Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:838/17.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/18/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CARACTERÍSTICAS TÍPICAS DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES.
PRESSUPOSTOS DO DECRETAMENTO DO ARRESTO NO ÂMBITO DO PROCESSO TRIBUTÁRIO.
VIAS CONTENCIOSAS POSSÍVEIS DE UTILIZAR PELO ARRESTADO.
ÓNUS DA PROVA. FAZENDA PÚBLICA.
CONCEITO DE “FUNDADO RECEIO”.
CONVICÇÃO DEVE BASEAR-SE EM ELEMENTOS INDICIÁRIOS OBJECTIVOS EXISTENTES NO PROCESSO.
ARRESTO PREVENTIVO EM BENS DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO.
ASSISTÊNCIA MÚTUA ENTRE ESTADOS-MEMBROS DA U.E.
ARRESTO DE BENS DE RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO.
ARTº.16, DA DIRECTIVA 2010/24/UE DO CONSELHO, DE 16 DE MARÇO DE 2010.
PRINCÍPIOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO COMUNITÁRIO NA ORDEM JURÍDICA INTERNA PORTUGUESA.
DEC.LEI 263/2012, DE 20/12.
PEDIDO DE ARRESTO FORMULADO AO ABRIGO DO ARTº.26, Nº.1, AL.B), DO CITADO DEC.LEI 263/2012, DE 20/12.
LITÍGIO RELATIVO ÀS MEDIDAS DE EXECUÇÃO TOMADAS NO ESTADO-MEMBRO REQUERIDO (CFR.ARTº.14, Nº.2, DA DIRECTIVA 2010/24/UE).
Sumário:1. O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial previsto na lei civil com um estreito vínculo funcional com a penhora e, grosso modo e na vertente processual, a providência cautelar especificada que consiste na apreensão judicial de bens, fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
2. Enquanto providência cautelar, o arresto visa combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo principal), a fim de que a sentença se não torne numa mera decisão platónica. É em virtude dessa função própria de prevenção contra a demora, que as providências cautelares têm características típicas a saber:
a)A instrumentalidade - isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura de uma acção principal cuja utilidade visa assegurar;
b)A provisoriedade - pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio;
c)A sumariedade - que se manifesta numa cognição sumária de facto e de direito própria de um processo urgente.
3. No âmbito do processo tributário o arresto (preventivo) tanto pode ser requerido antes da instauração da execução, como na pendência do processo executivo (cfr.artºs.136 e 214, nº.3, do C.P.P.Tributário), admitindo a lei o pedido de arresto mesmo no âmbito do procedimento tributário de inspecção, enquanto medida cautelar que visa garantir o pleno exercício da função inspectiva da A. Fiscal (cfr.artº.31, do R.C.P.I.T.).
4. Os requisitos de procedência do arresto, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr.artº.51, da L.G.Tributária; artº.136, do C.P.P.Tributário):
a)Haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis;
b)O tributo em causa estar liquidado ou em fase de liquidação, sendo que nos tributos periódicos, como é o caso do I.R.C., ou do I.R.S., a lei considera que se encontra em fase de liquidação a partir do final do ano civil ou de outro período de tributação a que os respectivos rendimentos se reportem, enquanto nos tributos de obrigação única, como é o caso do I.V.A., o imposto se encontra em fase de liquidação, logo a partir do momento em que ocorre o facto tributário.
5. O arresto é decretado sem audiência da parte contrária (cfr.artº.393, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.139, do C.P.P.Tributário) só se iniciando, para o arrestado, a via contraditória depois de ser notificado da decisão e podendo, em alternativa, este optar por uma das duas vias contenciosas possíveis (cfr.artºs.372, nº.1, e 376, nº.1, do C.P.Civil):
a-O recurso da decisão que decretou o arresto quando entenda que, face aos elementos apurados, ele não devia ter sido deferido;
b-A oposição à mesma decisão, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
6. No requerimento inicial deve a Fazenda Pública alegar e efectuar prova sumária (“bonus fumus iuris”) da factualidade demonstrativa do imposto ou da sua existência provável e dos factos integrantes do fundado receio da diminuição de garantias de cobrança do correspondente crédito. Além disso, deverá relacionar e identificar devidamente os bens que pretende ver arrestados, os quais devem ser suficientes para garantir a cobrança do respectivo crédito fiscal (cfr.artºs.136, nº.4, e 137, nº.2, ambos do C.P.P.Tributário).
