Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09935/13
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/06/2013
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:SUSPENSÃO DO PRAZO DE IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA – RETOMA – ARTº 59º Nº 4 CPTA
NOTIFICAÇÃO OU PUBLICAÇÃO DEFICIENTES – ARTº 60º NºS. 2/3 CPTA
Sumário:1.A retoma do prazo de dedução da impugnação contenciosa suspenso por via de interposição de impugnação administrativa dá-se a partir da notificação da decisão proferida sobre esta – cfr. artºs 59º nº 4 e 7º CPTA

2.O regime do artº 274º nº 1 CCP é restrito aos efeitos da impugnação administrativa na tramitação do procedimento adjudicatório.

3. O efeito interruptivo estatuído no artº 60º nºs. 2 e 3 CPTA depende da falta das menções expressamente referidas no texto normativo, isto é, que a primeira notificação não contenha a indicação do autor, a data ou os fundamentos da decisão e que o destinatário do acto em causa formule requerimento de suprimento dessas omissões no prazo de 30 dias úteis (prazo procedimental) à autoridade competente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Caldeira ……..& ……….., ……………, Lda., com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal dela vem recorrer, concluindo como segue:
1. Conclui-se, pois, que mal andou o Tribunal a quo ao absolver a Recorrida da instância, julgando a acção administrativa especial improcedente, vedando-lhe o acesso à justiça, por não aplicação da lei, porquanto é certo que o legislador consagrou a solução de que a recorrente lançou mão.
2. A douta sentença ao ter declarado procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo por conseguinte a Recorrida da instância, violou o disposto nos artigos 2° e 58° n° 2 alínea b) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, e art.° 20° da Constituição da República Portuguesa, bem como deixou de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar -vícios do acto, e que a Recorrente invocou - sendo por conseguinte nula a mesma sentença, ao abrigo do disposto no art.° 668° n° l alínea d) do Código de Processo Civil.
3. Com a emissão da certidão a Ré, suscitou também na Recorrente a confiança de que a sua conduta estava correcta e que a partir de 07-09-2012, poderia lançar mão do meio de impugnação contenciosa.
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O Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira EPE (SESARAM) contra-alegou, concluindo como segue:
1. A sentença ora posta em crise está inteiramente fundamentada, de facto e de direito, não merecendo qualquer reparo, pelo que deve ser confirmada por este Tribunal.
2. Com efeito, a recorrente intentou a acção após o termo do prazo legalmente estabelecido, com a inerente consequência de caducidade do direito de acção, tal como foi decidido na sentença.

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Com dispensa de vistos substituídos pelas competentes cópias entregues aos Exmos. Juizes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência - art°s. 36° n° 2 CPTA e 707° n° 2 CPC, ex vi art° 140° CPTA.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Em 30.07.2012 o Conselho de Administração da Entidade Demandada, deliberou autorizar a adjudicação à empresa P……….. e a aprovação do relatório final, no concurso I CP……… - Cfr. doe. a fls. 183-184 dos autos.
2. Em 02/08/2012 a Entidade Demandada colocou na plataforma electrónica VortalGov o relatório final e a seguinte informação:
"Exmos. Senhores
Na sequência do procedimento l CP……….. referente a "Aluguer de equipamento multifuncional (Cópia, fax, impressão), com inclusão de serviços de copia e impressão, manutenção e assistência técnica", nos termos do disposto no artigo 77º do DL 18/2008 de 29 de Janeiro, informa-se V. Exas que, por Deliberação do Conselho de Administração de 30.07.2012, foi autorizada a adjudicação a empresa P…………, S.A. Junto se envia o Relatório Final elaborado pelo Júri. (..)”- Cfr. doc, nº 2 junto com a pi a fls. 71-96 dos autos.
3. Em 09/08/2012 a A. apresentou uma reclamação da qual consta, entre o mais, que:
" Caldeira ……..& ……….., ……………, Lda., concorrente do Concurso Público com Publicação no JOUE nº ICP20110013, relativo ao aluguer de equipamento multifuncional (cópia, fax, impressão), com inclusão de serviços de cópia e impressão, manutenção e assistência técnica, notificado, em 02 de Agosto de 2012, da deliberação do Conselho de Administração, de 30 de Julho de 2012 que autoriza a adjudicação à empresa P………..-Produtos ……………….., S.A. e não podendo com a mesma conformar-se, vem dela reclamar, nos termos do artigo 271º do CCP, e com os fundamentos que adiante se apresentam: (..)” - Cfr. doe. nº 3 junto com a pi, a fls. 100 dos autos.
4. Em 22/08/2012 a Entidade Demandada notificou os concorrentes da resposta à reclamação referida em 3. supra, nos termos da qual consta, entre o mais, que
"Conclusão Atento o exposto, o Conselho de Administração delibera manter a sua decisão de adjudicação do único lote a concurso à proposta apresentada pelo concorrente P…………-Produtos …………., S.A., considerando, assim, totalmente improcedente a impugnação administrativa apresentada pelo concorrente Caldeira ……..& ……….., ……………, Lda. Funchal, dezassete de Agosto de dois mil e doze - Cfr. doe, nº 4 junto com a p.i., a fls. 151-180 dos autos.
5. Em 03/09/2012 a A. requer à Entidade Demandada a certidão integral da deliberação do Conselho de Administração do Sesaram EPE de 30/07/2012 da adjudicação à empresa P………, SA - Cfr. does. nº l e nº 5 junto com a p.i., a fls. 40-41 e 182 dos autos.
6. Em 07/09/2012 a Entidade Demandada envia a certidão requerida pela A. referida em 5. supra. - Cfr. doc. nº 5 junto com a p.i. a fls. 182-184 dos autos.
7. Em 08/10/2012, a A. enviou por via electrónica a este Tribunal a p. i. referente ao presente processo judicial. - Cfr. doe, a fls. l dos autos.

