite de pagamento voluntário a 17.03.2010, e liquidações de juros compensatórios n° ……………..e………….., no valor e € 6.680,86 (cfr. fls. 6, 350 a 359 do PA apenso e Doc. 1 junto com a p.i.);

N) A presente acção deu entrada neste tribunal, por meio de correio registado, expedido a 15.06.2010 (cfr. fls. 8 dos autos).


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Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.


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MOTIVAÇÃO:

Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e PA apenso.

O facto indicado em L) supra, fundou-se igualmente no depoimento da testemunha M...... que, à data da ocorrência dos factos, trabalhava como porteiro coordenador do prédio onde se situava a sede da Impugnante.

Estando presente na Portaria no dia 02.12.2009, embora não estivesse no atendimento, confirmou a presença das técnicas de finanças no local, as tentativas de contacto ao Sr. A......, que se frustraram, bem como a afixação de documentos na entrada do prédio.

Referiu que era norma da administração que, tratando-se de "autoridades", podiam aceder ao interior do prédio, no entanto, não consegue precisar se foi ou não pedida identificação às referidas funcionárias.

Os depoimentos do gerente A...... e da testemunha, C......, não se mostraram relevantes para prova dos factos que aos autos interessa, dadas as questões a decidir.»

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Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, ao probatório a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

O) Em 2 de Dezembro de 2009, foi remetido à Impugnante o oficio n.° 104771, mediante registo RC…………., comunicando-lhe que nos termos do artigo 241.° do CPC, foi efetuada a notificação do Relatório de Inspecção Tributária resultante na acção de inspecção externa a que alude a al. B) do probatório, donde consta designadamente o seguinte: «Da(s) notificação (ões) em causa, bem como dos sues fundamentos, não cabe qualquer reclamação ou impugnação.». (doc. fls. 113/verso junto ao processo físico).


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B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da nulidade do processo judicial tributário, por omissão de notificação do processo administrativo [Conclusões II a XV]

Na perspetiva da recorrente a ausência de notificação dos elementos que incorporam o processo administrativo determina a nulidade no processo judicial tributário, por violação dos princípios da igualdade processual.

Antecipa-se, sem dificuldade, que não lhe assiste razão.

Como se pode ler no Acórdão deste Tribunal, de 25.06.2019, proferido no processo n.º 3892/10.1BCLSB: « (…) o processo administrativo (PA) não equivale a documento junto com a contestação, como resulta do art.º 110.º do CPPT, no qual o PA é tratado autonomamente face àquela peça processual e aos elementos que a acompanhem. Como tal carece de pertinência o alegado quanto ao disposto no art.º 152.º do CPC/1961, uma vez que existe disciplina legal específica aplicável ao PA.

Assim, nos termos do art.º 110.º, n.º 4, do CPPT, o PA deve ser junto aos autos pela Fazenda Pública, aquando da apresentação da contestação, devendo ser organizado nos termos do art.º 111.º do CPPT.

Refira-se, ainda, que o PA não equivale à “informação oficial” a que respeita o n.º 3 do art.º 115.º do CPPT, podendo, sim, conter informações oficiais.

As informações oficiais a que respeita esta disposição legal são um meio de prova específico do direito tributário (cfr. art.º 115.º, n.ºs 2 e 3, do CPPT) e consubstanciam-se nas análises feitas pelo próprio serviço atinentes à pretensão formulada [cfr. art.º 111.º, n.º 2, al. b), do CPPT], que usualmente são apresentadas com a contestação (4), devendo apenas estas ser notificadas à impugnante.

Ou seja, a obrigação de notificação do teor abrange apenas o da informação oficial, dada a expressa previsão legal nesse sentido, não abarcando os demais elementos constantes do PA.

Dada a diferença de regime cumpre apreciar o regime atinente ao PA (exceto informações oficiais) e o regime atinente às informações oficiais.

Começando pela situação relativa ao PA (excluindo informações oficiais), da leitura conjunta dos mencionados preceitos, decorre que o legislador entendeu ser suficiente para assegurar, desde logo, o respeito pelos princípios do contraditório e da igualdade de armas, a notificação da junção do processo administrativo, o que in casu ocorreu, como nem sequer é controvertido nem foi posto então em causa pela Recorrente, quando foi notificada de tal apensação.