7. Não fornecendo a lei tributária definição do circunstancialismo que é susceptível de integrar o conceito de “fundado receio”, reputamos adequado buscar, para o efeito, apoio na figura próxima e equivalente do “justo receio”, característica do arresto em direito civil (cfr.artº.619, nº.1, C. Civil). Encontramo-nos perante o tradicional requisito, comum às providências cautelares, do "periculum in mora". Deverá haver um perigo logicamente justificado, uma probabilidade séria, com fundamentos objectivos baseados em regras de experiência comum, de que os patrimónios dos titulares de bens que servem de garantia à cobrança de créditos tributários (devedor originário, responsável solidário e responsável subsidiário) diminuam de valor a ponto de se tornarem insuficientes para cobrança dos mesmos.
8. Nas hipóteses mais frequentes, tratar-se-á de situações em que, com base nas ditas regras de experiência comum, seja de considerar provável que aqueles titulares de bens se preparem para criar uma situação em que seja inviável accionar os seus patrimónios para cobrança das dívidas, designadamente ocultando-os ou transferindo-os para a titularidade de pessoas que não possam ser accionadas para efectivar essa cobrança. Porém, a exigência de que o receio seja "fundado" impõe que não se possa considerar suficiente para decretar o arresto a mera convicção subjectiva e intuitiva do julgador, sendo necessário que essa convicção se alicerce em elementos indiciários objectivos existentes no processo, que apontem no sentido de o devedor ou responsável pretender alienar ou sonegar/ocultar bens que devem servir de garantia do crédito tributário.
9. No caso de se pretender o arresto de bens do responsável subsidiário antes da instauração da execução fiscal ou do chamamento deste à execução por via da reversão, torna-se necessário que o requerente (Fazenda Pública) alegue e prove, ainda que sumariamente (pois que estamos no domínio de um procedimento cautelar), factos tendentes a demonstrar que se encontram reunidos os pressupostos legais para esse chamamento à luz das normas que estabelecem a responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias, o que acontece quando, de forma cumulativa, se verificam:
a)Os requisitos previstos no artº.153, nº.2, do C.P.P.T., relativos à inexistência de bens penhoráveis do devedor originário ou à fundada insuficiência do património do mesmo devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido;
b)Os requisitos previstos no artº.24, da L.G.T., relativos ao exercício do cargo de gerente da sociedade devedora no período da constituição do facto tributário ou no período de entrega ou pagamento dos impostos em dívida.
10. Em sede de assistência mútua entre Estados-Membros da U.E., surge o arresto de bens de responsável subsidiário, com fundamento em pedido de cobrança de créditos respeitantes a impostos e/ou de adopção de medidas cautelares, formulado pelo Estado Espanhol ao Estado Português/Ministério das Finanças com base no artº.16, da Directiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de Março de 2010 (cfr.nº.1 do probatório), normativo que prevê a possibilidade das autoridades do Estado-Membro requerente pedirem às autoridades do Estado-Membro requerido que tomem medidas cautelares de modo a garantir a cobrança de um crédito tributário, sendo que a autoridade requerida deve fazer uso das competências e dos procedimentos previstos na sua lei, nos termos do artº.13, “ex vi” do artº.17, ambos da citada directiva.
11. Recorde-se que o direito comunitário vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do efeito directo e do primado (cfr.artº.8, nº.4, da C.R. Portuguesa).
12. Foi o dec.lei 263/2012, de 20/12, que transpôs para a ordem jurídica interna a nomeada Directiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de Março de 2010 (cfr.anteriormente a Directiva 2008/55/CE do Conselho, de 26 de Maio de 2008), relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas.
13. O pedido de arresto formulado pela Autoridade Tributária e Aduaneira cumpre os requisitos previstos na lei, atento o disposto no artº.26, nº.1, al.b), do citado dec.lei 263/2012, de 20/12 (cfr.anteriormente dec.lei 296/2003, de 21/11), pois que o crédito em causa, embora ainda não seja objecto de título executivo, o direito interno do Estado-Requerente (Estado Espanhol) admite a adopção de medidas cautelares de garantia do mesmo, nomeadamente, o dito arresto.
14. De acordo com o artº.30, nº.2, do dec.lei 263/2012, de 20/12, sendo apresentada por uma parte interessada, no decurso dos procedimentos de cobrança ou adopção de medidas cautelares solicitadas às autoridades nacionais a que se refere o artº.5, do mesmo diploma, uma contestação do crédito, do título executivo inicial do Estado-Membro requerente ou do respectivo título executivo uniforme, aquelas informam a parte interessada em causa de que a acção deve ser por esta instaurada perante a instância competente do Estado-Membro requerente, nos termos das disposições legislativas em vigor nesse Estado. Esta disposição é clara ao enunciar que, se a parte interessada pretende contestar o crédito, o título executivo inicial ou o título executivo uniforme, tal acção deve ser instaurada na instância competente do Estado-Membro requerente (cfr.artºs.13 e 14, da Directiva 2010/24/UE).
