Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:954/09.1BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:FACTURAS FALSAS
Sumário:I. Segundo o princípio da livre apreciação da prova (ou da liberdade de julgamento ou da livre convicção do julgador), o julgador deve decidir livremente de acordo com a sua prudente convicção (exceptuando os casos de prova legal, formal ou vinculada), decisão apenas excepcionalmente atacável, designadamente se houver flagrante desconformidade entre a prova produzida e a decisão proferida quanto à matéria de facto;
II. A identificação de irregularidades na contabilidade não implica, necessariamente, cessação da presunção de veracidade de que a mesma goza;
III. Na apreciação da (i)legalidade de liquidação emitida pela AT há que atentar nos fundamentos que conduziram à sua emissão;
IV. Tendo a impugnante logrado abalar a efectividade de parte os indícios reunidos pela AT no sentido de as facturas titulares prestações de serviços que não ocorreram, demonstrando a não adesão dos mesmos à realidade, não foi cumprido, pela AT, o seu ónus probatório.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 954/09.1BEALM (anterior 09152/15)

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por B…… C… – E.C.C. e Obras Públicas, Lda, contra as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, relativas aos anos de 2002, 2003 e 2004, no valor total de € 212.237,71.

A Recorrente, apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«Conclusões:
1. Em causa, nos presentes autos, está a impugnação judicial da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referente aos anos de 2002, 2003 e 2004, no montante global de € 212.238,71, na sequência da acção de inspecção levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária das Direcções de Finanças do Porto e de Setúbal, ao Sujeito Passivo (SP) J......., uma vez que a contabilização daquelas facturas teve como objectivo a manipulação do lucro tributável e, consequentemente, a diminuição do IRC a pagar.
2. Para julgar a impugnação procedente, considerou a douta Sentença recorrida que a Administração fiscal não recolheu elementos bastantes que permitam fazer um juízo sério sobre a capacidade técnica e organizativa do prestador de serviços relativamente aos serviços facturados no decurso de 2002 a 2004.
3. Ainda de acordo com douta Sentença, mesmo que assim não se entendesse, retira-se que, o através do depoimento das testemunhas, a Impugnante logrou infirmar os indícios que a Administração fiscal tinha feito constar no relatório de inspecção.
4. Por outro lado, a sentença baseou-se no depoimento de duas testemunhas: - A......., que foi encarregado de obras da Impugnante até 2008 e que afirmou ser ele próprio quem recebia as facturas e efectuava os pagamentos, sendo que estes eram efectuados em dinheiro - “14. Os pagamentos das facturas emitidas pelo J....... eram efectuados em dinheiro e F....... (TOC da Impugnante) afirmou que já em anos anteriores existiam facturas deste prestador de serviços, acrescentando que ele trabalhava para a S..... da Maia e do Seixal, Refer, Cimpor e outras empresas.
5. Ora, salvo o devido respeito, o facto de existirem facturas emitidas pelo prestador de serviços em outros anos não transforma as operações em causa em operações reais, nem tão pouco é relevante o facto de o mesmo alegadamente ter prestado serviços para outras empresas, uma vez que nada nos autos consta que possa corroborar tal depoimento.
6. Além disso, consta ainda do probatório que, segundo o TOC da Impugnante, o prestador de serviços possuía uma máquina que lhe permitia efectuar os serviços que prestava à Impugnante - “13. J....... possuía uma máquina que lhe permitia efectuar os serviços que prestava à Impugnante (depoimento prestado pelo TOC);”.
7. Trata-se de uma afirmação genérica e vaga sem que da mesma se possa retirar qualquer ilação sobre que tipo de máquina se trata.
8. Não tendo causado qualquer estranheza ao Tribunal a quo, que surpreendentemente valorou tal testemunho como válido e credível, atendendo aos montantes em causa, como é o caso do exercício de 2002, ano em que foram facturados € 345.670,63 – “C) Informações recolhidas/prestadas pela B....... C....., Lda. (…) 1….; 2.Relativamente aos pagamentos efectuados, estes foram na maioria das vezes efectuados em numerário (…); 3….; 4. Refira-se ainda que os pagamentos em cheque ocorreram todos em 2003 e 2004, sendo que relativamente ao exercício de 2002, ano em que foram facturados € 345.670,63, os pagamentos foram efectuados através de numerário;”.
