Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:596/21.3 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:03/31/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL
QUESTÃO NOVA
NULIDADE
SINDICABILIDADE JUDICIAL
CONCORRÊNCIA
Sumário:I – A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas.
Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram.
II - A nulidade prevista no atual artigo 615.º n.º 1 alínea b) do CPC só se verifica quando haja uma completa ausência de fundamentação, e não quando esta seja meramente incompleta ou deficiente, uma vez que só no primeiro caso o destinatário da sentença recorrida ficará na ignorância das razões, de facto ou de direito, pelas quais foi tomada tal decisão, e o tribunal superior ficará impedido de sindicar a lógica que vivifica o silogismo judiciário que a ela presidiu.
Efetivamente, uma decisão judicial apenas é nula quando lhe falta em absoluto qualquer fundamentação. A simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá determinar potencialmente a sua revogação, mas não produz nulidade (art.º 613.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil).
III - A decisão administrativa não está isenta da sindicabilidade judicial, sendo que esta se deverá limitar a verificar se a apreciação das provas tem uma base racional, e se o valor das provas produzidas foi adequadamente ponderado, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto e palmar de apreciação.
IV - Só uma concorrência real e efetiva garante iguais condições de acesso e de participação dos interessados, evitando discriminações ilegítimas entre eles e permitindo que as suas propostas sejam valoradas e pontuadas de modo isento de transparente (principio da igualdade).
Se não for feito funcionar, totalmente, o princípio da concorrência, fica prejudicada a própria finalidade do procedimento concursal, pois que se trata de assegurar que as diferentes propostas cumpram as imposições e os limites referidos nas peças do respetivo procedimento, de modo a permitir uma plena «comparação» entre elas, visando escolher a melhor que o mercado forneceu (princípio da comparabilidade das propostas). E esta «comparação» só poderá ser efetuada entre propostas que respeitem as regras do jogo.
Em conclusão, mostra-se inadmissível atribuir pontuações divergentes a propostas que assentam nos mesmos pressupostos objetivos, em função de escolhas e majorações arbitrárias efetuadas à revelia da letra das peças concursais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A A....., S.A intentou contra o Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I.P, Ação Administrativa de Contencioso Pré-contratual, tendente à Impugnação de ato administrativo proferido no âmbito do Concurso Público para “Aquisição da prestação de serviços para conceção e desenvolvimento de uma plataforma comunicacional no âmbito do projeto de apoio à consolidação do Estado de Direito nos PALOP e TIMOR-LESTE (PACED)”» pedindo, a final “(…) que deverá a presente ação ser considerada procedente, por provada, e, em consequência:
a) Ser anulado o ato administrativo que aprovou o relatório final do júri, determinou a adjudicação da proposta da Contrainteressada A... e ordenou a proposta da Autora em 3.º lugar;
b) Ser fixado o prazo de 20 dias para o cumprimento das determinações contidas na sentença, nomeadamente a prolação de novo relatório pelo júri com a devida e correta análise das propostas, bem como, posteriormente, a prolação de novo ato de adjudicação.”

O TAF de Leiria proferiu Sentença em 13 de dezembro de 2021, aí decidindo julgar parcialmente procedente a ação, mais decidindo:
“a) Anular o ato administrativo que aprovou o relatório final do júri, determinou a adjudicação da proposta da contrainteressada A... e ordenou a proposta da Autora em 3.º lugar;
b) Condenar a Entidade Demandada a retomar o procedimento de Concurso Público para “Aquisição da prestação de serviços para conceção e desenvolvimento de uma plataforma comunicacional no âmbito do projeto de apoio à consolidação do Estado de Direito nos PALOP e TIMOR-LESTE (PACED)”, nomeadamente a prolação de novos relatórios pelo júri com a devida e correta análise das propostas, bem como, posteriormente, a prolação de novo ato de adjudicação.”

O Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I.P, inconformado com a Sentença proferida, veio Recorrer para esta Instância em 3 de janeiro de 2022, no qual concluiu:
I Está em causa a sentença do TAF de Leiria tal como consta do capítulo V. DECISÃO, a seguir reproduzida:
“Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação, pelo que:
d) Anulo o ato administrativo que aprovou o relatório final do júri, determinou a adjudicação da proposta da contrainteressada A... e ordenou a proposta da Autora em 3.º lugar;
e) Condeno a Entidade Demandada a retomar o procedimento de Concurso Público para «Aquisição da prestação de serviços para conceção e desenvolvimento de uma plataforma comunicacional no âmbito do projeto de apoio à consolidação do Estado de Direito nos PALOP e TIMOR-LESTE (PACED) », nomeadamente a prolação de novos relatórios pelo júri com a devida e correta análise das propostas, bem como, posteriormente, a prolação de novo ato de adjudicação;
f) Absolvo a Entidade Demandada do demais peticionado.»
II A entidade demandada concorda inteiramente com a alínea c) da decisão, de resto muito bem fundamentada.
III Porém, a entidade demandada já não pode concordar com as alíneas a) e b) da decisão, conforme a seguir melhor se explanará.
IV A retoma do procedimento do concurso público e consequente “prolação de novos relatórios pelo júri com a devida e correta análise das propostas, bem como, posteriormente, a prolação de novo ato de adjudicação” implica a reapreciação dos seguintes subfactores de avaliação sindicados, de acordo com o modelo de avaliação adotado da melhor relação qualidade-preço, conforme estabelecido no artigo 12.º e Anexo VIII do Programa de Concurso:
Cláusula do Caderno de Encargos Subfator
Cláusula 43.º Manutenção
Cláusula 44.º Garantia
Cláusula 45.º Licenciamentos
Cláusula 46.º Requisitos Funcionais do Portal, estando em causa os seguintes requisitos:
n.º 2, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13 e 14, abaixo melhor discriminados.
DO ERRO MANIFESTO DA AVALIAÇÃO DA PROPOSTA DA AUTORA
V A Autora invocou erro manifesto de avaliação da sua proposta por parte do júri do concurso nos subfactores acima mencionados.
VI
Sendo que, relativamente aos subfatores “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos”, a sentença declarou (fls. 23):
“Por todo o exposto, procede o vício alegado pela Autora de erro na apreciação da sua proposta, nomeadamente por erro na interpretação das normas que regem o concurso, relativamente aos subfactores de avaliação “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos” (cláusulas 43.º, 44.º e 45.º do Caderno de Encargos).
VII O SUBFATOR “MANUTENÇÃO” foi objeto de avaliação nas dimensões de manutenção preventiva e corretiva (prevista na cláusula 43.ª, n.º 2 do caderno de encargos) e na dimensão de manutenção evolutiva (prevista na cláusula 43.ª, n.º 4 do caderno de encargos) - v. Anexo 3 – Avaliação por concorrente, junto ao Relatório Final do júri.
VIII Da proposta da Autora consta um período de 12 meses e 1 dia para a manutenção preventiva, corretiva e evolutiva (v. fls. 6, 66 e 77 da proposta).
IX A manutenção preventiva deve ser executada de acordo com plA... de manutenção estabelecido e deve ter no mínimo uma intervenção mensal (v. cláusula 43.º, n.º 2, alínea c) do caderno de encargos).
X A manutenção corretiva decorre de A...malias no funcionamento do projeto identificadas pela entidade coordenadora (v. cláusula 43.ª, n.º 2, alínea a) do caderno de encargos).
XI A manutenção evolutiva abrange os serviços identificados na cláusula 43.ª, n.º 3 do caderno de encargos. 26
XII No que se refere a este tipo de direitos (manutenção, garantia, licenciamentos, etc.) é prática habitual do comércio a fixação dos prazos em A...s ou meses e não em dias, sendo tal facto do conhecimento geral, o que tem reflexos na própria legislação, como abaixo melhor se verá a propósito do subfator “Garantia”.
XIII Tratando-se de um facto do conhecimento geral não necessita de alegação nem de prova (artigo 412.º do CPC).
XIV Aliás, nenhum outro concorrente apresentou proposta nos moldes em que a Autora o fez e note-se que foram 11 os concorrentes que se apresentaram a concurso.
XV Sendo que as Concorrentes posicionadas no concurso em 1.º (A... – Sistemas de Informática e Serviços, Lda.) e 2.º lugar (P..., S.A.) apresentaram prazos de manutenção de 13 e de 15 meses, respetivamente (fls. 40, 41 e 42 da proposta da A... e fls. 88 da proposta da P...). Além disso,
XVI De acordo com os níveis de serviço oferecidos pela Autora, esta não apresentou condições para assegurar a resolução das A...malias ligeiras verificadas no último dia do período de manutenção que propôs, nem tão-pouco as A...malias graves comunicadas após as 10.00 horas da manhã desse dia, uma vez que o horário de prestação dos serviços está fixado entre as 9.00 horas e as 18.00 horas nos dias úteis, sendo que o prazo fixado para resolução das A...malias ligeiras é de 2 dias úteis e o prazo fixado para a resolução das A...malias graves é de 8 horas nos dias úteis (v. fls. 80 da proposta).
XVII Note-se, aliás, que a Autora também não apresentou condições para assegurar a resolução das A...malias ligeiras verificadas nos três ou quatro últimos dias do período de manutenção que propôs, se estes coincidirem com dias não úteis (que poderão não o ser nos Países beneficiários da plataforma que não Portugal), uma vez que o prazo fixado para a resolução das mesmas é de 2 dias úteis (v. fls. 80 da proposta).
XVIII E também não apresentou condições para assegurar a resolução das A...malias graves ou críticas verificadas nos últimos dias do final do período de manutenção que propôs, quando estes coincidam com dias não úteis (que poderão não o ser nos Países beneficiários da plataforma que não Portugal) e mesmo quando tais A...malias graves ou críticas se verifiquem após as 10.00 horas ou da parte da tarde, respetivamente, do último dia útil anterior ao final do período de manutenção quando o final do período de manutenção coincida com dia não útil (que poderá não o ser nos Países beneficiários da plataforma que não Portugal), uma vez que o prazo fixado para a resolução das A...malias graves ou críticas é de 8 horas e de 4 horas nos dias úteis, respetivamente (v. fls. 80 da proposta). Ou seja:
XIX No que se refere à manutenção preventiva, o aumento de apenas um dia no período de manutenção é dificilmente compatibilizável com o disposto na cláusula 43.ª, n.º 2, alínea c) do caderno de encargos, que obriga à existência de um plA... de manutenção preventiva, estando expressamente previstas intervenções mensais.
XX Quanto à manutenção corretiva, como acima ficou demonstrado, tendo em conta os níveis de serviço que ofereceu a fls. 80 da sua proposta, a Autora não apresentou condições para assegurar integralmente este tipo de manutenção durante o dia suplementar que ofereceu na sua proposta, nem sequer durante a totalidade do período de manutenção de 12 meses exigido no caderno de encargos (v. cláusula 43.ª, n.º 2).
XXI E o mesmo se diga quanto à manutenção evolutiva, que está sujeita aos mesmos níveis de serviço (v. fls. 80 e 81 da proposta e cláusula 43.ª, n.º 3 do caderno de encargos).
XXII Sendo certo que o júri do concurso, questionado pela Autora sobre a forma de cumprimento ou superação do critério respondeu:
“Resposta:
O não cumprimento do requisito levará à exclusão da proposta.
É possível exceder o subcritério através da superação do estabelecido nos requisitos para suporte e manutenção.” (v. artigo 28.º da PI - negrito e sublinhado da Autora).
XXIII Requisitos que, como é bem de ver, não se esgotam na mera indicação de um prazo.
XXIV Assim, no que se refere a este subfactor e contrariamente ao alegado nos artigos 22.º a 46.º da PI e ao declarado a fls. 22-23 da sentença, conclui-se que:
- a interpretação do júri ao exigir, quanto ao subfator “Manutenção”, que o prazo fosse indicado em meses não foi tão descabida assim, uma vez que tem apoio no próprio caderno de encargos (v. fls. 7 do Relatório Final e cláusula 43.ª, n.º 2, alínea c) do caderno de encargos), constituindo, além disso, uma prática habitual do comércio que é do conhecimento geral, não necessitando de alegação nem de prova (artigo 412.º do CPC);
- a Autora não só não superou o critério fixado no caderno de encargos, como nem sequer o cumpriu (v. cláusula 43.º, n.º 2 e 3 do caderno de encargos).
XXV O SUBFATOR “GARANTIA” está previsto na cláusula 44.ª do Caderno de Encargos, onde se diz que o fornecedor deverá estabelecer um plA... de garantia de 24 meses para a plataforma e suas aplicações.
XXVI O que se pretende é que o preço apresentado nas propostas inclua o funcionamento do portal e suas aplicações durante o prazo de garantia proposto pelos concorrentes.
XXVII Da proposta da Autora consta um plA... de garantia de 24 meses e 1 dia (v. fls. 6, 67 e 76 da proposta).
XXVIII Conforme acima se referiu, no que se refere a este tipo de direitos (manutenção, garantia, licenciamentos, etc.) é prática habitual do comércio a fixação dos prazos em A...s ou meses e não em dias, sendo tal facto do conhecimento geral, o que tem reflexos na própria legislação, conforme a seguir se verá.
XXIX Tratando-se de um facto do conhecimento geral não necessita de alegação nem de prova (artigo 412.º do CPC).
XXX Aliás, nenhum outro concorrente apresentou proposta nos moldes em que a Autora o fez e note-se que foram 11 os concorrentes que se apresentaram a concurso.
XXXI Sendo que as Concorrentes posicionadas no concurso em 1.º (A... – Sistemas de Informática e Serviços, Lda.) e 2.º lugar (P..., S.A.) apresentaram prazos de garantia de 25 meses e de 30 meses, respetivamente (fls. 10, 13 e 44 da proposta da A... e fls. 62 e 88 da proposta da P...). Além disso,
XXXII A cláusula 17.ª do Caderno de Encargos diz:
“1. Nos termos da presente cláusula e da lei que disciplina os aspetos relativos à venda de serviços de consumo e das garantias a ela relativas, o Adjudicatário garante os serviços objeto do contrato, pelo prazo de dois A...s a contar da data da assinatura do auto de receção, contra quaisquer defeitos ou discrepâncias com as exigências legais e com caraterísticas, especificações e requisitos técnicos definidos nas Cláusulas Técnicas do presente Caderno de Encargos, que se revelem a partir da aceitação do bem.
2. A garantia prevista no número anterior abrange, na medida do aplicável:
a. O fornecimento, a correção, a montagem ou a integração dos serviços ou quaisquer peças ou componentes em falta;
b. A desmontagem de peças, componentes ou serviços defeituosos ou discrepantes;
c. A reparação ou a substituição das peças, componentes ou serviços defeituosos ou discrepantes;
d. O fornecimento, a montagem ou instalação das peças, componentes ou serviços reparados ou substituídos;
e. O transporte do bem ou das peças ou componentes defeituosos ou discrepantes para o local da sua reparação ou substituição e a devolução daqueles serviços ou a entrega das peças ou componentes em falta, reparados ou substituídos;
f. A deslocação ao local da instalação, de entrega ou àquele que for indicado pela Entidade Adjudicante;
g. A mão-de-obra.
3. No prazo máximo de dois meses a contar da data em que a Entidade Adjudicante tenha detetado qualquer defeito ou discrepância, este deve notificar o Adjudicatário, para efeitos da respetiva reparação.
4. A reparação ou substituição previstas na presente cláusula devem ser realizadas dentro de um prazo razoável fixado pela Entidade Adjudicante e sem grave inconveniente para este último, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o mesmo se destina.”
XXXIII A lei mencionada no n.º 1 do artigo é o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8.04 (com a última redação dada pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29.01), que transpôs para a ordem jurídica nacional a diretiva n.º 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, e altera a Lei n.º 24/96, de 31 de julho, para o qual o caderno de encargos remete por razões de economia procedimental.
XXXIV Conforme se pode verificar, o prazo de dois A...s fixado no caderno de encargos coincide com o prazo que consta do artigo 5.º do referido diploma, uma vez que estão em causa coisas móveis.
XXXV Também o Código Civil, ao regular a venda de coisas defeituosas, estabeleceu um prazo de garantia expresso em meses (artigo 921.º): “No silêncio do contrato, o prazo de garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior.”
XXXVI No presente caso, o prazo fixado decorre do estabelecido o caderno de encargos e na lei para a qual aquele remete e, como ficou demonstrado, nem no Decreto-Lei n.º 67/2003, nem no Código Civil o prazo de garantia é estabelecido em dias. Acresce que,
XXXVII “A proposta da AMBISIG inclui a garantia dos bens e serviços fornecidos, na sua plena funcionalidade, para todas as falhas de segurança, erros, A...malias ou incorreções detetadas por um período de 24 meses e um dia, sendo reparados e corrigidas e reposto o correto funcionamento do sistema, sem quaisquer encargos adicionais para o Camões, I.P.” (negrito e sublinhado da Autora – v. fls. 76 da proposta).
XXXVIII Basta comparar este texto com a cláusula 17.ª do caderno de encargos para rapidamente se chegar à conclusão que a garantia oferecida na proposta da Autora é inferior à exigida no caderno de encargos quanto a este subfator, desde logo por não prever a substituição das peças, componentes ou serviços.
XXXIX Sendo certo que o júri do concurso também foi questionado pela Autora sobre a forma de superação do critério, tendo respondido:
“Resposta:
O não cumprimento do requisito levará à exclusão da proposta.
É possível exceder o subcritério através da superação do estabelecido nos requisitos para a garantia.” (v. artigo 50.º da PI - negrito e sublinhado da Autora).
XL Requisitos que, como é bem de ver, não se esgotam na mera indicação de um prazo, sendo que as Concorrentes posicionadas no concurso em 1.º (A... – S…., Lda.) e 2.º lugar (P….., S.A.) asseguram a continuidade operacional da plataforma e suas aplicações durante o período de garantia proposto, sem quaisquer limitações (v. fls. 44 da proposta da A... e fls. 62 da proposta da P...).
XLI Assim, no que se refere a este subfactor e contrariamente ao alegado nos artigos 47.º a 52.º da PI e ao declarado a fls. 22-23 da sentença, conclui-se que:
- a interpretação do júri ao exigir que o prazo fosse indicado em meses não foi tão descabida assim, uma vez que tem apoio no próprio caderno de encargos (v. fls. 7-8 do Relatório Final e cláusulas 17.ª e 44.ª do caderno de encargos) e na lei (designadamente, no Decreto-Lei n.º 67/2003, em particular no seu artigo 5.º e no artigo 921.º do Código Civil), constituindo, além disso, uma prática habitual do comércio que é do conhecimento geral, não necessitando de alegação nem de prova (artigo 412.º do CPC).
- a Autora não só não superou o critério fixado no caderno de encargos, como nem sequer o cumpriu (v. cláusulas 17.ª e 44.ª do caderno de encargos).
XLII O SUBFATOR “LICENCIAMENTOS” está previsto na cláusula 45.ª do Caderno de Encargos, nos seguintes termos:
“Cláusula 45.º
Licenciamentos
O fornecedor deverá assegurar por um período de 24 meses os custos diretos e indiretos com o software disponibilizado no projeto:
e) Licenciamentos de sistemas operativos ;
f) Licenciamentos de aplicações (CMS, LMS, VMS, outros) ;
g) Custos com registo de Domínios ;
h) Custos com certificados de segurança SSL para domínios HTTPS. »
XLIII À semelhança do que sucedeu com os subfactores “Manutenção” e com o subfactor “Garantia”, no subfactor “Licenciamentos” a Autora acrescentou 1 dia ao prazo de 24 meses fixado no caderno de encargos (v. fls. 67 da proposta).
XLIV Conforme acima ficou demonstrado, no que se refere a este tipo de direitos (manutenção, garantia, licenciamentos, etc.) é prática habitual do comércio a fixação dos prazos em A...s ou meses e não em dias, sendo tal facto do conhecimento geral, o que tem reflexos na própria legislação.
XLV Tratando-se de um facto do conhecimento geral não necessita de alegação nem de prova (artigo 412.º do CPC).
XLVI Mas a Autora seguiu, uma vez mais, uma interpretação “sui generis” das regras do concurso, que não foi seguida por mais nenhum concorrente e foram 11 os concorrentes que se apresentaram a concurso. Além disso,
XLVII Como se pode verificar, apesar de a cláusula ter como epígrafe “Licenciamentos”, a verdade é que na mesma se incluem duas situações distintas: por um lado, os custos com licenciamentos de sistemas operativos e, por outro lado, os custos com registo de domínios e com certificados de segurança.
XLVIII No que se refere aos custos com licenciamentos com registo de domínios e com certificados de segurança há que ter em conta o disposto:
- na cláusula 46.º, n.º 2, alínea c), segundo a qual:
“2. Plataforma Web sob a forma de portal, composto por duas subestruturas distintas, que funcionarão como suportais autónimos e atómicos, em termos de gestão e de acesso à informação:
a)…
b)…
c)O portal tem um único endereço web (URL) e um domínio de registo .org :
iv) O domínio será registado com extensão genérica destinada especialmente a organizações (.org) por um período mínimo igual ou superior a 10 A...s;
v) O registo do domínio ficará a cargo do fornecedor do serviço, sendo beneficiário a entidade gestora do PACED ou outra indicada por ela;
vi) O registo do domínio deverá considerar um número ilimitado de subdomínios;
…»
- e na cláusula 47.ª, 3, iii), segundo a qual:
“3. A solução deve implementar a boas práticas em termos de segurança. É obrigatório a utilização de mecanismos de segurança, designadamente com a utilização obrigatória de protocolos de segurança em todo o portal:
iv) Utilização do protocolo Hypertext Transfer Protocol Source (HTTPS) ;
v) Utilização de certificados válidos do tipo Certificados de Segurança Secure Socket Layer – SSL ou Transport Layer Security – TLS, válidos para todo o portal (domínio e subdomínios) ;
vi) A entidade fornecedora é responsável pelo pagamento do certificado, o qual deve ter um período de duração não inferior a 5 A...s;
…”
XLXIX A Autora, na sua proposta, declarou (fls. 19 da proposta):
“Serão assegurados nos desenvolvimentos propostos, todos os requisitos funcionais do portal referidos e apresentados na Cláusula 46 do Caderno de Encargos, nomeadamente no que diz respeito aos requisitos gerais seguintes:
“…
2. Plataforma Web sob a forma de portal, composto por duas subestruturas distintas, que funcionarão como suportais autónomos e atómicos, em termos de gestão e de acesso à informação.
…”
L Resulta, porém, claramente da PI (v. artigos 53.º a 58.º) que, afinal, a Autora apenas assegura o registo do domínio e dos certificados de segurança por 2 A...s, em clara contradição com os prazos mínimos de 10 A...s e de 5 A...s fixados, respetivamente, nas cláusulas 46.º, n.º 2, alínea c), ii) e 47.ª, n.º 3, iii) do caderno de encargos.
LI Mais, a fls. 20 da sua proposta, a Autora declarou a propósito do requisito funcional n.º 2 do portal:
“b) O portal terá um único endereço web (URL) e um domínio de registo .org (as rubricas estão detalhadas no capítulo do licenciamento)”
Contudo, analisando a proposta da Autora, não se encontra nenhum capítulo relativo ao licenciamento.
LII Nem se diga que o registo do domínio e dos certificados de segurança está previsto nas cláusulas 46.ª e 47.ª do caderno de encargos, respetivamente, sendo, tal situação avaliada no âmbito dessas cláusulas, pois tal não corresponde à verdade.
LIII As cláusulas do caderno de encargos, ainda para mais tratando-se de matérias informáticas complexas, não podem ser interpretadas de forma simplista, como faz a Autora.
LIV Sendo certo que o júri do concurso também foi questionado pela Autora sobre a forma de superação do critério, tendo respondido:
“Resposta:
O não cumprimento do requisito levará à exclusão da proposta.
É possível exceder o subcritério através da superação do estabelecido nos requisitos para o licenciamento do software.” (v. artigo 55.º da PI - negrito e sublinhado da Autora).
LV Ora, no que se refere às Concorrentes posicionadas em 1.º e 2.º lugar no concurso (A... e P...):
A Concorrente A... propôs o registo do domínio por um período igual ou superior a 10 A...s (fls. 47 da proposta) e o registo dos certificados de segurança por um período não inferior a 5 A...s (fls. 59 da proposta); já quanto ao sistema operativo, assegurou a sua funcionalidade por tempo ilimitado pois não existe necessidade de licenciamento e quanto às aplicações a Concorrente assegurou a sua funcionalidade de acordo com as peças processuais (fls. 45 da proposta).
Por seu turno, a Concorrente P... propôs o registo do domínio por 10 A...s, bem como dos certificados de segurança necessários (fls. 87 da proposta); e quanto ao funcionamento do portal propôs a utilização de uma ferramenta com licença vitalícia (Laravel Nova), com garantia de acesso a novas versões da tecnologia (fls. 87 da proposta).
LVI Assim, no que se refere a este subfactor e contrariamente ao alegado nos artigos 53.º a 58.º da PI e ao declarado a fls. 22-23 da sentença:
- a interpretação do júri ao exigir que o prazo fosse indicado em meses não foi tão descabida assim, uma vez que se baseia numa prática habitual do comércio que é do conhecimento geral e tem apoio no próprio caderno de encargos, (v. fls. 7-8 do Relatório Final e cláusula 45.ª do caderno de encargo) e na lei (designadamente, no Decreto-Lei n.º 67/2003, em particular no seu artigo 5.º e no artigo 921.º do Código Civil), sendo que, relativamente ao registo do domínio e ao registo dos certificados de segurança os prazos até são fixados em A...s (cláusulas 46.ª, n.º 2, alínea c), i) e 47.ª, n.º 3, alínea iii) do caderno de encargos);
- a Autora não só não superou o critério estabelecido no caderno de encargos, como nem sequer o cumpriu relativamente aos prazos fixados no caderno de encargos para o registo do domínio e para o registo dos certificados de segurança.
LVII Face ao exposto, conclui-se que, a ter existido erro na avaliação da proposta da Autora, tal erro não só não prejudicou como até favoreceu a Autora.
LVIII Por outro lado, existe erro de direito na interpretação das peças do procedimento e da lei pelo Tribunal, sendo que, como é sabido, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3 do CPC).
LVIX No que se refere ao SUBFATOR “REQUISITOS FUNCIONAIS DO PORTAL”, tal como se referiu acima no artigo 4.º, estão em causa os requisitos n.º 2, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13 e 14, previstos na cláusula 46.º do Caderno de Encargos e de acordo com o modelo de avaliação das propostas que constitui o Anexo III ao mesmo.
LX Relativamente a todos estes requisitos foi também alegado erro manifesto na avaliação da proposta da Autora.
LXI Tendo a sentença declarado, relativamente a todos eles, o seguinte (v. fls. 43):
“Por todo o exposto, há que proceder os vícios imputados ao ato sindicado, por o relatório do júri incorrer em erro na avaliação que faz da proposta da Autora relativamente aos pontos 2, 5 a 7, e 10 a 14 do subfactor de avaliação “Requisitos Funcionais do Portal”.
LXII Sendo que, na fundamentação da sentença, diz o Tribunal (fls. 42):
“Dentro daquilo que a Autora designou como “Descrição funcional e técnica da solução, o dissenso assenta no facto de a Autora ter elencado as características que reputa superarem os requisitos técnicos do Caderno de Encargos no campo a que atribuiu a alínea e) e a designação de matriz de cumprimento de requisitos para avaliação, entendendo o júri que a inclusão de tais características naquele registo é um mero exercício de autoavaliação e não a demonstração de um atributo da proposta. Incorre o júri em evidente erro de Direito…”
LXIII Ora, independentemente da posição tomada pelo júri num determinado momento, há também que ter em conta as posições das partes no processo.
LXIV Ora, na PI a Autora declarou, através do seu I. Mandatário, precisamente a propósito dos requisitos funcionais do portal, mas com um alcance muito maior, o seguinte (artigo 71.º da PI):
“Da análise da proposta da Autora depreende-se, perfeitamente, que a cópia do clausulado do Caderno de Encargos tem como propósito apenas a identificação/enquadramento do requisito funcional – não correspondendo à solução proposta; antes a um meio de organização da estrutura da proposta.” (negrito da Autora).
LXV Note-se que o que se declara é que a cópia do clausulado do caderno de encargos tem como propósito apenas a identificação/enquadramento do requisito funcional.
Tal declaração expressa não suscita qualquer dúvida, de tão clara que é.
LXVI Na Contestação, a entidade demandada realçou o facto nos artigos 64.º, 65.º, 87.º, 88.º, 89.º, 92.º, 93.º, 94.º, 98.º, 99.º, 100.º, 103.º, 104.º, 107.º, 108.º, 111.º, 112.º, 115.º, 118.º, 119.º, 120.º, 123.º, 131.º e 133.º da Contestação.
LXVII Contudo, o Tribunal não se pronunciou sobre tal questão. Note-se que o que está em causa não é tanto a eventual superação dos requisitos do caderno de encargos, mas o cumprimento do clausulado no caderno de encargos.
LXVIII Por outras palavras, o que está em causa não é apenas a alínea e) intitulada Matriz de Cumprimento de Requisitos para Avaliação”, mas também todas as transcrições do caderno de encargos feitas na proposta da autora, designadamente na alínea b) intitulada “Descrição de Requisitos”.
LXIX Não se pode deixar de repetir aqui o que foi dito a este propósito na contestação, em particular no artigo 88.º: “Ora, se a Autora, apesar de copiar o clausulado do Caderno de Encargos, não se obriga a cumpri-lo, de nada serve incluí-lo na proposta!”
LXX A superação dos critérios fixados no caderno de encargos pressupõe que, previamente, o/a concorrente aceite, sem reservas, as cláusulas do caderno de encargos ou escolha uma variante, quando existam variantes.
LXXI “Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.” (artigo 352.º do Código Civil).
LXXII
Neste caso trata-se de confissão feita na PI pelo I. Mandatário da Autora e aceite pela entidade demandada na Contestação.
LXXIII Porém, caso se entenda que, apesar de mencionada várias vezes na Contestação a propósito dos requisitos funcionais do portal, tal não configura nenhuma aceitação por parte da Autora, a Autora, desde já, aceita de forma expressa, clara e inequívoca aquela confissão para não mais ser retirada, para efeitos do disposto no artigo 465.º do CPC.
LXXIV A confissão feita nos articulados assume a modalidade de confissão judicial escrita, tendo força probatória plena contra o confitente (v. artigo 358.º do Código Civil; v. também Acórdão do STJ no processo 472/15.9T8VRL.G1.S1).
LXXV Sendo certo que a douta sentença se limitou a apreciar a posição tomada pelo júri do concurso, não se pronunciando sobre esta questão.
LXXVI Entende-se, assim, existir omissão de pronúncia relativamente a esta questão suscitada na Contestação, o que torna a sentença nula ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC ou, se se entender que a Autora não aceitou de forma expressa, clara e inequívoca a confissão – o que, à cautela, agora faz ao abrigo do disposto no artigo 465.º, n.º 2 do CPC – deve então a questão ser apreciada pelo Tribunal de Recurso e retiradas as devidas consequências processuais. Sem conceder,
DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA CONCORRÊNCIA E DA IGUALDADE ENTRE CONCORRENTES (artigos 116.º a 134.º da PI)
LXXVII A Autora alegou a violação dos princípios da concorrência e da igualdade consignados no artigo 1.º-A do CCP relativamente a todos os subfatores sindicados, sendo que a douta sentença pronunciou-se a este respeito nos seguintes termos (fls. 48 da sentença):
“Por todo o exposto, procede igualmente a alegada violação dos princípios da concorrência e da igualdade, na apreciação da proposta da Autora nos requisitos de “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos”.
LXXVIII Ora, atento o exposto acima nos artigos 6.º a 56.º, ficou claramente demonstrado que a Autora não só não superou como nem sequer cumpriu os requisitos fixados no caderno de encargos relativamente aos subfactores “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos”.
LXXIX Pelo que não se pode concluir ter havido violação dos princípios da concorrência e da igualdade por parte da entidade demandada.
LXXX Tal violação dos princípios da concorrência e da igualdade verificou-se – isso sim – por parte da Autora, ao acrescentar mais 1 dia aos prazos fixados no caderno de encargos nos 3 subfatores acima referidos, bem sabendo que tais prazos são normalmente fixados em A...s ou meses e não em dias e, além disso, bem sabendo que:
- no subfator “Manutenção”, ao acrescentar um dia ao prazo fixado no caderno de encargos, não estava em condições de assegurar a manutenção relativamente às A...malias que se viessem a verificar, de acordo com os níveis de serviço oferecidos na sua proposta (fls. 80 da proposta);
- no subfator “Garantia”, ao oferecer uma garantia cuja cobertura é manifestamente inferior à garantia fixada no caderno de encargos;
- no subfator “Licenciamentos”, ao oferecer prazos de licenciamento manifestamente inferiores aos fixados no caderno de encargos, designadamente no que se refere ao registo de domínios e de certificados de segurança.
LXXXI E tudo isto, quando as Concorrentes que ficaram posicionadas em 1.º e 2.º lugar no mesmo concurso não só cumpriram como excederam os critérios fixados no caderno de encargos naqueles subfactores.
LXXXII Por isso, não pode deixar de concluir-se que a Autora violou de forma grosseira o princípio da concorrência.
LXXXIII Por outro lado, o princípio da concorrência pressupõe o respeito do princípio da igualdade, que os casos iguais sejam tratados de forma igual e casos diferentes de forma diferente.
LXXXIV Ora, a Autora, bem sabendo que não cumpria os requisitos fixados no caderno de encargos e pretendendo, não obstante, ser tratada da mesma forma que os Concorrentes cumpridores, incorreu também em manifesta e grosseira violação do princípio da igualdade.
LXXXV Conclui-se, assim, quanto a esta questão, que a entidade demandada não violou os princípios da concorrência e da igualdade, tendo tal violação sido cometida pela Autora, o que deverá ser declarado.
LXXXVI Não existindo violação dos princípios da igualdade e da concorrência, nem tão-pouco da imparcialidade por parte da entidade demandada, o ato de adjudicação não poderá ser anulado com esse fundamento.
LXXXVII Mas deverão ser retiradas consequências da violação desses princípios por parte da Autora. Além disso,
DA CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ:
LXXXVIII A Autora, ao acrescentar 1 dia aos prazos fixados no caderno de encargos para os subfactores “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos”, bem sabia que tais prazos são normalmente fixados em A...s ou meses e não em dias, segundo uma prática habitual do comércio.
LXXXIX
Por outro lado, bem sabia a Autora:
- que, ao acrescentar 1 dia ao prazo fixado no caderno de encargos no subfator “Manutenção”, não estava em condições de poder assegurar a manutenção, de acordo com os níveis de serviço propostos (fls. 80 da proposta);
- que, quanto ao subfator “Garantia”, a garantia por si oferecida era inferior à estabelecida no caderno de encargos;
- que quanto ao subfator “Licenciamentos”, os prazos de licenciamento por si propostos eram manifestamente inferiores aos fixados no caderno de encargos, designadamente no que se refere ao registo de domínios e de certificados de segurança.
XC “1 – Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
e) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
f) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
g) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
h) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3…”
XCI
Como resulta de todo o exposto até aqui, este artigo é aplicável ao presente caso, concretamente o seu n.º 2, alíneas a), b) e d).
XCII Assim, a Autora não devia ignorar a falta de fundamento da sua pretensão relativamente aos subfactores “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos” pois bem sabia que a proposta por si apresentada não cumpria sequer os requisitos fixados no caderno de encargos e muito menos os excedia!
XCIII Alterando, assim, a verdade dos factos com dolo ou negligência grave, que caberá ao Tribunal apreciar, fazendo crer ao Tribunal o bem fundado da sua pretensão,
XCIV Para, dessa forma, fazendo um uso manifestamente reprovável da ação, alcançar um objetivo ilegal: a adjudicação, em violação dos princípios da concorrência e da igualdade entre as partes no concurso público.
XCV Pelo que a Autora deverá ser condenada como litigante de má fé, em multa a fixar pelo Tribunal e em indemnização equivalente ao montante dos fundos da União Europeia destinados à implementação do projeto, caso o mesmo não chegue a ser realizado por se tornar impossível a sua implementação dentro do prazo que vier a ser concedido – se o for – pela União Europeia, de que se dará conhecimento ao Tribunal para efeitos do disposto no artigo 543.º do CPC.
Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de v. Exas se requer que se declare:
- se houve erro de direito na interpretação das peças do procedimento e da lei por parte do júri do concurso e se tal interpretação prejudicou ou beneficiou a Autora;
- a existência de erro de direito na interpretação das peças do procedimento e da lei pelo Tribunal recorrido;
- a nulidade da sentença por omissão de pronúncia ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC no que se refere à confissão feita pela Autora na PI
OU,
- se se entender que a entidade demandada, na Contestação, não aceitou de forma expressa, clara e inequívoca a confissão feita pela Autora na PI: - que a confissão feita pela Autora na PI e aceite expressamente no presente recurso, de que “a cópia do clausulado do Caderno de Encargos tem como propósito apenas a identificação/enquadramento do requisito funcional – não correspondendo à solução proposta; antes a um meio de organização da estrutura da proposta” equivale a uma aceitação, com reservas, do caderno de encargos, devendo ser retiradas as devidas consequências legais;
- a inexistência de violação dos princípios da concorrência e da igualdade pelo júri do concurso e a existência de violação desses princípios pela Autora;
- a condenação da Autora como litigante de má fé em multa e indemnização a fixar;
- a total improcedência da ação
OU
quando assim se não entenda, a retoma do procedimento pelo júri do concurso com vista à elaboração de novos relatórios e de novo ato de adjudicação, conforme vier a ser decidido.”

