Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1887/10.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:FORMALIDADES DA NOTIFICAÇÃO, CARTA-REGISTADA,
RECEBIMENTO DA CORRESPONDÊNCIA
Sumário:Dada como provada que a correspondência foi expedida pela AT nos termos do art. 38.º, n.º 3 do CPPT (carta registada) e recepcionada pela Recorrente importa concluir que esta se encontra validamente notificada da liquidação, ainda que não se tenha cumprido integralmente o procedimento previsto na Portaria 953/2010.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO Nº 1887/10.4BELRA

I. RELATÓRIO

TVT – T. M. DO V. DO T., SA, executada no processo de execução fiscal n.º21192010010…., instaurado pelo serviço de finanças de Torres Novas, por dívidas provenientes de IRC relativo ao ano de 2008, no montante total de EUR 118.623,30, apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria oposição judicial.
A final peticionou o arquivamento da execução por inexigibilidade do imposto.
Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi a oposição julgada improcedente.

Inconformada com o assim decidido, a Oponete e ora Recorrente, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, através da alegação de fls. 128 a 132 verso dos autos.

O Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia por decisão de fls. 148 a 152.

Por requerimento de fls. 157, a Recorrente requereu a remessa dos autos para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas suas alegações recursivas, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
«

A. Da matéria de fato provada não consta que a liquidação de IRC que está na origem da dívida exequenda resulte ou de entrega de declaração pela recorrente ou de procedimento inspetivo no âmbito do qual tenha sido feita previamente a notificação para efeitos de audição prévia.

B. Deste modo, em 2010, tratava-se de liquidação cuja notificação teria de ter sido efetuada com carta registada com aviso de receção.

C. Como a notificação da liquidação que está na origem da dívida exequenda foi efetuada com carta registada simples, o Tribunal a quo incorreu em erro de direito ao ter aplicado o regime do nº 3 do artigo 38° do CPPT.

D. Os atos e procedimentos apenas são válidos e eficazes desde que a forma pela qual é efetuada a respetiva notificação permita concluir, sem margem para dúvidas, que a referida notificação chegou à esfera da cognoscibilidade do seu destinatário.

E. Não pode a Autoridade Tributária beneficiar da presunção da notificação prevista no artigo 39º, 1, do CPPT, por falta de cumprimento do procedimento previsto na Portaria 953/2010.

F. A douta sentença recorrida incorreu em errado julgamento da matéria de direito, mais concretamente do n ° 1 do artigo 39° do CPPT, conjugado com o n ° 1 do artigo 38° do CPPT e do nº 1 do artigo 342º do Código Civil.

»

****
Não há registo de contra-alegações.

****
A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer onde reproduziu o teor do parecer anteriormente emitido pelo Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi no sentido da improcedência do recurso.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
****

A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em saber se a sentença sob recurso enferma de erro de julgamento, por violação do n ° 1 do artigo 39° do CPPT, conjugado com o n ° 1 do artigo 38° do CPPT e do nº 1 do artigo 342º do Código Civil.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida efectuou o seguinte julgamento de facto:
«
Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

1. Em 27/1/2009, a oponente requereu ao “Ministro das Finanças e da Administração Pública (…) a manutenção da utilização dos prejuízos fiscais acumulados” não obstante a alteração da titularidade de grande parte do capital social, nos termos do requerimento constante de fls. 14 a 19 dos autos em suporte de papel.

2. Em 1/4/2010, a Direcção de Finanças de Santarém enviou à oponente o oficio n.º 7244, com o projecto de decisão sobre o pedido de não aplicação da limitação prevista no n.º 8 do artigo 52.º do CIRC (cf. informação cuja falsidade do conteúdo não foi levantada e que consta de fls. 24 dos autos em suporte de papel).
3. Em 12/7/2010 a Subdirectora Geral por subdelegação de poderes emitiu o despacho de indeferimento do pedido, confirmando o anterior projecto de decisão, nos termos constantes da informação n.º 974/10 a fls. 23 a 27 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com fundamento na intempestividade do pedido formulado.
4. Em 29/7/2010, a oponente recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o envio pelo Serviço de Finanças de Santarém do ofício n.º 4855, para comunicação da decisão de indeferimento identificada no ponto que antecede (cf. oficio e aviso de recepção a fls. 29 e 30 dos autos).
5. Em 27/9/2010 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2010 8310005170, no valor de EUR 114.830,32 relativa ao ano de 2008 e respectiva demonstração de compensação (cf. print a fls. 57 a 61 dos autos).
6. Em 27/9/2010 foram enviados à oponente por carta postal registada o documento de liquidação através do registo N.º RY5123…..PT, o documento de liquidação de juros RY123…..PT e o documento de compensação através do registo n.º RY5121…..4PT, recepcionados em 6/10/2010 e 1/10/2010 conforme documento de dados de emissão a fls. 61 a 65, e impressão do sitio dos CTT constante de fls. 63 e 64, todas dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
7. Em 30/11/2010 o Serviço de Finanças de Torres Novas, emitiu a certidão de divida n.º 2010/8…., em nome da TVT – T. M. DO V. DO T., SA, por divida de IRC no valor de EUR 114.830,22, cuja data limite para pagamento voluntário terminou em 3/11/2010 (cf. cópia da certidão de divida a fls. 10 dos autos).

