Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1164/11.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:1. A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 195º/1 do Código do Processo Civil (arts. 3º/3 e 195º/1 do CPC "ex vi" do art.º 2º/e) do CPPT).
2. As nulidades do processo que forem conhecidas apenas com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades desta e devem ser arguidas em recurso desta interposto – quando admissível.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: A....
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Leiria que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRS referentes aos anos de 2006 e 2008.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1ª – A sentença de que se recorre revela um manifesto erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito ao julgar provado que o Alegante foi notificado das liquidações respeitantes aos anos de 2006 e 2008 em 08/11/2010 desconsiderando a matéria de facto produzida e julgada provada nos autos de impugnação.
2ª – A sentença de que se recorre revela um manifesto erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito ao julgar provado que o Alegante foi notificado das liquidações respeitantes aos anos de 2006 e 2008 em 08/11/2010, com base em simples “prints” da AT e dos CTT que, por absolutamente falíveis, não têm a virtualidade de provar a remessa das liquidações em causa para o domicílio do ora Alegante nem, muito menos, o seu recebimento.
3ª - A sentença de que se recorre viola o princípio do contraditório, com assento constitucional no artigo 20º da CRP., transposto para o CPC. pelo artigo 3º n.º 3, aplicado subsidiariamente ao CPPT., ao não notificar o Alegante dos prints dos CTT. juntos aos autos pela RFP. para os poder impugnar.
4ª - A sentença de que se recorre viola o nº 1 do art. 70º e al. a) do nº 1 do art. 102 do CPPT., ao entender como extemporânea a Reclamação Graciosa apresentada pelo Alegante.
5ª - A sentença de que se recorre ao deixar de julgar nulas as liquidações por falta de notificação ao Alegante o viola o nº 1 do art. 36º; o nº 3 do art. 38º e o art. 39º do CPPT.

Motivo porque deverá ser revogada e substituída por outra que atenda a pretensão do Alegante.

Só assim se fará
JUSTIÇA

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar extemporânea a impugnação judicial e se foi cometida nulidade processual por violação do princípio do contraditório.

Com dispensa de vistos vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. O impugnante A..., tem domicílio fiscal na Rua dos P…, 2… L…, exerce a título individual a actividade de prestação de serviços e consultadoria (1320 – Consultores), categoria B de IRS, enquadrado no Regime Simplificado de Tributação em sede de IRS e no regime normal trimestral em sede de IVA, desde 20/4/2009 (cf. relatório de inspecção
constante de fls. 14 a fls. 31 do Processo Administrativo Tributário, de ora em diante designado de PAT).

2. Entre 7/4/2010 e 24/8/2010, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, iniciaram uma acção inspectiva ao impugnante, com base nas Ordens de Serviço n.º OI2010… e OI2010…, de âmbito parcial em sede de IRS e IVA dos exercícios de 2006, 2007 e 2008 (cf. ordens de serviços e relatório de inspecção a fls. 14 e seguintes do PAT).

3. Em 9/8/2010, a Direcção de Finanças de Leiria, enviou ao impugnante, por carta postal registada, para a morada R. dos P…, 2… L…, o oficio n.º 14/10, constante de fls. 80 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, com o assunto “PROJECTO RELATÓRIO DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA – ARTIGO 60.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT) E ARTIGO 60.º DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA (RCPIT) prazo 15 dias”.

4. Em 25/8/2010, o Impugnante exerceu o direito de audição prévia nos termos constantes de fls. 84 a 90 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, através dos mandatário constituídos, com procuração constante a fls. 90 do PAT.

5. Em 20/9/2010, o Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria emitiu o relatório de inspecção constante de fls. 14 a fls. 31 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, do qual consta em síntese o seguinte:

“ (…)

17. Numa exposição entregue em mão em 2010-04-27 nos serviços de inspecção da DF Leiria, o Sr. A… declara que: “Nos exercícios de 2006, 2007 e 2008 (ele próprio), obteve os seguintes rendimentos da categoria B, no total de € 282.800,00, dos quais apenas terá recebido € 73.250,00 conforme se discrimina Anexo n.º 18:

(“texto integral no original; imagem”)

Muito embora se tenha logrado a prova do recebimento/depósito, dos valores referentes aos serviços prestados, nas contas bancárias existentes em nome do sujeito passivo no exercício de 2006, os serviços prestados pelo mesmo independentemente do recebimento encontram-se sujeitos a tributação em sede de IRS e IVA nos termos daqueles normativos legais (…).

