Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03655/09
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IVA - DIREITO À DEDUÇÃO
Sumário:I. O legislador comunitário estabeleceu uma distinção fundamental entre as despesas que têm carácter estritamente profissional e aquelas que não têm ligação com a actividade profissional do sujeito passivo, excluindo expressamente as despesas sumptuárias, com diversão ou de representação do direito à dedução de IVA. (cf. Casos Comissão / França, proc. 50/87 [1988]; Lennartz, proc. 97/90 [1991]; GabalfrisaSL, proc. apensos C-110/98 a C-147/98 [2000]).

II. Exclui-se, por isso, do direito à dedução o imposto contido nas despesas referidas no n.º1 do artigo 21.º do CIVA, ou seja, nas despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

III. Consagra a al.e) do n.º1 do artigo 21º do CIVA a não possibilidade de dedução de imposto no que se refere a despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração.

IV. Trata-se de uma delimitação expressa das exclusões do direito à dedução que é de aplicação geral, independentemente de as despesas aí previstas concorrerem ou não para a realização de operações tributáveis.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA de 27 de Agosto de 2009, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, com o fundamento na prescrição da obrigação tributária, na impugnação deduzida pela sociedade «S……-SOCIEDADE …………………….., LDA» contra as liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios, referente ao exercício de 1996.


A Recorrente, nas respectivas alegações apresentou o seguinte quadro conclusivo:
A) A douta sentença de que ora se recorre errou ao não considerar como provada a suspensão dos autos de execução fiscal nº ……………. e ……………………, por via da prestação de garantia apresentada pelo próprio impugnante.
B) Ora, como se colhe comprovadamente do teor de fls. 18 e ss. dos autos executivos, o impugnante veio a apresentar como garantia para efeitos de suspensão da execução, o direito ao trespasse de um artigo matricial.
C) O versado requerimento veio a merecer deferimento pelo SF de Almeirim, tal como decorre do despacho proferido pelo seu chefe, datado de 4 de Agosto de 2000.
D) Tendo ai ficado decidida a suspensão dos autos executivos por força da garantia apresentada pelo impugnante.
E) Razão pela qual, não pode deixar de o Tribunal de recurso reconhecer o lapso cometido pelo Tribunal a quo ao desconsiderar totalmente a existência de suspensão do processo executivo, por força da garantia prestada e, em consequência aditar à matéria de facto provada a sobredita suspensão das execuções fiscais em apreço.
F) Ora, nos termos do seu n.º 3, a prescrição interrompe-se com a o reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação e a instauração da execução fiscal, cessando porém esse efeito se o processo estiver parado por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte, convertendo-se neste último caso, essa interrupção em um ano de suspensão.
G) Aplicando à factualidade dos presentes autos o regime constante da supra exposta norma legal, temos que a interrupção da prescrição ocorreu desde logo em 28.09.1998, com a apresentação da reclamação graciosa.
H) Esta interrupção durou até 24.04.1999, data em que a reclamação foi indeferida pela Administração Fiscal (AF), pelo que o reinício do prazo prescricional apenas se daria em 25.04.1999.
I) Sucede, no entanto, que em 10.11.1998, teve lugar nova causa interruptiva da prescrição à luz do n.º 3 do artigo 34° do CPT: a instauração dos processos de execução fiscal em causa.
J) Ora, a existência de mais do que uma causa interruptiva e o aproveitamento de todas elas para a contagem da prescrição tem vindo a ser sufragada de forma unânime pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), inclusivamente em sede do Pleno daquele tribunal superior.
K) Perante a clareza jurisprudencial da interpretação a conferir quer ao artigo 34°, n.º 3 do CPT, como ao n.º 3 do artigo 49° da LGT (na sua versão original, anterior portanto à Lei 53-A/2006, de 29.12.), impõe concluir-se que andou mal a douta sentença ao desconsiderar todas estas ocorrências com virtualidade interruptiva da excepção prescricional.
L) Mas a errada interpretação e aplicação de preceitos jurídicos (designadamente o artigo 34° do CPT e 49° da LGT) não se quedou pelo supra exposto, dado que nos termos da redacção à época vigente - ano 2000 - do n.º 3 do artigo 49° da LGT: "O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso."
M) Perante este quadro legal vindo de supra enunciar, dúvidas não podem subsistir quanto à existência de um efeito suspensivo da prescrição por força da paragem -suspensão - do processo de execução fiscal (cuja legalidade da divida se discute na presente impugnação judicial deduzida em 12.05.1999) por força da prestação de garantia oferecida pelo impugnante em 26.07.2000 e efectivada pelo SF de Almeirim em 26.07.2000.
N) Destarte, significa assim que nos termos conjugados do artigo 34°, n.º 3 do CPT e do artigo 49°, n.º 3 na sua redacção original (logo, anterior à Lei 53-A/2006, de 29.12), no caso dos autos o termo inicial da contagem prescricional apenas ocorreu 1 ano após a instauração dos processos executivos, ou seja em 11.11.1999, em virtude das sucessivas interrupções por via da apresentação de reclamação e mais tarde por força da instauração dos processos de execução fiscal.
O) Ora, tendo-se reiniciado o prazo prescricional em 11.11.1999, o mesmo veio a ser objecto de suspensão, por força da apresentação de garantia pelo impugnante em 26.07.2000, efectivada pelo SF em 27.07.2000 e declarada a suspensão da instância executiva por despacho de 4 de Agosto de 2000, a qual teve a virtualidade de operar a paragem do andamento da execução fiscal até à presente data.
P) A este respeito, pela sua clareza, não podemos deixar de citar trecho do sumário constante do processo n.º 0307/09 do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.07.2009, no qual se conclui que: "11- O prazo de prescrição, que começou a contar-se após a paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, suspende-se se o processo de execução fiscal foi suspenso em virtude de estar pendente a impugnação judicial (art. 49.º, n. º 3, da LGT, na redacção inicial).
Q) Garantia apresentada essa pelo impugnante que, nos termos do artigo 49°, n.º 3 da LGT, na sua redacção original, tem a virtualidade legalmente conferida de suspender o andamento da execução fiscal e concomitantemente o prazo de prescrição, uma vez que nesta conformidade ao impugnante não pode deixar de lhe ser imputável a paragem do processo executivo, o qual, como supra se afirmou veio a ser suspenso na senda da apresentação de activo do impugnante para efeitos de garantia das execuções fiscais.
R) Nos termos supra melhor expendidos, não pode a douta sentença manter-se na ordem jurídica, devendo, pelo exposto, a mesma ser revogada e substituída por outra que declare a divida como exigível, à luz quer dos 10 anos cominados no artigo 34° do CPT, como bem assim no âmbito do regime de 8 anos previsto nos artigos 48° e 49° da actualmente vigente Lei Geral Tributária.


Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência ser reconhecida a exigibilidade da divida exequenda e, concomitantemente ser ordenada a baixa dos autos à primeira instância para prolação de sentença que, desta feita, conheça da questão de fundo suscitada pelo impugnante na sua douta petição inicial.


Não foram apresentadas contra-alegações.
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O EXCELENTÍSSIMO PROCURADOR-GERAL ADJUNTO junto deste Tribunal emitiu parecer no qual suscitou como questão prévia a da incompetência em razão da hierárquica deste Tribunal Central Administrativo para conhecimento do recurso, nos termos seguintes:
«A recorrente impugna, em recurso restrito à matéria de direito, a sentença do TAF de Leiria.
Ora, o presente recurso jurisdicional recurso foi admitido para este Tribunal. Sendo que o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal, porque o conhecimento é de ordem pública e precede o de qualquer outra matéria, visto que o disposto no art.º 13º do CPTA, aplicável por via do art.2º do CPPT.
Versando o recurso interposto exclusivamente matéria de direito, suscita-se a questão da competência, em razão da hierarquia por caber conhecer do mesmo, não a este Tribunal mas à secção dos art.s 12º, nº5. 26º, alínea b) e 38º. al.a) do ETAF.
Com efeito, a regra geral da competência deste TCA constante do art.38º, al.a) do ETAF só se aplica quando está em causa a apreciação de matéria de facto e de direito.
Não sendo o caso dos autos, por estar apenas em matéria de direito, este Tribunal é incompetente para conhecer do recurso, em razão da hierárquica.
Configurando a mencionada incompetência excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, de acordo com os art.s 493º, n.º2; 494º al.a) e 495 do CPC, como tal devem ser apreciadas e declaradas, com as consequências legais.»