15. Já se o litígio for relativo às medidas de execução tomadas no Estado-Membro requerido, está habilitado para dele conhecer a instância competente desse Estado-Membro, nos termos das disposições legislativas e regulamentares que no mesmo vigorem (cfr.artº.14, nº.2, da Directiva 2010/24/UE).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“L..., L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho proferido pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa exarado a fls.445 a 449 do processo, o qual indeferiu o pedido de anulação dos arrestos de créditos concretizados em 13/07/2017 e a sua substituição por outros que contemplem o real crédito existente do executado José…sobre a sociedade recorrente, mais afirmando a competência do Estado Espanhol para tais matérias.
A este despacho antecedeu a sentença exarada a fls.250 a 264 do presente processo, através da qual o Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, a pedido da Autoridade Tributária e Aduaneira, determinou o arresto dos seguintes bens e direitos de José ... ...:
- Quotas da sociedade “L..., L.da.” (detém 75% das quotas);
- Valores mensais (€ 1.391,00) que a sociedade “L..., L.da.”, paga a José ... ..., em consequência da venda de uma unidade industrial em ... (Astúrias);
- Valores depositados em contas bancárias.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.455 a 470 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Desde logo, importa deixar assente que a RECORRENTE não contesta, nem nunca contestou, a propriedade da medida de cobrança requerida pelo Estado Espanhol, e aplicada pelo Estado Português, nem tampouco o valor do crédito requerido pelo Estado Espanhol, de que alegadamente a Fazenda Nacional é credora de José ... ..., mas apenas o valor dos créditos arrestados em Portugal, tendo sido esse o objeto exclusivo do Requerimento de 24/07/2017, apresentado pela ora RECORRENTE, e de cuja decisão ora se recorre;
2-Assim, e salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo lavrou em manifesto erro de julgamento quando concluiu que a competência para apreciação do pedido da ora RECORRENTE competia aos Tribunais de jurisdição espanhola;
Vejamos mais em concreto:
3-Na origem dos presentes autos está o decretamento da providência cautelar de Arresto, decretado pelo douto Tribunal a quo, e o pedido do Estado Espanhol, ao abrigo do disposto no artigo 16.º da Diretiva 2010/24/EU, por forma a salvaguardar o crédito da Agencia Tributária Espanhola, no valor total de € 483.342,56, de que é devedor José ... ... (por reversão das dívidas da sociedade Comercial ..., SL);
4-Tal como expressamente requerido pelo Estado Espanhol, a sentença de decretamento da providência cautelar proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 30 de junho de 2017 determinou o Arresto dos bens e direitos de José ..., com a ordem de incidência seguinte e com respeito pelo principio da proporcionalidade:
«1- Quotas da sociedade .... Lda. (detém 75% das quotas),
2- Valores mensais (€ 1391.00) que a sociedade L.... Lda., paga a José ... ..., em consequência da venda de uma unidade industrial em ... (Astúrias),
3- Valores depositados em contas bancárias»;
5-A RECORRENTE não contesta que, em face do acordo prestacional previsto no contrato de compra e venda de imóvel localizado em Espanha, celebrado em março de 2011 entre a ora RECORRENTE e o Sócio José ... ..., é devido ao mesmo um crédito mensal de € 1.391,00, equivalente ao pagamento faseado (durante 10 anos) de parte do preço devido pelo referido imóvel;
6-Em 13 de julho de 2017 foram efetuados os seguintes Arrestos de Créditos alegadamente detidos pelo Executado José ... na sociedade ora RECORRENTE: i) arresto no valor de € 102.934,00 (relativo a prestações vencidas até junho de 2017, ao abrigo de contrato de compra e venda referido em C): ii) arresto no valor de € 62.675,00 (relativo a prestações vincendas de julho de 2017 a fevereiro de 2021 ao abrigo do contrato de compra e venda referido em C); iii) arresto no valor de € 100.144,11 (relativo a empréstimos feitos pelo Sócio à Sociedade);
