Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11508/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2014
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
Sumário:1 – A competência para apreciar pretensão de suspensão de eficácia de acto de concordância com o teor de relatório gizado pela Unidade de Fiscalização do Instituto de Segurança Social no qual se mostra apurado determinado montante de contribuições em dívida à Segurança Social, proferido pela Directora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuições do referido Instituto, compete aos Tribunais Tributários, face à natureza tributária das contribuições para a Segurança Social.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

R…… – E……, Sociedade Unipessoal, com sede na Praça N……, nº .. .. em Lisboa requereu contra o Instituto de Segurança Social, I.P. providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo proferido pela Directora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, em 23 de Dezembro de 2013, nos termos do qual foi determinado dar conhecimento ao Núcleo de Gestão de Remunerações do Centro Distrital de Lisboa, do relatório final elaborado no âmbito do processo de averiguações nº 200701193084, no qual se apurou que a A. tinha uma dívida de 2.917.698,90 €, a título de contribuições em falta para a Segurança Social, resultante de remunerações pagas pela ora recorrente a trabalhadores, não registadas na Segurança Social.

Por decisão proferida em 29 de Julho de 2014, o T.A.C de Lisboa declarou-se materialmente incompetente para conhecer da pretensão formulada, declarando a competência do Tribunal Tributário.

Inconformado com o decidido, a requerente recorreu para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 29 de Julho de 2014, nos termos da qual o Tribunal a quo entendeu julgar-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos presentes autos, declarando a competência material do Tribunal Tributário.

B. Entendeu o Tribunal a quo que «para efeitos de determinação da competência material do tribunal, é indiferente saber se no procedimento onde foi proferido o acto cuja suspensão de eficácia se requer, foi ou não proferida a ordem de pagamento, ou se é este o acto cuja suspensão é requerida, ou se o mesmo é ou não impugnável. “.

C. Sucede, porém, que, conforme demonstrado, tal entendimento não pode proceder, pois que é perante os concretos termos em que é estruturada a Petição Inicial apresentada em sede de processo principal que se deverão aferir se, atentos os contornos objectivos (pedido e seus fundamentos) e subjectivos (identidade das partes) da acção, a sua apreciação se enquadra na ordem jurisdicional administrativa ou tributária/fiscal.

D. Conforme constitui Doutrina e Jurisprudência pacíficas, a competência em razão da matéria é apreciada em função dos termos em que a acção é proposta e determina-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos.

E. Assim, atendendo à circunstância da aqui Recorrente ter instaurado uma Acção Administrativa Especial por relação a um acto administrativo, tramitando a referida acção segundo o CPTA, não se afigura perceptível o entendimento propugnado pela Sentença em escrutínio.

E. Partindo para o caso em apreço, não se está, pois, imediatamente, mas apenas mediatamente, a apreciar a validade (legalidade) da conformação como obrigações contributivas face a pagamentos que a Recorrente fez aos seus trabalhadores, subsumindo-se a questão sub judíce à fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos praticados no âmbito de uma relação jurídico-administrativa.

G. Atente-se que o acto administrativo em apreciação nos presentes autos não determina o pagamento de qualquer quantia, designadamente tributária, já que, conforme refere, determinou, para além do mais, “dar conhecimento, via SAF, do presente relatório, mapas de apuramento e demais peças processuais tomadas por relevantes, ao Núcleo de Gestão de Remunerações do Centro Distrital de Lisboa para efeitos do registo oficioso das declarações de remunerações em falta, devendo este proceder à notificação do contribuinte relativamente aos valores em dívida”.

H. Em suma, e conforme expressamente admitido pela Entidade Recorrida, o acto administrativo em apreço não é um acto que determine o pagamento de uma quantia, pois que indica que haverá posterior elaboração oficiosa de declarações de remuneração.
O que implica que esse acto administrativo nunca tenha tido a pretensão de ser acto de liquidação, logo que não marcasse um valor de dívida à Recorrente, não assumindo, portanto a natureza de uma questão fiscal, cuja apreciação seja subsumível à jurisdição tributária, conforme entendeu o Tribunal a
quo.