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Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo suscitada no Parecer do Ministério Público, nenhuma delas usou de tal faculdade.

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Foram colhidos os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que nada obsta.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Com este pano de fundo, importa a título prévio decidir da competência deste Tribunal Central Administrativo para conhecer do presente recurso e improcedendo tal questão prévia, haverá então que conhecer do mérito do recurso, averiguando da existência de erro de julgamento da sentença recorrida quando considerou prescrita a dívida correspondente à liquidação de IVA do ano de 1996.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:
A. A Impugnante, S…- Sociedade ………….., Lda., com o NIF ……………. e CAE 51170 tributado, à data dos facto, no regime normal periodicidade mensal do IV A e em sede IRC pelo regime geral pela actividade de "Comércio por grosso, NE - cfr. fls. 13 e 14 do processo de reclamação graciosa junto aos autos.
B. No âmbito de uma acção de fiscalização efectuada em cumprimento da ordem de serviço n.º 11589 de 02/02/98, com a finalidade de fiscalizar os sujeitos passivos com anomalias nas aquisições intracomunitárias - VIES, foi proposta a correcção de 1 700000$00 em sede de IVA - cfr. fls. 19 do processo de reclamação graciosa junto aos autos.
C. A Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, endereçou ao aqui, duas cartas dando-lhe conta que das liquidações números:
a) …………. referente a IVA no montante de 1 700 000$00, com data limite de pagamento em 30/06/1998;
b) ………… referente a juros compensatórios no montante de 236 975$00, com data limite de pagamento em 30/06/1998.
Tudo conforme consta de fls. 6 e 7 dos autos.
D. Em 28/09/1998, o aqui Impugnante deduziu reclamação graciosa dirigida ao Director Distrital de Finanças de Santarém, tendo por objecto as liquidações supra identificadas - cfr. fls 2 e seguintes dos respectivos autos de reclamação apenso aos presentes.
E. A reclamação supra identificada foi indeferida, por despacho do Director Distrital de Santarém, por delegação em 29/04/1999 - cfr. fls 61 dos respectivos autos de reclamação apenso aos presentes.
F. O aqui Impugnante tomou conhecimento desta decisão por carta registada com aviso de recepção, que assinou em 04/05/1999 - cfr. fls. 62 dos respectivos autos de reclamação apenso aos presentes.
G. Em 12/05/1999, foi deduzida e autuada a presente impugnação - cfr. fls. 2 e seguintes dos autos.
H. A Impugnação esteve parada entre 02/03/2001 e 12/64/2009, por facto não imputável ao contribuinte - cfr. fls. 52 a 55 dos autos.
I. Em 03/11/1998 foram extraídas certidões de dívida n.ºs ……….. e ……….., nas quais se indica que o prazo de pagamento voluntário terminou em 30/06/1998 -conforme consta do PEF n.º …………… e apenso, junto aos autos.
J. As certidões de divida supra, deram origem à instauração do PEF n." ………….e 1…………., pela Repartição de Finanças de ………….. em 10/11/98 - conforme consta do PEF junto aos autos.
K. Em 11/11/98 foi expedido aviso ao executado nos termos das circulares n.º 19 e 26/69 da D.G.C.lmpostos - Registo n.º 20337 e 2338 de 11-11-98) - conforme consta de fls. 2v dos respectivos processos executivos.
L. Os processos executivos supra referidos estiveram parados desde a expedição do aviso a que supra nos referimos até 07/12/1999, data da apensação do segundo ao primeiro -cfr. fls. 4 do PEF n.º ……………………..