Assim, com a notificação de tal junção, fica o impugnante na posse de informação sobre a disponibilidade para consulta e análise do PA, para que possa examinar os documentos juntos ou apensos, para controlo da respetiva autenticidade e suficiência, estando, por essa via, assegurado o direito ao contraditório (5).

O PA, consubstanciando-se nos documentos que instruem o procedimento administrativo-tributário, contém não só os elementos reunidos pela AT, mas também os apresentados pelos administrados no uso do seu direito de participação; o Tribunal socorre-se do PA para aferir da factualidade pertinente para dirimir o conflito suscitado, seja essa factualidade favorável ou desfavorável à AT.

O facto de o PA ter um regime de junção aos autos específico, distinto do regime previsto para os documentos juntos pelos articulados, justifica-se pelas específicas características do mesmo a que já fizemos referência, não atentando contra qualquer princípio constitucionalmente consagrado, dada a faculdade de a impugnante o consultar e ter acesso total ao mesmo.

Portanto, ao contrário do defendido pela Recorrente, inexiste obrigação de notificação do teor integral do PA (exceto informações oficiais).

Já quanto às informações oficiais, como mencionamos, o regime legal é distinto, prevendo o art.º 115.º, n.º 3, do CPPT, a sua notificação. Considerando tal circunstância, e uma vez que consta do PA uma informação oficial datada de 22.05.2013 (cfr. fls. 109 a 142 do PA), a mesma deveria ter sido notificada, o que não ocorreu.

Portanto, com efeito verifica-se a ocorrência de uma irregularidade processual.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Não se vislumbrando qualquer razão que nos leve a alterar os entendimentos aqui transcritos, significa isso, como já se antevê, que improcede o recurso quanto a este concreto fundamento.

Erro de julgamento da matéria de facto

Como pode ler-se nas Conclusões XVI. a XXX. a recorrente discorda contra o facto do Tribunal de Primeira Instância ter dado como provado que: « o segurança presente na portaria (Sr. C......) que de acordo com ordens recebidas estava impossibilitado de facultar o acesso ao interior do “condomínio” de todas as pessoas que os condóminos indicassem não querer receber, bem como de assinar ou aceitar quaisquer documentos. Uma vez que o Dr. A...... indicou não querer que entrasse ninguém quando não estivesse em casa, não podia facultar o acesso ao interior do espaço comum» e que « [o] Dr. A...... não se encontrava em casa, no dia e na hora marcados para a notificação para hora certa da Recorrente.»

Resulta, assim, evidente que a questão compreendida nas Conclusões supra identificadas prende-se com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida.

Ora, como sabemos, os Tribunais Centrais Administrativos, sendo tribunais de segunda instância, têm competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Cumpre considerar ainda a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas que no processo tributário português vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido (cfr. artigo 607.º nº5 do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT).

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência (cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, pág.245).

De outro lado, estabelece este artigo 640.º nº 1, alíneas a), b) c), do CPC, que deve, aquele que impugne a matéria de facto, especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Acrescenta o nº 2 da disposição, que no caso previsto na alínea b), quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

No caso em apreço, a recorrente cumpriu, com os ónus impostos pelo artigo 640.º do CPC, não havendo, assim, obstáculo legal à reapreciação da decisão quanto aos pontos de facto impugnados.

Com efeito, identificou os pontos de facto que pretende ver aditados, tomou posição clara sobre a alteração pretendida sobre os mesmos pontos de facto, identificando ainda as razões de natureza processual, bem como a prova testemunhal individualizando as passagens da gravação em que baseia a impugnação.

Posto isto, vejamos, a sorte do recurso quanto a este fundamento.

No caso, quer a certidão de citação pessoal quer a certidão de nota de marcação de citação com dia e hora certa (documentos que suportam a matéria dada como provada na al. L) constituem documentos autênticos e demonstram os autos que a respectiva falsidade não foi arguida.

