Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11270/14
Secção:CA-2ºJUÍZO
Data do Acordão:01/15/2015
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:PROCESSOS DE VALOR SUPERIOR A € 275.000,00
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:I. Nos processos de valor superior a € 275.000,00 impõe-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, salvo se o juiz, de forma fundamentada, o dispensar (cfr. artigo 6º, n.º 7 do RCP).

II. Nessas situações e caso o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, deve o mesmo ser notificado, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo, para efectuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça (cfr. artigo 14º, n.º 9 do RCP).

III. Sendo proferida sentença que homologa a transacção obtida pelas partes, condenando o réu em custas, impõe-se a notificação do autor para proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos referidos em III., caso o juiz não o tenha dispensado, devendo o mesmo ser tido em consideração na conta final.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

B. ………………, LDA interpôs recurso do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco em 30/01/2014, que indeferiu o pedido por si formulado em 21/01/2014 no sentido de ser dada sem efeito a notificação para pagamento do montante de € 16.218,00 a título de taxa de justiça inicial.

Formulou as seguintes conclusões:
“1ª – A Autora e a Ré lograram conseguir um acordo que pôs termo aos presentes autos, homologado por sentença proferida em 31.10.2013, nos termos do qual a Ré comprometeu-se a pagar as custas ainda devidas no presente processo.
2ª – No entanto, e desconsiderando por completo o acordado pelas partes, que foi expressamente ratificado pelo Tribunal a quo sem nada referir a este título na sentença, a secretaria do Tribunal a quo notificou a Autora para proceder ao pagamento do montante de € 16.218,00, alegadamente devido a título de taxa de justiça.
3ª – Por entender que só poderia tratar-se de um mero lapso de escrita, já que nada constava da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a Autora requereu, em 21.01.2014, que fosse dada sem efeito a notificação para pagamento do montante devido a título de taxa de justiça ainda devida pela apresentação da petição inicial, o que foi indeferido em 30.01.2014, referindo o Tribunal a quo que não dispensou a Autora do pagamento deste remanescente da taxa de justiça.
4ª – No entanto, o Douto Tribunal a quo desconsidera que, nos termos do disposto no artigo 3º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, “[a]s custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte”.
5ª – No despacho recorrido, o Tribunal a quo reconhece que o montante de € 16.218,00 se reporta ao “(…) remanescente da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial” (sublinhado nosso), pelo que, tendo em consideração o conceito de custas processuais ínsito no artigo 3º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, só pode concluir-se que este montante cujo pagamento o Tribunal a quo determinou ser da responsabilidade da Autora é, na verdade da integral responsabilidade da Ré, já que consubstancia custas do processo, as quais, nos termos do acordo celebrado, são da responsabilidade da Ré.
6ª – Devendo assim ser revogado o despacho proferido em 30.01.2014 e substituído por outro que dê sem efeito a notificação expedida em 08.01.2014, só assim se fazendo
JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
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A única questão que se coloca é a de saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento por violação do artigo 3º, n.º 1 do RCP.
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Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