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra.
Como se sabe, os erros de escrita ou de cálculo, ou qualquer inexactidão contida numa sentença, devido a omissão ou lapso manifesto, podem ser corrigidas pelo juiz a requerimento do interessado ou mesmo oficiosamente (artigo 614º do CPC ex vi artigo 2º, al.e) do CPPT).
No caso concreto, do contexto da factualidade apurada, resulta inequívoco, que a referência no ponto H. à data “ 12/64/2009” é um erro material de escrita, um lapso manifesto, que pode e deve ser corrigido, logo que detectado, o que se passa a fazer neste momento.
Assim, onde se lê, no probatório fixado em 1ª Instância:
H. A Impugnação esteve parada entre 02/03/2001 e 12/64/2009, por facto não imputável ao contribuinte - cfr. fls. 52 a 55 dos autos.
haverá de ler-se:
H. A Impugnação esteve parada entre 02/03/2001 e 12/06/2009, por
facto não imputável ao contribuinte - cfr. fls. 52 a 55 dos autos.
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Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, a coberto do estatuído no artigo 662º, nº 1, do CPC ex vi artigo 281º do CPPT ao probatório, a seguinte factualidade:
M. Em 26.07.2000, a Impugnante ofereceu como garantia o direito ao trespasse e arrendamento do prédio sito na Zona Industrial, com vista à suspensão da execução fiscal a que alude o ponto J. do probatório. ( fls. 18 do processo de execução fiscal apenso)
N. Em 04.098.2000, o Chefe do Serviço de Finanças proferiu o seguinte despacho: « Considerando que a divida se mostra garantida com a penhora efectuada, SUSPENDAM-SE os autos até à decisão do pleito, nos termos do artigo 255º, n.º1 do CPT.» ( fls. 23 do processo de execução fiscal apenso)
N) Na sequência da acção de fiscalização a que alude a al.B) do probatório foi elaborado o Relatório Final de Inspecção de que consta designadamente o seguinte:
«1.2. No IVA dedutível:
a) Em Dezembro de 1996, dedução indevida de IVA no valor dee 170.000$00, porque o sujeito passivo deduziu IVA sobre as despesas a de luxo, mencionadas no talão de venda n.º 030, de 30.12.1996 (Anexo – 8), que também não contem os elementos referidos no artigo 35º, n.º 5 do CIVA, o que constitui infracção aos artigos: 21, n.º1, e) e 19º, n.º2 do CIVA ». ( fls. 18 do PAT em apenso)

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B.DE DIREITO
Ø Da incompetência deste Tribunal Central Administrativo Sul para conhecer do presente recurso
Tendo sido suscitada pelo, Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal a questão da incompetência deste tribunal para apreciar o recurso, por não haver controvérsia factual a dirimir, importa conhecer de tal questão dado que a mesma merece imediata e prioritária apreciação face ao disposto nos artigos 16.º, n.º 2, do CPPT e 13.º do CPTA.
Na verdade, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria (cfr. artigo 13.º do CPTA, ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT).
A incompetência absoluta é uma excepção dilatória – artigo 494.º, alínea a), do CPC – de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 16.º, n.º 2, do CPPT).
A infracção às regras da competência em razão da hierarquia, da matéria (e da nacionalidade) determina a incompetência absoluta do tribunal (cfr. artigo 16.º, n.º 1, do CPPT).
Nos termos do artigo 280.º, n.º 1 do CPPT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Por outro lado, é sabido que, nos termos do artigo 641.º, n.º 5 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida da incompetência deste Tribunal Central Administrativo “ad quem” em razão da hierarquia.
O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, para determinação da competência hierárquica, em face do preceituado nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF e artigo 280.º, n.º 1, do CPPT, o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida. Nesse sentido, a jurisprudência STA tem vindo a entender que (na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo) deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, desde que estes, em abstracto, não sejam indiferentes para serem ponderados no julgamento da causa (vide neste sentido Acórdãos do STA de 20.05.2009, 03.10.2007, 31.01.2007 e 17.01.2007, proferidos respectivamente nos processos n.ºs 18/09, 373/07, 1027/06 e 962/06, todos disponíveis no endereço www.dgsi.pt.
Nas doutas alegações de recurso, a Fazenda Pública invocou matéria de facto ao afirmar que a decisão recorrida havia errado na selecção da factualidade. E essa invocação da matéria de facto consta claramente da conclusão E) e G).
Deste modo, improcede a excepção de incompetência em razão da hierarquia suscitada pelo Ministério Público, havendo, pois, que conhecer do objecto do recurso.