9. Constando-se, assim, que a procedência da impugnação assentou no facto de a Administração fiscal não ter demonstrado a falta de estrutura empresarial do prestador de serviços e nos depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante. Ou seja, no entendimento do tribunal a quo, tais depoimentos foram suficientes para abalar os indícios apurados pela Administração fiscal.
10. Numa clara sobrevaloração da prova testemunhal, face aos indícios e prova documental carreada, para os autos, entendendo, assim, o tribunal recorrido que a Administração fiscal não demonstrou que o prestador de serviços não tinha estrutura que permitisse prestar tais serviços.
11. Ora, tendo presente, por um lado, que o prestador de serviços não tinha qualquer trabalhador a seu cargo, porque, ao que parece, apenas um dos filhos o ajudava e, por outro, atendendo que os serviços prestados respeitavam à construção e reparação de carroçarias, reboques e semi-reboques, ou seja, segundo as regras da experiência comum, a trabalho pesado, como conseguiria, este, realizar tais serviços apenas com a ajuda de uma única pessoa? Segundo as aludidas regras da experiência comum, poderá isto ser tido como normal?
12. Tal como decorre do Relatório da Inspecção tributária (RIT) junto aos autos, a pá g. (…) se, por uma parte, o prestador de serviços não tinha qualquer trabalhador a seu cargo (apenas um dos filhos o ajudava) e se, por outra parte, dada a pluralidade dos bens e serviços prestados à B....... C....., Lda (serviços de serralharia, serviços de construção civil, e ainda reparação de viaturas e de outras máquinas), bem como os elevados montante facturados durante os exercícios analisados, a verdade é que tudo isso exigiria do Sr. J......., que tivesse também uma capacidade de direcção, um conhecimento de diversos mercados e uma disponibilidade física fora do comum, de forma a poder acompanhar o desenrolar da actividade, o que se transformaria numa tarefa desmesurada.
13. Assim, perante a prova testemunhal (cuja força probatória dos depoimentos são livremente apreciados pelo Tribunal - artigo 396.º do Código Civil) e atenta a restante prova documental apresentada pela Administração Tributária, não podemos deixar de, salvo o devido respeito, discordar da valoração probatória, da matéria de facto feita na sentença recorrida.
14. Em suma, errou o tribunal na apreciação da matéria de facto, em concreto na sobrevaloração da prova testemunhal, o que naturalmente conduziu ao erro na aplicação do direito aos factos, no que respeita a julgar a impugnação como procedente.
15. Tal como decorre do RIT, nos presentes autos, movem-nos as correcções efectuadas em sede IRC e relativamente aos exercícios de 2002, 2003 e 2004.
16. Estão em causa correcções técnicas efectuadas na sequência de acção inspectiva levada a cabo, no termo da qual pôde a Administração Tributária concluir que as aludidas facturas, emitidas por J....... e contabilizadas pela Impugnante, não correspondiam a reais e efectivas operações económicas, consubstanciando ainda, além de infracção artigo 23.º do CIRC, a prática do crime de fraude fiscal, previsto e punível nos termos do artigo 103.º do GGIT, uma vez que a contabilização daquelas facturas teve como objectivo a manipulação do lucro tributável e, consequentemente, a diminuição do IRC a pagar.
16. Por isso, a questão prende-se, além do mais, com o ónus da prova e, nomeadamente, com o tratamento que o mesmo mereceu da Sentença ora recorrida. Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT.
17. De acordo com tal preceito, compete à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação contabilística não corresponde à realidade. E feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus (da prova) da veracidade da transacção .
18. Efectivamente não importa apenas para que a escrita do sujeito passivo possa presumir - se verdadeira nos termos do artigo 75.º da LGT que a mesma se encontre organizada segundo a lei comercial e fiscal. Importa, isso sim, que sobre ela não surjam indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.
