Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1076/18.0BELRS
Secção:2.ª Secção – Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/17/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
IDONEIDADE DA GARANTIA
PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
Sumário:I - A nulidade por omissão de pronúncia só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II – No caso, não se desconsidera que, em diversos pontos da p.i, a Reclamante se refere à inércia da actuação da AT que não notificou, quando devia, a executada para prestar garantia e que isso originou o montante da garantia agora exigido. No entanto, “por falta de alternativas a executada veio a requerer a aceitação do penhor sobre as acções …”, ao que se vê, pelo montante apurado pelos competentes serviços e sem que os autos demonstrem que a AT alguma vez tenha sido questionada sobre a correcção do valor da garantia exigida à Executada.
III - A discussão sobre o valor da garantia, cujo conhecimento, segundo a Recorrente, foi omitido, jamais foi uma verdadeira questão colocada ao Tribunal.
IV- Cumpre à AT, perante o caso concreto, averiguar da idoneidade da garantia oferecida em ordem à suspensão da execução fiscal, idoneidade que tem pressuposta a susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, caso seja necessário executar a garantia (cfr. artigos. 169.º e 199.º do CPPT e artigo 52.º, da LGT).
V- De forma inovadora, o artigo 176.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Orçamento do Estado para 2016) introduziu no CPPT o artigo 199º-A, o qual veio dispor especificamente sobre a avaliação da garantia.
VI - A AT, no caso, e para efeitos de avaliar as acções dadas em garantia, teria que lançar mão do disposto no Código do Imposto do Selo (CIS), em concreto do seu artigo 15º que regula o valor tributável de participações sociais e títulos de crédito e valores monetários.
VII - O artigo 199º-A não estabelece metodologias alternativas para a avaliação das acções num caso como aquele que aqui tratamos (acções sem cotações oficial), designadamente o método que a Recorrente lhe pretende ver aplicado e que tem como base “o valor esperado dos fluxos financeiros futuros a libertar pela Recorrente, calculando com base no seu desempenho histórico e na evolução expectável da respectiva actividade”.
VIII – Contrariamente ao defendido pela Recorrente, o invocado Of. Circulado nº 60.078 não preconizava dois métodos alternativos para a avaliação da garantia constituída por participações sociais. O que se veiculava em tal ofício é que, sem prejuízo de se adoptar o disposto no artigo 15º do CIS para determinação do valor da garantia, com vista à sua constituição e manutenção, para o caso de necessidade de execução da garantia poderia ser utilizado o “outro método, devidamente fundamentado, que permita, com base num modelo - baseado no valor esperado dos fluxos financeiros futuros a libertar pela entidade em questão, calculados com base no seu desempenho histórico e na evolução expectável da respectiva actividade - adequado para o efeito de apurar de forma mais sustentada um valor de realização de liquidez, em caso de necessidade de execução da garantia”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Processo nº 1076/18.0BELRS

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

C….. & T……, Comércio Internacional, S. A, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação apresentada, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, no processo de execução fiscal nº…….., instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 7, visando o despacho proferido em 2 de Março de 2018, o qual não aceitou, por inidónea, a prestação de garantia por meio de penhor de acções representativas do seu capital, com vista a manter a suspensão da execução fiscal.

Nas suas alegações, a Recorrente formulou as conclusões seguintes:

«A) Conforme todo o exposto, vem a Recorrente apresentar o seu Recurso, depois de notificada da Sentença que antecede.

B) Em primeiro lugar, porque considera que tanto o Tribunal, como a Recorrida ignoraram selectivamente, factos por si alegados em sede de Reclamação, nomeadamente no que respeita aos Juros que vêm a ser exigidos sobre a nova garantia.

Vejamos,

C) Pelo decurso do prazo, a Autoridade Tributária e Aduaneira deixou caducar a Garantia já prestada em devido tempo, sem qualquer aviso, quando estava, no entanto, obrigada a comunicar previamente, conforme despacho emitido por Ofício nº. …..

D) A Recorrente, que agiu ao longo de todo o processo de boa-fé e sabendo que tinha prestado a Garantia Bancária para suspensão da execução sem qualquer outra obrigação, manteve-se tranquilamente a aguardar o desenrolar do processo de impugnação judicial.

E) De facto, em 27.4.2012 a Recorrente apresentou Reclamação Graciosa nos serviços competentes, na sequência da notificação para proceder à liquidação dos valores alegadamente em dívida, a qual não foi objecto de decisão por parte da Administração Tributária.

F) O acto tácito de indeferimento formou-se passados 4 meses da data de entrada da sobredita Reclamação nos serviços competentes, ou seja, no dia 27.08.2012 (cfr. art. 57º da LGT).

G) Dispondo a Recorrente do prazo de 90 dias, após a verificação de acto tácito, para apresentação da competente Impugnação Judicial, a Recorrente apresentou tal Impugnação no passado dia 23.11.2012, a qual corre os seus termos no Tribunal de 1ª instância, sob o n.º de processo 2954/12.5BELRS.

H) No dia 30.12.2013 foi a Recorrente notificada de um Despacho proferido a 06.12.2012, um ano antes, em que ordenou que o Representante da Fazenda Pública fosse notificado para, no prazo de 90 dias, querendo, contestar e solicitar a produção de prova adicional, além de juntar o respectivo processo administrativo.

I) Entre o Despacho da Sra. Dra. Juiz e a notificação às partes decorreu um ano!

J) A Contestação deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa no dia 05.02.2014, tendo a Recorrente sido posteriormente notificada da Contestação, composta apenas por uma folha, em que a Autoridade remetia a sua defesa para o que havia já sido alegado na resposta à Reclamação Graciosa.

K) Note-se que à Recorrente não foi dado a conhecer os documentos juntos com a Contestação, nem tão pouco se encontram os mesmos disponíveis na plataforma SITAF.