A Fazenda Pública veio recorrer da sentença da Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou prescrita a dívida impugnada nos presentes autos - impugnação deduzida por «S…….- SOCIEDADE -------------------, LDA» contra a liquidação de IVA do ano de 1996 e respectivos juros compensatórios - e declarou a inutilidade superveniente da lide.

A Mmª Juíza do Tribunal «a quo» apreciando a impugnação judicial, entendeu conhecer oficiosamente da prescrição, considerando que a dívida correspondente à liquidação impugnada estava prescrita, uma vez que «a execução foi autuada em 1998 e ficou parada nesse mesmo ano até 07/1271999 (ponto K. e L. do probatório), por facto não imputável ao contribuinte. Facto que por si só basta para concluir pela prescrição da divida exequenda

A recorrente Fazenda Pública, por sua vez, entende que a garantia prestada pela recorrida em 26.07.2000 e efectivada pelo Serviço de Finanças em 27.07.2000, teve a virtualidade de operar a paragem do andamento da execução fiscal até á presente data, por força do n.º 3 do artigo 49º da LGT, na redacção inicial.

A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é, pois a de saber se ocorreu a prescrição da dívida de IVA e juros compensatórios, relativa ao ano de 1996.

Vejamos, então.

Estando em causa imposto (IVA) relativo ao ano de 1996, pelo que, tal como decidido pela sentença “a quo” e aceite pela recorrente, há que aplicar o prazo de prescrição de 10 anos estatuído no artigo 34º do CPT.

Assim, e acaso inexistissem quaisquer factos determinantes da interrupção da contagem do prazo de prescrição, o prazo de referência terminaria em 31.12.2007.

Cumpre, por isso, averiguar da ocorrência de causas de interrupção ou de suspensão do prazo de prescrição no âmbito do CPT, tendo sempre presente que os efeitos jurídicos de factos são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem, como decorre do n.° 2 do artigo 12.° do CC.

O primeiro acto interruptivo ocorreu em 28.09.1998, data em que foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda (cf. n.º 3 do artigo 34°, do CPT). Interrupção esta que durou até 24.04.1999, data em que a reclamação graciosa foi de decidida. [pontos D. e E. do probatório]

Porém, em 10.11.1998, foi instaurada execução fiscal [ponto J. do probatório] à qual o n.° 3 do artigo 34° do CPT conferia também efeito interruptivo da prescrição. E, menos de um ano depois, em 12.05.1999, foi apresentada a impugnação judicial [ponto G. do probatório].

O artigo 49º, nº 2 da LGT, em vigor à data dos factos determinava que “A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.

Todavia, a cessação do efeito interruptivo decorrente da paragem da impugnação por mais de um ano - entre 02.03.2001 a 12.06.2009 - [ponto H. do probatório], por motivo alheio à impugnante, não é na prática operante, uma vez que é sobrelevado pela relevância autónoma da prestação de garantia (facto suspensivo não ponderado pela sentença recorrida) a que é atribuído efeito suspensivo da prescrição.

Com efeito, tal como resulta do ponto M. do probatório, a recorrida em 26.07.2000, ofereceu como garantia o direito ao trespasse e arrendamento do prédio sito na Zona Industrial, com vista à suspensão da execução fiscal. Por força da garantia prestada em 26.07.2000 [ponto N. do probatório], foi declarada suspensa a execução por despacho da autoria do Chefe do Serviço de Finanças de 04.08.2000.

Na realidade, a paragem do processo de execução por motivo da suspensão requerida pela recorrida é-lhe imputável, pois a sua actuação coloca o órgão de execução fiscal, enquanto credor da dívida exequenda, numa situação de a não poder cobrar, nos termos do disposto no n.º3 do artigo 49º, da LGT (redacção inicial) e artigo 169º do CPPT (Jorge Sousa, in “Sobre a prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed.”, pág. 68)

E, assim, como também se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.12.2010, processo n.º 0490/10: «I- A impugnação judicial interrompe a prescrição, mas a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar tal efeito, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação (n.ºs 1 e 2 do artigo 49.º da LGT).