J. Como se demonstrou e concluiu à saciedade, estando perante um acto administrativo que não fixa obrigação pecuniária a ser liquidada, antes definindo a posição do particular quanto à criação de dívida, mas sem o interpelar para cumprimento imediato, não nos encontramos, in casu, perante a apreciação de uma questão fiscal, ao contrário do entendimento vertido na Sentença aqui em Recurso Jurisdicional.

K. O conceito de questão fiscal pressupõe, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercido da função tributária da Administração Pública, a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo.

L. Resultou evidente que, nos presentes autos, não se vem suscitar a interpretação e/ou aplicação de quaisquer normas de direito fiscal, discutindo-se, outrossim, um acto materialmente administrativo praticado por um órgão da Administração.

M. Sem conceder, sempre se diga que, reconhecer a competência dos Tribunais Tributários para apreciar questões relacionadas com contribuições para a Segurança Social pressupõe a consideração de que estas contribuições são tributos, fiscais ou parafiscais, e que a Segurança Social faz parte da Administração Tributária, posição que, como a Sentença em escrutínio reconhece, é controversa, quer na doutrina, quer na jurisprudência, como enunciadas nas Alegações de Recurso.

N. Como se demonstrou, o que caracteriza os tributos parafiscais é o facto de serem prestações exigidas aos particulares sem os requisitos constitucionais previstos para os impostos, designadamente precisão orçamental e reserva de lei, o que deixou de suceder no caso das contribuições sociais após a revisão constitucional de 1982.

O. A função tributária ou as receitas fiscais do Estado visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, mas também, uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. Todavia, as contribuições para a Segurança Social destinam-se à prossecução dos seus fins muito específicos) de que não beneficiam, sequer, todos os cidadãos.

P. Em face do que se expôs, deverá a decisão a quo ser revogada por erro de julgamento, na parte em que considera o objecto do pedido como matéria fiscal lato sensu, bem como na parte em que considera o tribunal administrativo incompetente em razão a matéria para apreciar aquele pedido determinando-se a baixa do processo a primeira instância, para aí se conhecer do mérito da presente Providência Cautelar.

Contra-alegou o Recorrido, formulando as seguintes conclusões:

“A) A A. não se conformou com a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pela qual é declara a S/ incompetência em razão da matéria para conhecer dos autos, pugnando pela competência material do Tribunal Tributário para o efeito e dando procedência à excepção deduzida pelo R. na oposição, que apresentou nos autos.

B) A incompetência absoluta do tribunal constitui uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância nos termos dos artigos 4930, no 2 e 494°, alínea a) do CPC, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA.

C) Ao decidir como decidiu, a douta decisão recorrida fez uma correta aplicação do direito, não merecendo qualquer reparo.

D) Tal como a acção foi intentada e configurada pela A., atentos os contornos objectivos do pedido e da causa de pedir em síntese enunciados, constata-se que a A. reage à ordem de regularização da sua situação contributiva perante a segurança social, não relevando, como pretende, a circunstância de ter instaurado acção administrativa como processo principal a tramitar de acordo com as regras do CPTA para justificar, desta forma, redundantemente, o que está precisamente em questão, ou seja a competência material do tribunal para apreciar tal acção.

E) O que na relação jurídica contributiva está em causa, como no caso dos autos recorridos, é a relação entre uma entidade empregadora (a A., ora Recorrente) enquanto sujeito passivo da obrigação contributiva e o Estado - Segurança Social.

F) Ora, tem vindo a ser aceite, pela doutrina e jurisprudência e de forma maioritária, senão mesmo unânime, que as contribuições para segurança social têm natureza para-fiscal, porquanto se distinguem dos impostos ou taxas em razão das características da relação jurídica tributária pura, na medida em que supõem a existência duma relação laboral, e são determinadas por referência à remuneração do trabalhador, enquanto que relação tributária tem por fim a realização de uma receita pública e não depende de outros vínculos jurídicos nem determina para o sujeito ativo respetivo qualquer dever de prestar específico, conforme se refere no Acórdão do STA de 4110/2007, R0 014/07.