Igualmente em 3 de janeiro de 2022 veio a A... – S….. Lda., recorrer igualmente para esta Instância da Sentença proferida, tendo concluído:
“I. Se requer a aceitação do presente recurso e a apreciação do mesmo à luz das alegações e da motivação supra, devendo improceder os vícios imputados ao ato sindicado pela autora em todos os seus pontos.
II. Deve a proposta da autora e recorrida ser excluída, por lhe serem aplicáveis motivos legais de exclusão, de facto e de direito.
III. Deve manter-se a admissão e adjudicação da proposta da A..., com a consequente outorga do contrato.
IV. Notem ainda os Digníssimos Senhores Desembargadores que, a sentença de que se recorre, mais não faz do que aderir, sem fundamentar, de facto ou de direito a sua decisão, mas apenas aderindo sem mais ao alegado pela entidade demandada, o que não é minimamente aceitável, razão pela qual se entende que existe absoluta falta de fundamentação ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 615.º do CPC.
V. Pelas razões e alegações supra a sentença de que se recorre suscita questões de relevo cuja intervenção desse Venerando Tribunal Central Administrativo Sul se afigura premente e necessária para uma melhor aplicação do direito.
VI. No caso concreto verifica-se que a apreciação efetuada na decisão de que se recorre, existe, no mínimo, um erro grosseiro de aplicação do direito, não só no âmbito do Código dos Contratos Públicos (CCP), como na interpretação das peças do procedimento, o que claramente viola o Princípio da Legalidade e da Justiça, pelo erro de julgamento e de interpretação, o qual a aceitar-se lesa claramente o interesse público.
VII. Acontece que o Tribunal a quo analisou errada e incorretamente, não só as peças do procedimento, nomeadamente os requisitos técnicos supostamente violados, como o CCP.
VIII. Carece pois esta decisão de clarificação jurisdicional superior, já que só assim ocorrerá a boa e correta aplicação do direito, já que a decisão do tribunal “a quo” incorre em erro judiciário.
O presente recurso é da maior importância para efeitos de definição do sentido que deve presidir às instâncias para melhor aplicação do direito e boa administração da justiça, atenta a violação da lei aplicável, consubstanciada na errada interpretação que o tribunal “a quo” adota da aplicação da lei substantiva, das peças do procedimento e da proposta adjudicada.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. sempre doutamente suprirão, deverá ser admitido o presente recurso e ser concedido provimento ao mesmo, revogando-se o Acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria na parte que concede razão e provimento à autora Ambisig, devendo ser totalmente improcedente a ação intentada pela mesma JUSTIÇA.”