7-A RECORRENTE impugna que o valor de créditos de José ... relativos a prestações vencidas ao abrigo do contrato de compra e venda celebrado em março de 2011 seja de valor total de € 102.934,00, bem como que o valor de empréstimos do sócio à sociedade se cifrasse, em 13/7/2017, em € 100.144,11;
8-Sem prejuízo, a RECORRENTE reconhece que tais montantes constam dos Autos de Arresto efetuados em 13 de julho de 2017 pelo facto de existirem ineficiências na contabilidade da RECORRENTE (cuja responsabilidade não cabe aqui apurar), e ainda pelo facto de que, os Arrestos de créditos foram efetuados na presença de pessoa que não tem, nem tinha, qualquer vinculo direto na RECORRENTE, e por tal pessoa atestados, e não na presença do Representante Legal da sociedade;
9-Conforme documentação junta ao requerimento de 24/07/2017, de cuja decisão de indeferimento se recorre, o valor do crédito devido ao Sócio/Executado José ... ..., relativo a prestações vencidas e não pagas no âmbito do contrato de compra e venda de imóvel celebrado em maio de 2011, é de € 42.712,00, e não € 102 934,00;
10-De igual modo, conforme documentação junta ao requerimento de 24/07/2017, de cuja decisão de indeferimento se recorre, o valor do crédito devido ao Sócio/Executado José ..., relativo a empréstimos efetuados à sociedade é de € 36.632,79, e não € 100.144.11;
11-Objeto do requerimento de 24/07/2017, apresentado pela ora RECORRENTE, e de cuja decisão agora se recorre, foi o pedido de valoração e reconhecimento de que, afinal, o valor total dos créditos do Executado José ... na sociedade ora RECORRENTE, à data de 13/07/2017, eram € 142.019,79 [(€ 42.712,00 + € 62.675,00) + (€ 83.592,79 - €46 960 00)], e não € 237.063,11, bem como o pedido de anulação dos Autos de Arresto (ou, no limite, correção), e substituição por novos que contemplassem o crédito real do Executado;
12-Para além do exposto, é flagrante pela análise dos documentos juntos aos autos a conclusão de que o único montante qualificado pelo Estado Espanhol foi o valor do respetivo crédito - no total de € 483.342,56;
13-E não qualquer outro, mormente, o valor total dos créditos do sócio na sociedade ora RECORRENTE - o que é corroborado pela análise do pedido de cobrança apresentado pelo estado Espanhol, e dirigido à Autoridade Tributária Portuguesa, nos termos do qual, e no que aqui importa relevar, é identificado como crédito: «Os valores mensais de € 1.391,00 que a sociedade L... paga ao devedor, devido à venda de uma unidade industrial em …, … (Asturias)»;
14-Deve improceder, para todos os devidos efeitos legais, a conclusão do douto Tribunal a quo, plasmada na decisão sob recurso, de que o pedido da RECORRENTE deve ser apreciado pelas instâncias espanholas atendendo a que, conforme documentação junta aos autos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o valor do crédito do Executado na sociedade ora RECORRENTE não foi nunca indicado pelo Estado Espanhol!
15-Termos em que deverá o douto Tribunal ad quem concluir que era, e é, da competência única e exclusiva do Tribunal a quo a apreciação do requerimento apresentado pela ora RECORRENTE em 24/07/2017, o que aqui se requer que seja declarado para os devidos efeitos legais, devendo, por isso, a decisão sob recurso ser anulada, e o pedido formulado em tal requerimento ser materialmente apreciado e valorado;
16-Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, por provado, com a revogação da douta decisão recorrida, e o Tribunal ad quem declarar que a competência para a apreciação do pedido formulado pela ora recorrente, em requerimento de 24/7/2017, de cuja decisão agora se recorre, cabia única e exclusivamente ao Tribunal a quo e não aos Tribunais de jurisdição espanhola, pelo que deve o mesmo ser materialmente apreciado e valorado, para os devidos efeitos legais, pois só assim se fará a costumada justiça!
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.497 e 498 dos autos) no sentido de se conceder provimento ao recurso.