8. Em 10/11/2010 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 2119201001…., para cobrança da divida de IRC identificada no ponto que antecede (cf. cópia da autuação a fls. 10 dos autos).

9. Em 30/11/2010 foi emitido o oficio de “citação” para a morada “Z. I. dos R. – E. R. 2..-2.. R..” constante a fls. 6 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, com o assunto: “CITAÇÃO PESSOAL proc. n. 2119201001….”.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.

*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.»

****
Com base na matéria de facto supra enunciada, a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria julgou improcedente a Oposição, entendo, em síntese que a Oponente se considera devidamente notificada da liquidação de IRC de 2010 que subjaz à dívida exequenda.

A Recorrente entende que a sentença sob recurso enferma de erro de julgamento, por violação do n ° 1 do artigo 39° do CPPT, conjugado com o n ° 1 do artigo 38° do CPPT e do nº 1 do artigo 342º do Código Civil.

Sobre as questões suscitadas no presente recurso em tudo idênticas ao presente processo, já se pronunciou o acórdão do STA de 15/11/2017, proc. n.º 0278/16, em que as partes são as mesmas dos presentes autos, e até mesmo as conclusões de recurso são idênticas (não obstante naquele acórdão estava em causa liquidação de IRC de 2007, e nos presentes autos de 2008), e por essa razão nos limitamos a seguir o que nesse acórdão foi decidido, com o qual concordamos na íntegra:

“A questão apreciada na sentença de 1ª instância consistiu em saber se a oponente foi notificada da liquidação de IRC efectuada em 2010, referente ao ano de 2007. Aferiu a mesma decisão se a notificação da liquidação adicional de IRC teria que ser realizada por carta registada com aviso de recepção, ou se bastaria, a expedição de comunicação registada.

E, analisada a legislação, concluiu que após 01.01.2005 (data da entrada em vigor da Lei n° 55-8/2004, de 30 de Dezembro), nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 38.° do CPPT as notificações relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos de direito de audição, são efectuadas por mera carta registada.

Ponderou depois que resultando da matéria de facto provada que a Administração Tributária remeteu à oponente a liquidação de IRC e nota de compensação, por carta registada simples, expedidas em 17/9/2010 e entregues em 20/9/2010, cujo número de objecto” na informação dos CTT coincide com os números de registo dos dados de emissão dos documentos no serviço de finanças (ponto n.º 5 dos fatos provados) e que tais actos de liquidação foram remetidos para o domicílio fiscal do oponente considerando-se a notificação efectuada no primeiro dia útil a seguir ao terceiro dia após a data de registo pelo que considerou que a oponente foi validamente notificada da liquidação subjacente à divida exequenda, o que determinou o julgamento de improcedência da oposição.

Quid Juris?

A decisão nas circunstâncias concretas do caso que factualmente não são questionadas mostra-se acertada.

Estamos perante uma liquidação oficiosa de IRC efectuada na sequência de correcção da matéria tributável, por desconsideração de prejuízos considerados indevidamente deduzidos pela AT. E, essa desconsideração resultou de decisão de indeferimento de pedido de autorização para a sua dedução que foi notificada ao sujeito passivo.

O quadro legal a considerar é o seguinte: 110º do CIRC que dispõe:

«1. Nos casos de liquidação efectuada pela Direcção Geral dos impostos, o sujeito passivo é notificado para pagar o imposto e juros que se mostrem devidos, no prazo de 30 dias a contar da notificação.

2 A notificação a que se refere o número anterior é feita nos termos do Código de Procedimento Tributário.»

Artigo 36°, nº 1 do CPPT, que dispõe que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.

Artº 38° do CPPT que estabelece no seu nº 1: “As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências”

E, que no seu nº 3 consigna:

“As notificações não abrangidas pelo nº 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada”.

A lei n° 55-8/2004, de 30 de Dezembro que entrou em vigor em 1.1.2005 veio no entanto consignar que todas as notificações de liquidações que dimanem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeitos de exercício do direito de audição, são validamente realizáveis por correio registado simples.