L) A Recorrente, em 24.02.2014, ao abrigo do Principio do Contraditório, fez saber naquela sede que a Autoridade Tributária não se tendo pronunciado face à Reclamação Graciosa apresentada, omitindo assim a prática de um acto, e ao remeter a sua defesa (na Contestação) para tal decisão, que nunca existiu, face ao vazio material insuprível por parte da Autoridade Tributária, a referida resposta consubstancia numa omissão de pronúncia e consequente omissão de apresentação de contestação.

M) Apesar disso, passados mais de 3 anos sem qualquer decisão ou evolução no processo, foi apresentado um requerimento pela Autoridade Tributária no dia 1.9.2017 para efeitos de conhecimento do estado do processo e o Tribunal fez saber no dia 21.09.2017 que o mesmo encontra-se na fase instrutória.

N) Posto isto, encontra-se concluso desde o dia 25.09.2017, há quase 1 ano, sem qualquer desenvolvimento. O esquecimento deste processo por parte do Tribunal é notório, pelo que é o único motivo que justifica que a Impugnação Judicial tenha sido apresentada já há quase 6 anos e não exista ainda uma qualquer decisão do Tribunal.

O) No entanto, e sendo já do conhecimento deste Tribunal, veio agora a Autoridade Tributária em 14.9.2017 notificar a Recorrente para prestar uma nova Garantia, uma vez que a caução prestada em 2012 já havia caducado, seis anos depois do início do processo.

P) No que respeita aos factos relativos ao Despacho de Indeferimento o Tribunal conclui na Sentença de que aqui se recorre, que não ficou provado que "as reservas opostas pelo ROC (...) não tivessem fundamento na sua contabilidade".

Q) Ora, é o próprio ROC que afirma que formula as suas reservas com base na falta de possibilidade de obtenção de prova.

R) É, por isso, pelo próprio confessado que, factos que não foi capaz de avaliar, foram então considerados no passivo da sociedade.

S) Ainda, assumiu que todos os processos executivos desde 2016 são perdidos, conclusão que não só é arbitrária, como é falsa.

T) Aliás, se há um processo executivo em curso é porque, de facto, há valores em dívida para com a Sociedade, pelo que, esperando-se o bom funcionamento da Justiça, terão todos, boa cobrança.

U) No que respeita à metodologia adaptada na avaliação realizada pelo ROC, o qual optou pelo modelo de avaliação em função do tipo de participação social, nos termos do Ofício Circulado ….., a Recorrente também se pronunciou.

V) Invocou a Recorrente que, teria sido preferível se a AT tivesse optado pelo segundo modelo, nos termos do mesmo Ofício Circulado, que tem como base o valor esperado dos fluxos financeiros futuros a libertar pela Recorrente, calculando com base no seu desempenho histórico e na evolução expectável da respectiva actividade.

W) O tribunal considerou tal afirmação como facto não provado. Ora,

X) Estando a Recorrente há quase seis anos à espera de uma solução por parte do Tribunal, que se prevê que assim continue, o que faz sentido é aplicar um método em que, tendo em conta a positiva evolução da economia nacional e, consequentemente, a da Sociedade também, a avaliação se projecte no futuro, já que é no futuro que se assistirá ao desenrolar do Processo.

Y) É a demora deste tipo de processos que justifica que esta avaliação tenha em vista o futuro e não apenas o último balanço da sociedade. É, aliás, a demora de quase seis anos deste particular processo que o justifica.

Z) Como o despacho informa, a Análise à Certificação Legal de Contas do exercício de 2016 da C&T foi emitida com "Opinião com Reservas" realizada por um ROC, das quais a AT retirou "correcções negativas" ao resultado do Total de Capital próprio da Sociedade.

AA) Por todo o exposto aqui e na Reclamação antecedente, não é admissível a avaliação feita em € 0,00 por cada acção prestada como garantia, por não corresponder à verdade e por não se verificar qualquer fundamento credível por parte da AT que consubstancie esta posição.

BB) Ignorado, por fim, foi o risco que fica em causa com a não suspensão do processo, já que o valor que aqui se imputa à Recorrente e que lhe pretendem cobrar é de tal modo elevado que, a ser executado, importará a impossibilidade desta honrar os seus compromissos e em consequência, aí sim, a insolvência da sociedade, a destruição dos quase 50 postos de trabalho que esta tem vindo a criar.

CC) E toda esta situação se deve, exclusivamente, à demora que parece infinita, dos Tribunais, que desde 2012 que arrastam toda esta situação.

DD) Por todo o exposto se considera que a sentença proferida nos autos deveria ser substituída por uma outra que, com base nos factos descritos e no enquadramento da situação, permita a prestação de garantia por meio de acções da própria sociedade, submetendo a valorização das acções em causa ao segundo método do Ofício Circulado ….., que tem como base o valor esperado dos fluxos financeiros futuros a libertar pela Recorrente, calculando com base no seu desempenho histórico e na evolução expectável da respectiva actividade.

EE) Em função desta alteração de procedimento e método, deverá ser conferido prazo para que a Recorrente possa prestar as informações necessárias e demais elementos requeridos pela AT, de modo a poder avaliar as acções da Recorrente de forma correcta e assim oferecendo garantia idónea para manter a execução suspensa até decisão do processo judicial já mencionado.

Pelo exposto, requer-se a V. Exas. se dignem julgar o presente Recurso procedente, revogando a decisão de indeferimento aqui reclamada e aceitar como Garantia o penhor das Acções representativas do Capital Social da Recorrente, utilizando o método alternativo que permitirá a sua valorização com base em critérios previsionais, de modo a manter a suspensão do contencioso, por estarem aptas a cobrir o valor da caução exigida e por constituírem um meio idóneo de prestar garantia.

