Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1093/10.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS GERENTES; GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I.A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

II.O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

III.O juiz não pode inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal.

IV.É à Administração Fiscal, como exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, vem interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a Oposição deduzida por J........ - na qualidade de responsável subsidiário no processo de execução fiscal nº .............. e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Loures 1, em que é executada originária a sociedade J....... & V....... LDA., para cobrança de dívidas de IRC, IVA e Coimas referentes aos anos de 2002 a 2009, no montante total de €15.885,30 – e, em consequência, extinguiu o processo de execução contra o aqui recorrido.

A Recorrente nas suas alegações formula as seguintes conclusões:

«1. Entende a Fazenda Pública que existem elementos nos autos que impunham decisão diversa relativamente à apreciação dos factos relevantes, tendo o Tribunal a quo promovido uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos, ao ignorar circunstancias factuais que, constantes da matéria de facto dada como provada, denunciam o exercício da gerência de facto por parte do Oponente; circunstancias estas que, tendo sido ignoradas, impõem, salvo melhor opinião, a anulação da sentença recorrida.

2. Com efeito, através de um olhar atento a estes pontos constantes do probatórios resulta claro que o Oponente, ora recorrido, nunca se afastou dos rumos da devedora originária no período a que se refere as dívidas em cobrança nos autos. Note-se que em 25/06/2001, foi entregue no Serviço de Finanças de Loures 1 um documento designado “declaração de alterações”, subscrito pelo ora Oponente, na qualidade de representante legal da devedora Originária, optando pelo regime geral de tributação do lucro tributável (ponto 5 da matéria de facto dada como provada na sentença). Posteriormente, em 26.01.2010, o Oponente, ora recorrido, subscreveu documento, apresentado à AT, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Loures 1, requerendo, como representante legal da sociedade devedora originária, que as declarações de IVA enviadas com data posterior ao 1.º trimestre de 1991 sejam dadas sem efeito, e que toda a correspondência seja enviada para a sua morada (ponto 10 da matéria de facto dada como provada na sentença). Inexistem nos autos qualquer facto que, dado como provado, implique ou faça supor uma interrupção do exercício deste cargo por parte do Oponente. Acrescendo a esta circunstância está a permanência da sua nomeação no Registo Comercial como gerente de direito da Devedora Originária, o que se extrai dos pontos 2 e 4 da matéria de facto dada como provada na sentença. Mais ainda, e conforme se extrai do ponto 4 da matéria de facto dada como provada na sentença, a partir de 20/07/1993 a gerência da devedora originária passou a ser exercido somente pelo Oponente, cuja assinatura bastava para vincular a Devedora Originária. Por conseguinte, é inegável que o Oponente, nesse lapso de tempo que decorreu entre os anos de 2001 e 2010, anos a que se referem os documentos assinados pelo Oponente e que são referenciados na sentença recorrida, foi a única pessoa que poderia determinar os rumos financeiros da Devedora Originária diante de terceiros, o que fez designadamente diante da Administração Fiscal. E na medida em que a apresentação das declarações fiscais referenciadas na sentença recorrida expressam a intenção de manter a devedora originária ativa em termos fiscais, podendo assim ser sujeito de direitos e obrigações diante da Administração Fiscal, deve-se configurar a apresentação das referidas declarações como atos de administração da sociedade devedora originária.

3. Decorre das regras da experiência que existe continuidade do exercício da gerência de facto no período que medeia entre a assinatura de dois documentos relevantes para a vida societária, se nesse lapso temporal inexistirem acontecimentos que venham a contrariar a presunção constante do Registo Comercial. Nesse sentido, do que vem acima explanado, nada nos autos permite afastar a continuidade do exercício da gerência de facto no período que medeia entre a assinatura dos documentos referenciados nos pontos 5 e 10 da matéria de facto dada como provada na sentença e que coincide com o período referente às dívidas tributárias em cobrança nos autos. Ilação esta que é mesmo uma exigência das regras da experiência comum. Assim, com base nesta comprovada gerência de direito e facto, cabe, pois, ao julgador utilizar as diversas presunções judiciais ao seu alcance, nomeadamente as posições assumidas no processo, as provas produzidas e as regras da experiência para concluir a gerência de facto.

4. A existência de gerência de facto é um dos pressupostos para a reversão das dívidas fiscais, como se extrai do postulado no n.º 1 do artigo 24.º da LGT: “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”. E, no caso sub judice, respeitando a dívida exequenda a créditos resultantes de tributos cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício da administração por parte do Oponente, a disciplina a ter em consideração será a estabelecida no artigo 24.º, n.º 1, al. b), da LGT.

5. Devendo-se assim concluir que, em suma, e sempre com o devido e muito respeito, o Oponente era gerente de direito e de facto da Devedora Originária, julgamos que o Tribunal a quo, ao decidir como efetivamente o fez, menosprezou o entendimento consolidado e reiterado da jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores, estribando o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto na al. b) do n.º1 do art.º 24º da Lei Geral Tributária.

Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento de facto e de direito quanto à gerência efectiva do Oponente.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1. A sociedade “J....... & V....... , Lda.” tem como objeto social o comércio de carnes a retalho – talho de equídeos - cfr. certidão permanente a fls. 12 e 13 dos autos;

2. Em 11.09.1985, foi registado o contrato social da sociedade referida no ponto que antecede, sendo seus sócios, J....... e L........, também designados gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes - cfr. certidão permanente a fls. 12 e 13 dos autos;

3. Em 18.02.1991, foi entregue no Serviço de Finanças de Loures 1, documento designado “Declaração de Cessação de atividade - IVA”, subscrita pelo Oponente, com data de cessação em 14.02.1991 – cfr. fls. 115 do PEF apenso;

4. Em 20.07.1993, no Cartório Notarial de Odivelas, foi celebrada escritura de cessão de quotas e alteração parcial do contrato de sociedade, constando da mesma, na parte que releva para os presentes autos, designadamente, o seguinte:

“ (…) A gerência, dispensada de caução, será exercida pelo sócio J........, já nomeado gerente, podendo não ser remunerada se tal vier a ser decidido em assembleia geral, sendo necessária e suficiente a sua assinatura para obrigar a sociedade em todos os atos ou contratos incluindo a compra e venda de bens imóveis ou viaturas que pertençam à sociedade.” – cfr. documento de fls. 26 a 29 dos autos;

5. Em 25.06.2001, foi entregue no Serviço de Finanças de Loures 1, documento designado “declaração de alterações”, subscrito pelo ora Oponente, do qual consta, no campo 19, a opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável, em sede de IRC – cfr. documento de fls. 30 e 31 dos autos;

6. Contra a sociedade «J....... & V....... , Lda.» foram instaurados os processos de execução fiscal n.º .................... e apensos, pelo Serviço de Finanças de Loures 1, para cobrança coerciva de dívidas de IVA dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, IRC do exercício de 2006 e Coimas referentes aos períodos de julho a dezembro de 2002, 2006, 2007, 2008 e 2009, no montante total de €15.885,30 - cfr. PEF apenso;

7. Em 27.11.2009 foi elaborado, pelo Serviço de Loures 1, documento designado “auto de diligências”, constando do mesmo designadamente o seguinte: “ (…), funcionário da DGCI, (…), certifica que, tendo-se deslocado ao Casal do S……. – Lote U Esq., acompanhado do oficial de diligências…, a fim de dar cumprimento ao mandado de penhora que antecede, em que é executado: M....... e V....... Lda., com o NIF/NIPC ...........… verificámos não poder cumpri-lo por: - A sede da executada encontra-se encerrada e com aspeto de abandono; - Não foram localizados bens em nome da executada, que garantam as dívidas existentes (…) ” – cfr. 88 do PEF apenso;

8. Em 13.01.2010, no âmbito do PEF n.º ................ e apensos, foi proferido despacho, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loures 1, ordenando a audição do Oponente para efeitos de reversão – cfr. fls. 109 do PEF apenso;

9. Foi remetido, pelos serviços da AT, via correio postal registado, o oficio n.º 022…, para efeitos de audição prévia do Oponente – cfr. fls. 108 do PEF apenso;

10. Em 26.01.2010, o Oponente subscreveu documento, apresentado à AT, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Loures 1, requerendo, como representante legal da sociedade devedora originária, que as declarações de IVA enviadas com data posterior ao 1.º trimestre de 1991 sejam dadas sem efeito, e que toda a correspondência seja enviada par a morada do representante legal da firma – cfr. documento de fls. 124 do PEF apenso;

11. Em 18.02.2010, foi proferido despacho, de reversão contra o ora Oponente, com o seguinte teor:

Face às diligências de fls…,e estando concretizada a audição do (s) responsável (eis) subsidiário (s) prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra J........ contribuinte n.º .........…, morador em R G…… 14 2 ESQ M…… – 2670-… LOURES na qualidade de responsável subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.

Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do (s) executado (s) por reversão, nos termos do art.º 160.º do CPPT para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º5 do art.º 23.º da LGT).

FUNDAMENTOS DA REVERSÃO

Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa coletiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período do exercício do seu cargo [art. 24º/nº 1/a) LGT]. Utilizou o direito de audição prévia, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT) mas sem ilidir de forma concreta a presunção legal da sua responsabilidade subsidiária.

IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA

PROCESSO PRINCIPAL: ................................

TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 15.885,30 EUR

TOTAL DE ACRESCIDOS: 0,00 EUR

TOTAL: 15.885,30 EUR”

- cfr. fls. 116 do PEF apenso;

12. Em data concreta que se desconhece, foi assinado o aviso de receção relativo ao ofício nº 078..., remetido ao Oponente, contendo a citação da reversão, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, cuja parte relevante para a decisão da causa aqui se transcreve:

Fundamentos da Reversão:

Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23º/ nº 2 da LGT).

Dos administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa coletiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período do exercício do seu cargo [art. 24º/nº 1/a) LGT]. Utilizou o direito de audição prévia, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT) mas sem ilidir de forma concreta a presunção legal da sua responsabilidade subsidiária.”

– cfr. fls. 120 e 121 do PEF apenso.

13. Em 06.04.2010, a petição de oposição, que deu origem aos presentes autos, foi apresentada junto do Serviço de Finanças de Loures - cfr. carimbo aposto na petição inicial a fls. 3 dos autos.


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Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir.

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A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório.»

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B.DE DIREITO

Da análise dos autos, em concreto, resulta dos pontos 12 e 13, que Oponente (doravante Recorrido) veio deduzir oposição ao processo de execução fiscal nº ................... e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade “J....... & V....... ”, para cobrança coerciva de dívidas de IRC, IVA e Coimas referentes aos anos de 2002 a 2009, no montante total de €15.885,30, invocando como fundamento da oposição, e em síntese, a sua ilegitimidade, desde logo, por não ter exercido a gerência de facto da sociedade em causa desde 1991.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a oposição deduzida pelo Recorrido.

Do assim discorda a Recorrente sustentando, como se viu, que a sentença enferma de erro de julgamento de facto dado que, tendo em consideração a prova produzida, teria que julgar-se provada a gerência de facto pelo Recorrido.

A questão que se coloca é, pois, a de saber se e, em face da factualidade que se tenha como provada, se mostra acertada a procedência da oposição com fundamento na ilegitimidade (substantiva) do Recorrido para a execução fiscal.

Vejamos, então.

Atenta a data das dívidas aqui em questão (de IVA dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, IRC do exercício de 2006 e Coimas referentes aos períodos de julho a dezembro de 2002, 2006, 2007, 2008 e 2009), o regime legal da responsabilidade subsidiária é, como diz a sentença, o constante do artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT), já que as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades de responsabilidade limitada e as condições da sua efectivação são as que estiverem em vigor no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade (artigo 12.º do CCivil).

Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:

«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…).».

Na aplicação deste regime, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que, em qualquer uma das suas alíneas a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência (neste sentido, entre muitos outros, vide o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No que respeita ao ónus da prova, como bem salienta a sentença recorrida, louvando-se do entendimento da nossa jurisprudência, aliás pacífica e uniforme, é à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária.

Vale aqui, o sustentado, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no processo n.º 1132/06, onde se escreve que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta sobre o efectivo exercício da gerência.

O mesmo entendimento está ínsito no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 21.11.2012, proferido no processo n.º 0474/12 e que se transcreve (parcialmente), atento o interesse para a decisão da presente causa: «(…) Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.

A regra do artigo 346° do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova. » (disponível em texto integral em www.dgsi.pt) .

Dito isto, poderá concluir-se, que dos factos provados, ficou demonstrada a gerência de facto?

A resposta à questão enunciada, afigura-se claro, tem de ser negativa.

Antes de mais, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal (cf. art. 11.º do Código do Registo Comercial (CRC)) de que é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência.

É certo, como ficou dito no Acórdão de 10 de Dezembro de 2008, do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 861/08 « (…) eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte («certeza jurídica») de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ele tenha acontecido». ( disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Neste contexto, pode afirmar-se sem hesitação, que o facto de o Recorrido constar do contrato social como gerente de direito da sociedade originária devedora e, mais do que isso, ser aquele cuja assinatura era necessária e bastante para obrigar a sociedade, nada permite concluir quanto à prática efectiva de qualquer acto em representação da sociedade.

Por outro lado, para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

Dos autos constam dois documentos assinados pelo Recorrido na qualidade de representante legal da sociedade originária devedora originária : a “Declaração de Cessação de atividade -IVA”, entregue no Serviço de Finanças de Loures 1, em 18.02.1991 ( cfr. ponto 3 do probatório) e a declaração de alterações, com a opção pelo regime geral de tributação do lucro tributável em sede de IRC, entregue em 26.06.2001 no mesmo Serviço de Finanças ( cfr. ponto 5 do probatório).

Perante esta factualidade, não podemos deixar de acompanhar e subscrever o entendimento consignado na sentença recorrida. Na verdade, atento o conceito de gerência que, a concatenação de todos os factos apurados não revela inequivocamente a gerência de facto exercida pelo Recorrido. Com efeito, ambas as declarações apresentadas junto da Administração Fiscal, foram subscritas antes do período temporal a que respeitam as dívidas exequendas.

Assim, e porque nada mais ficou provado no sentido de demonstrar a gerência de facto efetiva do Recorrido, significa que a prova produzida nos autos é manifestamente insuficiente para nos convencer de que exerceu a gerência da sociedade originária devedora durante o período a que respeitam as dívidas exequendas sendo que, como antes já dissemos, era sobre a Fazenda Pública que recaia o ónus de provar o exercício da mesma, a questão do pressuposto a gerência de facto tem que ser decidida em sentido favorável ao Recorrido.

Não se provando o exercício efectivo da gerência, o qual é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão, é evidente que só se pode manter a sentença recorrida que julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204.º, nº1, alínea b) do CPPT.

IV.CONCLUSÕES

I.A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

II.O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

III.O juiz não pode inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal.

IV.É à Administração Fiscal, como exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal.

V.DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 1.ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.


Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 24 de janeiro de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]