II - Porém, se a execução se encontrar suspensa em virtude de prestação de garantia ou de penhora de bens que garantam a totalidade da dívida e do acrescido, ao abrigo do artº 169º do CPPT, a paragem do processo não releva para efeitos de prescrição, uma vez que, em face do disposto no nº 3 do artº 49º da LGT, a prescrição se suspende também com a paragem da execução.» (disponível no endereço www.dgsi.pt).

Acresce, nada havendo a obstar á aplicação do n.º3 do artigo 49º da LGT, pois que, de acordo com a jurisprudência uniforme e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, a LGT é competente para determinar os eventos interruptivos e suspensivos que ocorram na sua vigência, ainda que atinentes a prazos prescricionais iniciados na vigência do CPT, e para determinar os efeitos que sobre esse prazo têm os eventos, não podendo esse efeito imediato da lei nova ser considerado como representando um evento retroactivo. (entre muitos outros - acórdão do STA de 28.03.2012, processo n.º 0213/12 – disponível no endereço www.dgsi.pt).

Nesta conformidade, tendo a prestação da garantia a pedido da recorrida ocorrido em 26.07.2000, quando a impugnação parou por mais de um ano (de 02.03.2001 a 12.04.2009), o prazo de prescrição estava já suspenso do até que haja decisão transitada em julgado à luz da norma contida no nº 3 do artigo 43º da LGT.

E, sendo assim, temos então, que mal andou a sentença sob exame em não ponderar a relevância do facto suspensivo, consubstanciado na prestação de garantia. O que significa que, não pode dizer-se que a divida que subjaz ao acto de liquidação impugnado se encontra prescrita.

Em consequência, revoga-se a declaração de prescrição constante da sentença recorrida, impondo-se, por isso, apreciar da legalidade da liquidação de IVA do ano de 1996.