Caso assim não se entenda, em virtude da muito grave situação alegada em que a Reclamante ficaria, caso a suspensão não ocorra, mais se requer que seja ordenada a aceitação da garantia oferecida para que se mantenha a suspensão da instância, por se dever exclusivamente à AT e aos Tribunais Tributários, o atraso na decisão do processo em apreço e ter sido pela omissão destes que a Garantia Bancária inicial caducou, inviabilizando a obtenção de uma nova.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»


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A FAZENDA PÚBLICA, não apresentou contra-alegações.

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Os autos foram com vista ao Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP), o qual promoveu que a Recorrente fosse convidada “a completar ou esclarecer as suas conclusões de recurso”, nomeadamente a referência a “qual a norma ou normas legais violadas”.

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A Recorrente foi, então, notificada para proceder conforme promovido pelo EMMP.

Em consequência, veio aos autos dizer o que se segue:

«1. De facto e, como bem se confirma no Despacho que antecede, a Recorrente não só põe em causa as razões de facto nas quais se baseou a Sentença ora recorrida, como também põe em causa as razões de Direito.

2. No entanto, veio o Tribunal invocar que a Recorrente não procedeu às especificações das normas que constituem fundamento jurídico da decisão e o sentido com que deviam ter sido interpretadas e aplicadas essas mesmas normas, invocando-se o erro na determinação da norma aplicável.

3. Em primeiro lugar, veio a Recorrente expor que o Tribunal a quo ignorou a sua pretensão no que respeita aos juros que vêm agora a ser exigidos com a nova garantia, sendo esta questão manifestamente controversa.

Vejamos,

4. Nos termos do artigo 169º do CPPT, “a execução fica suspensa (…) desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199º (…)”, o que se verificou no presente caso.

5. Sucede que a Autoridade Tributária e Aduaneira deixou caducar a Garantia, sem qualquer aviso prévio, quando a este estava obrigada, conforme despacho emitido por Ofício nº. ….. no âmbito do processo em curso.

6. O facto de não ter notificado a Recorrente da caducidade da garantia, conforme bem explicado ao longo do processo, levou a que a execução se mantivesse suspensa durante todo este tempo e, não manifestando a ATA, a necessidade de prestação de nova garantia, não pode mais tarde vir esconder a sua falha, exigindo juntamente com a nova garantia, um montante de juros correspondente ao tempo da sua omissão.

7. Mas pior do que toda esta situação que ficou bem explicada no Recurso, é que a Sentença de que aqui se recorre, foi completamente omissa no que respeita a esta questão, conforme aflorado na alínea B) das Conclusões do Recurso, não tendo o Tribunal tomado qualquer posição em relação aos juros que vêm a ser exigidos com o pedido de prestação de nova garantia.

8. Esta situação constitui fundamento de nulidade da Sentença, nos termos do artigo 615º, nº. 1, al. d) do CPC, nos termos do qual é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

9. Note-se que este é um dos principais problemas da Recorrente, que o Tribunal optou por não se pronunciar.

10. Nestes termos, tem-se por justificado que a sentença proferida nos autos deve ser substituída por uma outra que responda a todas as questões alegadas ao longo do processo e sobre as quais se deve o Tribunal pronunciar, uma vez que é nula por omissão de pronúncia.»



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Dada nova vista ao EMMP junto deste Tribunal, foi proferido parecer no sentido de:
(…) dadas as graves deficiências apresentadas nas conclusões das alegações de recurso apresentadas pela recorrente, afigura-se-nos que o presente recurso não deve ser conhecido”.

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A ERFP, notificada do articulado apresentado na sequência da douta promoção do EMMP, nada disse.



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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Pende no Serviço de Finanças de Lisboa 7 o processo executivo nº……., visando a cobrança de dívida fiscal aduaneira no montante de €63.092,86, da Reclamante, C…. & T…., Comércio Internacional, S. A., à data com sede na Rua M……… 20, em Lisboa, hoje na Rua A…… Praça 30.1 1, em M……, Algés, no concelho de Oeiras.

2. Tendo a Reclamante oportunamente reclamado graciosamente e, depois, impugnado os atos na origem de tal dívida - Impugnação nº2954/l 2.5BELRS, pendente neste Tribunal - prestou garantia com na execução com a finalidade de que fosse suspensa a aguardar a decisão do litígio que a opõe à Administração Tributária.

3. Todavia, a garantia que lhe fora prestada e determinara a suspensão, uma caução bancária, estava sujeita a um termo, findo o qual caducou.

4. Tendo-se o Órgão de Execução Fiscal apercebido disso, notificou então a Reclamante a 19 de setembro de 2017 para prestar uma nova garantia [até €101.565,61], com a mesma finalidade de manter os autos suspensos a aguardar o desfecho daquele litígio.

5. Não obtendo novo aval bancário para a sua dívida, a Reclamante ofereceu­ se então a 3 de outubro de 2017 para prestar, como garantia da dívida, penhor de ações representativas do seu capital, obtida a anuência da sociedade que a detém, dominante do grupo em que se inere, a Sociedade C…. & T…., S. G. P. S., S. A.

6. Tal pedido, após avaliação do valor de mercado das ações, veio a ser indeferido, por despacho de 2 de março de 2018 da Exma. Sra' Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, considerando inidónea a garantia oferecida, porquanto da avaliação se concluía que as ações não tinham valor.

7. Em suma, foi a avaliação que alicerçou aquela decisão, posto que as ações representativas do capital da Reclamante se não acham oficialmente cotadas, foi a enunciada no art.15ºnº3 corpo e alínea a) do Código do Imposto de Selo, sintetizada na fórmula


Va = l /2n x [S + (R I +R2) / 2 x f] ()


Assim, considerando os seguintes elementos da Reclamante:

i. o balanço;

ii. o balancete;

iii. a demonstração de resultados;

iv. o anexo às demonstrações financeiras;

v. o relatório de gestão;

vi. o relatório e parecer do fiscal;

vii. a certificação legal de contas;

viii. a ata de aprovação das contas de 2016;

ix. outros elementos solicitados à própria Reclamante.