Em 27 de janeiro de 2022, veio a A....., S.A apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, aí tendo concluído:
A. As Recorrentes discordando da sentença proferida pelo Tribunal a quo que deu razão à aqui Recorrida e (i) decidiu anular o ato administrativo que aprovou o relatório final do júri, determinou a adjudicação da proposta da Contrainteressada A... e ordenou a proposta da AMBISIG em 3.º lugar bem como (ii) condenar a Entidade Demandada a retomar o presente procedimento pré-contratual, nomeadamente à prolação de novos relatórios pelo júri com a devida e correta análise das propostas e, posteriormente, à prolação de novo ato de adjudicação, vêm dela agora interpor recurso.
B. Ainda que se conceda que a Contrainteressada A... tenha interesse em agir, por querer disputar – mesmo sem fundamento – a posição de adjudicatária com a aqui Autora, agora Recorrida, pergunta-se então, por sua vez, que utilidade ou vantagem traria a manutenção do ato impugnado para a esfera jurídica da Entidade Demandada? A resposta é simples: nenhuma.
C. Obviamente que a Entidade Demandada não assume uma posição de adjudicatária ou sequer de operador económico; por outras palavras não pretende obter qualquer vantagem económica com a concretização deste procedimento; mas, enquanto Entidade Adjudicante do procedimento, mais concretamente, enquanto pessoa coletiva de direito público, a Entidade Demandada tem como principal função ou missão a prossecução do interesse público.
D. Atenta as afirmações tecidas pela Entidade Demandada, o seu propósito e missão, parece claro depreender que o único interesse que esta tem e deveria ter na presente ação seria, a final, levar a cabo e concluir o procedimento que lhe irá permitir conceber e desenvolver uma plataforma comunicacional no âmbito do PACED, com urgência e celeridade, conforme referido requerimento de suspensão do pedido de levantamento do efeito suspensivo da presente ação.
E. Repare-se que com a prolação da sentença do Tribunal a quo e ainda que tivesse de ser proferido um novo relatório pelo júri do procedimento, a Entidade Demandada já iria conseguir prosseguir com o procedimento pré-contratual aqui impugnado – e o andamento desse mesmo procedimento, mais ou menos célere, dependeria exclusivamente dos seus serviços. Contudo, ao interpor o referido recurso, a Entidade Demandada deixou de poder avançar com o presente procedimento e contribuiu para que o mesmo continuasse suspenso e se atrasasse ainda mais; contrariando a urgência e celeridade que havia anteriormente alegado existir.
F. Ao mesmo tempo, tendo ditado a sentença do Tribunal a quo que a proposta da Autora, aqui Recorrida, é aquela que devia obter a melhor pontuação a nível técnico – o que conjugado com o fator preço – a torna a “proposta economicamente mais vantajosa” – estranha a Recorrida que a Entidade Demandada venha colocar isso em questão; quase parecendo querer correr o risco de adjudicar uma proposta que não assegura, da melhor forma, o interesse público.
G. E se a motivação para a interposição do presente recurso fosse a preferência por um operador económico em detrimento de outro, tal significaria também, naturalmente, a violação do princípio da imparcialidade a que a Entidade Demandada está sujeita, nos termos do artigo 1.º-A/1 do CCP e do artigo 9.º do CPA.
H. Consequentemente, só pode concluir-se que a Entidade Demandada não pode retirar qualquer vantagem ou benefício com a interposição do presente recurso – muito pelo contrário -, pelo que não detém qualquer interesse em agir e, por isso, o seu recurso não deve ser apreciado por este Douto Tribunal Central Administrativo.
I. A Contrainteressada vem ainda invocar perante este Douto Tribunal de 2.ª instância – esquecendo-se da sua competência enquanto tribunal de reexame -, questões novas que não poderão ser objeto de apreciação. Na verdade, repare-se que, até ao presente momento, a Contrainteressada não tinha requerido nesta ou noutra ação, a exclusão da proposta da Autora, aqui Recorrida.
J. De facto, o conhecimento e apreciação dessa matéria, não é imposta por lei nem de conhecimento oficioso pelo Tribunal, cingindo-se ao princípio do dispositivo e ficando dependente do cumprimento do ónus de alegação pelas partes interessadas, para esse efeito.
K. No mesmo sentido, caso se entenda que a Entidade Demandada detém interesse em agir para interpor o presente recurso - o que não se concede – ainda assim o mesmo também só poderá ser parcialmente admitido, por respeito, uma vez mais, ao princípio do dispositivo.
L. Efetivamente o supra exposto, vale relativamente ao pedido em condenação a litigante de má-fé peticionado pela Entidade Demandada bem como às alegações que apesar de, a final, não consubstanciarem nenhum pedido autónomo dirigido a este Douto Tribunal, vão aparecendo ao longo da sua peça, relativas ao eventual favorecimento da avaliação da proposta da Autora. De facto, apenas agora, em sede de recurso, veio a Entidade Demandada considerar que a conduta da Autora – à qual o Tribunal a quo aderiu -, corresponde, afinal, a uma alteração dos factos e da verdade, a um uso reprovável da presente ação administrativa e que se houve erros na avaliação das propostas, esses erros foram favoráveis (e não prejudiciais) à Autora. Não tendo estas questões sido dirigidas ao Tribunal a quo e, por isso, não tenho sido apreciadas em 1.ª instância, não pode vir agora a Entidade Demandada e a Contrainteressada invoca-las nesta sede – ainda para mais, reitera-se, após ser proferida uma sentença que corrobora com a posição vertida pela Autora, aqui Recorrida.
M. Consequentemente, não pode este Douto Tribunal em sede de reapreciação do objeto do litígio, delimitado pelas alegações das partes na 1.ª instância, vir agora apreciar questões novas – até então nunca suscitadas pelas partes, pelo que os seus recursos deverão apenas ser parcialmente admitidos.
N. Acresce que na sentença proferida pelo Tribunal a quo, e contrariamente ao que vem alegar a Contrainteressada, não há uma violação ou sequer falta absoluta de fundamentação da matéria de facto e de direito – o que decorre, aliás, dos próprios recursos interpostos pelas partes que visam contrariar, inverter, a posição transmitida pelo Tribunal a quo. Significa isso que o Tribunal a quo não só cumpriu com o seu dever de fundamentação, como fê-lo de forma, clara, expressa e objetiva, tornando possível a construção de alegações de recurso por parte da Contrainteressada e da Entidade Demandada.
O. Ora, na sentença da qual agora se recorre, começa o Tribunal a quo por apresentar um relatório com um resumo do litígio objeto da presente ação. Posteriormente, faz o saneamento da ação e delimita as questões relevantes para a prolação de uma decisão. No ponto IV. da sentença o Tribunal a quo apresentou então a fundamentação de facto e de direito que sustenta a sua decisão. Ou seja, e em conformidade com o n.º 3 do artigo 607.º do CPC, o Tribunal elenca os 17 factos provados e conclui que não existem factos não provados com relevância para a boa decisão da causa. Quanto à fundamentação relativa à matéria de direito, não corresponde à verdade que o Tribunal a quo se tenha limitado, em algum momento, a aderir apenas às alegações da Autora: este apreciou e fundamentou quer o pedido impugnatório quer o pedido condenatório que a Autora havia suscitado.
P. Ora, a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo é uma fundamentação desenvolvida, clara e minuciosa; que implica a aplicação dos factos provados às normas juridicamente aplicáveis ao caso sub judice; tanto assim o é que quer a Contrainteressada (quer a Entidade Demandada) conseguiram compreender o teor da sentença e dela interpor o presente recurso. Consequentemente, deve improceder o reconhecimento da nulidade assacada à sentença proferida pelo Tribunal a quo, de falta de fundamentação nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Q. Na proposta da Recorrida, resulta de vários documentos que esta se comprometeu a cumprir com o clausulado do Caderno de Encargos (Anexo I ao CCP; Documento com os atributos da proposta; e Modelo de Proposta).
R. Pergunta-se então: de que forma conclui a Entidade Demandada que a Autora não irá cumprir com o Caderno de Encargos? E em que medida a Recorrida confessou isso mesmo? Não o fez; muito pelo contrário. A Recorrida apresentou vários documentos com a sua proposta – o mesmo é dizer, comprometeu-se em vários momentos a cumprir com o clausulado do caderno de encargos e voltou a reitera-lo no documento que continha os atributos da sua proposta, demonstrando não só que cumpria com os requisitos, como também que os excedia.
S. Assim, e contrariamente ao que a Entidade Demandada parece querer dar a entender a este Tribunal, não há qualquer confissão que devesse ter sido analisada e relevada pelo Tribunal a quo. Consequentemente, não há qualquer omissão de pronúncia na sentença proferida pela primeira instância, até porque essa nulidade só se verifica “quando o acórdão deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 05S2137, de 29 de novembro de 2005, disponível em www.dgsi.pt.
T. Ora a sentença do Tribunal a quo não deixou de decidir nenhuma das questões objeto do presente litígio, pelo contrário, bem andou a identifica-las, posteriormente, a resolvê-las e a distingui-las daquilo que são meros argumentos ou posições sem fundamento.
U. Ora, e salvo melhor opinião, a tentativa de a Entidade Demandada fazer crer às instâncias judiciais que a aqui Recorrida não se comprometeu com o clausulado do Caderno de Encargos (e que o confessou na presente ação judicial), ignorando ou contrariando a prova documental existente no processo, não é senão uma última e extrema estratégia de tentar garantir – ainda que não se entenda o porquê – que a Autora, aqui Recorrida, não seja a adjudicatária do presente procedimento.
V. É, por isso, natural que o Tribunal a quo tenha ignorado tamanha argumentação falaciosa e contrária à prova documental existente no processo – tal, de facto, não constitui uma questão relevante para analisar o mérito da presente ação (mas, antes, talvez para noutra sede apreciar a postura adotada por uma entidade pública, alegadamente, isenta e imparcial que visa apenas a prossecução do interesse público), não padecendo por isso a sentença de nulidade por omissão de pronúncia (alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).
W. Conforme compreendeu, e bem, o Tribunal a quo, o objeto do presente litígio centra-se, no fundo, em saber o que significa “cumprir” com os requisitos constantes das cláusulas das peças procedimentais ou “exceder” com esses mesmos requisitos.
X. A Autora entende que, face aos esclarecimentos prestados pelo júri, e na ausência de outras normas do procedimento que determinem que os prazos das propostas tenham de ser indicados de determinada forma (excecionando o prazo de execução), a sua proposta excede os prazos de garantia e manutenção exigidos pelo Caderno de Encargos e, por isso, tem de ser avaliada nessa conformidade.
Y. Parece que que quer a Entidade Demandada quer a Contrainteressada não entendem a questão fulcral: não é a mais-valia das propostas que está a ser avaliada, é o cumprimento do exigido pelo Cadernos de Encargos e sua eventual superação.
Z. E o conceito de “superação” ou de “exceder”, para efeitos de interpretação dos referidos requisitos e/ou das peças procedimentais que compõem este concurso público foi restringido da seguinte forma pelo júri, em sede de pedido de esclarecimentos: “É possível exceder o subcritério através da superação do estabelecido nos requisitos”.
AA. Ora, no pedido de esclarecimentos dirigido e respondido pelo júri, apenas consta que as propostas apresentadas pelos concorrentes que superem o estipulado nos requisitos constantes das peças procedimentais serão avaliadas com a máxima pontuação.
BB. Nas peças do procedimento, seja nas normas que enformam o programa seja no caderno de encargos, nada é referido quanto aos prazos a aplicar/propor para dar cumprimento às exigências daquelas cláusulas do caderno de encargos além daqueles que estão expressamente previstos no caderno de encargos (uma vez mais, excecionando o prazo de execução que consta da cláusula 32.ª do Caderno de Encargos).
CC. Pelo que só a uma conclusão se pode chegar – e foi a essa conclusão que chegou o Tribunal a quo : “Acrescer um dia em relação ao número de meses ou de horas supera o critério em si mesmo. Foi o júri que se auto-vinculou a interpretar que exceder na proposta a exigência correspondia a superar os requisitos.” DD. Vir em sede de relatório afirmar que a proposta da Autora não é merecedora da majoração em 2 valores porque “não são admissíveis” a superação por um dia, não tem sustentação nem nas peças do procedimento nem nos esclarecimentos que prestou - que, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 9, do CCP, são parte integrante das peças do procedimento a que dizem respeito e prevalecem sobre estas em caso de divergência.
EE. Não pode assim o júri, a Entidade Demandada ou a Contrainteressada virem mais tarde, até em sede de ação judicial, criar critérios de avaliação que não constavam das peças do procedimento. No fundo, se queriam que os requisitos estabelecidos no Caderno de Encargos fossem excedidos, em segundos, horas, meses ou A...s, teriam de o ter previsto expressamente ou, pelo menos, assim o ter dito em sede de pedido de esclarecimentos.
FF. Ora, não o tendo feito e inexistindo qualquer norma do procedimento que permita concluir que os prazos para exceder os requisitos exigidos deviam ser contabilizados nos moldes em que o júri entendeu preconizar, aquela interpretação vertida no relatório final não tem qualquer correspondência com as normas do procedimento, pelo que, sim, existe um manifesto erro de avaliação da proposta da Autora.
GG. Adotando esta interpretação, a única que se coaduna com o constante das peças procedimentais e com os esclarecimentos tecidos pelo júri, a proposta da Autora deveria ter sido avaliada com 2 pontos em vez de 1, na dimensão da avaliação relativa à “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamento”.
HH. No fundo, o júri do procedimento veio afirmar que qualquer proposta teria de ser avaliada como “excedendo” o exigido naquele subfactor, se superasse o estabelecido nos requisitos para suporte e manutenção. Assim, com relevo para o caso, o conceito de “superar” consiste, portanto, em “estar acima”, “ultrapassar”, “ser superior”, “ser melhor do que”, “passar mais além do que”.
II. Ora, da análise da proposta da Autora só poderia o júri do procedimento ter concluído que esta tinha excedido os requisitos de manutenção exigidos no artigo 43.º do Caderno de Encargos, já que, explicitamente, refere que o preço apresentado inclui estes serviços, tal como sucede com as propostas apresentadas pelos concorrentes A... e P... (ambas pontuadas com 2 pontos) e que em nada diferem da proposta da AMBISIG relativamente a este fator. Da análise das 3 propostas, chega-se à mesma conclusão: as três ultrapassam - são superiores – o período mínimo de 12 meses e a bolsa de 300 horas prevista no Caderno de Encargos; contudo, só duas das propostas é que foram avaliadas com a pontuação máxima (2 pontos) – o que não se verificou na avaliação da proposta da Autora, aqui Recorrida.
JJ. E também inaceitável vir agora a Entidade Demandada afirmar que é prática habitual que os períodos de manutenção sejam concedidos em “meses”. Isso não é imposto em lado algum e, por outro lado, nada impede ou proíbe que os períodos de manutenção sejam concedidos em dias. Reitera-se: se a Entidade Demandada queria apenas aceitar períodos de manutenção previstos em “meses” deveria ter contemplado essa exigência nas peças procedimentais ou ter esclarecido, em sede própria, os concorrentes. KK. No mais, o alegado nos artigos 16.º a 24.º das alegações, apenas vem comprovar que a proposta da Autora, aqui Recorrida, excede o período mínimo de manutenção exigido. Na verdade, o facto de o período de manutenção da Autora corresponder a 24 meses e 1 dia, significa que nesse dia adicional, a Entidade Demandada ainda pode recorrer aos serviços da Autora, conforme vem, realmente, constatar nas suas alegações de recurso.
LL. E se aplicássemos os critérios expostos nas alegações da Entidade Demandada, que não são mais do que hipóteses remotas, continuaria a existir uma interpretação diferenciada na avaliação da proposta da Autora e, por exemplo, da Contrainteressada A.... Pois, se esta concorrente apresentou um período de 13 meses de manutenção, à luz dos critérios plasmados pela Recorrente nos artigos 16.º a 24.º das suas alegações, esse mês adicional nunca corresponderia, na realidade, a um mês na totalidade (o “último dia desse mês” nunca seria um dia útil e que pudesse ser utilizado para efeitos de manutenção, segundo o raciocínio exposto pela Recorrente).
MM. E o que foi supra dito vale também para a avaliação da dimensão da “Manutenção” e a avaliação dos Subfatores “Garantia (Cláusula 44ª. Do CdE)” e “Licenciamentos (Cláusula 45ª. do CdE)”.
NN. A única prática habitual existente no comércio (ou presente na respetiva legislação) é a fixação de um prazo mínimo de garantia de 24 meses; nada constando, quer como prática costumeira quer da legislação comercial, quanto aos prazos excedentes a esse limiar (ou seja, se podem ser estipulados em dias ou em meses).
OO. Consequentemente, sendo as propostas classificadas como “excedentes” por ultrapassarem os requisitos exigidos no Caderno de Encargos (que se reportam exclusivamente ao prazo da garantia) a proposta da Autora deve ser pontuada com 2 pontos, porque apresentou um prazo de 24 meses e um dia de garantia, ultrapassando o mínimo exigido no Caderno de Encargos (cfr. Doc. 12 da Petição Inicial). Sendo também de repudiar a parca e semelhante fundamentação do júri constante do Relatório Final quanto à não avaliação da proposta com a pontuação máxima.
PP. A proposta da Autora também excede o período temporal exigido, ou seja, corresponde a um prazo superior a 24 meses e assegura os custos diretos e indiretos com o software disponibilizado no projeto durante o mesmo período temporal, ultrapassando assim o previsto no Caderno de Encargos (pág. 67 do documento “c) Atributos da Proposta_signed”, junto como Doc. 12). E, mais uma vez, a fundamentação do júri tecida no Relatório Final – da majoração ter de ser feita em meses – não resulta em momento algum, bem pelo contrário, das peças do procedimento.
QQ. Menos sentido faz ainda a Entidade Demandada quando faz referência aos requisitos constantes da cláusula 46.º, tentando assim deturpar a objetividade e clareza constantes da sentença do Tribunal a quo – a invocação dessa cláusula, para estes efeitos é também absolutamente irrelevante. Quanto à matéria do licenciamento, o único atributo previsto nas peças procedimentais, mormente no Anexo VII do Programa do Procedimento, é o que pretende saber se o “Fornecedor assegura por um período de 24 meses os custos diretos e indiretos com o software disponibilizado no projeto”. RR. Consequentemente, o estipulado na cláusula 46.ª do caderno de encargos não corresponde a um atributo da proposta – e por isso não poderia ter sido pontuado ou alegado para invocar uma eventual exclusão da proposta da Autora, aqui Contrainteressada.
SS. Contrariamente ao que tentam alegar as Recorrentes, em momento algum se tinham de avaliar os prazos mínimos de registo de domínios ou dos certificados de segurança, presentes no artigo 46.º. Muito se estranha, aliás, que a Entidade Demandada confunda o conceito de “atributos” com “especificações técnicas”, pretendendo avaliar aquilo que não pode ser avaliado.
TT. De facto, essas especificações técnicas não são alvo de pontuação ou graduação, antes tendo apenas os concorrentes que assegurar que as cumprem, nomeadamente através do preenchimento e assinatura do Anexo I do CCP – o que a Autora, aqui Recorrida fez.
UU. Por fim e quanto aos Requisitos Funcionais do Portal, mais concretamente os requisitos n.ºs 2, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13 e 14, a Recorrida também solicitou, em sede de pedido de esclarecimentos (cfr. Doc. 5 da Petição Inicial), que lhe fosse explicado como é que era possível cumprir com os requisitos e de que maneira poderia excedê-los; assim, ficou a Recorrida consciente de que a sua proposta seria avaliada com 2 pontos, se fosse para além do fixado nos subcritérios de avaliação (cfr. Doc. 6 da Petição Inicial).
VV. No ponto 2 do subfactor “Requisitos Funcionais do Portal (Cláusula 46ª. do CdE)”, da comparação do teor das três propostas conclui-se facilmente que a proposta da Autora refere que a solução será construída para “N subestruturas distintas”, excedendo claramente o exigido no Caderno de Encargos (apenas duas subestruturas distintas) – cfr. p. 67 do Doc. 12 da Petição Inicial.
WW. Por outras palavras, o júri reconheceu que a Autora indicava “a disponibilização e gestão modular e a monitorização da sua utilização ao nível de cada módulo”, contudo entendeu que na sua proposta a Autora apenas transcrevia o clausulado do Caderno de Encargos; ora, tal não corresponde à verdade, como aliás veio o próprio Tribunal a quo reconhecer na sentença proferida.
XX. Assim, é na proposta da Autora (descrição funcional e técnica da solução) que se inclui, no capítulo e), a Matriz de Cumprimento de Requisitos para Avaliação – e não num exercício de autoavaliação como afirmou o júri no Relatório Final. Portanto, a afirmação da Autora, “O desenvolvimento será efetuado de forma a garantir a possibilidade de escalhar para N subestruturas distintas” consta da sua proposta. Em segundo lugar, diga-se que a Autora apenas copia o texto do requisito funcional nas páginas 20 e 67, para depois explicar em que medida é que a solução que implementará os excede. Por sua vez, a solução proposta pela Autora indica, mais do que uma vez, nas pp. 20 e 67 do Doc. 12 da Petição Inicial, e conforme supra transcrito, de que forma o requisito funcional em questão é excedido. YY. Relativamente ao Ponto 5 que avaliava se a “proposta promove a disponibilização e gestão modular”, a proposta da Autora propõe a disponibilização e gestão modular e ainda, como excedente, a monitorização da sua utilização ao nível de cada módulo conforme constante nas (pág.20 e 67 Doc. 12 da Petição Inicial).
ZZ. Quanto ao Requisito 6, mais uma vez o júri incorreu num manifesto erro de apreciação da proposta da Autora. Na verdade, não só a Autora na sua proposta identifica as componentes não integradas e não modulares para a plataforma de comunicação e formação, como adicionalmente propõe a definição de conteúdos de formação conforme descrito nas pág. 22 e 68.
AAA. Relativamente ao requisito 7, mais uma vez, a proposta da Autora não só cumpre com esse requisito como, adicionalmente, define a estratégia de conteúdos institucionais de forma a promover a plataforma do PACED noutros canais Jurídicos e Judiciários conforme constante nas pág.22 e 68.
BBB. Relativamente ao Requisito Funcional 10, que estipulava que o portal deveria agregar as funções comuns a todos os subportais, a Autora não só deixa claro que a sua proposta “agrega”, de facto, essas funções, como acrescentou que o portal também terá a capacidade de “fazer a deteção automática de alterações a funcionalidades que impactem na eficácia/funcionamento dessas agregações de função” – cfr. pág.24 e 68 da sua proposta (Doc.12 da Petição Inicial).
CCC. Quanto ao Requisito Funcional 11, na sua proposta, a Autora, não só indica cumprir com esse requisito, como contemplou ainda a possibilidade de autenticação através da integração com a “Chave móvel digital” dos utilizadores, conforme descrito na pág. 69 (cfr. Doc. 12 da Petição Inicial).
DDD. Relativamente aos Requisitos 12 e 13, a proposta da Autora (cfr. Doc. 12 da Petição Inicial) não só promovia a construção dos Back Office nos dois subportais já identificados, como fornecia a esses backoffices uma funcionalidade complementar de helpdesk online conforme referido na pág. 69; e não só previa a definição e implementação de workflow, como adicionalmente incluía aos serviços de implementação, serviços de consultadoria de apoio na definição da estratégia editorial do PACED, (pág. 69 da proposta).
EEE. Por fim, em relação ao Requisito Funcional n.º 14 “Promoção da monitorização e reporting no portal e nos subsites”, a proposta da AMBISIG também excedia o exigido dando a possibilidade de construir dashboards caraterizadores dos perfis de utilização verificados, conforme págs. 25 e 69 do Doc. 12 da Petição Inicial. Mas mais, neste ponto 14, a Autora acrescentou ainda a disponibilização de um Sistema de Centralizado de Logging (pág. 35 da sua proposta), excedendo claramente este subfactor.
FFF. Assim, relativamente aos Requisitos Funcionais supra referidos, a proposta da Autora deveria ter sido avaliada com 2 pontos (ao invés de 1).
GGG. Consequentemente, a pontuação total e final da AMBISIG no fator qualidade da proposta FQP passará do valor inicial de 104 Pontos, como proposto no relatório final, para o valor máximo de 116 Pontos – o que, conjugado com o outro fator de avaliação (preço) -, ordenará a proposta da Recorrida em 1.º lugar.
HHH. É certo que a avaliação das propostas é uma atividade que se encontra na margem de livre apreciação das entidades adjudicantes. Contudo, também é certo que a jurisprudência nacional já reconheceu, em inúmeros casos, que, em caso de erro manifesto ou grosseiro na apreciação de propostas, esse mesmo erro é sindicável perante os Tribunais. E, salvo melhor opinião, os erros de valoração supra apontados, são erros manifestos e grosseiros – justificados com base em argumentos tecidos no Relatório Final completamente irrazoáveis e não contundentes com a realidade dos factos apresentada, mormente com a proposta junta pela Autora. E isso mesmo ficou aqui demonstrado, na Petição Inicial da Recorrida, mas sobretudo, na sentença proferida pelo Tribunal a quo.
III. E, acrescente-se ainda que, em relação a muitos dos requisitos supra identificados, o caráter discricionário da sua avaliação por parte do júri do procedimento, encontra-se muitíssimo reduzido – p.ex., se (i) para exceder um requisito é necessário ultrapassar um prazo de 24 meses e se (ii) a Autora apresenta um prazo superior a esse período temporal, que margem de discricionariedade tem o júri na avaliação desta proposta e na respetiva atribuição da pontuação máxima?
JJJ. Importa ainda referir que o facto de o júri do procedimento ter avaliado a proposta da Autora de maneira desigual e injustificada face aos critérios de avaliação que adotou para pontuar as outras propostas consubstancia uma violação ao princípio da concorrência e da igualdade, constante do artigo 1.º-A do CCP.
KKK. In casu, há, pois, uma clara violação do princípio da concorrência, já que o tratamento do júri na análise das propostas não foi presidido por condições de igualdade e imparcialidade e, com a prolação do Relatório Final, o júri decidiu avaliar novos critérios de avaliação fixados nas peças procedimentais. Ao mesmo tempo, e como facilmente se compreende, há uma clara violação do princípio da igualdade, pois a proposta da Autora, apesar de ser objetivamente semelhante à proposta das Contrainteressadas, foi avaliada injustificadamente de forma diferente.
LLL. Por fim, foi ainda a Recorrida surpreendida com o pedido de condenação em litigante de má-fé, alegadamente porque com a proposição da presente ação: (i) deduziu uma pretensão sem fundamento; (ii) alterou a verdade dos factos; e (iii) usou a presente ação como um meio manifestamente reprovável ou ilegal (artigo 542.º, n.º 2, alíneas a), b) e d) do CPC). Contudo, tal não corresponde com a verdade e realidade dos factos.
MMM. A pretensão deduzida pela Autora, não só tinha fundamento como foi julgada procedente pelo Tribunal a quo, pelo que condenar a aqui Recorrida em litigante de má-fé, tendo por base o fundamento constante da alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, simplesmente não corresponde nem é coerente com a realidade dos factos.
NNN. A Autora, aqui Recorrida, não alterou qualquer verdade dos factos; antes apresentou a única interpretação que se coaduna com o teor das peças procedimentais e dos esclarecimentos prestados pelo júri. Por sua vez, a Entidade Demandada foi a única parte que tentou deturpar a verdade dos factos, ignorando vários documentos juntos pela Recorrida na sua proposta, mormente o Anexo I ao CCP, através do qual esta se comprometeu a cumprir com o clausulado do caderno de encargos;
OOO. A Autora não usou a presente ação como um meio reprovável ou ilegal – reitera-se, mais uma vez, que a sua ação foi julgada procedente pelo Tribunal a quo; pelo contrário, mais difícil é compreender por que razão vem uma pessoa coletiva de natureza pública impugnar o facto de determinado procedimento público ter sido adjudicado a determinado operador económico, mormente, ao operador económico que apresentou a proposta economicamente mais vantajosa, conforme, aliás foi agora judicialmente reconhecido
Termos em que:
a) Não deverá ser admitido o recurso da Entidade Demandada por falta de interesse em agir ou, caso assim não se entenda, deverá apenas ser parcialmente admitido, por violação do princípio do dispositivo;
b) Deverá apenas ser parcialmente admitido o recurso interposto pela Contrainteressada por violação do princípio do dispositivo;
c) Deverão improceder os pedidos de nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, com base nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA;
d) Deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo; e
e) Deverá ser negado o pedido de condenação em litigante de má-fé requerido pela Entidade Demandada contra a Autora. “