Nos termos do artº 712º nº 1 a) CPC adita-se ao probatório a matéria de facto que segue, com fundamento documental constante do processo e identificado pela ordem de junção.

8. A deliberação de adjudicação e o relatório final referidos no item 2. deste probatório foi colocada na plataforma electrónica por mensagem que, no suporte de papel junto ao presente processo, contém no canto superior esquerdo, dentre o mais, os seguintes dizeres: “Enviada: 02-08-2012 17:14:5” – cfr. doc. nº 2 a fls. 71 dos autos.


DO DIREITO

O Tribunal a quo absolveu a entidade adjudicante da instância com fundamento na caducidade do direito de acção na medida em que “(..) não considera este Tribunal como verificado o efeito interruptivo do prazo de impugnação judicial previsto no artº 60º nº 3 do CPTA, atendendo, nomeadamente, a que a notificação continha todos os elementos a que se refere o nº 2 do mesmo artº 60º, a saber, o autor, a data e os fundamentos da decisão, mostrando-se o requerimento do A. injustificado por claramente desnecessário para permitir o recurso à impugnação judicial. Cfr. artº 106º nº 2 CPTA, aqui aplicável, ainda que a A. não tenha recorrido à intimação judicial, por identidade de razão.
Tendo o decurso do prazo de impugnação judicial retomado o seu curso após a suspensão verificada, à data de envio da pi (08.10.2012), já o mesmo se encontrava claramente esgotado, verificando-se a caducidade do direito de acção, cfr. artº 89º nº 1 al. h) do CPTA. (..)”.