18. Numa troca de correspondência, via FAX, entre o Sr. A... e a Laboratórios E... o Sr. A... informa que: “são-me devidos, pela E... e por conta de honorários 90.000,00 euros (acrescem os impostos em vigor) (…)”. Na resposta por parte dos Laboratórios E..., SA.(No seguimento da sua comunicação via fax de hoje, assim como nosso acordo via telefónica, vimos pelo presente adjudicar o valor dos seus honorários, apurados a 4,5%, sobre o valor de ambas as operações: SUB-TOTAL 81.000,00 EUR, IVA 17.010,00 EUR, Total 98.010,00 (…)” [Anexo 12];

19. Refira-se que em sede de IRS o sujeito passivo A... declarou, para os exercícios de 2006, 2007 e 2008 como rendimento, relativamente a cada um dos exercícios, valores de trabalho independente (categoria B) no montante de €48.250,00,
€25.000,00 e€0.00 respectivamente; (…)
Neste contexto as correcções decorrentes no âmbito do IRS e IVA são, em cada exercício, as que se indicam de seguida:
III.1.1. Correcções a efectuar em sede de IRS

(“texto integral no original; imagem”)



(…)”

6. Em 23/9/2010, o Chefe de Divisão por delegação de competências do Director de Finanças de Leiria proferiu o despacho de concordância com as alterações ao rendimento declarado pelo Impugnante em sede de IRS nos anos de 2006 e 2008, nos termos e com os fundamentos constantes do relatório de inspecção identificado no ponto que antecede. (cf. Despacho constante a fls. 14 do PAT do PAT).

7. Em 22/9/2010, os mandatários do impugnante recepcionaram o aviso de recepção que acompanhou o envio postal registado do ofício n.º 7525 de 24/9/2010, enviado pela Direcção de Finanças de Leiria com o assunto “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária” (cf. oficio e AR constantes a fls. 10 e 11 do PAT).

8. Em 24/9/2010, a Direcção de Finanças de Leiria enviou ao impugnante, por carta postal registada com Aviso de recepção, para a morada na Rua dos P..., 2... L..., o ofício n.º 7531, constante de fls. 6, com o assunto “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária” (cf. oficio e AR constantes a fls. 6 e 7 do PAT).

9. O aviso de recepção que acompanhou o envio do ofício referido no ponto que antecede foi devolvido com a menção dos CTT de “recusado” (cf. aviso de recepção a fls. 7 dos autos).

10. Em 11/10/2010, a Direcção de Finanças enviou ao impugnante por carta postal registada, o oficio n.º 7826, com o assunto “ 2.ª notificação do resultado da Acção de inspecção, efectuada nos termos do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT” (cf. oficio e registo a fls. 1 e 2 do PAT).
11. Em 26/10/2010, foi emitida a liquidação n.º 2010 …, relativa ao ano de 2008, no valor de EUR 17.782,90 e juros compensatórios no valor de EUR 848,77, enviadas ao Impugnante, em 5/11/2010, para a Rua P…, 2… L…, por cartas registadas sob os registos n.º RY5147…PT e n.º RY51483…, entregue ao destino em 8/11/2010 (cf. liquidações e registos a fls. 57 e 58, comprovativo dos CTT a fls. 53, registos privativos a fl. 54 todas dos autos e registo dos CTT de entrega a fls. 119 e 120 do PAT).

12. Em 26/10/2010, foi emitida a liquidação n.º 2010 …, relativa ao ano de 2006, no valor de EUR 41.453, 60, enviada ao Impugnante, em 5/11/2010, para a Rua P…, 2… L…, por carta registada sob o registo n.º RY51478…PT (cf. liquidação e registos a fls. 53 e 59 dos autos e fls. 114 do PAT).).

13. Em 8/11/2010, foram enviadas ao impugnante por carta postal registada, os avisos de notificação e cobrança constantes de fls. 62 e 63 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com as datas limites de pagamento de 13/12/2010 e 9/12/2010, através dos registos n.º RY51458… PT e RY51458…PT (cf. documentos dos CTT a fls. 119 e 120 do PAT).

14. Em 31/12/2010 foi instaurado contra o impugnante o processo de execução fiscal n.º 36032010…, para cobrança da certidão de divida n.º 2010/928562 no valor de EUR 40.810,83, cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu em 9/12/2010 (cf. doc. constante a fls. 27 do PAT).