G) E, a Lei n° 110/2009, de 16 de Setembro, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos da Segurança Social, considera base de incidência contributiva a remuneração ilíquida devida em função do exercício da actividade profissional ou decorrente da cessação do contrato de trabalho.

H) Assim, é precisamente por o montante das contribuições da entidade patronal ser determinado por referência à remuneração do trabalhador, que elas constituem uma relação jurídica contributiva (cfr. Ac. do STA, de 94/10/2007, proc. N° 014/07), e é, efectivamente, a competência dos tribunais tributários, para conhecimento de questões referentes à regularização contributiva das entidades empregadoras, a que vem sendo, geralmente, reconhecida pela jurisprudência do Tribunal de Conflitos (entre outros, Ac. do Tribunal de Conflitos de 27.10.2004, R0 02/04; Ac. do Tribunal de Conflitos de 04.10.2006, R° 03/06; Ac. do Tribunal de Conflitos de 04.10.2007, R° 014/07; Ac. do Tribunal de Conflitos de 17.01.2008, R° 016/07).

I) Não é por se decompor ou cindir o procedimento desenvolvido pelo ora Recorrido com vista à regularização da situação contributiva em causa, em actos meramente materiais que não determinam obrigação pecuniária para liquidação (o impugnado) e actos que determinam o pagamento da quantia apurada e em dívida, como pretende a Recorrente, que se define a natureza tributária do ato posto em crise e se determina a competência material do tribunal.

J) Estamos perante um procedimento de autoliquidação de tributos (contribuições) em que o sujeito activo da relação jurídico-contributiva é o devedor da contribuição, declara a matéria colectável, apura o valor da contribuição a pagar e procede à entrega do mesmo nos serviços competentes da entidade pública de Segurança Social, de acordo com os artigos 12º e 13° do Decreto-Lei n° 8-B/2002, aplicável à data dos factos articulados nos autos, e ainda nos termos do disposto nos artigos, 37.° e seguintes do Código Contributivo da Segurança Socia, e artigos 13° e seguintes do Decreto Regulamentar n.°1-A/2011, de 3 de Janeiro.

K) Na falta da apresentação de tais declarações, como aconteceu no caso da Recorrente, compete ao Departamento de Fiscalização do ISS,1P na sequência da acção inspectiva e das conclusões sobre o incumprimento contributivo, proceder à emissão das declarações oficiosas de remunerações para registo e posterior liquidação da dívida apurada (cfr. artigo 10.° da Portaria n.° 63812007 de 30 de Maio, alterada e republicada pela Portaria nº 1460-A/2009, de 31 de Dezembro, alínea c) do n° 2 do artigo 8° da Portaria n° 135/2012, de 8 de Maio e artigo 40.° da Lei n° 110/2009, de 16 de Setembro).

L) O procedimento de liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social, depende, pois, da prática de dois actos sequenciais e complementares:

a) O ato administrativo de apuramento oficioso da dívida contributiva, consubstanciado na decisão que consta ou remete para o relatório final produzido pelo Departamento de Fiscalização;

b) A operação material de registo das declarações de remunerações oficiosas, a efectuar pelos competentes serviços dos centros distritais - a liquidação, potencialmente lesiva e por isso, esta sim, impugnável -, sem a qual aquele ato de apuramento não é autonomamente recorrível.
M) Faria sentido que o Tribunal Administrativo fosse o competente para dirimir as questões da relação contributiva relativas ao ato de apuramento e logo a seguir relativamente ao acto de liquidação, passasse a ser competente o Tribunal Tributário? Estamos em crer que não, em obediência ao princípio da impugnação unitária (ad. 54° do CPPT).