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.363, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.139, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença a decretar o arresto, exarada a fls.250 a 264 do presente processo, julgou provada a seguinte matéria de facto:
1-Em 19/04/2016, o Estado Espanhol, através da Delegação Especial de Astúrias, emitiu à A.T. (Estado Português) “Pedido de Cobrança e/ou de Adopção de Medidas Cautelares”, com base no art. 16º da Diretiva 2010/24/EU, o qual foi remetido em 10/10/2016 ao Estado Português, Ministério das Finanças (cfr.anexo I junto com o articulado inicial do processo);
2-Do pedido referido no ponto anterior, pedido de cobrança respeitante a José ... ..., residente na Av. … (Astúrias) Espanha, sucintamente, vem enunciado o seguinte:

(Texto no original)

(Texto no original)


(Texto no original)

(Texto no original)

(Texto no original)

(cfr.anexo I junto com o articulado inicial do processo);
3-A sociedade “Comercial ..., SL.”, foi sujeita a procedimento de inspeção, em Espanha, tendo a Administração Tributária espanhola apurado uma dívida de imposto (IVA, Imposto s/ sociedades e Coimas dos exercícios de 2014 e 2015) no valor total de € 404.480,54 (cfr.anexo I junto com o articulado inicial do processo);
4-Em 30/01/2017, foi determinado por ato administrativo da administração tributária espanhola a responsabilidade subsidiária de José ... ..., o qual já transitou em julgado (cfr.anexo II junto com o articulado inicial do processo);
5-As dívidas a que se reporta o ponto 3 deste probatório, ainda não se encontram em fase coerciva (cfr.anexo I junto com o articulado inicial do processo);
6-Em 29/11/2010, é constituída a sociedade por quotas “L..., Lda.”, com sede na Rua …..., Lisboa, com capital social de € 5.000,00, representado pelas seguintes quotas: a) uma quota com valor nominal de € 4.500,00, pertencente a José ... ... e, b) uma quota com valor nominal de € 500,00 pertencente a Emma …. (cfr.anexo I junto com o articulado inicial do processo);
7-A unidade industrial que pertencia a José ..., sita em …, … (Asturias), foi vendida à “L..., Lda.”, quatro meses depois da constituição desta sociedade, sendo que o pagamento foi adiado por dez anos sem qualquer garantia e sem juros (cfr.anexo I junto com o articulado inicial do processo);
8-A devedora originária, a sociedade “Comercial …, SL.”, nunca apresentou declarações fiscais em Espanha, não possui bens patrimoniais e encontra-se inativa (cfr. anexo I junto com o articulado inicial do processo).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal quanto aos factos indiciariamente provados, baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos no «II OS FACTOS», com remissão para os anexos da p.i. onde se encontram…”.
X
Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga indiciariamente provada a seguinte factualidade que se reputa, igualmente, relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
9-O arresto decretado na sentença exarada a fls.250 a 264 do presente processo, foi concretizado no pretérito dia 13/07/2017 pela Autoridade Tributária e Aduaneira e incidiu sobre as quotas da sociedade “L..., L.da.” e sobre os créditos que esta sociedade paga ao requerido em consequência da venda da unidade industrial existente em …, …, Asturias (cfr.documentos juntos a fls.273 a 329 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido);
10-Em 24/07/2017, através de correio registado, foi enviado para o Tribunal Tributário de Lisboa o requerimento apresentado pela sociedade “L..., L.da.”, o qual termina pedindo a anulação dos arrestos de créditos concretizados em 13/07/2017 e a sua substituição por outros que contemplem o real crédito existente do executado José ... ... sobre a sociedade recorrente “L..., L.da.” (cfr. requerimento junto a fls.344 e seg. dos presentes autos).
X
A decisão de aditamento da factualidade indiciária supra exarada efectuou-se com base no exame dos documentos que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença exarada a fls.250 a 264 do presente processo, através da qual o Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, a pedido da Autoridade Tributária e Aduaneira, determinou o arresto dos seguintes bens e direitos de José ... ...:
- Quotas da sociedade “L..., L.da.” (detém 75% das quotas);
- Valores mensais (€ 1.391,00) que a sociedade “L..., L.da.”, paga a José ... ..., em consequência da venda de uma unidade industrial em …, … (Astúrias);
- Valores depositados em contas bancárias.
Já o despacho objecto do presente recurso, exarado a fls.445 a 449 do processo, indeferiu o pedido de anulação dos arrestos de créditos concretizados em 13/07/2017 e a sua substituição por outros que contemplem o real crédito existente do executado José ... ... sobre a sociedade recorrente “L..., L.da.” (requerimento junto a fls.344 e seg. dos presentes autos), mais afirmando a competência do Estado Espanhol para a decisão de tais matérias.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese, que impugna que o valor dos créditos de José Luís ... relativos a prestações vencidas ao abrigo do contrato de compra e venda celebrado em Março de 2011 seja no total de € 102.934,00, bem como o valor de empréstimos do sócio à sociedade se cifrasse, em 13/7/2017, em € 100.144,11, tudo sem prejuízo de reconhecer que tais montantes constam dos autos de arresto efectuados em 13 de Julho de 2017, dado existirem ineficiências na sua contabilidade. Que é da competência única e exclusiva do Tribunal “a quo” a apreciação do requerimento apresentado pela apelante em 24/07/2017, o que aqui se requer que seja declarado para os devidos efeitos legais, devendo, por isso, a decisão sob recurso ser anulada, e o pedido formulado em tal requerimento ser materialmente apreciado e decidido (cfr.conclusões 1 a 15 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial previsto na lei civil com um estreito vínculo funcional com a penhora e, grosso modo e na vertente processual, a providência cautelar especificada que consiste na apreensão judicial de bens, fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito. Estamos perante uma apreensão judicial que implica a sua posterior indisponibilidade, embora sem afectar o respectivo poder de disposição (cfr.artº.619, do C.Civil; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 5ª. edição, Almedina, 1992, pág.461 e seg.; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 1998, pág.9 e seg.).