15. Em 3/1/2011, foi instaurado contra o impugnante o processo de execução fiscal n.º 36032011…, para cobrança da certidão de divida n.º 2011/10109 no valor de EUR 18.278,52, cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu em 13/12/2010 (cf. doc. constante a fls. 28 do PAT).
16. Em 15/7/2011, o Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Leiria, a reclamação graciosa constante de fls. 2 a 10 do PAT reclamação graciosa, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual reclama das liquidações oficiosas de IRS dos exercícios de 2006 (liquidação n.º 2010 …, no valor de EUR 40.810,83) e 2008 (liquidação n.º 2010 …, no valor de EUR valor de EUR 18.278,52).

17. Após o exercício de audição prévia por parte do reclamante nos termos constantes de fls. 34 e 35 do PAT (reclamação graciosa), a reclamação foi rejeitada liminarmente nos termos do despacho proferido em 15/9/2011, pelo Chefe de Divisão, por delegação de competências do Director de Finanças, com fundamento na sua intempestividade nos termos constantes a fls. 36 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

18. Em 19/9/2011, o mandatário do impugnante recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o envio do ofício n.º 1832 de 15/9/2011, emitido pela Direcção de Finanças de Leiria, de comunicação do indeferimento liminar da reclamação graciosa (cf. oficio registo e A.R. A FLS. 38 a 40 do PAT).

19. Em 4/10/2011 a presente impugnação deu entrada no TAF de Leria (cf. carimbo a fls. 1 dos autos).


*

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
No ano de 2010 o Impugnante foi sujeito a uma ação inspectiva que concluiu pela correção à matéria colectável declarada e procedeu à liquidação adicional de IRS relativa aos anos de 2006 e 2007.

O Impugnante alega que tais liquidações adicionais nunca lhe foram notificadas e que só delas tomou conhecimento quando em 25/3/2011 foi citado para o respetivo processo de execução fiscal. Interpôs, então, reclamação graciosa, a qual foi rejeitada liminarmente por extemporaneidade, com fundamento no facto de as notas de cobrança terem sido devidamente recebidas pelo Impugnante em 8/11/2010.
Contudo, o Impugnante nega o recebimento das notas de cobrança e insiste que apenas tomou conhecimento das novas liquidações quando foi citado para a execução instaurada contra si. Defende que era obrigação da AT proceder à notificação das liquidações através de carta registada com aviso de receção e que ao não cumprir esta regra a “notificação da liquidação assim cumprida não pode pois, sequer considerar-se como validamente efetuada”.
Adicionalmente, acrescenta fundamentos visando a demonstração da ilegalidade das liquidações efetuadas.

A sentença julgou procedente a exceção de caducidade do direito de impugnar alegada pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública e pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, como consequência da confirmação da legalidade do despacho que rejeitou liminarmente por extemporaneidade a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante.

A reflexão da MMª juiz foi a seguinte:
“...De harmonia com o consignado no artigo 92º do CIRS «A liquidação do IRS, ainda que adicional, bem como a reforma da liquidação efectua-se no prazo e nos termos previstos nos artigos 45º e 46º da Lei Geral Tributária».
Dispõe o artigo 36º, nº 1, do CPPT, que os atos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.
Mais consigna o preceito normativo 38º do mesmo diploma legal que as notificações de atos de liquidação de tributos que concretizem uma alteração da situação tributária, devem ser efetuadas por carta registada com aviso de recepção.

Todavia, há que estabelecer uma ressalva específica quanto aos atos de liquidação de IRS.

As notificações das liquidações de IRS, a partir de 1 de Janeiro de 2001 (data da entrada em vigor da Lei nº 30-G/2000, de 29.12 que deu nova redacção ao nº 3 do art. 139º do CIRS, redacção essa que foi mantida no art. 149 nº 3 do CIRS, na redacção dada pelo DL nº 198/2001, de 3 de Julho) são excepção a essa regra, logo bastando-se com a expedição por mera carta registada.

Note-se, desde já, que o mesmo sucede, a partir de 1.1.2005 (data da entrada em vigor da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro) com essas e todas as notificações de liquidações que dimanem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenham sido objeto de notificação para efeitos de exercício do direito de audição.
Serão, pois, de efectuar por carta registada com aviso de recepção, entre outras e em princípio, as notificações de atos de liquidação de tributos que concretizem uma alteração da situação tributária e as de atos que recusem o reconhecimento de benefícios fiscais. No entanto, são excepção a esta regra, sendo efetuadas por carta registada, as seguintes notificações: a partir de 1-1-2001, data da entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, as notificações das liquidações relativas a IRS; e, a partir de 1-1-2005, data da entrada em vigor da Lei nº 55-8/2004, de 30 de Dezembro, essas e todas as notificações de liquidações que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição.» Jorge Lopes de Sousa em anotação ao art. 38º do CPPT, a págs. 345 e 346 in CPPT anotado e comentado 2006, I Volume (sublinhado nosso).
Nestes termos, e dada a relevância para o caso concreto dos autos, importa chamar à colação o disposto no artigo 149º do CIRS o qual dispunha: «1. As notificações por via postal devem ser feitas no domicílio fiscal do notificando ou do seu representante.
2. As notificações a que se refere o artigo 66º, quando por via postal, devem ser efetuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.
3. As restantes notificações devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3º posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil».
Em face da letra da lei supra transcrita, estamos em condições de concluir que as notificações de alterações à matéria colectável, por se tratar de actos susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, uma vez que condicionam o posterior ato tributário de liquidação, têm de ser efectuadas através de carta registada com aviso de recepção.
A ulterior notificação do ato tributário de liquidação que vier a ser efetuado, também tem de ser efectuada por carta registada com aviso de recepção (cf. neste sentido o Ac. do STA de 15.11.2000 no rec. 25233), salvo as relativas a atos de liquidação de IRS (a partir do ano de 2001), e as correções à matéria tributável que foram objeto de notificação para efeitos do direito de audição (estas, após 1.1.2005, data da entrada em vigor da alteração introduzida no nº 3 do art. 38 do CPPT pela Lei nº 55-B/2004).
Face ao regime ora exposto e à verificação no Processo Administrativo Tributária (cf. pontos n.º 3, 4,7, 11 a 13 dos factos provados), conclui-se que não assiste razão ao impugnante na alegação de que não foi notificado das liquidações impugnadas e respectivos documentos de cobrança.
O impugnante recepcionou as liquidações adicionais de IRS relativas aos exercícios de 2006 e 2008, em 8/11/2010, enviadas na forma legal para a sua residência fiscal.
Quanto à intempestividade da reclamação graciosa apresentada pelo impugnante em 15/7/2011, a mesma é claramente intempestiva, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1 e artigo 102, n.º 1 a) do CPPT.
Uma vez que o prazo de pagamento voluntário para pagamento das liquidações impugnadas terminou em 9/12/2010 e 13/12/2010.
Das decisões de indeferimento de reclamações graciosas cabe sempre impugnação judicial, a deduzir no prazo referido no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, independentemente de nelas ter sido ou não apreciada a legalidade do acto de liquidação que foi administrativamente impugnado.
Porém, só a tempestividade da reclamação graciosa abre ao impugnante, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação tem como consequência a extemporaneidade da impugnação e ainda que assim não se considerasse conduziria à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido.
Neste sentido, ver o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 2/4/2009 no processo n.º 0125/09, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Pelo que, julga-se procedente a alegada excepção de caducidade do direito de acção invocada pela entidade impugnada e pelo Digno Magistrado do MP.
Neste sentido, ver o Acórdão proferido Supremo Tribunal Administrativo em 7/12/2011, no processo n.º 0241/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt., o qual se acompanha.

A impugnação judicial é o meio processual adequado para reagir contra as liquidações de tributos, no qual são invocados vícios próprios dessas liquidações, bem como dos atos a montante praticados que afetam a legalidade das mesmas liquidações (cf. os artigos 97.º a 99.º do CPPT).
Todavia, confirmada que está a legalidade do despacho que rejeitou liminarmente a reclamação apresentada pelo impugnante por intempestividade, não podem ser apreciados os fundamentos de impugnação relativos às liquidações adicionais impugnadas, uma vez que quanto a estas se formou caso julgado face à intempestividade da reclamação apresentada.”

Sumariando a fundamentação expendida, a MMª juiz considera que:

As notificações de IRS podiam ser efetuadas carta registada simples, não tinham que ser por carta registada com aviso de receção;
Estas notificações seguiram a via postal registada para o endereço do contribuinte;
Foram rececionadas em 8/11/2010;
O prazo para pagamento voluntário expirava em 9/12/2010 e 13/12/2010;
Pelo que a reclamação graciosa apresentada em 15/7/2011 é extemporânea;
O que também tem como consequência a extemporaneidade da impugnação judicial interposta na sequência do indeferimento daquela.

O Impugnante/Recorrente discorda com os seguintes (resumidos) fundamentos:
A sentença viola o princípio do contraditório ao não notificar o Impugnante dos prints dos CTT juntos aos autos pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública, para os poder impugnar (Conclusão 3);
A sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar provado que o Impugnante foi notificado das liquidações em 8/11/2010, desconsiderando a matéria de facto produzida e provada (Conclusões 1 e 2);

A primeira questão, - violação do princípio do contraditório por não serem notificados ao Impugnante os prints juntos pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública - configura não um vício da sentença, mas sim uma nulidade processual secundária que só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (arts. 3º/3 e 195º/1 do CPC "ex vi" do art.º 2º/e) do CPPT), devendo ainda ser arguida nos termos e prazos previstos no art. 199º do CPC.