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Na circunstância dos autos a decisão de adjudicação tomada em 30.07.2012 – item 1 do probatório – acompanhada do relatório final de avaliação e ordenação de propostas foi notificada pela entidade adjudicante aos concorrentes por correio electrónico, em observância do disposto nos artºs. 76º nº 1, 77º nº 1, 467º e 468º nº 1 do CCP.
De acordo com os itens 2 e 8 do probatório a transmissão electrónica foi enviada no dia 02.08.2012, sendo aqui indiferente que a sua recepção no destino tenha ocorrido depois das 17 horas na medida em que tal só releva na determinação do termo a quo do prazo que esteja em curso quando as comunicações tenham por destinatário a entidade adjudicante ou o contraente público, segundo o regime do artº 469º nº 2 CCP.
De modo que mostrando-se notificada a ora Recorrente no dia 02.08.2012, o prazo de um mês a contar da notificação, prazo adjectivo de impugnação constante do artº 101º CPTA (artº 144º nº 1 in fine CPC ex vi artº 58º nº 3 CPTA), iniciou-se no dia 03.08.2012 correndo ininterruptamente sem suspensão salvo por via de o interessado lançar mão de meio de impugnação administrativa e neste caso o prazo de impugnação contenciosa entretanto suspenso “só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.”, regime estabelecido no artº 59º nº 4 CPTA.
O período de férias judiciais não tem efeito suspensivo do prazo de contencioso pré-contratual do artº 101º CPTA por se tratar de processos urgentes, conforme artº 144º nº 1 in fine CPC por remissão de regime do artº 58º nº 3 CPTA.
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Não se acompanha o entendimento sustentado em 1ª Instância no sentido da aplicabilidade ao prazo de impugnação contenciosa do acto de adjudicação do regime do artº 274º nº 1 CCP estabelecido para a suspensão do procedimento adjudicatório por 5 dias por via de dedução de impugnação administrativa, porque o caso dos autos é diferente, não está em causa a suspensão de nenhum prazo para praticar um acto no procedimento, mas a suspensão do prazo de impugnação contenciosa desencadeado com a notificação do acto de adjudicação a um concorrente que não é o adjudicatário e, nestas circunstâncias, vale o disposto no artº 59º nº 4 CPTA interpretado na vertente do princípio da promoção do acesso à justiça consignado no artº 7º CPTA. (1)
De modo que, na circunstância, a retoma do prazo de impugnação contenciosa suspenso por via de interposição de impugnação administrativa dá-se a partir da notificação da decisão proferida sobre esta.
Diga-se, ainda, que não se decide em contrário da jurisprudência uniformizada tomada por Acórdão de 27.02.2008 no recurso nº 848/06, do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, na medida em que ali se decidiu da aplicabilidade do artº 59º nº 4 CPTA sobre prazos de impugnação contencioso em matéria laboral por acto de qualificação de serviço, o que nada tem a ver, porque se trata de lógicas jurídicas distintas, com a presente aplicação do citado normativo em matéria de contratação pública na fase pré-contratual.