Ambos os Recursos Jurisdicionais vieram a ser admitidos por Despacho de 15 de fevereiro de 2022, mais tendo sido emitida pronuncia confirmativa do teor da Sentença Recorrida, atentas as nulidades suscitadas pelo Instituto Camões IP.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 24 de fevereiro de 2022, nada veio dizer, requerer ou promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar se ocorre erro na interpretação das normas que regem o concurso, relativamente aos subfactores de avaliação “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos” (cláusulas 43.º, 44.º e 45.º do Caderno de Encargos)” e aos Requisitos Funcionais do Portal, mais se impondo verificar a alegada violação dos princípios da concorrência e da igualdade.
Suscita ainda a A... que seja excluída a proposta da Autora por violação de normas do Caderno de Encargos, a saber, o n.º 2 e as subalíneas i), ii) e iii) da cláusula 46.º do CE; o n.º 2 da Cláusula 47.º e suas subalíneas; a cláusula 43.º do CE; a cláusula 17.º do CE.
Mais vem invocada a nulidade da sentença por falta de fundamentação e omissão de pronúncia ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
A Entidade Demandada coloca ainda em causa as conclusões em que a sentença do Tribunal a quo se baseia e fundamenta para que proceda o vício alegado pela Autora por erro na interpretação das normas que regem o concurso, relativamente aos subfactores de avaliação “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos” (cláusulas 43.º, 44.º e 45.º do Caderno de Encargos) e aos Requisitos Funcionais do Portal. É ainda pedida a condenação da Autora como litigante de má-fé.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
“FACTOS PROVADOS
1) A Entidade Demandada determinou a abertura do procedimento de concurso público internacional tendente à celebração do contrato de “Aquisição da prestação de serviços para conceção e desenvolvimento de uma plataforma comunicacional no âmbito do projeto de apoio à consolidação do Estado de Direito nos PALOP e TIMOR-LESTE (PACED)” (cfr. documentos 1 e 2 juntos com a p.i. e PA);
2) Em 20 de Julho de 2020 foi aprovado o Programa de Concurso do procedimento n.º 121/DAJC/2020, dando-se integralmente por reproduzido o teor do programa (cfr. PA);
3) Em 20 de Julho de 2020 foi aprovado o Caderno de Encargos do procedimento n.º 121/DAJC/2020, dando-se integralmente por reproduzido o seu teor (cfr. PA);
4) O anúncio do concurso público foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia, no dia 20 de Julho de 2020, prevendo como prazo limite para apresentação de propostas, após prorrogação, o dia 24 de Agosto desse mesmo A... (cfr. documento n.º 4 junto com a p.i.);
5) A Autora, no dia 24 de Julho de 2020, enviou um pedido de esclarecimentos ao júri do procedimento, cuja resposta foi obtida a 6 de Agosto de 2020, dando-se integralmente por reproduzido o teor dos esclarecimentos obtidos (cfr. documentos n. os 5 e 6 juntos com a p.i. e PA);
6) Com data de 30 de julho de 2020, o júri do procedimento lavrou a ata que designou de “Ata n.º 1” onde respondeu a pedidos de esclarecimentos, dando-se integralmente por reproduzido o teor daquele documento (cfr. atas anexas ao relatório preliminar – PA);
7) Com data de 10 de agosto de 2020, o júri do procedimento lavrou a ata que designou de “Ata n.º 2” onde respondeu a pedidos de esclarecimentos, dando-se integralmente por reproduzido o teor daquele documento (cfr. atas anexas ao relatório preliminar – PA);
8) Em 21 de Agosto de 2020 a Autora apresentou proposta no concurso identificado nos itens 1) e 2), dando-se integralmente por reproduzido o teor da sua proposta (cfr. documento n.º 12 junto com a p.i. e PA);
9) Em 21 de Agosto de 2020 a contrainteressada A... apresentou proposta no concurso identificado nos itens 1) e 2), dando-se integralmente por reproduzido o teor da sua proposta (cfr. documento n.º 13 junto com a p.i. e PA);
10) Em 24 de Agosto de 2020 a Contrainteressada P... apresentou proposta no concurso identificado nos itens 1) e 2), dando-se integralmente por reproduzido o teor da sua proposta (cfr. documento n.º 14 junto com a p.i. e PA);
11) No dia 22 de Março de 2021, o júri aprovou o teor do Relatório Preliminar, no qual propôs a exclusão das propostas das Contrainteressadas S..., L..., H... e A...e a adjudicação da proposta da Contrainteressada A..., pelo valor global de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor, perfazendo um total de € 209.100,00 (duzentos e nove mil e cem euros), dando-se integralmente por reproduzido o teor do relatório preliminar (cfr. documento n.º 8 junto com a p.i. e PA);
12) No relatório preliminar do júri, a proposta da Autora ficou ordenada em terceiro lugar e a da Contrainteressada P... em segundo lugar (cfr. documento n.º 8 junto com a p.i. e PA);
13) A Autora apresentou pronúncia ao abrigo do direito de audiência prévia, onde refere que a sua proposta não tinha sido corretamente avaliada, como apresentou ainda os argumentos que sustentavam a exclusão da proposta das Contrainteressadas A... e P..., dando-se integralmente por reproduzido o teor da pronúncia da Autora (cfr. documento n.º 9 da p.i. e PA);
14) Em 23 de Junho de 2021, o júri do procedimento aprovou o relatório final mantendo a mesma ordenação das propostas já prevista no relatório preliminar, dando-se integralmente por reproduzido o teor do relatório final (cfr. documento n.º 10 da p.i. e PA);
15) Em 25 de Junho de 2021 o Conselho Diretivo da Entidade Demandada autorizou a adjudicação da "Aquisição de serviços de conceção e desenvolvimento de uma Plataforma Comunicacional, no âmbito do PACED, nos PALOP e Timor-Leste", aprovou a minuta do contrato e autorizou a notificação de adjudicação (cfr. PA), dando-se integralmente por reproduzida a informação dos serviços que a acompanha, designadamente:
“3. Conclusões
Face ao exposto, conclui-se o seguinte:
a) Por despacho do Sr. Presidente do Conselho Diretivo do Camões - lnstituto da Cooperação e da Língua, I.P., Sr. Embaixador L….., de 07/07/2020, vertida na l.S nº CICLl/2020/3734, foi autorizado o início do procedimento tendo em vista a aquisição de serviços de "Aquisição de serviços de conceção e desenvolvimento de uma Plataforma Comunicacional, no âmbito do PACED, nos PALOP e Timor-Leste", seguindo o regime da contratação pública vigente, de acordo com o CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.s 18/2008, de 29 de janeiro, com as alterações introduzidas pela Resolução da AR n.º 76/2020, de 19/03;
b) Segundo o relatório final do concurso em apreço, a entidade "A….., Lda." apresentou proposta vencedora nos termos e condições publicadas;
c) A proposta apresentada perfaz o valor de 170.000,00 € (cento e setenta mil euros), ao
qual acresce IVA à taxa legal em vigor, perfazendo um total de 209.100,00 € (duzentos e nove mil e cem euros);
d) Face ao exposto, não existem circunstâncias impeditivas, de acordo com o disposto no
artigo 70.º e ss do CCP, que possam obstar à adjudicação.
4. Proposta
Face ao exposto, propõe-se:
a) A adjudicação da presente aquisição de serviços de "Aquisição de serviços de conceção
e desenvolvimento de uma Plataforma Comunicacional, no âmbito do PACED, nos PALOP e Timor-Leste", pelo valor de 170.000€ (cento e setenta mil euros), ao qual acresce IVA à taxa legal de 23%, perfazendo um total de 209.100,00 € (duzentos e nove mil e cem euros), com inclusão de todos os serviços inerentes à contratação pretendida, conforme declarado pelo concorrente na proposta apresentada em sede de concurso público;
b) A aprovação da minuta do contrato, de acordo com o disposto no artigo 98º do CCP.
c) Que seja concedida autorização para a notificação de adjudicação prevista no artigo 77.º do CCP.”
16) A 29 de Junho de 2021 foi notificado à Autora o relatório final do júri e decisão de adjudicação da proposta da concorrente A…. (cfr. documento n.º 1 da p.i. e PA);
17) No dia 12 de julho de 2021, a Autora foi notificada da decisão de aceitação dos documentos de habilitação da contrainteressada A….. (cfr. documento n.º 11 da p.i.).