Ø DO CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO

O conhecimento em substituição encontra legitimação no artigo 665 º do CPC, onde se estatui que os poderes de cognição do tribunal de recurso incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, cumprindo ao tribunal de recurso, assegurado que seja o contraditório e prevenindo o risco de decisões-surpresa, resolvê-las sempre que disponha dos elementos necessários.
Nos presentes autos foi dado prévio cumprimento ao dever de assegurar o contraditório (fls 124) a que alude o nº 3 do artigo 665º do CPC.
Neste contexto, nada obsta à apreciação da questão suscitada pela Impugnante na petição inicial e não apreciada pelo Tribunal “a quo”.
A liquidação de IVA sindicada foi emitida na sequência de uma acção de inspecção realizada à contabilidade da impugnante, com referência ao ano de 1996, em que a Administração Tributária e Aduaneira (ATA) concluiu que aquela terá deduzido indevidamente IVA contido no Talão de Venda n.º 030 de 30.12.1996, no valor de 1.700.000$00, por se tratar de despesas de luxo e por não conter os elementos referidos no artigo 35º, n.º5 do CIVA.
Como é sabido, o IVA é um imposto geral sobre o consumo que incide sobre as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional - artigo 1.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
O exercício do direito à dedução do IVA consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artigo 17º, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito.
O artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, estabelece como obrigação dos sujeitos passivos de IVA «Emitir uma factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços».
Embora a lei não nos dê uma definição legal de factura, a redacção do artigo 476.º do Código das Sociedades Comerciais - «O vendedor não pode recusar ao comprador a facturas das coisas vendidas e entregues, com o recibo do preço ou da parte de preço que houver embolsado» - e, bem assim, a sua inclusão no título XIV - «DA COMPRA E VENDA» -, permite-nos concluir que factura é o «documento emitido pelo vendedor, destinado ao adquirente e que deve, ao menos, identificar os intervenientes e as mercadorias objecto de transacção» ( Acórdão do STA de 17.02.1999, proferido no processo n.º 20.593, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Maio de 2002, págs. 646 a 651).
Assim, chama-se factura ao documento em que o vendedor faz a discriminação completa das mercadorias que venda ao comprador e em que indica as despesas que efectuou, bem como as vantagens que concede nos preços e as condições de entrega e de pagamento. (Herculano Curvelo e Campos Laires, O imposto de transacções sobre as mercadorias, pág. 502.)
O artigo 35º do CIVA estabelece determinados requisitos na emissão de facturas ou documentos equivalentes que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente nos termos do artigo 19º nº 2 do mesmo Código.
O certo é que a norma do artigo 19° do CIVA não nos esclarece sobre qual é a "forma legal" que exige. Mas o diploma diz-nos, adiante, nas várias alíneas do n° 5 do artigo 35°, que as facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; conter o preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; e conter as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido.
Daqui resulta, pois, que, para o CIVA, uma factura passada em forma legal é a que respeite o estatuído no seu artigo 35°, ou seja, que para tal efeito, a factura que não respeite todas estas exigências não é uma factura passada em forma legal.
Neste conspecto, nem pode dizer-se que este artigo 35º permite distinguir entre falta de forma legal e falta de elementos meramente acessórios, não essenciais, que só podem levar ao suprimento da falta.
É que, o legislador estabeleceu, no artigo 19° n° 2 do CIVA, duas condições para a dedução do imposto: que ele esteja mencionado em factura ou documento equivalente e que essa factura ou documento equivalente esteja "em forma legal".
Para além dos requisitos referidos no artigo 35º, n.º 5 do CIVA, por força do disposto no artigo 5.º do DL n.º 198/90, de 19 de Junho, «A partir de 1 de Janeiro de 1992, a numeração e a impressão das facturas e documentos equivalentes referidos no art.º 35.º do Código do IVA devem obedecer aos requisitos exigidos no n.º 3 do art.º 3.º, art.º 4.º e art.ºs 7.º a 11.º do Decreto-Lei n.º 45/89, de 11 de Fevereiro».
No caso, o conteúdo do “Talão de Venda “ não foi processado através de mecanismos de saída de computador mas contem a identificação da tipografia que a imprimiu, e a pertinente autorização ministerial (artigos 3.º, n.º 3, 4.º e 7.º a 11.º do DL n.º 45/89, de 11 de Fevereiro, aplicável ex vi do artigo 5.º do DL n.º 198/90, de 19 de Junho).
Para além de tais elementos, do “Talão de Venda” consta a identificação do comprador e vendedor, preço total, data de transacção, e a taxa de IVA aplicável. Mais constando, em documento anexo a listagem discriminativa dos artigos vendidos e respectivo preço. Desde modo, os elementos descritos no Talão de Venda e respectivo documento anexo permitem apetrechar a ATA do poder de controlar a veracidade da operação tributável (finanzamt gummersbach e Gerhard Bockemühl; proc. C-90/02 [2002] e dos factos neles constantes.
Assim, o documento em causa (Talão de Venda) cumpre a exigência legal contida no artigo 35º, n.º 5 do CIVA, podendo a Impugnante, portanto, exercer o direito à dedução do IVA com base em tal documento.

Passemos a outra questão, que é a de saber se a correcção efectuada ao IVA deduzido pela Impugnante no montante de 1.7000.000$000, com base no disposto na al.e) do n.º1 do artigo 21º do CIVA sofre da ilegalidade que lhe foi diagnosticada pela Impugnante.

Neste particular sustenta a Impugnante que as despesas só são de luxo segundo o critério valorativo do agente fiscalizador, certamente por desconhecer as exigências específicas da actividade enológica.

Antes de nos debruçarmos sobre a questão de fundo suscitada, importa antes de mais, ter em conta o quadro legal em que se movimentou a ATA para proceder à liquidação adicional impugnada.

O direito à dedução do imposto consubstancia uma das principais características deste tributo, tal como foi, desde logo, consagrado no artigo 2º da Primeira (Directiva n.º 67/227/CEE, do conselho, de 11 de Abril de 1967, publicada no JO n.º L 71. de 14.3.67), nos seguintes termos: « Em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, co prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.»

O exercício do direito à dedução suportado nas operações de aquisição de bens e serviços a sujeitos passivos não é, contudo, um direito livre ou incondicionado, dependendo antes da verificação de determinados requisitos subjectivos e objectivos.