N) De resto, ao contrário do que a A. afirma, suscitou nos autos a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, designadamente os arts 45º e 46º da LGT e art. 2° do Código de IRS (cfr. arts. 201°, 234°, 236°, 244°, 249° da PI do processo principal), mas ainda que não o tivesse feito não seria por isso que a discussão em volta das contribuições para a Segurança Social não se enquadram no conceito de questão fiscal”.

O) Não obstante, o conceito de questão fiscal tem oscilado entre a tese restritiva ou redutora e a tese ampliativa, que é hoje seguida na jurisprudência e abrange todas as questões cuja resolução exige a interpretação e a aplicação de quaisquer disposições de direito fiscal, desde que se situe no campo da actividade tributária do Estado (Ac. do STA de 11/3/1997 - Proc, N° 41144).

P) E a competência material para apreciação de matérias tributárias cabe aos Tribunais Tributários de 1ª Instância, aos quais, nos termos do disposto no artigo 490, n° 1, alínea a), iv), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), compete conhecer dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais.

O) A decisão do TAC de Lisboa não incorre, pois, em nenhum erro de julgamento, ou qualquer outro, devendo ser mantida válida e eficaz na ordem jurídica, com todas as legais consequências.

O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


II) Para apreciação do presente recurso importa dar como assentes os seguintes factos:

A)
Foi elaborado, no dia 20 de Dezembro de 2013, pela Unidade de Fiscalização de LVT Sector de Lisboa 1 “relatório” gizado na sequência de Proc. de Averiguações nº 200701193084 no qual se formularam as seguintes propostas:
(…)
“4 Propostas:
Caso o presente relatório mereça aprovação, propõe-se o seguinte:
1) Dar conhecimento, via SAF, do presente relatório, mapas de apuramento e demais peças processuais tomadas por relevantes, ao núcleo de Gestão de Remunerações do Centro Distrital de Lisboa para efeitos do registo oficioso das declarações de remunerações em falta, devendo este proceder à notificação do contribuinte relativamente aos valores em dívida;
2) O envio de ofício, acompanhado do presente relatório, aos Ilustres Mandatários dando-lhes conhecimento da decisão que recair sobre o presente processo;
3) Que seja remetido o presente processo ao Núcleo da Investigação Criminal, tendo em conta os indícios apurados da prática do crime de fraude à Segurança Social;
4) Que se dê por concluído o processo neste Sector, considerando-se como apurado o valor global de € 2.917.698,90 de contribuições.” – cfr. doc. 1 junto com o requerimento inicial.
B)
A Directora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuições exarou no relatório referido em A), no dia 23 de Dezembro de 2013, despacho com o seguinte teor:
“Concordo.
Proceda-se em conformidade” (despacho suspendendo) – cfr. fls. 134 dos autos.
C)
A ora recorrente requereu no T.A.C. de Lisboa providência cautelar de suspensão de eficácia do acto supra descrito – cfr. respectiva p.i..

D)
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 29 de Julho de 2014 proferiu sentença na qual se declarou incompetente, em razão da matéria, “…para conhecer dos presentes autos, declarando-se a competência material do Tribunal Tributário…” – cfr. fls. 372/373 dos autos.

III) Fundamentação jurídica

A questão que importa apreciar no presente recurso prende-se com a competência do T.A.C. de Lisboa para apreciar a pretensão que lhe foi dirigida pela ora recorrente, de suspensão de eficácia de acto praticado pela Directora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuições do Instituto de Segurança Social, I.P. em 23 de Dezembro de 2013, despacho de concordância com relatório da Unidade de Fiscalização, no qual foi proposto: 1) Dar conhecimento, via SAF, do presente relatório, mapas de apuramento e demais peças processuais tomadas por relevantes, ao núcleo de Gestão de Remunerações do Centro Distrital de Lisboa para efeitos do registo oficioso das declarações de remunerações em falta, devendo este proceder à notificação do contribuinte relativamente aos valores em dívida;
2) O envio de ofício, acompanhado do presente relatório, aos Ilustres Mandatários dando-lhes conhecimento da decisão que recair sobre o presente processo;
3) Que seja remetido o presente processo ao Núcleo da Investigação Criminal, tendo em conta os indícios apurados da prática do crime de fraude à Segurança Social;
4) Que se dê por concluído o processo neste Sector, considerando-se como apurado o valor global de € 2.917.698,90 de contribuições