IV – Do Direito
Peticionou-se na controvertida Ação a Impugnação de ato administrativo proferido no âmbito do Concurso Público para “Aquisição da prestação de serviços para conceção e desenvolvimento de uma plataforma comunicacional no âmbito do projeto de apoio à consolidação do Estado de Direito nos PALOP e TIMOR-LESTE (PACED)”» pedindo, a final a anulação do ato administrativo que aprovou o relatório final do júri, determinou a adjudicação da proposta da Contrainteressada A..... e ordenou a proposta da Autora em 3.º lugar, e a fixação do prazo de 20 dias para o cumprimento das determinações contidas na sentença, nomeadamente a prolação de novo relatório pelo júri com a devida e correta análise das propostas, bem como, posteriormente, a prolação de novo ato de adjudicação.”

Consta da parte final do pormenorizado discurso fundamentador da Sentença Recorrida, e no que aqui releva o seguinte:
“Face à natureza dos vícios procedentes, o ato de adjudicação, que assenta sobre a proposta vertida no relatório final do júri do procedimento e nos seus fundamentos de facto e de direito, determinam a anulação do ato de adjudicação, nos termos gerais do artigo 163.º, n.º 1, do CPA.
Cumpre, no entanto, apreciar se o efeito anulatório deverá ser afastado, por configurar um dever legal que se impõe à Administração e ao juiz nos termos da norma contida no n.º 5 do artigo 163.º do CPA (“o efeito anulatório não se produz”). E o efeito anulatório não se produz quando:
“a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”
No caso em apreço não estamos perante ato vinculado ou com discrionariedade reduzida a zero [alínea a)]; estamos perante vícios materiais e não meramente formais [alínea b)]; e, atenta a natureza dos vícios que procedem, que implicam uma reavaliação da proposta da Autora com influência na graduação final das propostas, não é possível afirmar-se sem margem para dúvidas que o ato sempre teria o mesmo conteúdo sem aqueles vícios [alínea c)]. Sendo o efeito anulatório operante, cumpre apreciar o pedido condenatório, tal como configurado pela Autora.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 173.º do CPTA, “a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.” No caso, a reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado implica o retorno do procedimento ao momento em que foram proferidos os relatórios que serviram de fundamento à decisão de adjudicação ora sindicada e que se mostram inquinados, pelo que procede o peticionado pela Autora relativamente à prolação de novo relatório pelo júri com a devida e correta análise das propostas, bem como, posteriormente, a prolação de novo ato de adjudicação.
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do CPTA, “[p]or forma a assegurar a efetividade da tutela, os tribunais administrativos podem fixar oficiosamente um prazo para o cumprimento dos deveres que imponham à Administração e aplicar, quando tal se justifique, sanções pecuniárias compulsórias.” O n.º 4 do artigo 95.º, por seu turno, dispõe que “[n]as sentenças que condenem à emissão de atos administrativos ou normas ou imponham o cumprimento de outros tipos de deveres à Administração, o tribunal tem o poder de fixar oficiosamente um prazo para o respetivo cumprimento, que, em casos justificados, pode ser prorrogado, bem como, quando tal se justifique, o poder de impor sanção pecuniária compulsória, destinada a prevenir o incumprimento, segundo o disposto no artigo 169.º.”
Quanto à fixação de um prazo para o efeito, já será de improceder o peticionado pela Autora. Não obstante o artigo 95.º do CPTA admita que na sentença de condenação o tribunal tem o poder de fixar oficiosamente um prazo para o respetivo cumprimento, dando forma à regra geral prevista no n.º 2 do artigo 3.º do CPTA, a Autora não sustenta, nem o tribunal vislumbra, que interesse urgente tem na retoma do procedimento, afigurando-se, pelo contrário, que essa urgência se apresenta na perspetiva da entidade adjudicante ora demandada. Para sustentar o peticionado, não basta que a Autora remeta para um poder do Tribunal de forçar a Administração em determinado sentido, não se afigurando que tal poder seja configurado como de aplicação indistinta e generalizada. Assim, não sustentando a Autora um interesse urgente na retoma do procedimento naquele prazo, nem se afigurando ao Tribunal que a tutela da situação jurídica da Autora careça de prazo para ser plenamente assegurada, considero não estarem reunidos os requisitos para condenar a Entidade Demandada ao cumprimento do segmento condenatório da presente decisão em prazo definido, improcedendo, neste segmento, o pedido pela Autora.

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª instância julgar parcialmente procedente a ação, mais decidindo anular o ato administrativo que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação da proposta da contrainteressada A..... e ordenou a proposta da Autora em 3.º lugar.
Mais foi condenada a Entidade Demandada a retomar o procedimento de Concurso Público para “Aquisição da prestação de serviços para conceção e desenvolvimento de uma plataforma comunicacional no âmbito do projeto de apoio à consolidação do Estado de Direito nos PALOP e TIMOR-LESTE (PACED)”.

Vejamos:
Das nulidades suscitadas:
Consta do Despacho de 15 de fevereiro de 2022, proferido em 1ª instância relativamente às nulidades suscitadas, o seguinte:
“A Recorrente Camões, I.P. alega que a sentença é nula por omissão de pronúncia ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC no que se refere à confissão feita pela Autora, ora Recorrida, na petição inicial.
A Autora, ora Recorrida, defende em contra-alegações que inexiste omissão de pronúncia, uma vez que não há qualquer confissão que devesse ter sido analisada e relevada pelo Tribunal, consequentemente, não há qualquer omissão de pronúncia na sentença proferida pela primeira instância, até porque essa nulidade só se verifica quando o tribunal deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes. Vejamos.
O tribunal incorre em omissão de pronúncia quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as questões pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados nem a mera qualificação jurídica oferecida.
Ora, a decisão não incorre em nulidade desde logo porque, a proceder aquilo que a Entidade Demandada ora Recorrente alega, existirá erro de julgamento da matéria de facto.
Se dos articulados resulta uma confissão que o tribunal não leva ao probatório, existirá um erro no julgamento de facto uma vez que a confissão só pode ser feita relativamente a factos. As questões a decidir não se reconduzem a decisões de facto, mas a decisões de direito a dilucidar com base nos factos.
Depois, inexiste qualquer confissão, seja esse facto relevante ou irrelevante para a boa decisão da causa. Aquilo que a Entidade Demandada que ora recorre reputa por confissão é o artigo 71.º da petição inicial:
“Da análise da proposta da Autora depreende-se, perfeitamente, que a cópia do clausulado do Caderno de Encargos tem como propósito apenas a identificação/enquadramento do requisito funcional – não correspondendo à solução proposta; antes a um meio de organização da estrutura da proposta.”
Do artigo em apreço não se retira qualquer facto, muito menos o alegadamente confesso facto de que a Autora não se vinculou a cumprir o caderno de encargos. A Autora argumenta, outrossim, que não se limita a copiar o caderno de encargos na sua proposta, mas que a cópia integral daquelas cláusulas visa, numa primeira fase da proposta, organizar aquilo que é pedido e, em momento posterior da sua proposta, demonstrar como se propõe executar o clausulado. Mais ostensivamente resulta quando lemos os três artigos da petição inicial em conjunto:
“70.º Em segundo lugar, diga-se que a Autora apenas copia o texto do requisito funcional nas páginas 20 e 67, para depois explicar em que medida é que a solução que implementará os excede.
71.º Da análise da proposta da Autora depreende-se, perfeitamente, que a cópia do clausulado do Caderno de Encargos tem como propósito apenas a identificação/enquadramento do requisito funcional – não correspondendo à solução proposta; antes a um meio de organização da estrutura da proposta.
72.º Por sua vez, a solução proposta pela Autora indica, mais do que uma vez, nas pp. 20 e 67 do Doc. 12, e conforme supra transcrito, de que forma o requisito funcional em questão é excedido.”
Ora, não só não se trata de questão submetida ao julgamento do tribunal, para que se possa falar verdadeiramente de omissão de pronúncia, como nem tão pouco se trata de facto que pudesse ser levado ao probatório como provado ou não provado, pelo que entendemos não se verificar a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Depois, a Contrainteressada ora Recorrente alegou que a sentença de que se recorre, mais não faz do que aderir, sem fundamentar, de facto ou de direito a sua decisão, mas apenas aderindo sem mais ao alegado pela entidade demandada, o que não é minimamente aceitável, razão pela qual entende que existe absoluta falta de fundamentação ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 615.º do CPC.
A Autora ora Recorrida em contra-alegações defendeu a improcedência da nulidade, uma vez que a sentença se mostra fundamentada de facto e de Direito. Apreciando.
Existe falta de fundamentação e, consequentemente, verifica-se a nulidade da sentença por falta de fundamentação quando a sentença seja completamente omissa de fundamentação de facto e/ou de direito (referindo o STA tal entendimento como pacífico na jurisprudência, acórdão de 27/06/2019 no processo n.º 0507/11.4BALSB, disponível em www.dgsi.pt). A sentença contém fundamentação de facto e de Direito, pelo que é manifestamente improcedente a nulidade aventada.
Ademais, e ainda que tivesse havido pura e simples adesão do Tribunal ao alegado por alguma das partes, o que não ocorreu como resulta da decisão quanto às matérias de facto e de Direito, quando muito seria ao alegado pela Autora e não relativamente ao alegado pela Entidade Demandada (note-se que é o que consta das conclusões da Contrainteressada), que até decaiu na ação em apreço.
Por todo o exposto, não se verificando as nulidades aventadas, mantém-se in totum a sentença proferida.”

Diga-se que se acompanha e ratifica o entendimento do tribunal quo, face às suscitadas nulidades, sem prejuízo do que infra se referirá acrescidamente a esse respeito.

A Contrainteressada A..... discorda recursivamente que
a) Do entendimento adotado pelo Tribunal a quo de acordo com o qual procede o vício de erro na interpretação das normas que regem o concurso, relativamente aos subfactores de avaliação “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos” (cláusulas 43.º, 44.º e 45.º do Caderno de Encargos)” e aos Requisitos Funcionais do Portal;
b) Da alegada violação dos princípios da concorrência e da igualdade.

Mais requer a A..... que o Tribunal
a) exclua a proposta da Autora por violação de normas do Caderno de Encargos, nomeadamente o n.º 2 e as subalíneas i), ii) e iii) da cláusula 46.º do CE; o n.º 2 da Cláusula 47.º e suas subalíneas; a cláusula 43.º do CE; a cláusula 17.º do CE.;
b) mantenha a admissão e adjudicação da sua proposta, e,
c) declare nula a sentença por falta de fundamentação e omissão de pronúncia ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Já a Entidade Demandada/Instituto Camões questiona e/ou suscita que:
a) as conclusões em que a sentença do Tribunal a quo se baseia e fundamenta para que proceda o vício de erro na interpretação das normas que regem o concurso, relativamente aos subfactores de avaliação “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos” (cláusulas 43.º, 44.º e 45.º do Caderno de Encargos) e aos Requisitos Funcionais do Portal;
b) a validade da sentença, por omissão de pronúncia e verificação do vicio constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
c) a violação dos princípios da concorrência e da igualdade e,
d) a condenação da Autora em litigante de má-fé.

Da falta de interesse em agir da Entidade Demandada para interpor o presente recurso
Suscita a Recorrida a falta de interesse em agir da Entidade demandada para interpor Recurso, referenciando que a “jurisprudência nacional tem entendido que o pressuposto processual do «interesse em agir» “exige a verificação objetiva de um interesse real e atual, isto é, da utilidade na procedência do pedido”, não bastando, pois, “a existência de legitimidade ativa, sendo ainda necessário que a contrainteressada retire da lide alguma vantagem da procedência do pedido” e que o recurso aos tribunais seja indispensável ou necessário” - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de fevereiro de 2018, proc. n.º 13132/16, disponível em www.dgsi.pt .

Sem necessidade de acrescida argumentação, refira-se que se entende ser legitimo o referido Recurso, independentemente da procedência do mesmo, atenta a circunstância de se mostrar compreensível e legitimo que a Entidade Demandada pretenda manter a sua originária opção concursal à luz dos critérios que adotou por entender ser aquela que corresponde aos critérios pré-estabelecidos.
Da violação dos limites do objeto dos recursos
A Contrainteressada vem recursiva e inovatoriamente requerer a exclusão da proposta da Autora, referindo:
“[…]
Salvo o devido e maior respeito, o facto é que a proposta da autora até deveria ter sido excluída, nos termos e pelos seguintes fundamentos, o que se alega:
1. É a própria autora que afirma, sem margem para dúvidas que, a parte em que reproduz o caderno de encargos (CE), não constitui sequer a solução por si preconizada e a verdadeira proposta para efeitos de avaliação;
2. Ao contrário do que a sentença conclui, e analisado o n.º 2, subalíneas i), ii) e iii) da cláusula 46.º do CE, a proposta da autora Ambisig viola claramente o caderno de encargos […];
3.A proposta da autora viola ainda, claramente e sem margem para dúvidas o n.º 2 da Cláusula 47.º e suas subalíneas […];
4. A proposta da autora viola a Cláusula 43.º do CE, pois não cumpre esta exigência, já que ao prever 2 dias úteis para A...malias ligeiras como só prevê manutenção para mais 1 dia, pode não cumprir pois apenas acrescenta um dia em cada prazo […]:
5. O que é afirmado na página 76 da proposta da autora viola a cláusula 17.º do CE”

Mais refere a recursivamente a Contrainteressada que Pelo exposto, mais não resta ao Douto Tribunal Superior do que indeferir a pretensão de anular o ato de adjudicação com base no erro sobre os pressupostos de facto, mantendo os exatos termos das pontuações atribuídas pelo júri, mais decidindo pela exclusão da proposta da autora, ou, no mínimo, mantendo as pontuações que lhe foram atribuídas, já que quaisquer outras superiores serão sempre impossíveis.” (…) “Deve a proposta da autora e recorrida ser excluída, por lhe serem aplicáveis motivos legais de exclusão, de facto e de direito.”

Qualquer caso, o tribunal de recurso está “limitado pelo princípio do dispositivo, só podendo servir-se dos factos articulados pelas partes, os quais constituem também um limite à indagação e ampliação da matéria de facto”.

Com efeito, “O princípio do dispositivo pressupõe a autorresponsabilização das partes incumbindo-lhes a iniciativa na instauração da ação, na delimitação e configuração do seu objeto e ainda o ónus de promover as diligências processuais destinadas à tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” - Acórdão TCAS, proferido no Proc. n.º 59/09.5BELRS.

Não tendo as alegadas causas de exclusão da proposta da Autora, aqui Recorrida, sido suscitadas em 1ª instância, não poderão inovatoriamente ser apreciadas neste tribunal de Recurso.

Como se sumariou, nomeadamente, no acórdão deste TCAN nº 674/08.4BEBRG, de 10.09.2021, “(…) A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas.
Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram.”

Assim, não tendo a referida questão sido suscitada em 1ª instância, não pode agora inovatoriamente vir a ser apreciada por este tribunal.

Da fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal a quo
Requer a contrainteressada a declaração de nulidade da sentença recorrida, por entender que “existe uma absoluta falta de fundamentação ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC” e ainda que a sentença se limita “a aderir às alegações da autora”, concluindo que a pontuação foi erradamente atribuída à Autora, aqui recorrida, “sem sequer fundamentar de facto ou de direito”.

Objetivando, resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que: “1 - É nula a sentença quando: […] b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Da leitura que se faça da Sentença Recorrida não se descortina qualquer falta de fundamentação, na medida em que o discurso fundamentador adotado se mostra percetível e escorreito, o que não invalida que os Recorrentes possam não concordar com o mesmo, o que é diverso.

Efetivamente, a nulidade decorrente da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do art.º 607º, nº 3 do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Como é entendimento pacífico, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado art.º 615º.