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Seguindo o probatório, o prazo de impugnação contenciosa iniciou o seu curso no dia 03.08.2012, suspendeu-se com a reclamação administrativa apresentada no dia 09.08.2012 ao abrigo do regime do artº 271º CCP e retomou o seu curso a partir de 22.08.2012 com a notificação da decisão da entidade adjudicante tomada sobre a reclamação.
Nestas circunstâncias há que proceder à conversão do prazo mensal do artº 101º CPTA para prazo diário de 30 dias, na medida em que no período do mês cabe intrometer uma contagem de prazo por dias. (2)
Até ao momento temos 13 (treze) dias de suspensão do prazo de impugnação, período entre 09.08.2012 e 22.08.2012, no âmbito do regime do artº 59º nº 4 CPTA.
O decurso do prazo impugnatório judicial retomou-se a partir de 22.08.2012 cumprindo analisar qual a relevância jurídica do requerimento da ora Recorrente em 03.09.2012 de passagem de certidão integral da deliberação de adjudicação, que a ora Recorrida enviou no dia 07.09.2012, ou seja, dentro do prazo de 10 aplicável por regime geral estatuído no artº 71º CPA.
Sustenta a ora Recorrente que a requerida passagem de certidão integral da deliberação tomada pela entidade adjudicante em 30.07.2012 por falta de elementos aquando da anterior notificação da deliberação e relatório final via plataforma electrónica em 02.08.2012, requerida em 3/Set. e entregue em 7/Set., ocorre uma mudança de regime em sede de prazo adjectivo de impugnação, deixando de ser o regime suspensivo do artº 59º nº 4 CPTA para vigorar o regime interruptivo do artº 60º nºs. 2 e 3 CPTA.
Como explica a doutrina especializada, no caso do artº 60º nº 1 do Código porque a notificação do acto não dá a conhecer o sentido da decisão, “(..) a notificação (ou a publicação) não terá a virtualidade processual de determinar o início da contagem do prazo de impugnação e o acto administrativo manter-se-á, para todos os efeitos, inoponível ao interessado. (..)”. (3)
Diversamente, na hipótese do artº 60º nº 2 o acto administrativo é oponível porque a notificação dá a conhecer o seu sentido e conteúdo, mas face à circunstância da falta de menção de autor, data e fundamentos “(..) a lei impôs-lhe o ónus de diligenciar para conhecer os elementos em falta que considere necessários para decidir-se (ou em que medida) se conforme ou reage contra o acto administrativo (..) não exercendo [a faculdade] ele não só não vê interrompido (nos termos do nº 3) o prazo para a respectiva impugnação contenciosa, como fica obrigado a impugnar o acto tal qual lhe foi comunicado ou está publicado, com as deficências referidas (..)”.(4)
A questão central trazida a recurso reside, precisamente, em saber se a notificação via electrónica do acto de adjudicação e do relatório final concursal, em 02.08.2012, evidencia a omissão de algum ou de todos os elementos especificados na hipótese legal do artº 60º nº 2 CPTA: autor do acto, data do acto ou fundamentação do acto.
Efectivamente, o efeito interruptivo estatuído no artº 60º nº 3 CPTA decorrente do “pedido da notificação das indicações em falta ou da passagem de certidão que as contenha” como dispõe o artº 60º nº 2 do Código, depende da falta dasmenções expressamente referidas no texto normativo, isto é, que a primeira notificação não contenha a indicação do autor, a data ou os fundamentos da decisão e que o destinatário do acto em causa formule requerimento de suprimento dessas omissões no prazo de 30 dias úteis (prazo procedimental) à autoridade competente. (5)
Sustenta a ora Recorrente, prevalecendo-se do citado efeito interruptivo, que a partir da data de entrega da certidão, em 07.09.2012, começou a correr novo prazo de um mês para impugnação do acto de adjudicação, na medida em a Administração deu satisfação oportuna ao requerido e, portanto, a impugnação deu entrada em Tribunal tempestivamente.
Diversamente, em sede de sentença o Tribunal a quo afirma que “(..) São precisamente estas deficências da notificação (ou publicação) do acto, destas menções em falta, cujo requerimento o interessado para efeitos do seu suprimento, tem a virtualidade de interromper o prazo de impugnação judicial.
Ora é manifesto que a A. foi notificada constando dessa notificação o autor (Conselho de Administração), a data (30.07.2012) e a fundamentação (Relatório Final).
A junção do relatório final à notificação, no contexto da mesma, não pode ter outro sentido que não a da apropriação das suas premissas e conclusões, valendo como fundamentação do acto, vide 2 dos factos provados. (..)”.
Exactamente, neste contexto, uma vez que o caso concreto não evidencia a falta dos elementos especificados no artº 60º nº 2 CPTA aquando da notificação via electrónica em 02.08.2012, temos que a matéria levada ao probatório não é subsumível na hipótese legal do citado normativo, e, por isso, o efeito jurídico consequente estatuído no artº 60º nº 3 do Código não tem fundamento material para ser aplicado.
O artº 60º nºs. 2 e 3 CPTA rege para suprir a falta de elementos quanto ao autor, data e fundamentos aquando da notificação ou publicação e não para arguir a invalidade do acto por vícios relativos ao autor de onde provém, à competência em razão do tempo ou por vícios de conteúdo evidenciados na fundamentação, sendo esta a pretensão jurídica da ora Recorrente, de aplicar o regime do artº 60º nºs. 2 e 3 CPTA a toda a factualidade por si alegada a título de causa de pedir de anulação do acto de adjudicação, o que não tem cabimento na hipótese legal do citado preceito, restrita à notificação ou publicação que “não contenham a indicação do autor, da data ou dos fundamentos da decisão”.
De modo que o prazo de 30 dias consignado no artº 101º CPTA iniciado a partir da notificação via electrónica de 02.08.2012.e descontado do período de 13 (treze) dias suspensão nos termos do artº 59º nº 4 CPTA, começou a correr no dia 03.08.2012 e atingiu o termo ad quem no dia 14.09.2012, 6ª feira, donde se conclui que a petição inicial deu entrada em juízo da em 08.10.2012 já depois de juridicamente operativa a caducidade do direito de acção por decurso do prazo de exercício do respectivo direito.
Neste sentido improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 3 das conclusões.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.
Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 06.JUN.2013

(Cristina dos Santos) …………………………………………………………………………

(António Vasconcelos) ……………………………………………………………………..

(Paulo Gouveia) …………………………………………………………………………….

(1) Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, 4ª ed., Almedina/2013, pág. 537; João Pacheco de Amorim, As garantias administrativas no Código dos Contratos Públicos, Estudos de Contratação Pública II, CEDIPRE, Coimbra Editora/2010, pág.204.
(2) Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA – ETAF – Anotados, Almedina/2004 págs.381/382.
(3) Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA – ETAF – Anotados, pág. 395.
(4) Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA – ETAF – Anotados, pág. 396/397.
(5) Mário Aroso de Almeida, Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina/2005 págs. 308 /309.