Para a análise desta questão tem-se como assente a seguinte factualidade:
A) B. …………., Lda instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco acção administrativa comum contra a Unidade Local de …………, EPE, com vista a obter a sua condenação a pagar a importância de € 1.485.140,62, acrescida dos juros de mora vencidos no valor de € 105.870,47 e vincendos até integral pagamento (cfr. fls. 20 a 22 dos autos).
B) Autora e ré remeteram ao TAF de Castelo Branco um requerimento com o seguinte teor (cfr. fls. 19 dos autos):
“B. ………………, LDA e UNIDADE LOCAL DE ………….., EPE, A. e R., respectivamente nos autos supra identificados, vêm, nos termos do disposto nos artigos 7º, 8º e alínea d) do artigo 277º do CPC, todos do CPC (com a nova redacção do anexo à Lei n.º 41/2013, de 26.06), ex vi art. 1º do CPTA, informar que as partes lograram obter acordo do litígio subjacente aos presentes autos, pelo que, as partes acordam na extinção dos presentes autos, desistindo a A. da instância, o que a R. aceita.
As custas processuais serão suportadas pela R., prescindindo ambas as partes de custas de parte e procuradoria.”
C) Em 31/10/2013 foi proferido o seguinte despacho pela Senhora Juíza do TAF de Castelo Branco (cfr. fls. 20 a 22 dos autos):
“A B. ………….., Lda, com sede na Estrada ……………, n.º 80, ………….., Barcarena, intentaram contra a Unidade Local de Saúde ……….., EPE, com sede na Avenida ………., ……………, a presente acção administrativa comum, sob a forma ordinária, na qual pede a condenação da ré no pagamento de € 1.485.140,62, acrescido de juros de mora vencidos, à taxa legal, no valor de € 105.870,47 e dos juros de mora vincendos à taxa legal até integral pagamento.
Em 10/9/2013, a autora e a ré remeteram a este tribunal um requerimento, através de correio electrónico, no qual escreveram o seguinte:
“(…)
B. ………….. LDA e UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DA ................, EPE, A. e R., respectivamente nos autos supra identificados, vêm, nos termos do disposto nos artigos 7º, 8º e alínea d) do artigo 277º do CPC, todos do CPC (com a nova redacção do anexo à Lei n.º 41/2013, de 26.06), ex vi art. 1º do CPTA, informar que as partes lograram obter acordo do litígio subjacente aos presentes autos, pelo que, as partes acordam na extinção dos presentes autos, desistindo a A. da instância, o que a R. aceita.
As custas processuais serão suportadas pela R., prescindindo ambas as partes de custas de parte e procuradoria.
(…)” [cf. fls. 4128 a 4129, numeração do SITAF].
Em 11/9/2013 foi proferido o seguinte despacho:
“Notifiquem-se ambas as partes para, no prazo de 10 (dez) dias, esclarecerem se quando afirmam que pretendem “acordar na extinção dos presentes autos, desistindo a A. da instância, o que o R. aceita”, o que pretendem é:
i) extinguir a acção por transacção, caso em que, nos termos do artigo 537º, n.º 2 do NovoCPC, é admissível acordo quanto à responsabilidade por custas
ou
ii) se pretendem extinguir os presentes autos por desistência da instância, caso em que, nos termos do artigo 537º, n.º 1 do NovoCPC, a autora será condenada no pagamento das custas.
com a expressa advertência de que se nada disserem, no referido prazo, o tribunal entenderá que pretendem por fim à presente acção através de transacção, nos seguintes termos:
a) a autora desiste da instância;
b) o réu aceita a desistência da instância;
c) as partes acordam que a ré fica responsável pelo pagamento das custas; e
d) ambas as partes acordam em não exigir mutuamente custas de parte.”
Notificadas as partes do despacho ora transcrito, nada vieram dizer, pelo que aplicando a cominação expressamente constante do mesmo, se considera que as partes pretendem por fim à presente acção através de transacção.
Nos termos dos artigos 283º, n.º 2, 284º e 289º, n.º 1 a contrario, do Novo CPC, é lícito às partes transigir sobre o objecto da causa, em qualquer estado do processo, desde que não estejam em causa direitos indisponíveis, cessando a causa nos precisos termos em que transaccionam.
Na presente acção estão em litígio direitos de crédito, os quais se encontram na livre disposição das partes.
Tendo em conta a qualidade dos sujeitos intervenientes e a natureza disponível dos direitos, julgo válida, por sentença, a transacção apresentada pelas partes a fls. 5129, numeração do SITAF, a qual homologo e, em consequência, condeno e absolvo a ré, nos precisos termos que constam da transacção – artigos 283º, n.º 2, 284º e 289º, n.º 1, a contrario, 290º, n.º 1 e n.º 3, todos do Novo CPC e procurações com poderes especiais juntas aos autos.

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Fixo à causa o valor de € 1.591.011,09 – cf. artigo 306º, n.º 1 e 2 do Novo CPC, aplicável ex vi artigo 31º, n.º 4 do CPTA e artigo 32º, n.º 1 do CPTA.
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Condeno a ré no pagamento das custas, nos precisos termos acordados no documento junto a fls. 5129, numeração do SITAF – cf. artigo 537º, n.º 2 do Novo CPC.
(…).”
D) Em 3/01/2014 foi dada vista ao Exm.º Magistrado do Ministério Público com a informação de que “o Mandatário da Autora foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 14º n.º 9 e art. 6º n.º 7 ambos do RCP, não tendo procedido ao pagamento do remanescente em falta no montante de 16.218,00€” (cfr. fls. 48 dos autos).
E) O Exm.º Magistrado do Ministério Público promoveu que “se notifique de novo a A. para proceder ao (…) pagamento” do “remanescente da taxa devida pelo impulso processual” (cfr. fls. 49 dos autos).
F) Em 7/01/2014 foi proferido o seguinte despacho: “proceda-se em conformidade com a promoção do DMMP” (cfr. fls. 50 dos autos).
G) Por ofício de 8/01/2014 foi a ora recorrente notificada nos seguintes termos (cfr. fls. 51 dos autos:
“Fica V. Ex.ª notificado, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo do despacho de que se junta cópia, bem como da informação prestada nos autos com indicação do montante em dívida, bem como da promoção do Digno Magistrado do M.º P.º, de que se junta cópia.
Deverá efectuar tal pagamento através de DUC (Documento Único de Cobrança), remetendo o seu comprovativo a este Tribunal.”
H) Em 21/01/2014 deu entrada no TAF de Castelo Branco um requerimento apresentado pela ora recorrente com o seguinte teor (cfr. fls. 26 dos autos):
“ B. BRAUN MEDICAL LDA, A. nos autos acima identificados, tendo sido notificada do despacho proferido por este Douto Tribunal em 7.01.2014 e consequente notificação, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1 – Por requerimento apresentado em 12.09.2013, as partes requereram a este Douto Tribunal que homologasse a transacção obtida, a qual, no que às custas processuais concerne, estabelecia expressamente que as mesmas seriam da responsabilidade da R.
2 – A referida transacção foi homologada por sentença proferida por este Douto Tribunal em 31.10.2013, na qual expressamente se fez constar que a transacção é homologada “nos seus precisos termos”.
3 – As custas devidas deverão ser pagas pela R. nos termos acordados pelas partes e homologados por este Douto Tribunal.
4 – Assim, requer-se a V. Exa. que dê sem efeito a presente notificação e notifique a R. para proceder ao pagamento do montante ainda devido a título de custas processuais.”
I) Em 30/01/2014 foi proferido o seguinte despacho (cfr. fls. 28 dos autos):
“A A. veio peticionar que seja dada sem efeito a notificação que lhe foi dirigida para pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial.
Para sustentar o seu pedido alega que na sentença que homologou a transacção a R. foi condenada a pagar as custas.
Com efeito, o Tribunal condenou a R. no pagamento total das custas.
Porém, o Tribunal não dispensou a autora do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial, nem a autora requereu esta dispensa – cf. artigo 6º, n.º 7 do RCP.
Ora, não tendo o tribunal na sentença de homologação da transacção dispensado a autora do pagamento do remanescente não pode agora fazê-lo, conforme decorre do artigo 14º, n.º 9 do RCP.
Esta norma estabelece que, nas acções de valor superior a € 275.000 em que não haja sido dispensado o pagamento nos termos do artigo 6º, n.º 7 do RCP, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final (no caso a A.) é notificado para efectuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.
Assim, a notificação só tem lugar se na decisão final o tribunal não tiver dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, de onde decorre que a decisão sobre a dispensa deve ter lugar na decisão que põe ao processo.
Pelo exposto, indefere-se o pedido formulado pela A.”