Nos primeiros figura, desde logo, a condição de o adquirente ser ele próprio um sujeito passivo de imposto actuando como tal, isto é, que adquire bens e serviços para os utilizar efectivamente na sua actividade tributária. Já no plano objectivo, o legislador impõe, designadamente, que as aquisições (rectius, despesa em causa não estejam excluídas do direito à dedução).

De acordo com a jurisprudência do Tribunal Justiça da União Europeia -TJUE- « (…) o direito à dedução depende, em primeira linha, da existência de uma relação directa e imediata dos bens e serviços adquiridos com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, no sentido de que, na ausência dessa relação, aquele direito é liminarmente recusado, independentemente de averiguações suplementares. Numa segunda linha, é preciso que exista também uma relação específica entre o bem ou o serviço adquirido e aquelas operações que, enquadradas na actividade global do mesmo sujeito passivo, podem classificar-se estritamente como operações tributáveis.» ( Portugal Telecom SGPS, proc. n.º C-496/11 [2012.)]

No âmbito do direito nacional, de acordo com o disposto no artigo 19.º do CIVA, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram o imposto que tenha incidido sobre os bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações referidas no artigo 20.º do mesmo CIVA, sendo pressuposto do direito à dedução que os bens e serviços estejam directamente relacionados com o exercício da sua actividade.

Sendo esta a regra, o CIVA estabelece, por outro lado, em certos casos, a exclusão do direito à dedução. Encontra-se nesta situação, o artigo 21º, do mesmo diploma.

O fundamento de tal exclusão do direito à dedução encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a IVA suportado nos "inputs" em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de IVA, nos termos em que a doutrina as define (cfr.Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.91 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág.295 e seg.).

O legislador comunitário estabeleceu uma distinção fundamental entre as despesas que têm carácter estritamente profissional e aquelas que não têm ligação com a actividade profissional do sujeito passivo, excluindo expressamente as despesas sumptuárias, com diversão ou de representação do direito à dedução de IVA. (cf. Casos Comissão / França, proc. 50/87 [1988]; Lennartz, proc. 97/90 [1991]; GabalfrisaSL, proc. apensos C-110/98 a C-147/98 [2000]).

Exclui-se, por isso, do direito à dedução o imposto contido nas despesas referidas no n.º1 do artigo 21.º do CIVA, ou seja, nas despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

E, consagra a al.e) do n.º1 do artigo 21º do CIVA a não possibilidade de dedução de imposto no que se refere a despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração.

Trata-se de uma delimitação expressa das exclusões do direito à dedução que é de aplicação geral, independentemente de as despesas aí previstas concorrerem ou não para a realização de operações tributáveis.
Ora, no caso em apreço, a impugnante, encontra-se enquadrada em sede de IVA no regime normal periodicidade mensal pela actividade de “Comércio por grosso”. Daí que, a despesa no montante de 11.7000.000$00 (inclui taxa de IVA 17%) relativa à aquisição de móveis, quadros e artigos decorativos (jarrões da China antiga, busto em bronze, caixa antiga em gótico antigo), não possa ser considerada como despesa normal de exploração.
Desde logo, pela própria natureza dos bens adquiridos e por outro lado, pelo montante da despesa quanto comparado com os 30.000.000$00 que compõem o capital próprio da Impugnante.
Sendo, ainda de referir, que a Impugnante em momento algum demonstrou documentalmente o registo contabilístico na conta “ Imobilizado Corpóreo” do facto que alega.
De tudo quanto vem de se dizer, estamos, pois, perante despesas enquadráveis na al.e) do n.º1 do artigo 21°do CIVA e, como tal, a impugnante não tem direito à dedução do respectivo IVA.
Razão por que a correcção efectuada pela ATA não merece censura e, consequentemente, a liquidação adicional impugnada deve manter-se na Ordem Jurídica.

IV. DECISÃO
Face ao exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar improcedente a presente impugnação judicial.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 10 de Julho de 2015.



[Ana Pinhol]

[Pereira Gameiro]

[Jorge Cortês]