Enquanto providência cautelar, o arresto visa combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo principal), a fim de que a sentença se não torne numa mera decisão platónica. É em virtude dessa função própria de prevenção contra a demora, que as providências cautelares têm características típicas a saber:
1-A instrumentalidade - isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura de uma acção principal cuja utilidade visa assegurar;
2-A provisoriedade - pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio;
3-A sumariedade - que se manifesta numa cognição sumária de facto e de direito própria de um processo urgente (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/6/2011, proc.4809/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.6620/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8820/15; Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, I, Coimbra Editora, 1982, pág.619 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.22 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, Almedina, 1981, pág.129 e seg.; José Carlos Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 6ª. edição, Almedina, pág.321 e seg.).
A disciplina genérica adjectiva do arresto consta dos artºs.391 a 396, do Código de Processo Civil, regime que se aplica à apreensão decretada no âmbito do processo tributário de forma supletiva (cfr.artº.139, do C.P.P.Tributário).
O arresto é decretado sem audiência da parte contrária (cfr.artº.393, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.139, do C.P.P.Tributário) só se iniciando, para o arrestado, a via contraditória depois de ser notificado da decisão e podendo, em alternativa, este optar por uma das duas vias contenciosas possíveis (cfr.artºs.372, nº.1, e 376, nº.1, do C.P.Civil):
1-O recurso da decisão que decretou o arresto quando entenda que, face aos elementos apurados, ele não devia ter sido deferido;
2-A oposição à mesma decisão, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo Tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/10/2010, proc. 4290/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/6/2011, proc.4809/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.6620/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8820/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.452).
No âmbito do processo tributário o arresto (preventivo) tanto pode ser requerido antes da instauração da execução, como na pendência do processo executivo (cfr.artºs.136 e 214, nº.3, do C.P.P.Tributário), mais admitindo a lei o pedido de arresto mesmo no âmbito do procedimento tributário de inspecção, enquanto medida cautelar que visa garantir o pleno exercício da função inspectiva da A. Fiscal (cfr.artº.31, do R.C.P.I.T.).
Os requisitos de procedência do arresto, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr.artº.51, da L.G.Tributária; artº.136, do C.P.P.Tributário; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/2/99, rec.20374, Antologia de Acórdãos, Ano II, nº.2, pág.168 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 18/5/99, proc.1954/99; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/6/2011, proc. 4809/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.6620/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8820/15; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 1ª. edição, 2000, pág.329 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.446 e seg.; Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.257 e seg.):
1-Haver fundado receio da diminuição da garantia de cobrança de créditos tributários;
2-O tributo em causa estar liquidado ou em fase de liquidação, sendo que nos tributos periódicos, como é o caso do I.R.C., ou do I.R.S., a lei considera que se encontra em fase de liquidação a partir do final do ano civil ou de outro período de tributação a que os respectivos rendimentos se reportem, enquanto nos tributos de obrigação única, como é o caso do I.V.A., o imposto se encontra em fase de liquidação, logo a partir do momento em que ocorre o facto tributário.
No requerimento inicial deve a Fazenda Pública alegar e efectuar prova sumária (“bonus fumus iuris”) da factualidade demonstrativa do imposto ou da sua existência provável e dos factos integrantes do fundado receio da diminuição de garantias de cobrança do correspondente crédito. Além disso, deverá relacionar e identificar devidamente os bens que pretende ver arrestados, os quais devem ser suficientes para garantir a cobrança do respectivo crédito fiscal (cfr.artºs.136, nº.4, e 137, nº.2, ambos do C.P.P.Tributário).
Não fornecendo a lei tributária definição do circunstancialismo que é susceptível de integrar o conceito de “fundado receio”, reputamos adequado buscar, para o efeito, apoio na figura próxima e equivalente do “justo receio”, característica do arresto em direito civil (cfr.artº.619, nº.1, C. Civil). Encontramo-nos perante o tradicional requisito, comum às providências cautelares, do "periculum in mora".
Deverá haver um perigo logicamente justificado, uma probabilidade séria, com fundamentos objectivos baseados em regras de experiência comum, de que os patrimónios dos titulares de bens que servem de garantia à cobrança de créditos tributários (devedor originário, responsável solidário e responsável subsidiário) diminuam de valor a ponto de se tornarem insuficientes para cobrança dos mesmos.