Sobre a nulidade prevista na citada al. b) pronunciou-se, entre muitos outros, o Acórdão do TCAN, tirado em 22/10/2015, no Processo n.º 00749/10.0BEAVR, segundo o qual “A nulidade prevista no atual artigo 615.º n.º 1 alínea b) do CPC só se verifica quando haja uma completa ausência de fundamentação, e não quando esta seja meramente incompleta ou deficiente, uma vez que só no primeiro caso o destinatário da sentença recorrida ficará na ignorância das razões, de facto ou de direito, pelas quais foi tomada tal decisão, e o tribunal superior ficará impedido de sindicar a lógica que vivifica o silogismo judiciário que a ela presidiu.
Uma decisão judicial apenas é nula quando lhe falta em absoluto qualquer fundamentação. A simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá determinar potencialmente a sua revogação, mas não produz nulidade (art.º 613.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil).”

No mesmo sentido, veja-se ainda o Acórdão do TCAN, de 15/07/2015, proferido no âmbito do Processo n.º 02481/07.2BEPRT, nos termos do qual “(...) apenas padece de nulidade por falta de fundamentação a decisão judicial que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 613º, n.º 3, e 615º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 2013)”.

Em concreto, não se vislumbra a verificação da suscitada nulidade, pois não há uma violação ou sequer falta absoluta de fundamentação da matéria de facto e de direito, pois que as decisões adotadas assentaram em prolixo e minucioso discurso fundamentador, reiterando-se que a discordância relativamente ao entendimento adotado, não equivale a falta de fundamentação.

Não estivesse o discurso fundamentador adotado suficiente e adequadamente fundamentado, certamente que os aqui Recorrentes teriam tido dificuldades em apreender o teor da Sentença, o que que se refletiria em sede recursiva, o que não ocorreu.

Assim, improcederá a invocada nulidade de falta de fundamentação nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Da nulidade por omissão de pronúncia
Suscita Recursivamente a Entidade Demandada que a Sentença será ainda nula por omissão de pronuncia, em virtude do tribunal a quo não se ter pronunciado relativamente à alegada confissão que a Autora teria feito e que não terá merecido pronuncia.

Entendeu a Entidade Demandada que a Autora em momento algum manifesta intenção de cumprir com o clausulado do Caderno de Encargos.

Em qualquer caso, não se acompanha o referido entendimento, na medida em que o modo como foram apresentados os atributos da proposta se mostra suficiente para dar como cumprido o referido desiderato.

Com efeito, se duvidas houvesse, faz parte integrante da proposta da Autora, aqui Recorrida, o Anexo I ao CCP, onde as controvertidas questões se mostram esclarecidas.

Efetivamente, a Autora obrigou-se a cumprir com o clausulado do caderno de encargos e aceitou-o sem reservas; pelo que não poderia estar em causa qualquer duvida quanto ao cumprimento do concursalmente estabelecido, ao que acresce o documento que contém os atributos da proposta.

Deste modo, não se vislumbrando qualquer confissão que impusesse a intervenção e pronuncia do tribunal a quo, tal determina que se não reconheça, igualmente, a verificação de qualquer omissão de pronuncia.

Como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 03326/14.2BEPRT, de 15-07-2016, “Tendo a decisão recorrida enfrentado e resolvido as questões suscitadas, não se lhe pode imputar qualquer omissão de pronúncia, mesmo não tendo sido apreciados individualmente todos os argumentos invocados.
Se a sentença se pronuncia e decide a questão que o Tribunal foi chamado a resolver, não se verifica nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.”

Na realidade, como resulta, designadamente, de jurisprudência administrativa uniforme, a nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o tribunal não tenha julgado uma questão que devesse apreciar, não bastando que não tenha sido considerado um qualquer argumento que o Recorrente tenha entendido como relevante.
Refere-se, entre muitos outos no Acórdão do STA nº 01692/13, de 25-09-2014 que “(…) tendo o acórdão enfrentado e resolvido essas «quaestiones juris», não se lhe pode imputar qualquer omissão de pronúncia, mesmo que não tivesse apreciado argumentos vários, suscetíveis de serem convocados e esgrimidos para as elucidar.”
“Se a sentença se pronuncia e decide questão que o Tribunal foi chamado a resolver, então … não se verifica nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.” (Acórdão STA nº 0514/12, de 30-05-2012).

Só se verifica nulidade da decisão por omissão de pronúncia quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer e não quando apenas não aprecia um argumento (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil A...tado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

No caso concreto, não se vislumbra, pois, que a decisão recorrida tenha deixado de se pronunciar face a qualquer questão que carecesse de pronúncia, designadamente face a uma suposta confissão.

Do erro na avaliação da proposta da Autora
Nos termos da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a determinada retoma do procedimento do concurso público impugnado e a consequente “prolação de novos relatórios pelo júri com a devida e correta análise das propostas, bem como, posteriormente, a prolação de novo ato de adjudicação” implica a reapreciação de um conjunto de subfactores enunciados, por forma a enquadrar a proposta que melhor satisfaça o objetivo concursal de “melhor relação qualidade-preço”.

Ambas as Recorrentes discordam da sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo estar corretamente efetuada a avaliação feita à proposta da então Autora, aqui Recorrida.

Aqui, em concreto, de acordo com o artigo 12.º e o Anexo VIII ao Programa do Concurso, a adjudicação será feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em consideração os fatores seguintes:
1. Fator Preço da Proposta (FPP) (60%);
2. Fator Qualidade da Proposta (FQP) (40%)

Nos termos do ponto 4 do Anexo VIII, a avaliação do Fator Qualidade da Proposta (FQP) (40%) era obtida pela soma ponderada das suas pontuações nos respetivos fatores e subfactores de cada dimensão aplicável.

Para cada uma das dimensões, em função dos níveis de referência estabelecidos, as propostas dos concorrentes eram avaliadas com 1 ou 2 pontos, consoante “Cumprissem” com os requisitos ou os “Excedessem”, respetivamente, estando aqui em causa, predominantemente, avaliar a dimensão relevante de tal “cumprimento”.

Ao contrário do entendimento adotado pelo Tribunal a quo, consideram ambas as Recorrentes que os prazos só podiam ser entendidos como excedidos, se a proposta contemplasse um prazo superior ao constante do Caderno de Encargos em meses ou dias, consoante o prazo mínimo exigido.

É certo que prorrogar o prazo por um dia não traz relevante mais-valia à proposta, mas o que é facto é que os documentos concursais não impuseram qualquer dimensão mínima ao incremento proposto para que o mesmo pudesse vir a ter relevância avaliativa.

Nesta senda, uma vez que o referido comando se mostrava dúbio, prestou o júri do Concurso um esclarecimento, de acordo com o qual “É possível exceder o subcritério através da superação do estabelecido nos requisitos”, sendo que mais entendeu o júri que “as propostas apresentadas pelos concorrentes que superem o estipulado nos requisitos constantes das peças procedimentais serão avaliadas com a máxima pontuação.

Foi, pois, em função do descrito que entendeu o tribunal a quo que “Acrescer um dia em relação ao número de meses ou de horas supera o critério em si mesmo. Foi o júri que se auto-vinculou a interpretar que exceder na proposta a exigência correspondia a superar os requisitos.”

De facto, exceder é exceder, e se a Entidade Demandada disse menos do que queria nos documentos concursais, só se pode queixar de si própria, não podendo penalizar os candidatos por apresentarem uma candidatura consistente com uma leitura meramente literal das peças concursais.

Se as peças concursais previam expressamente uma majoração em 2 valores quando fosse proposto um incremento relativamente ao prazo em questão, não tendo fixado quaisquer patamares intermédios, não pode deixar de se atribuir essa majoração a qualquer proposta que ultrapasse o limiar mínimo fixado, tanto mais que mesmo em sede de esclarecimentos, nada foi dito a este respeito.

Assim, tal como decidido em 1ª instância, não se vislumbra que possam deixar de ser atribuídos 2 pontos à proposta da Autora nos itens em apreciação, a saber, “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamento”.

Relativamente já à cláusula 43.ª do Caderno De Encargos, o cocontratante assume a obrigação de fornecer os serviços de suporte e manutenção, divididos em três tipologias, a saber, manutenção preventiva, corretiva e evolutiva.

Da conjugação das clausulas 43º e 49º conclui-se que:
a) o período mínimo de manutenção e assistência técnica preventiva e corretiva é de 12 meses;
b) e que o período para suporte e manutenção evolutiva é efetuado com recurso a uma bolsa de 300 horas que terá de ser consumida, no máximo, durante esses 12 meses.

Já o Anexo VIII do Programa de Concurso prevê que a dimensão da “Manutenção” seja avaliada através de três subfactores identificados.

Em resposta dada pelo júri refere-se elucidativamente que o não cumprimento do requisito levará à exclusão da proposta. É possível exceder o subcritério através da superação do estabelecido nos requisitos para suporte e manutenção.”

Assim, entendeu o júri que qualquer proposta teria de ser avaliada como “excedendo” o exigido naquele subfactor, se superasse o estabelecido nos requisitos base para suporte e manutenção, não se mensurando uma eventual “superação” mínima para aferição da sua atentabilidade.
Assim, tal como entendido em 1ª instância, sendo certo que a proposta da aqui Recorrida, ultrapassou o valor mínimo, não se tendo limitado ao valor base, e ainda que o incremento apresentado tenha sido de apenas um dia, atenta a letra do concursado, não deixou de ter sido excedido o valor entendido como mínimo, o que necessariamente terá de ser tido em conta, não podendo o júri alterar as regras concursalmente fixadas, já depois da apresentação das propostas, por entender que terá dito menos do que queria.

O Júri suportou o seu entendimento discriminatório numa afirmação falaciosa, na qual referiu que “Sendo que o prazo é indicado em meses, não é aceite a extensão de um dia no prazo considerado como uma majoração da proposta”.

O descrito supra vale igualmente para a avaliação da “Manutenção” e a avaliação dos Subfatores “Garantia (Cláusula 44ª. Do CdE)” e “Licenciamentos (Cláusula 45ª. do CdE)”.

Aliás, tendo o júri sido inquirido quanto ao modo como entendia estar excedido o valor mínimo, afirmou singelamente que:
“O não cumprimento do requisito levará à exclusão da proposta.
É possível exceder o subcritério através da superação do estabelecido nos requisitos para a garantia.”

Quanto aos licenciamentos, a cláusula 45.ª do Caderno de Encargos refere que “O fornecedor deverá assegurar por um período de 24 meses os custos diretos e indiretos com o software disponibilizado no projeto:
a) Licenciamentos de sistemas operativos;
b) Licenciamentos de aplicações (CMS, LMS, VMS, outros);
c) Custos com registo de Domínios;
d) Custos com certificados de segurança SSL para domínios HTTPS”.

Se é certo que a Recorrida se limitou a aproveitar “habilidosamente” uma insuficiência descritiva dos documentos concursais, o que é facto é que também não pode ser penalizada pela circunstância da entidade demandada ter dito, aparentemente, menos do que queria, tanto mais que em momento algum se diz que o incremento temporal a propor só será atendível se apresentado em meses.

Quanto à matéria do licenciamento, o único atributo previsto nas peças procedimentais, mormente no Anexo VII do Programa do Procedimento, é o que pretende saber se o “Fornecedor assegura por um período de 24 meses os custos diretos e indiretos com o software disponibilizado no projeto”.

Assim, o estipulado na cláusula 46.ª do caderno de encargos não corresponde a um atributo da proposta e, por isso, não poderia ter sido considerado para efeitos de uma eventual exclusão, no caso, da proposta da Autora, aqui Recorrida.

Finalmente, no que respeita aos Requisitos Funcionais do Portal, a saber, os requisitos n.ºs 2, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13 e 14, a Recorrida solicitou, em sede de pedido de esclarecimentos, que lhe fosse explicado como é que era possível cumprir com os requisitos e de que maneira poderia excedê-los, tendo-lhe sido assegurado que seria avaliada com 2 pontos, ultrapassados que fossem os subcritérios de avaliação.

Assim, também neste aspeto não se vislumbram razões para que nos subfactores em apreciação não fosse considerado que a Autora havia excedido o patamar mínimo.

Quanto à “disponibilização e gestão modular e a monitorização da sua utilização ao nível de cada módulo”, foi entendido pelo júri que a proposta da Autora se limitou a transcrever o clausulado do Caderno de Encargos, o que, em qualquer caso, e só por si, não constituiria qualquer “pecado” concursal.

Como afirmou o tribunal a quo, “Dentro daquilo que a Autora designou como “Descrição funcional e técnica da solução”, o dissenso assenta no facto de a Autora ter elencado as características que reputa superarem os requisitos técnicos do Caderno de Encargos no campo a que atribuiu a alínea e) e a designação de matriz de cumprimento de requisitos para avaliação, entendendo o júri que a inclusão de tais características naquele registo é um mero exercício de autoavaliação e não a demonstração de um atributo da proposta. Incorre o júri em evidente erro de Direito.
Como se referiu, a proposta é composta, entre outros, pelos documentos que contêm os atributos da proposta. O simples facto de a Autora ter optado por uma organização da proposta de determinada forma não pode ser descartado como a demonstração de atributos da proposta, conquanto esses atributos sejam apreensíveis. E, face à fundamentação aduzida pelo júri, tais características são apreensíveis, mas não são valorados porque constam do “exercício de autoavaliação” ou invés da proposta. Reiterando: o documento que contém os atributos da proposta é ainda proposta, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP. Além do mais, a forma como o concorrente organiza a sua proposta, conquanto seja apreensível, não pode por si só ser objeto de valoração por parte do júri. A avaliação das propostas incide sempre, e apenas, sobre os atributos das propostas, ou seja, sobre o elemento ou característica da proposta que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos (artigo 56.º, n.º 2, do CCP).
Desconsiderar aspetos da proposta ante a sua organização não é consentâneo com o disposto no artigo 139.º do CCP. E, em rigor, foi o que o júri do procedimento fez ao escusar-se a apreciar tais aspetos por constarem da “autoavaliação” da proposta da concorrente. Desconsiderou, portanto, o documento que continha os atributos da proposta como um todo, sem fundamentar validamente essa desconsideração da proposta enquanto um todo.”

Quanto ao Requisito Funcional 6, o júri teria de avaliar se os concorrentes identificavam as componentes não integradas e não modulares para a plataforma de comunicação e formação. O júri entendeu que a proposta da Autora devia ser avaliada com um ponto.

Em qualquer caso, também neste aspeto a Autora na sua proposta identificou as componentes não integradas e não modulares para a plataforma de comunicação e formação, tendo adicionalmente proposto a definição de conteúdos de formação.

Assim sendo, mostra-se que a proposta da Autora não se limitou a transcrever o clausulado do Caderno de Encargos, tendo manifestado a intenção de cumprir, e mesmo, superar o conteúdo do requisito funcional exigido.

Relativamente ao requisito 7, são identificados “os módulos a disponibilizar ao nível da Plataforma de cooperação jurídica e judiciária”, sendo que, mais uma vez, foi entendido conclusivamente que a proposta da Autora não cumpria com os requisitos estabelecidos.
Relativamente ao requisito funcional 10, que estipulava que o portal deveria agregar as funções comuns a todos os sub-portais, a Autora, aqui recorrida, entende que a sua proposta “agrega”, de facto, essas funções, mais afirmando que o portal terá ainda a capacidade de “fazer a deteção automática de alterações a funcionalidades que impactem na eficácia/funcionamento dessas agregações de função”.

Igualmente face ao Requisito Funcional 11, “O subportal de cooperação jurídica e judiciária terá apenas uma área reservada com mecanismo de autenticação/login”, sendo que a Autora, aqui Recorrida não deixou de indicar esse requisito, bem como a possibilidade de autenticação através da integração com a “Chave móvel digital” dos utilizadores.