A avaliação partiu do próprio apuramento do valor do capital próprio da Reclamante:

final de 2016
    Capital próprio realizado
€500.000,00
      Reservas legais
€120.000,00
      Reservas outras
        €800.000,00
      Resultados transitados
        - €1.157.142,00
Ajustamentos em ativos financeiros
-€3.990,00

- €3.990,00
    Resultado líquido do exercício
        - €140.126,00
Total de capital próprio
€118.742,00

E a esse valor a avaliação fez as seguintes correções:

a) - €1.693.629,00, com base nas reservas expressas pelo Revisor Oficial de Contas, no relatório sobre as do exercício de 2016, em que fazia uma reserva ao facto de na rubrica de Clientes constarem saldos, de €3.154.923,00, com antiguidade significativa e cuja cobrança se lhe afigurava difícil, [embora] €1.032.070,00 de clientes do mesmo grupo;

b) - €221.387,00, com base nas reservas expressas pelo Revisor Oficial de Contas, no relatório sobre as do exercício de 2016, em que fazia uma reserva ao facto de na rubrica de Contas a receber constarem saldos, de €592.221,00, dos quais relativamente a €221.387,00 não acedia a prova de auditoria, suficiente e apropriada, para aferir da sua razoabilidade;

e) - €122.032,24, em face da verificação de que este valor, de execuções fiscais pendentes contra a Reclamante, se não encontrava refletido na contabilidade, enquanto passivo contingente.

Assim, a avaliação concluía por que o valor dos capitais próprios [corrigidos] da Reclamante era, de facto, de -€1.918.306,24:



Assim, em face do capital próprio negativo, a avaliação concluía por que o valor das ações 50.000, com o valor nominal de €10, era na verdade de €0, já que o capital próprio corrigido - S na fórmula supra-indicada na nota (1) - da Reclamante era de -€1.918.306,24.

Acrescia que o resultado dos exercícios – R1 + R2 na fórmula supra­ indicada na nota (1) - era igualmente “0”, dado que R1 (+€140.126,00) + R2 (-€211.121,00) = -€351.247,00, ou seja, 0.

Acrescia ainda que a taxa de juro da fórmula -f na fórmula supra-indicada na nota (1) - era então de 0%.

8. Notificada a Reclamante de tal decisão a 22 de março de 2018, no dia 2 de abril seguinte apresentou a petição na origem dos presentes autos.

9. A referida Divisão atuando como Órgão de Execução Fiscal manteria o ato, por despacho de 4 de junho de 2018.

Não resultaram provados outros factos relevantes para a decisão, sendo não provados os que com aqueles se revelam incompatíveis e, nomeadamente, com aquela pertinência, não resultou provado:

1. Que as reservas opostas pelo Revisor Oficial de Contas, consideradas na correção da avaliação do capital próprio da Reclamante, descrita na matéria de facto provada, não tivessem fundamento na sua contabilidade.

2. Que houvesse à data da avaliação descrita na matéria de facto provada elementos mais recentes sobre a situação da Reclamante, que a avaliação pudesse ter atendido.

3. Que a evolução dos resultados da Reclamante seja favorável nos períodos posteriores àquele dos dados tidos em conta na avaliação descrita na matéria de facto provada.

4. Que o capital próprio da Reclamante tenha um valor positivo atualmente.

5. Que a avaliação das ações representativas do capital próprio da Reclamante tivesse um resultado positivo e fosse mais assertiva e correta se a metodologia adotada, ao invés da descrita na matéria de facto provada, fosse assente no valor esperado de fluxos financeiros futuros, calculado com base no histórico da Reclamante e na evolução expectável da sua atividade, no contexto atual da economia.

Assenta a comprovação dos factos provados nos próprios autos, que têm força probatória plena e são, aliás, consensuais, arts.369° a 371º do Código Civil, ainda art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Os factos não provados ficaram a dever esse juízo negativo à absoluta falta de prova sobre eles.»



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2.2 - De Direito


Antes de entrarmos na apreciação do recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, C… & T…., Comércio Internacional, S.A., importa que nos detenhamos sobre a questão suscitada pelo EMMP que, uma vez sufragada, nos levaria a concluir no sentido proposto, ou seja, pelo não conhecimento do recurso.

Vejamos, então, começando por deixar devida nota do teor do parecer proferido pelo EMMP, no qual se pode ler, no que para aqui mais releva, o seguinte:

“Veio agora a recorrente, através de requerimento, responder á notificação, mas continuou a não especificar as normas legais violadas, suscitando a nulidade da douta sentença recorrida, alegando que a mesma não se pronunciou sobre questões que devia apreciar.

Note-se que a questão da nulidade da sentença deveria ter sido suscitada no recurso, como decorre do disposto no art. 615º nº 4 do C.P.C., pelo que não tendo a recorrente ali suscitado tal questão, não pode vir agora imputar á sentença aquele vício.

Para além de não proceder ás especificações a que se refere o nº 2 do art. 639º do C.P.C., a recorrente, no seu requerimento agora apresentado, alega que também põe em causa, por razões de facto, a douta sentença em recurso.

Porém, também quanto a esta parte, a recorrente não procedeu ás especificações a que se refere o art. 640º do C.P.C.

A recorrente não menciona os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, nem a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Em suma, as conclusões apresentadas pela recorrente continuam a apresentar graves deficiências.

Como é sabido, as conclusões delimitam o objecto do recurso, sendo que é através delas que o recorrente indica os fundamentos porque pede a alteração ou a anulação da decisão, como decorre do disposto no art. 639º nº 1 do C.P.C.

Se os fundamentos alegados para a alteração ou a anulação da decisão são deficientemente apresentados, como é o caso presente, não pode o tribunal de recurso apreciar devidamente a decisão sob recurso.

Nos termos do art. 639º nº 3 do C.P.C., quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.

Assim, dadas as graves deficiências apresentadas nas conclusões das alegações de recurso apresentadas pela recorrente, afigura-se-nos que o presente recurso não deve ser conhecido”.

Sem prejuízo do muito respeito que nos merece o entendimento sufragado pelo EMMP, não acompanhamos tal posição.

Não obstante as conclusões apresentadas não serem exemplares quanto ao “ónus de alegar e formular conclusões”, tal como consagrado no artigo 639º do CPC, entendemos que, ainda assim, se mostram observados os requisitos mínimos exigidos nesta matéria, com a indicação dos motivos conclusivos de discordância com a sentença recorrida, sendo possível descortinar que a Recorrente entende que não foi correctamente observado/aplicado o quadro legal aplicável à verificação da idoneidade da garantia oferecida (artigos 169º, 195º e 199º do CPPT), evidenciando, ainda, que a AT não observou, quanto ao método de valorização das acções, o que decorre do Ofício-Circulado nº …. .

Por outro lado, é patente que – bem ou mal, por ora pouco importa – insurge-se contra o julgamento da matéria de facto, seja no que toca a factos não provados, seja no que concerne a factualidade invocada e que, alegadamente, não foi tida em conta pela sentença.

Por último, reconduz expressamente – bem ou mal, a seu tempo se verá – parte das asserções inicialmente formuladas à nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, e, como tal, à violação do artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC.

Em suma – repete-se –, admitindo-se que as conclusões não são um exemplo de perfeição e clareza, ainda assim, adoptando uma perspectiva menos formalista e que privilegie soluções de mérito, entende-se que foi observado pela Recorrente o disposto no artigo 639º do CPC, não se justificando a decisão de não conhecimento do recurso.

Com isto dito, avancemos.


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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação recursória (devidamente conjugadas com as especificações/esclarecimentos posteriormente apresentados), dúvidas não nos restam que as questões que nos pedem que apreciemos são as seguintes:

1 - Saber se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia – artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC;

2 – Saber se o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, concretamente quanto a factos alegados e não tomados em conta pelo Tribunal a quo (cfr. conclusão B) e, bem assim, quanto à factualidade não provada (conclusões P a R, V e W).

3 – Saber se sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao concluir pelo acerto do juízo de falta de idoneidade da garantia oferecida, com isso corroborando a violação, por parte da AT, do quadro legal aplicável à verificação da idoneidade da garantia consistente no penhor de acções do capital social da Executada - artigos 169º, 195º e 199º do CPPT - e, bem assim, a não observância, quanto ao método de valorização das acções, daquilo que decorre do Ofício-Circulado nº …. .

Avancemos, então.


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Nos presentes autos de reclamação, apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT, no âmbito do processo de execução fiscal nº…….., pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 7, está em causa o despacho de 02/03/18, da Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, que não aceitou, por inidónea, a prestação de garantia por meio de penhor de acções representativas do capital social da executada, com vista a manter a suspensão do referido processo executivo.

O TT de Lisboa julgou improcedente a reclamação e, consequentemente, manteve o despacho contestado.

A Recorrente, como aqui se vê, vem manifestar a sua discordância com o decidido, apontando diversos vícios ao julgamento efectuado em primeira instância e pretendendo, como refere, que o presente recurso seja julgado “procedente, revogando a decisão de indeferimento aqui reclamada”, com a aceitação “como garantia do penhor das acções representativas do Capital Social da Recorrente”. Para além do mais, e conforme esclareceu/ especificou posteriormente, entende também que a sentença padece de nulidade.

Importa apreciar.

Tal como autonomizámos, a primeira questão que nos pedem que analisemos reconduz-se à nulidade da sentença resultante de uma alegada omissão de pronúncia.

Com efeito, entende a Recorrente que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal não tomou posição sobre “a sua pretensão no que respeita aos juros que vêm agora a ser exigidos com a nova garantia, sendo esta questão manifestamente controversa”. Detalhando, sustenta a Recorrente que alegou que “a Autoridade Tributária e Aduaneira deixou caducar a Garantia, sem qualquer aviso prévio, quando a este estava obrigada, conforme despacho emitido por Ofício nº. …. no âmbito do processo em curso” e que o “facto de não ter notificado a Recorrente da caducidade da garantia, (…), levou a que a execução se mantivesse suspensa durante todo este tempo e, não manifestando a ATA, a necessidade de prestação de nova garantia, não pode mais tarde vir esconder a sua falha, exigindo juntamente com a nova garantia, um montante de juros correspondente ao tempo da sua omissão”.

Vejamos, então.

Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia, só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”.

O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

Lida atentamente a sentença, dúvidas não restam que o Mmo. Juiz a quo não se pronunciou sobre a questão de saber se o valor dos juros incluído no montante da garantia a prestar era (ou não) uma exigência ilegal, concretamente pelo facto de aos mesmos estar associado o decurso de um período temporal marcado pela inércia da AT que, alegadamente, não notificou, em momento oportuno, a executada da caducidade da garantia anteriormente prestada e, consequentemente, para atempadamente prestar nova garantia.

Dúvidas não nos restam, também, de que o Mmo. Juiz a quo não tinha que se pronunciar sobre tal questão, ou seja, que tal não foi questão que lhe tivesse sido colocada enquanto causa de pedir destinada a sustentar a concludência do pedido formulado na reclamação apresentada.

Com efeito, analisada a petição de reclamação é patente que a executada, aí Reclamante, se insurge - e, para isso, desenvolve um quadro argumentativo – contra o “teor da Avaliação de Idoneidade de Garantia prestada, por não corresponder à realidade da sociedade Executada e por se basear em critérios vagos arbitrários”, tanto assim que o pedido que aí formula é no sentido de ser revogada “a decisão de indeferimento aqui reclamada e aceitar como Garantia o penhor das Acções representativas do Capital Social da Reclamante C&T, de modo a manter a suspensão do contencioso…”.

É verdade, e não se desconsidera, que em diversos pontos da p.i (e das respectivas conclusões), a Reclamante se refere à inércia da actuação da AT que não notificou, quando devia, a executada para prestar garantia e que isso originou o montante da garantia agora exigido. Fê-lo, com efeito, nas conclusões C) a F) da reclamação. No entanto, como a Reclamante também aí refere, “por falta de alternativas a executada veio a requerer a aceitação do penhor sobre as acções …”, ao que se vê, pelo montante apurado pelos competentes serviços e sem que os autos demonstrem que a AT alguma vez tenha sido questionada sobre a correcção do valor da garantia exigida à Executada.

Ou seja e dito de outro modo: ao longo da petição de reclamação, a Reclamante insurge-se contra a lentidão/inércia da actuação da AT, lamenta frontalmente o desenrolar dos acontecimentos (cfr. artigos 8 a 14 da p.i) mas – e era isso que importava – não retira qualquer consequência de tal circunstancialismo, concretamente quanto à (in)validade do despacho reclamado.

E, como tal, tanto basta para afirmar – sem hesitações – que a questão cujo conhecimento, segundo a Recorrente, foi omitido, jamais foi uma verdadeira questão colocada ao Tribunal, o qual deixou evidenciado (e bem) que “o fundamento de anulação que a presente Reclamação, de forma ínvia e implícita parece convocar, reconduzir-se-á a erro de facto e de direito no despacho sindicando, em função do pedido que decide, de avaliação da garantia”.

Aliás, em abono da verdade, afigura-se-nos até que nem seria na contestação à avaliação da garantia oferecida que se colocaria – com oportunidade - a discussão do montante da garantia a prestar, pois que, para além do montante da garantia ter sido previamente dado a conhecer à executada, a avaliação da idoneidade do penhor das acções sempre teria que ser aferido em função de um valor previamente fixado. De todo o modo, repete-se, tal como interpretamos a p.i, trata-se de questão que não foi colocada ao Mmo. Juiz a quo.

Por conseguinte, e sem necessidade de maiores considerações, deve concluir-se que não se verifica a omissão de pronúncia invocada, sendo, assim, de afastar a nulidade da sentença arguida.


*


Passemos à segunda questão que nos ocupa, ou seja, ao alegado erro de julgamento de facto.

De forma algo imprecisa, refere a Recorrente (conclusão B) que o Tribunal a quo ignorou factos por si alegados em sede de reclamação, nomeadamente no que respeita aos juros que vieram a ser exigidos na nova garantia.

Tal circunstancialismo de facto desconsiderado, da leitura das conclusões formuladas, corresponde ao teor das alíneas C) a O).

Desde já, se impõem três observações.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que parte do circunstancialismo de facto apontado nas referidas conclusões consta dos factos provados, tal como estes resultaram vertidos na sentença. Neste sentido, vejam-se os pontos 2, 3 e 4 dos factos provados.

Em segundo lugar, nem todas as conclusões (das apontadas) correspondem a factos, no sentido processualmente relevante do termo, ou seja, enquanto ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas, neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior directamente captáveis pelas percepções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo. Assim é, por exemplo, o caso da conclusão F) ou da 1ª parte da conclusão G).

Em terceiro lugar, deve lembrar-se que o juiz deve ter em conta todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (e não apenas os factos que relevam para a solução da questão de direito que tem como aplicável) e que, no caso, conforme antes explicado (a propósito da nulidade por omissão de pronúncia) a questão do montante dos juros integrante do valor da garantia não era questão a apreciar e decidir pelo Mmo. Juiz do processo.

Por tudo quanto ficou dito, e sem necessidade de mais, devem julgar-se improcedentes as conclusões da alegação que vimos apreciando a propósito deste erro de julgamento de facto.

A análise do erro de julgamento de facto, porém, não fica por aqui, já que, como avançámos, a Recorrente defende que tal erro inclui factualidade considerada não provada, como decorre das conclusões P a R, V e W

Vejamos o que dizer a este propósito.

Refere a Recorrente que o ponto 1 da matéria de facto não provada é infirmado pelo próprio ROC, o qual formulou as suas reservas com base na falta de possibilidade de obtenção de prova. Ou seja, para a Recorrente o Tribunal a quo cometeu um erro ao considerar não provado que “as reservas opostas pelo Revisor Oficial de Contas, consideradas na correção da avaliação do capital próprio da Reclamante, descrita na matéria de facto provada, não tivessem fundamento na sua contabilidade”.

Mais sustenta a Recorrente que “teria sido preferível se a AT tivesse optado pelo segundo modelo, nos termos do mesmo Ofício Circulado, que tem como base o valor esperado dos fluxos financeiros futuros a libertar pela Recorrente, calculando com base no seu desempenho histórico e na evolução expectável da respectiva actividade”, sendo que o Tribunal “considerou tal afirmação como facto não provado”. Como está bom de ver, pretende a Recorrente reportar-se ao ponto 5 dos factos não provados, tal como consta da sentença.

Vejamos, então, adiantando-se, desde já, que a impugnação desta vertente da matéria de facto, tal como foi efectuada, está condenada ao fracasso.

Desde logo, pretender fazer constar da matéria de facto que “teria sido preferível se a AT tivesse optado pelo segundo modelo, nos termos do mesmo Ofício Circulado, que tem como base o valor esperado dos fluxos financeiros futuros a libertar pela Recorrente, calculando com base no seu desempenho histórico e na evolução expectável da respectiva actividade” seria um erro, pois tal asserção não corresponde a um facto, sendo claro que se trata de um entendimento da Reclamante, de um juízo conclusivo, quanto à metodologia avaliativa das acções que, no caso, deveria ter sido adoptada (e não foi).

Aliás, pelas mesmas razões, se justifica a eliminação do ponto 5 dos factos não provados“Que a avaliação das ações representativas do capital próprio da Reclamante tivesse um resultado positivo e fosse mais assertiva e correta se a metodologia adotada, ao invés da descrita na matéria de facto provada, fosse assente no valor esperado de fluxos financeiros futuros, calculado com base no histórico da Reclamante e na evolução expectável da sua atividade, no contexto atual da economia” – tal como consta da sentença, pois que o seu teor não se assume como matéria de facto, na acepção que aqui releva e já atrás exposta, o que aqui, e desde já, se determina.

Para além do mais, importa ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Em tal preceito se dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

A leitura da citada disposição legal, no confronto com as conclusões da alegação de recurso (e até do teor das alegações), mostra à saciedade que a matéria de facto não foi impugnada de forma que, nos termos da lei, permita qualquer alteração da mesma, desde logo porque não foram indicados os concretos meios probatórios constantes dos autos que impusessem decisão diversa.

Com efeito, e no que toca ao ponto 1 dos factos não provados, não sofre dúvidas que o ónus de indicar os concretos meios probatórios que determinariam diferente decisão não foi observado, não se vislumbrando, além do mais, qualquer incorrecção no juízo feito pelo Tribunal a quo.

Face ao exposto, e sem necessidade de nos alongarmos mais, improcedem também as conclusões em análise e, portanto, a invocação do erro de julgamento da matéria de facto não provada.


*


Avancemos para a última questão que nos ocupa, a saber: se sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao concluir pelo acerto do juízo de falta de idoneidade da garantia oferecida, com isso corroborando a violação, por parte da AT, do quadro legal aplicável à verificação da idoneidade da garantia consistente no penhor de acções do capital social da Executada - artigos 169º, 195º e 199º do CPPT - e, bem assim, a não observância, quanto ao método de valorização das acções, daquilo que decorre do Ofício-Circulado nº ……, de 30/08/10.

A este propósito, defende a Recorrente que: “estando a Recorrente há quase seis anos à espera de uma solução por parte do Tribunal, que se prevê que assim continue, o que faz sentido é aplicar um método em que, tendo em conta a positiva evolução da economia nacional e, consequentemente, a da Sociedade também, a avaliação se projecte no futuro, já que é no futuro que se assistirá ao desenrolar do Processo”; e que é “a demora deste tipo de processos que justifica que esta avaliação tenha em vista o futuro e não apenas o último balanço da sociedade”; mais diz que “não é admissível a avaliação feita em € 0,00 por cada acção prestada como garantia, por não corresponder à verdade e por não se verificar qualquer fundamento credível por parte da AT que consubstancie esta posição”; no caso, sustenta, deverá ser permitida “a prestação de garantia por meio de acções da própria sociedade, submetendo a valorização das acções em causa ao segundo método do Ofício Circulado ……, que tem como base o valor esperado dos fluxos financeiros futuros a libertar pela Recorrente, calculando com base no seu desempenho histórico e na evolução expectável da respectiva actividade”.

Antes de avançar, importa que deixemos devida nota daquele que foi o percurso argumentativo seguido pelo TT de Lisboa e que permitiu concluir pelo acerto do despacho reclamado.

Assim, lê-se na sentença posta em crise, no que para aqui releva, o seguinte:

“(…)



(…)”

Vejamos, então, adiantando-se, desde já, que acompanhamos o sentido do decidido pelo TT de Lisboa.

Cumpre à AT, perante o caso concreto, averiguar da idoneidade da garantia oferecida em ordem à suspensão da execução fiscal, idoneidade que tem pressuposta a susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, caso seja necessário executar a garantia (cfr. artigos. 169.º e 199.º do CPPT e artigo 52.º, da LGT).

De forma inovadora, o artigo 176.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Orçamento do Estado para 2016) introduziu no CPPT o artigo 199º-A, o qual veio dispor especificamente sobre uma matéria que deu azo a alguma discussão, quer em sede administrativa, quer jurisprudencial: a avaliação da garantia.

Dispõe tal preceito legal que:

“1 - Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património do garante apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo, com as necessárias adaptações, deduzido dos seguintes montantes:

a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas;

b) Partes de capital do executado que sejam detidas, direta ou indiretamente, pelo garante;

c) Passivos contingentes;

d) Quaisquer créditos do garante sobre o executado.

2 - Sendo o garante uma sociedade, o valor do seu património corresponde ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social determinado nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo, deduzido dos montantes referidos nas alíneas do número anterior.

3 - Sendo o garante uma pessoa singular, deve atender-se ao património desonerado e aos rendimentos suscetíveis de gerar meios para cumprir a obrigação, deduzidos dos montantes referidos nas alíneas do n.º 1”.

Portanto, até aqui podemos concluir que a AT, no caso, e para efeitos de avaliar as acções dadas em garantia, teria que lançar mão do disposto no Código do Imposto do Selo (CIS), em concreto do seu artigo 15º que regula o valor tributável de participações sociais e títulos de crédito e valores monetários. Foi o que sucedeu.

No que para o caso releva, dispõe o referido artigo 15º, nº 3, alínea a), do CIS, o seguinte:

“3 - O valor das acções, títulos e certificados da dívida pública e outros papéis de crédito é o da cotação na data da transmissão e, não a havendo nesta data, o da última mais próxima dentro dos seis meses anteriores, observando-se o seguinte, na falta de cotação oficial:

a) O valor das acções é o correspondente ao seu valor nominal, quando o total do valor assim determinado, relativamente a cada sociedade participada, correspondente às acções transmitidas, não ultrapassar (euro) 500 e o que resultar da aplicação da seguinte fórmula nos restantes casos:

Va = [ 1 / ( 2 x n ) ] x [ S + ( (R1 + R2) / 2 ) x f ]

em que:

Va representa o valor de cada ação à data da transmissão;

n é o número de ações representativas do capital da sociedade participada;

S é o valor substancial da sociedade participada, o qual é calculado a partir do valor contabilístico correspondente ao último exercício anterior à transmissão com as correções que se revelem justificadas, considerando-se, sempre que for caso disso, a provisão para impostos sobre lucros;

R1 e R2 são os resultados líquidos obtidos pela sociedade participada nos dois últimos exercícios anteriores à transmissão, considerando -se R1 + R2 = 0 nos casos em que o somatório desses resultados for negativo, sendo f o fator de capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no jornal da União Europeia e em vigor na data em que ocorra a transmissão, acrescida de um spread de 4 %;”

Como resulta da análise do despacho reclamado (cfr. ponto 7 dos factos provados), foi esta a fórmula adoptada pela AT, fórmula que lhe permitiu concluir pela falta de idoneidade da garantia oferecida – lê-se no despacho reclamado que “avaliam-se as acções da C…. & T….., Comércio Internacional SA detidas pela C….. & T…. SGPS SA, no valor de €0,00”.

Entende a Reclamante que, no caso, deveria a AT ter optado por outro método de avaliação das acções, em concreto “o segundo método do Ofício-Circulado ……, que tem como base o valor esperado dos fluxos financeiros futuros a libertar pela Recorrente, calculando com base no seu desempenho histórico e na evolução expectável da respectiva actividade”.

A Recorrente não tem razão.

Deve dizer-se, desde logo, que o dito Ofício Circulado, de Agosto de 2010, foi emitido muito antes do aditamento ao CPPT que introduziu o transcrito artigo 199º - A, quando a lei não regulava expressamente – como hoje - a avaliação da garantia destinada à suspensão da execução fiscal.

Como vimos, actualmente e no caso em análise, o CPPT remete para o valor apurado nos termos do CIS, em concreto, no que para aqui importa, para o artigo 15º. Na verdade, o aditado artigo 199º-A do CPPT acolheu, no que para aqui importa, a solução preconizada pela AT e constante do referido Of. Circulado nº ….. .

Ora, o artigo 199º-A não estabelece metodologias alternativas para a avaliação das acções num caso como aquele que aqui tratamos (acções sem cotações oficial), designadamente o método que a Recorrente lhe pretende ver aplicado e que tem como base “o valor esperado dos fluxos financeiros futuros a libertar pela Recorrente, calculando com base no seu desempenho histórico e na evolução expectável da respectiva actividade”.

De resto, e se bem interpretamos o invocado Of. Circulado nº …., nem aí se preconizavam dois métodos alternativos para a avaliação da garantia constituída por participações sociais. O que se veiculava em tal ofício é que, sem prejuízo de se adoptar o disposto no artigo 15º do CIS para determinação do valor da garantia, com vista à sua constituição e manutenção, para o caso de necessidade de execução da garantia poderia ser utilizado o “outro método, devidamente fundamentado, que permita, com base num modelo - baseado no valor esperado dos fluxos financeiros futuros a libertar pela entidade em questão, calculados com base no seu desempenho histórico e na evolução expectável da respectiva actividade - adequado para o efeito de apurar de forma mais sustentada um valor de realização de liquidez, em caso de necessidade de execução da garantia” (cfr. teor do ofício em questão).

Por conseguinte, o entendimento da Reclamante, ora Recorrente, não é de sufragar.

De todo o modo, deve lembrar-se que, como a AT evidenciou em informação prestada nos autos (cfr. fls. 30 a 32 do processo físico), a avaliação efectuada pela AT foi feita com base nos elementos mais actualizados que foram disponibilizados pela Executada (do ano de 2016) e que, mesmo alegando a melhoria contínua da sua situação, nenhuns elementos novos e diferentes foram carreados para o processo (o que se mantém nesta sede) que permitam infirmar o juízo de falta de idoneidade sufragado pela AT.

Mais se deve dizer que, sem prejuízo das ressalvas feitas pelo Tribunal aos items corrigidos pela AT quanto ao valor do Capital próprio, fundamentadas na “opinião com reservas”, constante da Certificação Legal de Contas do exercício de 2016, não foram aportados aos autos quaisquer elementos que infirmassem o bem fundado dos valores corrigidos, designadamente elementos que permitissem questionar a desconsideração de ajustamentos na conta de Clientes ou na conta outras contas a receber/diferimentos.

Portanto, deve concluir-se que a análise levada a cabo pelo Tribunal de 1ª instância não merece censura e, nessa medida, o decidido quanto à idoneidade da garantia oferecida.

Nesta conformidade, e sem necessidade de maiores considerações, deve concluir-se pela improcedência das conclusões da alegação de recurso que por fim vimos analisando, devendo negar-se provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2019


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Catarina Almeida e Sousa

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Vital Lopes

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Patrícia Manuel Pires


[1] Cfr. art. l 5°n°3 corpo e alínea a) do Código do Imposto de Selo, em que:

• Va, valor das ações;

• n, número de ações;

• S, valor substancial da sociedade, calculado a partir do valor contabilístico do último exercício, com as correções que se justifiquem (atendendo-se ao valor de provisões para impostos sobre lucros);

• RI e R2, resultados líquidos obtidos nos dois últimos exercícios, sendo o somatório mínimo igual a o;

• f, fator de capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juros do Banco Central Europeu às suas principais operações de refinamento