Nas hipóteses mais frequentes, tratar-se-á de situações em que, com base nas ditas regras de experiência comum, seja de considerar provável que aqueles titulares de bens se preparem para criar uma situação em que seja inviável accionar os seus patrimónios para cobrança das dívidas, designadamente ocultando-os ou transferindo-os para a titularidade de pessoas que não possam ser accionadas para efectivar essa cobrança. Porém, a exigência de que o receio seja "fundado" impõe que não se possa considerar suficiente para decretar o arresto a mera convicção subjectiva e intuitiva do julgador, sendo necessário que essa convicção se alicerce em elementos indiciários objectivos existentes no processo, que apontem no sentido de o devedor ou responsável pretender alienar ou sonegar/ocultar bens que devem servir de garantia do crédito tributário (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.9201/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.447; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 2015, Almedina, pág.502).
O arresto pode incidir sobre bens do sujeito passivo originário dos tributos, tal como sobre bens do responsável solidário ou subsidiário. No caso de se pretender o arresto de bens do responsável subsidiário antes da instauração da execução fiscal ou do chamamento deste à execução por via da reversão, torna-se necessário que o requerente (Fazenda Pública) alegue e prove, ainda que sumariamente (pois que estamos no domínio de um procedimento cautelar), factos tendentes a demonstrar que se encontram reunidos os pressupostos legais para esse chamamento à luz das normas que estabelecem a responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias, o que acontece quando, de forma cumulativa, se verificam:
1-Os requisitos previstos no artº.153, nº.2, do C.P.P.T., relativos à inexistência de bens penhoráveis do devedor originário ou à fundada insuficiência do património do mesmo devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido;
2-Os requisitos previstos no artº.24, da L.G.T., relativos ao exercício do cargo de gerente da sociedade devedora no período da constituição do facto tributário ou no período de entrega ou pagamento dos impostos em dívida (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.126/11; ac.T.C.A.Norte-2ª.Secção, 30/3/2006, proc.1612/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/1/2010, proc.3687/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/4/2011, proc.4668/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/6/2011, proc.4809/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/05/2013, proc.6620/13).
Revertendo ao caso dos autos, no presente processo foi exarada sentença a decretar o arresto de bens de responsável subsidiário, com fundamento em pedido de cobrança de créditos respeitantes a impostos e/ou de adopção de medidas cautelares, formulado pelo Estado Espanhol ao Estado Português/Ministério das Finanças com base no artº.16, da Directiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de Março de 2010 (cfr.nº.1 do probatório), normativo que prevê a possibilidade das autoridades do Estado-Membro requerente pedirem às autoridades do Estado-Membro requerido que tomem medidas cautelares de modo a garantir a cobrança de um crédito tributário, sendo que a autoridade requerida deve fazer uso das competências e dos procedimentos previstos na sua lei, nos termos do artº.13, “ex vi” do artº.17, ambos da citada directiva (cfr.João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia: tributação directa, Almedina, 2018, pág.227 e seg.).
Recorde-se que o direito comunitário vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do efeito directo e do primado (cfr.artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/03/2016, proc.9167/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.9385/16; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.405 e seg.; José Carlos Moitinho de Almeida, Direito Comunitário, A Ordem Jurídica Comunitária, As Liberdades Fundamentais na C.E.E., Centro de Publicações do Ministério da Justiça, Lisboa, 1985, pág.61 e seg.).
O avanço da integração europeia e o consequente aumento de mobilidade dos sujeitos passivos (pessoas singulares ou colectivas), são vectores que fazem aumentar as necessidades em matéria de cobrança transfronteiriça de créditos tributários. A deslocação dos sujeitos passivos ou do seu património de um Estado para outro, no exercício da liberdade de circulação, pode ser utilizada como forma de evasão fiscal, assim se tornando um imperativo a promoção da assistência mútua entre Estados-Membros, nomeadamente, em matéria de cobrança dos citados créditos tributários e de adopção de medidas cautelares (cfr.João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia: tributação directa, Almedina, 2018, pág.213 e seg.; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, 4ª. Edição, Almedina, 2016, pág.306 e seg.).
Foi o dec.lei 263/2012, de 20/12, que transpôs para a ordem jurídica interna a nomeada Directiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de Março de 2010 (cfr.anteriormente a Directiva 2008/55/CE do Conselho, de 26 de Maio de 2008), relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas.
O pedido de arresto formulado pela Autoridade Tributária e Aduaneira cumpre os requisitos previstos na lei, atento o disposto no artº.26, nº.1, al.b), do citado dec.lei 263/2012, de 20/12 (cfr.anteriormente dec.lei 296/2003, de 21/11), pois que o crédito em causa, embora ainda não seja objecto de título executivo, o direito interno do Estado-Requerente (Estado Espanhol) admite a adopção de medidas cautelares de garantia do mesmo, nomeadamente, o dito arresto.