Também aqui se não mostra suficientemente justificada a razão pela qual a Autora foi concursalmente penalizada relativamente às propostas classificadas em 1º e 2º lugar.

Face aos requisitos funcionais 12 e 13, a Autora terá igualmente excedia o exigido pelo Caderno de Encargos, não se limitando a transcrever o seu clausulado.

Relativamente ao Requisito Funcional n.º 14 “Promoção da monitorização e reporting no portal e nos subsites, a proposta da aqui Recorrida - AMBISIG parece igualmente exceder o exigido, em face do que sempre careceria de acrescida argumentação a razão pela qual lhe foi atribuída apenas a cotação concursal base.

Concluindo o item em apreciação, ratifica-se o entendimento adotado em 1ª instância, de acordo com o qual “(…) as decisões administrativas em que existe discricionariedade ou margens de livre apreciação são, efetivamente, sindicáveis quando tal atividade apreciativa incorre em erros manifestos ou grosseiros de apreciação”.

Assim, não sendo inteiramente claras e suficientemente fundamentadas as decisões descritas que, com base em afirmações predominantemente conclusivas, atribuíram ao aqui Recorrido nos itens classificativos identificados, 1 ponto e não 2 pontos, mostra-se que o entendimento do júri se não mostra suficientemente densificado e justificado, pois que não resulta de qualquer elemento concursal qual teria de ser o incremento introduzido em cada uma das propostas, para que o item respetivo pudesse ser valorado com 2 pontos e já não com 1 ponto.

A não ponderação e atendibilidade do incremento temporal apresentado pelo Recorrido, (1 dia) face à valoração das propostas, por insuficiente justificação, densificação e fundamentação, determina que a avaliação da proposta da aqui Recorrida (e porventura outras candidatas) contenha erros, insuficiências e incongruências de avaliação, suscetíveis, só por si, de determinar a anulação do procedimento.

Ainda que estejamos a abordar questões que se inserem, em principio, no âmbito da discricionariedade técnica do júri, que escapariam à sindicabilidade do Tribunal, mas perante a verificação de uma sucessão de invocados erros na apreciação da proposta da Recorrida, tal viabiliza a intervenção judicial.

Como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 2098/14.5BEPRT, de 09-11-2018. “A decisão administrativa não está isenta da sindicabilidade judicial, sendo que esta se deverá limitar a verificar se a apreciação das provas tem uma base racional, e se o valor das provas produzidas foi adequadamente ponderado, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto e palmar de apreciação.”

Assim, relativamente à questão vinda de apreciar, não se vislumbra nem reconhece que a decisão adotada em 1ª instância mereça censura, impondo-se, tal como decidido, que o procedimento concursal seja retomado e clarificado, com vista à prolação de nova decisão no respeito pelo direito aplicável.

Da violação do princípio da igualdade e da concorrência
Provando-se que o júri do procedimento concursal avaliou a proposta da recorrida de forma desajustada, sem respaldo na letra das peças concursais, discriminando-a negativamente, tal constitui uma violação ao princípio da concorrência e da igualdade, constante do artigo 1.º-A do CCP.

A este respeito, referiu-se em 1ª Instância, o que aqui se ratifica:
“O júri estava ciente da proposta da Autora, mas descartou a possibilidade de lhe serem atribuídos os dois valores porque “o prazo é indicado em meses, não é aceite a extensão de um dia no prazo considerado como uma majoração da proposta”.
Como já se aferiu, em momento algum as peças do procedimento exigem que para superação dos requisitos exigidos no Caderno de Encargos a extensão teria de recorrer à mesma unidade de medida (temporal) da cláusula do Caderno de Encargos.
E, como também já se referiu, tendo o júri oportunidade de esclarecer como devia ser interpretado que as propostas “excediam” os requisitos do Caderno de Encargos, limitou-se a aplicar a fórmula genérica de que bastava que superassem os requisitos.
Inexistindo critério nas peças do concurso para contagem de tais prazos, forçoso é concluir que formular um juízo valorativo no sentido do que foi formulado – o prazo é indicado em meses, logo o acréscimo de um dia não é uma majoração – introduz um novo critério de avaliação que não se retira das peças do procedimento, introduzindo, portanto, um elemento diferenciador na avaliação das propostas dos concorrentes.
Depois, afirmar, como a Entidade Demandada afirma em sede de contestação, que a proposta da Autora não consubstancia uma mais-valia em face das propostas das Contrainteressadas graduadas em 1.º e 2.º lugares (cfr. artigo 142.º da contestação) é tanto mais grave porque acrescenta um segundo critério diferenciador: a mais-valia da proposta.
Tal critério não consta do artigo 12.º do programa do concurso.
[…]
Refira-se, uma vez mais, que o critério de avaliação dos requisitos era objetivo: ou o concorrente cumpria apenas, e era atribuído 1 ponto, ou excedia, e eram atribuídos 2 pontos.
Qualquer que fosse o acréscimo aos períodos previstos no Caderno de Encargos, a pontuação seria sempre a mesma: 2 pontos. Tanto assim é que as duas Contrainteressadas graduadas em 1.º e 2.º lugares apresentarem extensões daqueles períodos distintas entre si e mereceram 2 pontos de igual forma. A proposta da Autora, na avaliação dos sub-subfactores “Manutenção”, “Garantia” e “Licenciamentos” também excedia os períodos previstos no Caderno de Encargos, pelo que estava numa situação objetivamente igual à das Contrainteressadas, devendo a sua proposta ser avaliada na mesma medida.
Tendo a Entidade Demandada introduzido um critério diferenciador na avaliação das propostas (a inadmissibilidade de propostas que não previssem uma extensão de prazo em meses ou na mesma unidade de medida dos requisitos do Caderno de Encargos) violou efetivamente o princípio da concorrência, na medida em que as “regras do jogo” deixaram de ser as mesmas para todas as concorrentes, colocando um obstáculo nas condições de participação da Autora no procedimento em igualdade de circunstâncias com as demais concorrentes.
Consequentemente, a Entidade Demandada violou igualmente o princípio da igualdade na apreciação que fez das propostas, uma vez que perante situações objetivamente iguais – três propostas com extensões dos prazos previstos no Cadernos de Encargos, sendo as três extensões distintas entre si – pontuou as propostas de forma diferente, violando a máxima de que se impõe tratamento igual em situações materialmente iguais”.

Tal como refere lapidarmente Pedro Gonçalves, “o princípio da concorrência funciona aqui, na contratação, como um cânone ou critério normativo que adstringe a entidade adjudicante a usar procedimentos de adjudicação abertos a todos os operadores económicos interessados (igualdade de acesso), impondo-lhes ainda a obrigação de tratar igualmente os participantes (igualdade de tratamento).” (Cfr. Pedro Gonçalves, Direitos dos Contratos Públicos, Almedina, pág. 138)

Como tem vindo a referir a jurisprudência e, por todos, aludindo-se ao Acórdão do TCAN de 26.09.2013, Proc. nº 00592/12:
“Só uma concorrência real e efetiva garante iguais condições de acesso e de participação dos interessados, evitando discriminações ilegítimas entre eles e permitindo que as suas propostas sejam valoradas e pontuadas de modo isento de transparente (principio da igualdade).
Se não for feito funcionar, totalmente, o princípio da concorrência, fica prejudicada a própria finalidade do procedimento concursal, pois que se trata de assegurar que as diferentes propostas cumpram as imposições e os limites referidos nas peças do respetivo procedimento, de modo a permitir uma plena «comparação» entre elas, visando escolher a melhor que o mercado forneceu (princípio da comparabilidade das propostas). E esta «comparação» só poderá ser efetuada entre propostas que respeitem as regras do jogo.
É conatural ao concurso público, portanto, que as propostas apresentadas concorram entre si, sendo para isso indispensável, além do mais, que elas não possam ser «alteradas», mormente «melhoradas» devido ao conhecimento das demais (princípio da intangibilidade das propostas).
O princípio da intangibilidade das propostas ou da sua imutabilidade, surge como refração daqueles princípios da concorrência e da igualdade, e significa que com a entrega da proposta o concorrente fica «vinculado» à mesma, não a podendo retirar ou alterar até que seja proferido o ato de adjudicação, ou até decorrer o respetivo prazo de validade.
Destarte, «as propostas apresentadas ao procedimento adjudicatário não devem, após o decurso do prazo para a sua apresentação, considerar-se na disponibilidade dos concorrentes, de ninguém, aliás, tornando-se intangíveis, documental e materialmente» (Ver - Rodrigo Esteves de Oliveira, obra citada, páginas 76 a 84).”

Em conclusão, mostra-se inadmissível atribuir pontuações divergentes a propostas que assentam nos mesmos pressupostos objetivos, em função de escolhas e majorações arbitrárias efetuadas à revelia da letra das peças concursais.

Assim, também neste aspeto, não se vislumbram razões para divergir do entendimento adotado em 1ª instância, sendo que se as peças concursais não refletem o entendimento da entidade demandada, esta só se pode queixar de si própria, não podendo em sede de apreciação das propostas, “afeiçoar” a letra das peças concursais àquele que passou a ser o seu entendimento.

Da condenação em litigante de má-fé pela Entidade Demandada
Vem suscitada recursivamente a condenação da recorrida como litigante de má-fé pela Entidade Demandada, em virtude de, com a apresentação da presente ação ter:
a) deduzido uma pretensão sem fundamento;
b) alterado a verdade dos factos; e
c) usado a presente ação como um meio manifestamente reprovável ou ilegal (artigo 542.º, n.º 2, alíneas a), b) e d) do CPC).

Importa analisar o suscitado, não perdendo de vista que a invocada litigância de má-fé assenta, no essencial, na divergência quanto à causa de pedir, sendo que as partes se limitaram a litigar em função do que eram as suas legitimas posições.

Em qualquer caso, sempre se dirá que a má-fé assenta ainda hoje predominantemente no que Alberto dos Reis ("Comentário ao CPC", III, 4 e ss. e "CPC A...tado", I, 366) chamava de deveres de colaboração e de probidade. As violações a esses deveres serão relevantes apenas ao nível doloso ou da negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes), tal como consagrado no atual processo civil - cfr. Artºs 542 e ss. do CPCivil.

Passou-se, na nova sistemática processual civil - na conjugação com o novo modelo processual de responsabilização e cooperação intersubjetiva -, a tipificar os comportamentos processuais passíveis de obter um juízo de reprovabilidade, abrangendo-se não só condutas dolosas como também as gravemente negligentes, determinantes de lesões na esfera jurídica das demais partes processuais bem como da simultânea violação de interesse públicos, base da multa a que dão também lugar.

Prevê-se, dessa forma, a dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não devia ignorar, a alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão, de modo doloso ou gravemente negligente, a omissão grave do dever de cooperação, e o uso reprovável dos instrumentos processuais (cfr. Artº 542/2 do CPCivil).

A uma previsão da "utilização maliciosa e abusiva do processo" (Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, 356), juntou-se agora um juízo de reprovação de atitudes processuais gravemente imprudentes, numa procura de elevação dos padrões éticos judiciários.

Para melhor concretização ainda, diga-se que há uma correspondência entre este Artº 542.º, nº 2 e os Artºs 7º e 8º, todos do CPC, que se refere ao dever de probidade processual, àquilo que as partes não devem fazer e que constitui - por assim dizer - como que o reverso do Artº 542º - Artigos atualizados - (Cfr. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 3º, 1946, 4; Manuel de Andrade, ob. loc. cit.; Elício de Cresci Sobrinho, “Dever de Veracidade das Partes no Processo Civil”, 1992, 86/90; e Ac. da RE de 20/10/1977, CJ, 1246).

Também o nº 2, do Artº 542º, CPC, ajuda à sistematização, ao referir-se ao dolo ou negligência instrumentais (má fé instrumental) que se contrapõe ao dolo ou negligência substanciais (má fé material): os primeiros terão a ver com questões de natureza processual, com a relação processual, enquanto os segundos dizem respeito ao fundo da causa, à relação material.

Na verdade, as partes têm o dever de comportar-se em juízo com lealdade e probidade, valores esses acompanhados de verdadeiro sancionamento legal em face de eventuais situações de violação - Ugo Rocco, “Tratado de Derecho Procesal Civil”, Vol. II, Parte General, 1983, trad. cast., Temis - Bogotá e Depalma - Buenos Aires, 175.

Todavia, numa relação adequada entre os direitos, ónus e deveres da parte processual, não se poderá instituir um sistema tal de responsabilidade processual que implique àquela um complexo de deveres incompatível com o interesse privado que a mesma persegue com a sua litigância. Assim, o dever de dizer a verdade, de cooperar com a efetiva realização da justiça nunca significaria impor à mesma parte um comportamento processual contrário ao seu interesse.

Mas, por outro lado, não será lícito agir ou contraditar em juízo com má-fé ou grosseira negligência. Nesta hipótese, terá sempre lugar o ressarcimento dos dA...s ou prejuízos daí resultantes.

Neste sentido, Salvatore Satta e Carmine Punzi, “Diritto Processuale Civile”, 1994, undicesima edizione, CEDAM, Padova, 128/131, Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 1997, 62/64, e Acs. do STJ de 16/4/1991, ActJ 18 (1992), 17, e da RP de 26/2/1990, BMJ 394, 528, e de 14/11/1994, CJ t5, 264.

Como quer que seja, a decisão sobre a existência ou não de litigância de má-fé, dependerá do critério do julgador, com base na perceção adquirida à face da factualidade disponível.

Objetivando, refere o n.º 2 do artigo 542.°, do Código Processo Civil:
"Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão".
Sem prejuízo das cambiantes que o regime da litigância de má-fé foi sofrendo, sempre se poderá aludir ao acórdão deste TCAN de 10/03/2005, no Processo n.º 00913/04.0BEBRG, no qual paradigmática e lapidarmente se afirma que "(...) Para não caírem no âmbito de aplicação do normativo ora acabado de transcrever e nas correlativas sanções previstas para o efeito, as partes deverão litigar com a devida correção, ou seja, no respeito dos princípios da boa-fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos arts. 8° do CPTA, 266° e 266°-A do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do Direito e da justiça no caso concreto que constitui objeto do litígio.
Daí que no caso de alguma das partes num litígio atuar com malícia e quiser levar o Tribunal a formar uma convicção distorcida da realidade por si conhecida no tocante a facto ou pretensão cuja ilegitimidade ou vício conhece, não observando o dever de cooperação a que por lei está vinculada ou se voluntariamente usar o processo de modo reprovável, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e entorpecer a ação da justiça protelando, sem fundamento sério, o trânsito da decisão, estará a agir de má-fé e impor-se-á então a sua condenação como litigante de má-fé.
Para que possa falar-se de litigância de má-fé e se justifique a aplicação de alguma das sanções previstas para tal situação deverá ter-se como assente que essa aplicação só é de pôr quando se concluir que a atuação de alguma das partes desrespeita o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo.
Decorre do exposto que a conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má-fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange assim situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído por mera inadvertência (...)”.

Efetivamente, a litigância de má-fé traduz-se, e no que aqui releva, designadamente, na violação do dever de retidão imposto às partes, consubstanciado no dever de não articular factos contrários à verdade.

Em concreto, não se vislumbra que a Autora, aqui Recorrida, tenha deixado de pautar o seu comportamento pela lealdade processual, não denotando que tenha intencionalmente falseado a verdade dos factos e/ou praticado quaisquer atos tendentes a entorpecer a ação da justiça tendo-se, dentro dos limites do aceitável, a pugnar pela aceitação da sua perspetiva.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento aos Recursos, mantendo-se a decisão proferida em 1ª instância.

Custas pelas Recorrentes

Lisboa, 31 de março de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa