Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:923/18.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCIDENTE DE REFORMA DE ACÓRDÃO.
FUNDAMENTOS.
Sumário:1. A possibilidade de dedução do incidente de reforma da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12.
2. No que, especificamente, diz respeito ao incidente de reforma de acórdão, admite o legislador (a partir da reforma do C. P. Civil introduzida pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12) que as partes possam deduzir tal incidente, nos termos das disposições combinadas dos artºs.616, nº.2, als.a) e b), e 666, do C.P.Civil (aplicáveis ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), quando, não admitindo a decisão judicial recurso, tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou, igualmente, quando constar do processo prova documental com força probatória plena (cfr.artº.371, do C.Civil) ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem, necessariamente, decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.
3. Concretizando, o artº.616, nº.2, do C.P.Civil, procura especificar, com maior precisão, os poderes de alteração da decisão judicial, os quais podem fundar-se, não propriamente numa omissão, mas antes num activo erro de julgamento. Na alínea a), da norma, aparece previsto o erro manifesto de julgamento de questões de direito, o qual pressupõe, obviamente, para além do seu carácter evidente, patente e virtualmente incontroverso, que o juiz se não haja expressamente pronunciado sobre a questão a dirimir, analisando e fundamentando a (errónea) solução jurídica que acabou por adoptar (v.g.aplicou-se norma inquestionável e expressamente revogada, por o julgador se não haver apercebido atempadamente da revogação). Por sua vez, na alínea b) aparece, essencialmente, previsto o erro manifesto na apreciação das provas, traduzido no esquecimento de um elemento que, só por si, implicava decisão diversa da proferida, nomeadamente, a não consideração de um documento, constante dos autos e dotado de força probatória plena, que só por si era bastante para deitar por terra a decisão proferida ou outros meios de prova com semelhante efeito (cfr.confissão; acordo das partes), com influência directa e causal na decisão final do processo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, notificado do acórdão datado de 28/02/2019 e exarado a fls.127 a 132 dos presentes autos, deduziu o incidente de reforma de acórdão, ao abrigo dos artºs.616, nº.2, al.b), e 666, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.fls.141 a 143 do processo físico), alegando, em síntese:
1-Que o acórdão reformando conclui no sentido de se ordenar o cumprimento do disposto no artº.277, nº.2, do C.P.P.T., pelo que deve o Tribunal “a quo” remeter a reclamação que originou o presente processo ao 11º. Serviço de Finanças de Lisboa, para que este confirme, ou revogue, o acto reclamado, assim cumprindo o disposto no artº.277, nº.2, do C.P.P.T.;
2-Que constam dos autos elementos documentais (cfr.fls.47-verso e 48 do processo físico) que provam o cumprimento de tal norma por parte do 11º. Serviço de Finanças de Lisboa;
3-Que resulta clara a existência de lapso manifesto por parte do acórdão reformando, consubstanciado na existência dos ditos elementos probatórios já constantes dos autos;
4-Assim devendo reformar-se o acórdão objecto do presente incidente ao abrigo do artº.616, nº.2, al.b), do C.P.Civil;
5-Termina pugnando pela procedência do presente incidente de reforma de acórdão.
X
Notificado do requerimento a suscitar o presente incidente, o recorrente pugna pelo indeferimento do mesmo (cfr.fls.151 a 153 do processo físico).
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da procedência do presente incidente (cfr.fls.163 e 164 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação (cfr.artºs.657, nº.4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613, nº.2, e 616, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.125, do C.P.P.Tributário).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
No que, especificamente, diz respeito ao incidente de reforma de acórdão, admite o legislador (a partir da reforma do C.P.Civil introduzida pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12) que as partes possam deduzir tal incidente, nos termos das disposições combinadas dos artºs.616, nº.2, als.a) e b) e 666, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicáveis ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), quando, não admitindo a decisão judicial recurso, tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou, igualmente, quando constar do processo prova documental com força probatória plena (cfr.artº.371, do C.Civil) ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem, necessariamente, decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.
O artº.616, nº.2, do C.P.Civil, procura especificar, com maior precisão, os poderes de alteração da decisão judicial, os quais podem fundar-se, não propriamente numa omissão, mas antes num activo erro de julgamento. Na alínea a), da norma, aparece previsto o erro manifesto de julgamento de questões de direito, o qual pressupõe, obviamente, para além do seu carácter evidente, patente e virtualmente incontroverso, que o juiz se não haja expressamente pronunciado sobre a questão a dirimir, analisando e fundamentando a (errónea) solução jurídica que acabou por adoptar (v.g.aplicou-se norma inquestionável e expressamente revogada, por o julgador se não haver apercebido atempadamente da revogação). Por sua vez, na alínea b) aparece, essencialmente, previsto o erro manifesto na apreciação das provas, traduzido no esquecimento de um elemento que, só por si, implicava decisão diversa da proferida (v.g.o juiz omitiu a consideração de um documento, constante dos autos e dotado de força probatória plena que, só por si, era bastante para deitar por terra a decisão proferida). Em ambas as situações o legislador dá prevalência ao princípio da justiça material em detrimento do princípio da imutabilidade das decisões judiciais (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/06/2014, proc.7094/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/10/2018, proc.380/17.9BESNT; Carlos Lopes do Rego, Comentários ao C.P.Civil, I, Almedina, 2004, pág.559; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.65 e seg.).
Por outras palavras, a reforma de acórdão somente pode ter lugar quando se verifique um lapso notório do Tribunal na determinação da norma aplicável ao caso sob apreciação ou na qualificação jurídica dos factos, em consequência do que se deve concluir que a decisão judicial foi proferida com violação de lei expressa, a par de situações, seguramente patológicas também, em que tenham sido desconsiderados documentos com força probatória plena ou outros meios de prova com semelhante efeito (cfr.confissão; acordo das partes), com influência directa e causal na decisão final do processo. Nestes termos, não é viável, através deste incidente processual, alterar as posições jurídicas assumidas no acórdão com base nos elementos existentes no processo, isto é, não poderão corrigir-se eventuais erros de julgamento que não derivem do dito lapso notório resultante de violação de lei expressa (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 19/11/2008, rec.914/07; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 2/12/2009, rec.468/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/2/2012, proc.3504/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6579/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/06/2014, proc.7094/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/10/2018, proc.380/17.9BESNT; António Santos Abrantes Geraldes e Outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol.I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, 2019, pág.739; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.388 e seg.).
No processo vertente, o Tribunal começa por recordar o trecho da fundamentação jurídica do acórdão objecto do presente incidente e que, alegadamente, estará na origem do mesmo:

“Apesar de tudo o acabado de mencionar, não concorda este Tribunal com a decisão recorrida no sentido de se convolar o articulado inicial do presente processo em requerimento de anulação de venda dirigido ao órgão periférico regional da A. Fiscal ao abrigo do disposto no artº.257, nº.4, do C.P.P.T. Assim é, porquanto, a reclamação de acto do órgão de execução fiscal que originou o processo (cfr.al.G) do probatório) tem por objecto a apreciação da legalidade do despacho identificado na al.E) do probatório, efectuado ao abrigo do artº.825, nº.1, al.c), do C.P.Civil (cfr.documento junto a fls.37 do processo físico, do qual consta a possibilidade de reclamação ao abrigo do artº.276, do C.P.P.T.). Ora, esta forma processual deve ser confirmada por este Tribunal, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, apenas havendo que ordenar o cumprimento do disposto no artº.277, nº.2, do C.P.P.T., em virtude do que deve o Tribunal “a quo” remeter a reclamação ao 11º. Serviço de Finanças de Lisboa, para que este confirme, ou revogue, o acto reclamado.”.

Abreviando razões, elencam-se os diversos factores que, no caso concreto, fundamentam o indeferimento do presente incidente:
1-Os elementos documentais a que faz menção o requerente (cfr.fls.47-verso e 48 do processo físico), desde logo, não revestem força probatória plena;
2-Encontramo-nos perante situação de convolação da forma de processo, a qual não foi levada em consideração pelo alegado despacho fundamentador deste incidente cuja cópia consta a fls.47-verso do processo físico;
3-O dar-se relevo ao conteúdo do despacho cuja cópia se encontra a fls.47-verso do processo físico nenhuma influência directa e causal teria na decisão final dos presentes autos, desde logo, porque tal decisão ainda não ocorreu.
Atento tudo o relatado, julga-se totalmente improcedente este incidente de reforma de acórdão, ao que se provirá na parte dispositiva.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em INDEFERIR A REQUERIDA REFORMA DO ACÓRDÃO exarado a fls.127 a 132 do processo físico.
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Condena-se o requerente em custas pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça em três (3) U.C. (cfr.artº.7 e Tabela II, do R.C.Processuais).
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 11 de Julho de 2019


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Vital Lopes - 2º. Adjunto)