Estatui o n.º 3 do artigo 212.º da Constituição da República Portuguesa que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Nos termos do disposto no artigo 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), os Tribunais Administrativos e Fiscais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
A relação jurídica administrativa, nas palavras do Professor Freitas do Amaral (1), “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração.”
Assim, para que se possa configurar uma relação jurídica administrativa impõe-se que uma das partes integre a Administração, seja um ente administrativo, e que actue munida do seu ius imperii ou a coberto de normas públicas imperativas, ou que, não o sendo, esteja investida, por lei, no exercício de poderes públicos.
Enunciados estes princípios gerais, cumpre tecer algumas considerações quanto ao requisito da competência.
Estatui o artigo 13.º do CPTA: “O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.”
No que se refere aos Tribunais Administrativos e Fiscais, a medida da sua jurisdição vem definida no artigo 4.º do ETAF.
Pelo que se imporá averiguar se o objecto dos presentes autos configura matéria de natureza fiscal ou se, ao invés, se apresenta como questão emergente de uma relação jurídica de natureza administrativa, tendo presente que a competência em razão da matéria é apreciada tendo presente os moldes em que a acção é proposta, sendo determinada pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos.

No caso em apreço, o acto cuja suspensão de eficácia foi requerida acolheu as conclusões de relatório elaborado pela Unidade de Fiscalização do Instituto de Segurança Social, I.P., tendo sido ordenado o envio do mesmo, dos respectivos mapas de apuramento e demais peças processuais ao Núcleo de Gestão de Remunerações do Centro Distrital de Lisboa para efeitos de registo oficioso de remunerações em falta, tendo sido fixado no montante de 2.917.698,00 € o valor global de contribuições para a Segurança Social, devidas pela recorrente, pelo que importa apurar a questão da natureza jurídica das contribuições para a Segurança Social, para o que importa transcrever o disposto no artº 11º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social:
Artigo 11.º
Objecto da obrigação contributiva
1 - A obrigação contributiva tem por objecto o pagamento regular de contribuições e de quotizações por parte das pessoas singulares e colectivas que se relacionam com o sistema previdencial de segurança social.
2 - As contribuições são da responsabilidade das entidades empregadoras, dos trabalhadores independentes, das entidades contratantes e dos beneficiários do seguro social voluntário, consoante os casos, e as quotizações são da responsabilidade dos trabalhadores, nos termos previstos no presente Código.
3 - As contribuições e quotizações destinam-se ao financiamento do sistema previdencial que tem por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.

As contribuições para a Segurança Social são prestações pecuniárias de carácter obrigatório, afectas ao financiamento de despesas do sistema previdencial de segurança social, tendo em vista a realização de um fim público de protecção social, assumindo uma natureza para fiscal.(2)

Para análise da presente questão afigura-se relevante chamar à colação Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (3), do qual se extrai o seguinte:

“A natureza jurídica das contribuições para a Segurança Social, devidas pelas entidades patronais, tem sido uniformemente qualificada na jurisprudência administrativa e fiscal, como sendo tributária.
Efectivamente tais contribuições mais não são do que prestações unilaterais exigidas pelo Estado, com carácter imperativo não sancionatório, que se destinam ao funcionamento do sistema da Segurança Social – Cfr. neste sentido, entre outros, os Acs. do STA de 24.OUT.96, in Rec. nº 39 623 (1ª Secção), e de 29.MAI.96, in Rec. nº 18 986 (2ª Secção).
(……)
Efectivamente, conforme se concluiu no Acórdão do Pleno do STA de 14.MAI.97, proferido in Rec. nº 36 943, são questões fiscais "as que emergem de soluções autoritárias que imponham aos cidadãos o pagamento de quaisquer prestações pecuniárias com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos entes respectivos.
Trata-se, portanto, da consagração jurisprudencial da tese ampliativa, que se opõe à restritiva ou redutora que situa a questão fiscal apenas na área do imposto.”.
Neste sentido cfr. ainda os Acs. STA de 12.DEZ.96, in Rec. nº 40573 (propinas no ensino superior), de 17.JUN.97, in Rec. nº 40365 (fixação de tarifas referentes a recolha e tratamento de resíduos urbanos), de 29.OUT.98, in Rec. nº 34012 (prestações para a segurança social).
As contribuições para a Segurança Social têm sido qualificadas, uniformemente, pela jurisprudência deste tribunal como tendo natureza tributária, "designadamente porque a Segurança Social passou a ser um direito fundamental dos cidadãos, contribuintes ou não do sistema (art.º 63 da CRP)... tratando-se, pois, de uma imposição pecuniária visando a obtenção de receitas para a satisfação de encargos públicos" – Cfr. Ac. STA de 24.OUT.96, in Rec. nº 39623
Por outro lado, tem sido também uniforme o entendimento de que "questões fiscais são todas as que emergem de resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas" - Cfr. Ac. STA, de 6.OUT.93, in Rec. nº 26369.”

O supra referido indicia que a pretensão formulada pela recorrente no presente recurso estará votada ao insucesso, conclusão insusceptível de ser modificada pela circunstância de a Recorrente ter intentado acção administrativa especial visando o acto suspendendo e pelo facto de o mesmo não determinar o pagamento de qualquer quantia a título de contribuições em falta.
Com efeito, e no que diz respeito à circunstância de a recorrente ter intentado acção administrativa especial visando o acto suspendendo importa referir serem os tribunais tributários não só competentes para conhecer das acções de impugnação dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais – cfr. artº 49º, nº 1, alínea a), iv) do E.T.A.F. – como também apreciar os pedidos de providências cautelares relativas aos actos administrativos impugnados ou impugnáveis – cfr. artº 49º nº 1 alínea e), iv) do mesmo Código – pelo que é irrelevante, para efeitos de determinação da competência material do Tribunal, o facto de ter sido intentada acção administrativa especial visando o acto suspendendo, sendo, igualmente, irrelevante a circunstância de o acto suspendendo não determinar o pagamento de qualquer quantia a título de contribuições para a Segurança Social, dado que, por força do mesmo, se apurou o montante de contribuições em falta, contribuições essas que assumem a natureza tributária, nos termos supra expendidos.

Nenhum sentido faria, ao contrário do que parecer ser o entendimento da recorrente, considerar materialmente competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para conhecer de pedido de suspensão de eficácia de acto que apurou o montante de contribuições em dívida e depois considerar competente o Tribunal Tributário para conhecer da legalidade de acto de liquidação.

Importa ainda referir, conforme se extrai do requerimento inicial, que as questões que a ora Recorrente apresenta como fundamento da manifesta ilegalidade do acto suspendendo são questões tributárias, como seja a de saber se as “ajudas de custo” fazem parte do conceito de remuneração, face ao artigo 46º nº 2 alínea p) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e ao artigo 2º, nº 3 alínea d) do CIRS; a questão da caducidade do direito à liquidação das contribuições para a Segurança Social, face à invocação do artº 45º da Lei Geral Tributária; a prescrição de parte das mesmas contribuições, por apelo à Lei de Bases da Segurança Social, questões que convocam a interpretação de conceitos ou normas de direito fiscal, pelo que a causa de pedir formulada permite concluir serem os Tribunais Tributários os competentes para conhecer da pretensão formulada.



IV) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 6 de Novembro de 2014


Nuno Coutinho


Carlos Araújo


Rui Belfo Pereira

1) Direito Administrativo, edição policopiada, vol. III, pág. 439-440

2)Cfr. Acórdão proferido pelo T.C.A. Norte em 1 de Junho de 2012, no âmbito do Proc. nº 227/11.9BECBR
3)Acórdão datado de 25 de Maio de 2006, proferido no âmbito do Proc. 00341/04.8BEBRG.