Deste modo, a respectiva força probatória fica sujeita à disciplina do artigo 371.º do Código Civil e só pode ser ilidida com base na sua falsidade, ou seja, por virtude de neles se referirem, como tendo sido objecto da percepção do notário ou oficial público algum facto que não ocorreu, ou praticado por eles acto que não o foi (artigo 372º, nºs 1 e 2, do Código Civil).

Ou seja, nos termos deste normativo, a força probatória material dos documentos autênticos restringe-se aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas perante essa mesma autoridade ou oficial público (cfr. Manual de Processo Civil, de Antunes Varela, M. Bezerra e S. e Nora, página 522).

E, dentro do princípio da livre apreciação da prova, nada impedirá que se produza prova testemunhal sobre a falsidade alegada.

Ouvida a prova testemunhal indicada pela recorrente não pode resultar provada a factualidade indicada na Conclusão XX (no dia 2 de Dezembro de 2009, os inspectores tributários não foram impedidos de entrar no condomínio por ordem do gerente da Recorrente, mas apenas porque não se identificaram, perante o então porteiro), e Conclusão XXII ( o Dr. A...... não se encontrava em casa, no dia e na hora marcados para a notificação para hora certa da Recorrente).De facto a testemunha M...... afirmou que « (…) não me recordo, se o meu colega pediu ou não a identificação, isso já não me recordo.» e embora o Dr. A......, tenha afirmado que «Estive lá toda essa manhã e estive lá propositadamente.» e que « (…) a comunicação entre o porteiro e os vários condóminos é feito através do intercomunicador, e esse intercomunicador tem tido frequentes avarias», o certo é que todo este circunstancialismo é insuficiente para o efeito pretendido, isso é, para dar verificada a desconformidade entre a declaração do documentador e a verificação dos factos documentados.

Não podendo ignorar-se, que a certidão de diligências se mostra assinada pelas testemunhas ali identificadas, cuja credibilidade não foi colocada em causa pela recorrente.

Consequentemente, o Tribunal «a quo» recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem a concordância deste Tribunal.

Assim, não há como alterar a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal « a quo», tendo presente a análise crítica desses depoimentos agora efectuada por este Tribunal Central Administrativo.

E, assim sendo, improcede o recurso nesta parte.

Do mérito do recurso

Veio também a recorrente alegar a sentença recorrida padece de erro de julgamento porquanto a Administração Tributária «[n]ão estava autorizada a avançar para a notificação mediante afixação da certidão da "certidão de verificação de hora certa" e muito menos a não enviar posteriormente à Recorrente, por via postal, notificação com o respectivo conteúdo.» [Conclusão XXXVI].

Comecemos por atentar no estabelecido no artigo o artigo 62.º, nº 1 e 2, do RCPIT:

«1 - Para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária.

2 - O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no nº 4 do artigo 60º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação».

Por sua vez , o artigo 38.º do RCPIT (na redacção à data dos factos) estabelecia:

«1 - As notificações podem efectuar-se pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada.

2 - No procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de realização de notificação pessoal.»

Entrando na análise da norma do n.º 2 do artigo 38.º supra transcrito quanto nela se estatui que «[n]o procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de notificação pessoal» impõe-se que expliquemos que estabelece uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços, e não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos actos, pelo que o uso da notificação postal, ainda que a notificação pessoal seja possível ou não se faça a demonstração da sua impossibilidade, não resulta irregularidade alguma que possa qualificar-se como preterição de uma formalidade essencial.

Tem sido este, aliás, o entendimento perfilhado na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, por todos, vide o Acórdão proferido em 13.03.2003, no âmbito do processo n.º 01394/12, onde se pode ler: «Desde logo, na interpretação do art. 38.º do RCPIT, como de todas as normas legais, o elemento literal, constituindo ponto de partida e limite (Com a função de «eliminar aqueles sentidos que não tenha qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182 e 189).), não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à «unidade do sistema», nos termos do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil (CC).

Na verdade, na tarefa hermenêutica, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico) e que se atente nas demais disposições que regulam as notificações, designadamente em sede do procedimento de inspecção, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretanda (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Idem, págs. 175 a 192.).