A sociedade apelante não contesta a propriedade/legalidade da medida de cobrança requerida pelo Estado Espanhol, e aplicada pelo Estado Português, nem tampouco o valor do crédito requerido pelo Estado Espanhol e de que é credor de José ... ... (€ 483.342,56), mas apenas o valor dos créditos arrestados em Portugal, sendo esse o objecto do requerimento identificado no nº.10 do probatório supra exarado.
Desde logo, se deve vincar que o requerido, José ... ..., não deduziu recurso, nem oposição, ao arresto decretado e concretizado no pretérito dia 13/07/2017, de forma a permitir concluir de forma diferente, i.e., que os bens apreendidos excedem as necessidades da garantia cuja concretização se verificou através do arresto (o que determinaria a eventual redução de bens apreendidos).
Por outro lado, a própria sociedade apelante reconhece que o valor dos créditos objecto do arresto (créditos detidos pelo requerido José ... ... face à sociedade apelante) teve base na informação contabilística por si fornecida, embora agora venha alegar que tal informação terá sido incorrecta e fornecida por quem não tinha legitimidade para tal.
A este propósito refere a Directiva 2010/24/UE, no seu preâmbulo “(12) No decurso do processo de cobrança no Estado-Membro requerido, o interessado pode impugnar o crédito, a notificação efectuada pelas autoridades do Estado-Membro requerente ou o título executivo da sua cobrança. Deverá estabelecer-se que, nestes casos, a acção de impugnação deve ser instaurada pelo interessado perante a instância competente do Estado-Membro requerente e que a autoridade requerida pode suspender, salvo pedido em contrário da autoridade requerente, o processo de execução já iniciado, até ser proferida uma decisão pela instância competente do Estado-Membro requerente.”, tudo em consonância com o disposto nos artºs.13 e 14, da mesma Directiva (cfr.artº.30, nº.2, do dec.lei 263/2012, de 20/12).
De acordo com o artº.30, nº.2, do dec.lei 263/2012, de 20/12, sendo apresentada por uma parte interessada, no decurso dos procedimentos de cobrança ou adopção de medidas cautelares solicitadas às autoridades nacionais a que se refere o artº.5, do mesmo diploma, uma contestação do crédito, do título executivo inicial do Estado-Membro requerente ou do respectivo título executivo uniforme, aquelas informam a parte interessada em causa de que a acção deve ser por esta instaurada perante a instância competente do Estado-Membro requerente, nos termos das disposições legislativas em vigor nesse Estado. Esta disposição é clara ao enunciar que, se a parte interessada pretende contestar o crédito, o título executivo inicial ou o título executivo uniforme, tal acção deve ser instaurada na instância competente do Estado-Membro requerente.
Já se o litígio for relativo às medidas de execução tomadas no Estado-Membro requerido, está habilitado para dele conhecer a instância competente desse Estado-Membro, nos termos das disposições legislativas e regulamentares que no mesmo vigorem (cfr.artº.14, nº.2, da Directiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de Março de 2010; artº.30, nº.1, al.c), do dec.lei 263/2012, de 20/12; João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia: tributação directa, Almedina, 2018, pág.226).
Com estes pressupostos, a discussão/determinação dos valores em dívida entre o requerido José ... ... e a sociedade recorrente “L..., L.da.” (questão que se coloca no âmbito do concretizado arresto dos créditos que esta sociedade paga ao requerido), de que aquele é sócio, terá de ser feita no âmbito das leis processuais e substantivas do Estado-Membro requerido, no caso o Estado Português, visto que tal litígio resultou das medidas de execução levadas a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira no âmbito do cumprimento do pedido de assistência mútua, concretizado na cobrança de créditos respeitantes a impostos e/ou de adopção de medidas cautelares, formulado pelo Estado Espanhol.
Por outras palavras, não pondo em causa a determinação dos valores em dívida entre o requerido José ... ... e a sociedade recorrente “L..., L.da.”, o título executivo inicial emitido pelo Estado Espanhol, ou o título executivo uniforme executado pelo Estado Português, antes derivando tal dissensão da concretização de medidas de execução do pedido de assistência mútua, é competente internacionalmente para dele conhecer o Tribunal Tributário de Lisboa, nos termos das disposições legislativas e regulamentares que vigorem no Estado Português, tudo conforme determina o artº.14, nº.2, da Directiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de Março de 2010 (o Serviço de Finanças competente para tramitar o processo de execução a instaurar é o 3º. Serviço de Finanças de Lisboa, conforme reconhece a Autoridade Tributária e Aduaneira).
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o presente recurso e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa, para que conheça do mérito do requerimento identificado no nº.10 do probatório.
X
Condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira em custas, dispensando-se do pagamento da taxa de justiça nesta instância de recurso, dado não ter produzido contra-alegações.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 18 de Abril de 2018


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)