2. Do Direito

Correu termos no TAF de Castelo Branco acção administrativa comum intentada por B. ………………….., Lda, ora recorrente, contra a Unidade Local de Saúde da ................, EPE, com vista a obter a sua condenação a pagar a importância de € 1.485.140,62, acrescida dos juros de mora vencidos no valor de € 105.870,47 e vincendos até integral pagamento.
A referida acção terminou por sentença de 31/10/2013, que homologou o acordo obtido entre as partes e condenou “a ré no pagamento das custas, nos precisos termos acordados no documento junto a fls. 5129, numeração do SITAF”.
Posteriormente, a secretaria do TAF de Castelo Branco notificou a ora recorrente para pagar a importância de € 16.218,00, nos termos do disposto nos artigos 6º, n.º 6 e 14º, n.º 9 do RCP.
Discordando do teor dessa notificação, a recorrente apresentou um requerimento, pedindo que a mesma seja dada sem efeito.
Tal pedido foi indeferido por despacho de 30/01/2014, na medida em que se entendeu que a recorrente não foi dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial, pelo que deve efectuar o mesmo, nos termos do disposto no artigo 14º, n.º 9 do RCP.
Discorda a recorrente deste entendimento, pois considera que o montante em causa, reportando-se ao remanescente da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial, é da responsabilidade da ré, já que a sentença homologatória condenou-a no pagamento das custas e estas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cfr. artigo 3º, n.º 1 do RCP).
Sem razão, porém.
Note-se que, nem na notificação que foi efectuada, nem no despacho recorrido, se refere que é a ora recorrente que deve suportar, a final, o montante em causa.
Do que se trata é tão só de assegurar o pagamento do montante relativo ao remanescente da taxa de justiça – que não foi dispensado pelo Juiz – nos termos do disposto no artigo 14º, n.º 9 do RCP.
Dispõe este preceito que “nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo”.
Ora, no caso dos autos impõe-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça pois o Juiz não o dispensou; por outro lado, o responsável pelo impulso processual, a ora recorrente, não foi condenado a final.
Assim sendo, impunha-se a sua notificação para pagamento do remanescente da taxa de justiça em falta, nos termos do disposto no n.º 9 do artigo 14º do RCP, tanto mais que relativamente à recorrente não há lugar a acto de contagem de custas da sua responsabilidade.
Efectivamente, e como a mesma bem refere, tendo a sentença condenado a ré no pagamento das custas e abrangendo estas, além do mais, a taxa de justiça (cfr. artigo 3º, n.º 1 do RCP), será ela quem irá, a final, suportar o remanescente da taxa de justiça em causa.
Como escreve o Conselheiro Salvador da Costa em anotação ao n.º 9 do artigo 14º do RCP, “refere-se, pois, especificamente, este normativo ao caso de o responsável pelo pagamento do referido remanescente da taxa de justiça não ter sido condenado a final e, por isso, não haver lugar a ato de contagem de custas da sua responsabilidade. É nessa situação que o devedor do remanescente da taxa de justiça deve ser notificado pela secretaria para proceder ao seu pagamento no decêndio posterior à notificação da decisão que ponha termo se o juiz o não dispensar. Não ocorrendo essa dispensa, quanto ao vencido, o referido remanescente deve ser considerado na conta final, ou seja, na sequência do trânsito em julgado da sentença final” (in Regulamento das Custas Processuais Anotado, 2013 – 5ª edição, pág. 265/266).


DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2015


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(Conceição Silvestre)


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(Cristina dos Santos)


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(Paulo Pereira Gouveia)