A notificação pessoal a que se refere o art. 38.º do RCPIT surge no seu n.º 1 como uma possibilidade – não como uma imposição –, como resulta inequivocamente da expressão «podem» que nela é usada. A norma do n.º 1 do art. 38.º do RCPIT surge, assim, não como preceptiva, mas como permissiva.

Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo, ao dizer que «[n]o procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de notificação pessoal» estabelece uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços, e não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos actos, pelo que o uso da notificação postal, ainda que a notificação pessoal seja possível ou não se faça a demonstração da sua impossibilidade, não resulta irregularidade alguma que possa qualificar-se como preterição de uma formalidade essencial.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Chegados aqui, resta apreciar se ocorreu (ou não) preterição de formalidade legal quanto à notificação do Relatório de Inspeção, que como vimos, e melhor se extrai do probatório foi efectuada ao abrigo dos artigos 233.º, n.º 1, al. c), e 240.º, n.º 1, do CPC.

E, neste concreto particular, invoca a recorrente o incumprimento do envio da carta registada a que se reporta o artigo 240.º, n.º1 do CPC.

Na verdade, aquele preceito legal (na redacção à data de 2009) dispunha o seguinte: «Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 236.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.º 4 do artigo anterior, sendo ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe:

a) A data e o modo por que o acto se considera realizado

b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta

c) O destino dado ao duplicado;

d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.»

Vem-se dizendo que dispositivo assume a natureza de uma «[d]iligência complementar e cautelar: a expedição de carta a dar conhecimento da citação» (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 648).

Constitui, pois, a expedição da carta registada a que se refere o artigo 241.º do CPC um acréscimo de garantia do direito de defesa mas não é, em bom rigor, um procedimento da citação, que se encontra já realizada, sendo por isso mesmo que a carta que se envia em obediência a esse dispositivo legal informa a data e o modo como foi (e não como está a ser) realizada a citação.

Ora, revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a carta registada, para os efeitos do disposto no artigo 241.º do CPC, foi enviada à recorrente no dia 2 de Dezembro de 2009, e não há notícia que não tenha chegado ao seu conhecimento. De resto, a recorrente não ensaiou produzir qualquer tipo de prova de molde a contestar a posição assumida pela Fazenda Pública em sede de contestação, no que a esta matéria respeita.

Nesta conformidade, e sem necessidade de mais desenvolvimentos, há que concluir que ainda com fundamentação diferente também este Tribunal entende que a Recorrente foi efectivamente notificada do Relatório de Inspecção.

Por último, sustenta a recorrente que a falta do pedido de revisão da fixação da matéria tributável não deverá constituir obstáculo à discussão, em sede de impugnação judicial, dos pressupostos e da quantificação da fixação, concluindo que o Tribunal de Primeira instância fez prevalecer a justiça formal sobre a justiça material.

A questão que se coloca é de saber se a recorrente poderia deduzir impugnação com o fundamento de erro sobre os pressupostos dos métodos indiretos bem como a quantificação sem que tivesse solicitado o pedido de revisão da matéria tributável.

A jurisprudência tem entendido, e continua a entender, a liquidação subsequente à avaliação da matéria tributável por métodos indirectos só é impugnável após o procedimento de revisão previsto nos artigos 91.º e seguintes da LGT, caso o fundamento de tal impugnação se reconduza ao erro nos pressupostos da utilização da avaliação indirecta ou ao erro na sua quantificação, situação que se deve visualizar como um pressuposto processual/condição de procedibilidade, atento o disposto nos artigos 86.º, nº.5, da LGT, e 117.º, nº.1, do CPPT, tal implicando o não conhecimento do mérito da causa e devendo levar à absolvição da instância. (neste sentido, entre muitos outros, vide: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.06.2013, proferido no processo n.º 216/13, disponível em texto integral em www.dgsi.pt e Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, nota 5 ao art. 86.º, pág. 746.).