No entanto, tem-se entendido que as nulidades do processo que forem conhecidas apenas com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades desta e devem ser arguidas em recurso desta interposto – quando admissível(1).

Não havendo notícia nos autos de que o Impugnante/Recorrente tomou conhecimento dos documentos juntos pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública antes de ser notificado da sentença, avancemos então para a análise da nulidade processual invocada.

A fls. 43 o Impugnante foi notificado da “...apresentação da contestação sem documentos...” e de que se encontra junto aos “...autos o processo administrativo organizado, nos termos do art. 111º do CPPT, podendo proceder à sua consulta em horário de expediente”

O Impugnante respondeu à contestação mantendo o que alegou na petição inicial.

Por requerimento de fls. 50 a Exma. Representante da Fazenda Pública juntou aos autos diversos documentos entre os quais as notas de cobrança n.º 2010 … e n.º 2010… (...) as quais foram notificadas ao impugnante, nos termos do art. 38º/3 do CPPT, a coberto dos registos privativos simples n.º RY51458…PT e n.º RY51458…PT datados de 2010/11/08, ocorrendo a notificação, mediante o depósito, da correspondência registada no Apartado do impugnante em 9/11/2010.

Resulta dos autos que nem o requerimento de fls. 50 da Exma. Representante da Fazenda Pública nem os documentos que anexou foram notificados ao Impugnante.

Com efeito, por despacho de fls. 83 ordenou-se a notificação das partes para alegações facultativas, ao abrigo do disposto no art. 120º do CPPT. O despacho foi cumprido (fls. 84 e 85) e as alegações (do impugnante) foram efetuadas, mas não consta que o requerimento de fls. 50 e documentos que o acompanharam, os quais também não constavam do PA apenso, tenham sido notificados ao Impugnante para exercício do direito ao contraditório.

Nestas circunstâncias, concluímos que o Recorrente tem razão quando alega a preterição do direito ao contraditório.

A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 195º/1 do Código do Processo Civil - a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa.

E dada a importância do contraditório é indiscutível que neste caso, a sua inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa, com as consequências previstas no n.º 2 do art.º 195º CPC: anulação do acto e dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente, incluindo a sentença recorrida.

Mas ainda que a sentença não fosse anulada em consequência da preterição do direito ao contraditório, ainda assim teria de ser anulada por défice instrutório.
Expliquemo-nos.

Diz a Exma. Representante da Fazenda Pública no aludido requerimento de fls. 50 que os registos privativos simples n.º RY51458…PT e n.º RY51458…PT datados de 2010/11/08, ocorrendo a notificação, mediante o depósito, da correspondência registada no Apartado do impugnante em 9/11/2010.

E de facto, retira-se dos “prints” de fls. 116 e 122 do PA apenso, que os registos RY51458…PT e RY51458…PT foram colocados no “Apartado”.

De notar, no entanto, que as notas de cobrança em causa foram remetidas em nome do Impugnante A... para “R. P…, 2… L…”. Ou seja, nenhum apartado constava do endereço.

Assim sendo, uma vez que o Impugnante/Recorrente alega que não era nem nunca foi titular de qualquer apartado nos CTT tornar-se-ia necessário saber em que apartado foram colocadas as referidas notas de cobrança e a quem pertencia, o que não foi feito.
Nesta perspetiva, a douta sentença sempre teria de ser anulada por défice instrutório se não fosse anulada como consequência da nulidade processual relevante, como é.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCA em conceder provimento ao recurso, anular todo o processado posterior ao requerimento de fls. 50 do Exmo. Representante da Fazenda Pública e ordenar a baixa dos autos ao tribunal "a quo" para que, efetuada a tramitação devida, seja proferida nova sentença, se nada mais obstar.

Sem custas.

Lisboa, 14 de março de 2019.


(Mário Rebelo)

(Lurdes Toscano)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1) Ac. do PLENO DA SECÇÃO DO CT n.º 0786/10 de 06-07-2011 Relator: CASIMIRO GONÇALVES
Sumário: II – As nulidades do processo que forem conhecidas apenas com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades desta (cfr. os nºs. 2 e 3 do art. 668° do CPC) e devem ser arguidas em recurso desta interposto – quando admissível – que não em reclamação perante o tribunal a quo.