Na ponderação deste quadro legal Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 38º do CPPT no 1º volume do seu CPPT comentado e anotado edição de 2001 a fls. 371 e 372 na anotação 3 sob o título “Notificações a efectuar por carta registada com aviso de recepção”, escreve:

“Estabelece-se no nº 1 deste artigo que as notificações se fazem por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.

Este artigo reporta-se às notificações a efectuar nos procedimentos tributários e não nos processos judiciais tributários.

Como actos e decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes devem considerar-se não só aqueles que efectivamente determinam uma alteração desta, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.

Assim, deverão ter essa qualificação os actos ou decisões que criam deveres ou encargos para os destinatários ou lhes restringem ou negam direitos que aqueles entendem ter.

Serão, pois, de efectuar por carta registada com aviso de recepção, entre outras e em princípio, as notificações de actos de liquidação de tributos que concretizem uma alteração da situação tributária (‘) e as de actos que recusem o reconhecimento de benefícios fiscais. (). No entanto, são excepção a esta regra, sendo efectuadas por carta registada, as seguintes notificações: a partir de 1-1-2001, data da entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, as notificações das liquidações relativas a IRS (3); e, a partir de 1-1-2005, data da entrada em vigor da Lei n° 55-8/2004, de 30 de Dezembro, essas e todas as notificações de liquidações que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções á matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição. (…).»

A recepção da referida liquidação oficiosa foi dada como provada no ponto 5 do probatório afirmando-se que a correspondência foi expedida em 17/09/2010 e por aquela (a ora recorrente) recepcionada no dia 20/09/2010.

Considerou, correctamente, a decisão recorrida que devia ser considerado o disposto no nº 3 do artigo 38º do CPPT e não o seu n°1. Ou seja, que a notificação da liquidação devia ser efectuada através de carta registada, (sem aviso de recepção) tal como sucedeu efectivamente.

É que a decisão de desconsideração de prejuízos declarados pela ora recorrente, considerados pela AT indevidamente deduzidos, (sendo que essa desconsideração resultou de decisão de indeferimento do pedido de autorização para a sua dedução), foi notificada ao sujeito passivo (vide factos 1 a 3 do probatório), o que se tem por adquirido.

Aqui chegados é oportuno e essencial referir que a falta da formalidade “aviso de recepção” do artº 38º nº 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário se degradou em não essencial, por se tratar de formalidade legal que muito embora não tivesse sido observada no cumprimento do acto de notificação, devido a ter sido atingido o objectivo visado com a notificação e que é o de levar ao conhecimento do respectivo destinatário o teor do acto notificado, possibilitando-lhe o uso dos meios contenciosos e administrativos que a lei coloca ao seu dispor. (neste sentido o Ac. do STA de 29/10/2014 rec. 01619/13 no qual o ora relator interveio como Juiz Adjunto).

Nestes termos, e sem necessidade de mais e diferentes considerações, é de concluir que a oponente foi validamente notificada da liquidação subjacente à divida exequenda, pelo que a oposição não pode deixar de improceder por não merecer procedência o fundamento invocado de inexigibilidade da dívida decorrente da falta de notificação da liquidação.”

Em suma, aplicando o entendimento vertido neste acórdão ao caso dos autos, temos que a notificação em causa deveria ter sido efectuada ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 38.º do CPPT (carta registada) [pois a decisão de desconsideração de prejuízos declarados pela ora recorrente, considerados pela AT indevidamente deduzidos foi notificada ao sujeito passivo (vide factos 1 a 3 do probatório)], tal como efectivamente sucedeu, e tendo a recepção da referida liquidação oficiosa sido dada como provada no ponto 6 do probatório (no dia 06/10/2010 e 01/10/2010), a Recorrente encontra-se validamente notificada, sendo que a questão da falta de cumprimento do procedimento previsto na Portaria 953/2010 (conclusão E) fica desprovida de relevância, posto que resultando provado o recebimento da correspondência “foi atingido o objectivo visado com a notificação e que é o de levar ao conhecimento do respectivo destinatário o teor do acto notificado, possibilitando-lhe o uso dos meios contenciosos e administrativos que a lei coloca ao seu dispor”.

Pelo exposto, improcedem todas as conclusões das alegações de recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Sumário

Dada como provada que a correspondência foi expedida pela AT nos termos do art. 38.º, n.º 3 do CPPT (carta registada) e recepcionada pela Recorrente importa concluir que esta se encontra validamente notificada da liquidação, ainda que não se tenha cumprido integralmente o procedimento previsto na Portaria 953/2010.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

****
Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 03 de Maio de 2018.

____________________________

Cristina Flora

________________________

Ana Pinhol

____________________________

Jorge Cortês