Tal solução tem justificação material bastante, na circunstância da reclamação constitui um mecanismo tendente a evitar que a discussão passe logo para sede contenciosa e judicial, quando ainda há uma hipótese de, em sede administrativa, haver acordo entre a Administração Tributária e o sujeito passivo acerca da matéria tributável.

No essencial sintetizável, a prevalência da justiça material é um principio acolhido pela lei, nomeadamente, pela reforma processual de 1997 ( vide Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro.), nos termos do qual o Tribunal deve privilegiar a solução definitiva do litígio, a resolução de fundo da questão, dando-lhe prevalência sobre soluções meramente processuais.

Porém, tal exigência, não significa a desvalorização das exigências processuais que sejam essenciais para garantir outros princípios fundamentais do processo, nem pode representar um intolerável dano ao valor da segurança jurídica.

Revertendo à situação sub judice à luz de quanto ficou dito, facilmente se percebe que a recorrente tem razão

Na verdade, não ficou provada a notificação da decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos à recorrente, sendo indiscutível que é sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar a efectivação da notificação (cfr. artigo 342.º, nº.1, do C.Civil; artigo 74.º, nº.1, da LGT).

Neste concreto circunstancialismo, e tendo presente, como já atrás dissemos e repetimos novamente, o prévio pedido de revisão da matéria tributável, é um pressuposto ou condição de procedibilidade quando a impugnação tem por fundamento o erro na quantificação da matéria tributável ou o erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos. Não quando, como no caso dos autos, então forçoso se impõe concluir que a falta de notificação da decisão fixação da matéria tributável constitui preterição de formalidade legal que tem potencialidade para influenciar o acto de liquidação impugnado, pois se a recorrente tivesse sido notificada nos apontados termos poderia ter apresentado o pedido revisão no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão (cfr. artigo 91.º da LGT) e poderia ver alterado o pressuposto em que assentou este acto ( neste sentido vide: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.11.2006, proferido no processo n.º 552/06, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

É, por isso, de concluir que estamos perante um vício gerador de anulabilidade do acto de liquidação que foi praticado com base naquela fixação.

E a sentença que assim não decidiu não se pode manter.

Face ao decidido, fica naturalmente que fica prejudicado o conhecimento do recurso apresentado pela Fazenda Pública uma vez que os juros compensatórios se integram na própria dívida do imposto ( cfr. artigo 35.º, n.º8 da LGT)

IV. CONCLUSÕES

I. A certidão de nota de marcação de citação com dia e hora certa constituem documentos autênticos.

II. A força probatória material dos documentos autênticos restringe-se, nos termos do artigo 371, nº1 do Código Civil, aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e validade das declarações prestadas perante essa mesma autoridade ou oficial público;

III. O primado da justiça material sobre a justiça formal é um princípio acolhido pela lei, nomeadamente, pela reforma processual de 1997, que impõe ao julgador a efectiva resolução de mérito das questões que são submetidas à sua apreciação, em detrimento das soluções meramente processuais.

IV. Porém, tal exigência, não significa a desvalorização das exigências processuais que sejam essenciais para garantir outros princípios fundamentais do processo, nem pode representar um intolerável dano ao valor da segurança jurídica.

V. Nos termos conjugados do disposto no n.º5 do artigo 86.º da LGT e no n.º 1 do artigo 117.º do CPPT, a impugnação de acto de avaliação indirecta com fundamento na falta dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos, ou no erro na quantificação, só é possível após prévio pedido de revisão da matéria tributável, de acordo com o disposto nos artigos 91.º a 94.º da LGT.

VI. A falta de notificação da decisão de fixação da matéria colectável por métodos indirectos da possibilidade de requerer a revisão da matéria colectável, constitui preterição de formalidade legal que releva como vício gerador de anulabilidade do acto de liquidação que foi praticado com base naquela fixação.

V.DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em:

(i) conceder provimento ao recurso da Impugnante, e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando procedente a impugnação judicial e determinado a anulação da liquidação adicional sindicada;

(ii) não conhecer do recurso da Fazenda Pública.

Custas pela Fazenda Publica.


Lisboa, 11 de Março de 2021.

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]

(Ana Pinhol)