19. No caso dos autos estamos, como já se disse, perante infracções aos artigos 23.º e artigo 42.º, n.º1, alínea g), ambos do CIRC, por contabilização indevida de custos indispensáveis à realização dos proveitos da empresa e de encargos indevidamente documentados. Ou seja, operações simuladas que a Administração Fiscal considera indevidas.
20. Ora, nesta matéria, tal como bem se referiu na Sentença a páginas 32, 3.º §, no enquadramento jurídico efectuado deve ter-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação – “Repetindo, não se revela, contudo, necessário que a Administração Tributária prove os pressupostos da simulação previstos no artigo 240.º do Código Civil (…), revelando -se portanto suficiente a prova de elementos indiciários que levem a concluir nesse sentido.”.
21. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” .
22. E assim abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade, conforme artigo artigo 75.º da LGT e Acórdão do STA de 27-10-2004, processo n.º 810/04, consultável em www.dgsi.pt
23. Os indícios são definidos por J...... Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” .
24. Por conseguinte, nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar, inclusive, mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes e entidades, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. Mas não foi por esta linha de raciocínio que a Sentença recorrida se orientou.
25. Mas sim, e apenas, pela alegada falta de prova da capacidade e estrutura empresarial do emitente das facturas e pelo depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante, tout court. Não teve, por isso, em conta que estão em causa pagamentos de quantias avultadas, efectuadas em dinheiro - pág. 8 do Relatório de Inspecção.
26. Não teve em conta que a “estrutura empresarial” do prestador de serviços era apenas constituída por J....... e pelo seu filho, quando estão em causa serviços pesados, ligados à reparação e construção de carroçarias reboques e semi-reboques, como também não teve em conta que se trata de um Sujeito Passivo (SP) que nunca procedeu à entrega de qualquer declaração periódica - pág. 8 de relatório de inspecção.
27. Não teve em conta que o emitente das facturas nunca registou qualquer trabalhador na segurança social, sendo que tais “factos-indícios” numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são mais que suficientes para permitir à Administração Tributária desconsiderar, designadamente, todas as facturas indevidamente contabilizadas como custos de exercício, infringindo assim artigo 23.º do CIRC.
28. Ora, tais indícios - e relembre-se que estamos a falar de facturação elevada para uma “estrutura” composta por duas pessoas, sendo que estão em causa serviços “pesados” e exigentes –, traduzem uma probabilidade elevada de as facturas em causa não titularem operações reais. Isto é, traduzem uma probabilidade elevada de que o apontado fornecedor não prestou à Impugnante tais serviços.
29. Assim, em nosso entendimento, a Sentença recorrida errou nos Juízos fáctico-conclusivos resultantes do probatório, ao não valorar devidamente os elementos e prova efectuada pela Administração Fiscal, que concretiza os indícios de as operações em causa não titularem operações reais e sobrevalorar os depoimentos das testemunhas ouvidas.
30. Entendeu, assim, a Administração Tributária, que essa dedução assentava em documentos discriminados no relatório da inspecção, emitidos por um contribuinte que à data da emissão das facturas já não exercia qualquer actividade, por estar cessado, e que nessa medida nem sequer podia ser considerado sujeito passivo, além dos pagamentos ocorrerem em dinheiro (apesar do montante elevado das facturas) o que é revelador de um comportamento que se procura furtar à inspecção fiscal, como se refere no douto Acórdão do TCA Norte de 01-03-2007, processo n.º 00027/00 – Coimbra, consultável em www.dgsi.pt, e Acórdão do TCA Norte de 19-01-2006, processo n.º 00027/00 – Viseu, consultável igualmente em www.dgsi.pt .
31. E também o facto de o prestador de serviços, Sr. J......., ter cessado oficiosamente a sua actividade, em 31-12-1991, bem como ainda o facto das instalações que utilizava, para o exercício da actividade de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques, já não serem sua propriedade nos exercícios de 2002 a 2004, nem por ele ocupadas, aquando da inspecção efectuada, e ainda assim ter emitido facturas, não foi valorado pelo Tribunal.
32. Na verdade, tal como se conclui no Relatório da Inspecção, perante (i) a cessação da actividade - anterior aos exercícios de 2002 a 2004; (ii) elevados montantes facturados; (iii) pagamentos de valor elevado em dinheiro; (iv) a inexistência de qualquer elemento escrito - nomeadamente contratos de empreitada ou orçamentos que justifiquem os serviços realizados; (v) a indicação, como local onde os serviços foram executados, de uma oficina já não propriedade do Sr. J.......; (vi) a inexistência de estrutura empresarial adequada para facturar os montantes em causa; (vii) a existência de uma actividade económica irregular, sem pessoal legalizado.
33. A verdade é que nada disto foi valorado pelo Tribunal.
34. Sucedendo, porém, como referido, que tudo isto não pode deixar de indiciar que as facturas em causa não titulam operações reais, não pode senão concluir-se pela existência de indícios sérios e objectivos de que as facturas postas em causa, pela Administração Tributária, não titulam operações reais, razão pela qual a Administração tributária fez cessar a presunção de veracidade dessas facturas, naturalmente a coberto do artigo 75.º da LGT, tendo assim cumprido com o ónus da prova que sobre si impendia relativo à existência dos pressupostos do acto de liquidação.
35. E o que fez a Impugnante? Limitou-se a tentar destruir/desarmar os pressupostos conducentes ao acto de liquidação, o que é naturalmente pouco.
36. E não obstante isso. Isto é, não se encontrar provado nos autos que as facturas «postas em causa pela Administração Tributária» têm subjacentes operações reais, ainda assim o Tribunal julgaria absolutamente procedente a Impugnação Judicial, ao invés do fixado pelo douto Acórdão do TCA Sul, de 14-05-2002, processo n.º 5650/01, consultável em www.dgsi.pt 1. Tendo a AF no cumprimento da sua actividade fiscalizadora da conformidade de actuação do sujeito passivo com a lei carreado para os autos indícios sérios e objectivos de que determinadas operações tituladas por facturas não eram reais cumpriu o ónus de prova sobre os pressupostos legitimadores das correcções técnicas. - 2. Numa situação como a anterior compete ao sujeito passivo o ónus de demonstrar que tais operações existiram ….”.- 3. … – 4. …”.
37. Reitera-se, assim, que para abalar a presunção de veracidade da escrita consagrada no artigo 75.º da LGT, não é necessário que a Administração Fiscal prove os pressupostos da simulação previstos no artigo 204.º do Código Civil, bastando-lhe tão somente a prova de elementos indiciários que por objectivos e sérios levem a concluir nesse sentido.
38. Daí que em nosso entender a Administração Fiscal tenha cumprido com o ónus de prova que lhe era exigido para permitir e legitimar o recurso às correcções técnicas, cabia à Impugnante provar a veracidade daquela contabilidade.
39. E como resulta claramente dos autos, não foi a ora Impugnante capaz de fazer tal prova, ancorando o Tribunal a sua convicção no depoimento de duas testemunhas que trabalhavam para a Impugnante, sem que tivesse recorrido a qualquer suporte documental que pudesse corroborar tais depoimentos.
40. Na verdade, o depoimento das duas testemunhas inquiridas foi considerado relevante pelo tribunal, quando a prova testemunhal, para adquirir força persuasiva, deveria estar acompanhada de outros meios de prova menos falíveis «atenta a subjectividade inerente à prova testemunhal» nomeadamente de natureza documental .
41. A prova testemunhal, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova «contratos, registos, horas de trabalho prestado, cheques nominativos depositados nas contas dos beneficiários, listagens de identificação de trabalhadores» dificilmente servirá para convencer o Tribunal da realidade das operações.
42. O que o tribunal a quo fez foi «repetimos» salvo o devido respeito, sobrevalorar o depoimento das testemunhas e desvalorar por completo a prova indiciária produzida pela inspecção, sem que nada o justificasse.
43. Com o devido respeito, estava legitimado o uso das correcções técnicas dado que perante uma situação como a dos autos, a escrita e contabilidade do impugnante deixa de gozar da presunção de veracidade.
44. A comprovar que Administração Fiscal bem andou ao considerar tais correcções está o facto de o interessado o impugnante não ter provado a veracidade destas operações.
45. Ao decidir no sentido em que o fez, violou a Sentença os artigos 74.º, 75.º da LGT e infringindo os artigo 23.º e 42.º, n.º 1, alínea g), ambos do CIRC, uma vez que a contabilização daquelas facturas teve como objectivo a manipulação do lucro tributável e, consequentemente, a diminuição do IRC a pagar.
46. Assim sendo e face ao prescrito nos artigos 23.º e 42.º, n.º 1, alínea g), ambos do CIRC, a liquidação do imposto agora objecto de impugnação não merece censura porque não sofre de ilegalidade ou preterição de formalidade legal determinante da sua anulação.
47. Razão pela qual a Sentença merece censura, não se podendo a mesma manter na ordem jurídica.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.»

A Recorrida, apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

«A - Conclusões:
A) - As operações correctivas quanto às facturas referenciadas e identificadas no Relatório reportam-se a uma convicção infundada;
B) - As operações correctivas não têm fundamento face ao disposto no artigo 19°, n° 3 e 26° do CIVA, como de resto não têm em sede de IRC;
C) - Trata-se de custos operacionais reais e sérios;
D) - Também não se verifica qualquer infracção, contrariamente ao que consta do Relatório e muito menos de qualquer crime de fraude fiscal;

E) - A Autoridade Tributária não conseguiu reunir os necessários fundados indícios da não ocorrência das operações tituladas pelas facturas em causa;
F) - A Recorrida, por seu lado, fez prova bastante da legalidade e veracidade dos serviços prestados.
G) - Pelo que bem andou o meritíssimo Juiz "a quo" ao decidir como decidiu.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se "in totum" a decisão recorrida.
Assim decidindo, farão V. Exas. a costumada Justiça»

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consistem em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto por errónea valoração da prova testemunhal e, consequentemente, erro de julgamento de direito por violação do disposto nos artigos 74.º e 75.º da LGT, artigos 23.º e 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A)– DOS FACTOS PROVADOS
Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito:
1. Em 03/08/2006, foi elaborado o Relatório Final da Inspecção levada a efeito à escrita da Impugnante a qual teve como objecto a actividade da mesma do qual resultaram correcções em sede de IRC nos exercícios de 2002, 2003 e 2004, respectivamente de € 291.771,96, € 134.355,20 e 150.450,00 com fundamento em que nestes exercícios foram contabilizadas facturas que não correspondem a transacções efectivas (cfr. doc. junto a fls. 22 a 41 dos autos);
2. Do relatório inspectivo e para fundamentar as correcções efectuadas com base nas facturas emitidas em nome de J....... consta o seguinte: “ I. CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA Em resultado da análise interna efectuada à empresa supra, propõem-se as seguintes correcções: ● Em sede de IRC: De acordo com o exposto no ponto III do presente relatório, foram apurados os seguintes lucros tributáveis, relativamente aos exercício de 2002, 2003 e 2004.
DESC.
2002
2003
2004
Lucro Tributável
declarado
Declarado
€ 12.985,29
€ 70.736,13
€ 97.227,99
Correcções
€ 291.771, 96
€ 134.355,20
€ 166.050,00
Lucro Tributável Corrigido
€ 304.757,25
€ 205.091,33
€ 263.277,99
No exercício de 2004, foi ainda apurado imposto em falta no montante de € 70800,00, relativamente a tributações autónomas referentes a despesas confidenciais e não documentadas, calculado nos termos do art. 81º do CIRC: (…) A acção foi iniciada tendo por base em informação remetida pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, segundo a qual, a empresa B....... C....., Lda. teria registado na sua contabilidade facturas emitidas pelo contribuinte J....... (…), as quais titulam operações inexistentes. Os trabalhos de recolha e cruzamento de elementos foram realizados com base no Despacho nº DI200601..., o qual teve o seu início em 22/05/2006 e conclusão no dia 05/06/2006. (…) A actividade desenvolvida pela B....... C..... consiste na realização de empreitadas e subempreitadas de construção civil em superfícies industriais. (…)II.2.3 Organização da Contabilidade Com referencia ao processamento da contabilidade, cabe antes de mais referir que relativamente aos exercícios analisados, a mesma foi escriturada manualmente sem recurso a qualquer meio informático. Relativamente aos exercícios de 2002 e 2003, a contabilidade não se encontrava organizada de modo a poderem ser verificadas contas de terceiros, nomeadamente contas de cliente e fornecedores. Para o exercício de 2004, a empresa procedeu à elaboração dessas contas correntes, se bem que com um caracter “extra-contabilistico”. Nestes termos e para verificação das operações efectuadas pela empresa, nomeadamente as aquisições de bens e serviços ao fornecedor J......., apenas nos foram presentes os registos das contas de custos (fornecimentos e serviços externos) e do IVA deduzido. Refira-se ainda que as instalações da empresa foram vítimas de uma inundação, o que originou a que os documentos comprovativos, quer dos proveitos quer dos custos, se encontrem arquivados de uma forma muito deficiente e em mau estado de conservação. Todos estes aspectos originaram a que os trabalhos de controlo e análise se tivessem tornado excessivamente difíceis e morosos. (…) Na sequência de acção inspectiva levada a efeito ao contribuinte J....... (NIF 156.433….) pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto (ver anexo I cópia do Relatório Final e anexos resultantes dessa acção inspectiva), foi apurado que este contribuinte emitiu as seguintes facturas em nome de B....... C....., Lda., (…) Com referência ao modo como estas facturas foram registadas na contabilidade da empresa cabe informar o seguinte: 1. Com excepção da factura 7.67... de 25/03/2004, a qual foi contabilizada como aquisição de imobilizado corpóreo, todas as facturas foram contabilizadas como custos do exercício na conta 6… – Fornecimentos e Serviços Externos, tendo o respectivo IVA sido contabilizado e deduzido nos períodos correspondentes. 2. As facturas 7.55..., 765... e 7.65... foram registadas na contabilidade pelos valores de € 17.25, € 41,20 e € 26,50, tendo a empresa deduzido o correspondente IVA pelos valores de € 3,28, € 7,83 e € 5,04. 3. A factura nº 7.63… de 31/10/2003 foi contabilizada em duplicado, Com efeito, esse documento foi registado correctamente em Outubro de 2003 e indevidamente em Março de 2004. Também o respectivo IVA foi deduzido em ambos os períodos. (…) 4. Os originais das facturas nºs 7.69… de 21/0/6/2004 e 7.69… de 30/06/2004 não se encontravam arquivados na contabilidade nem foram apresentadas pela empresa, tendo a sua contabilização sido efectuada com suporte em fotocópias das mesmas. 5. (…) 6. Foi ainda verificado que a factura nº 7.57… foi emitida com data de 28/04/2003, enquanto que a factura nº 7.57… (nº posterior) foi emitida com a data de 31/03/2003 (data anterior) (…) B) Situação tributária e indicadores do efectivo exercício da actividade por parte de contribuinte J....... (NIF 156.433...) Nos termos do Relatório de Inspecção Tributária resultante da análise inspectiva levada a efeito a este contribuinte por parte da Direcção de Finanças do Porto (ver anexo I), bem como através dos elementos recolhidos no sistema informático da DGCI constatou-se o seguinte: 1. O sujeito passivo encontrou- se registado para efeitos de IRS e IVA, pela actividade de “F. m. m. para outros fins” (CAE 36.14…) entre 01/01/1991 e 31/12/1991, data em que a actividade foi cessadas oficiosamente; 2. Em sede de IRS, verificou-se que a última declaração de rendimentos entregue diz respeito ao ano de 1991; 3. Em sede de IVA, o contribuinte encontrava-se enquadrado no regime normal trimestral, sendo que nunca procedeu ao envio de qualquer declaração periódica, nem entregou nos cofres do Estado, o imposto liquidado nas facturas atrás discriminadas; 4. Apesar das diversas diligências levadas a cabo pelos técnicos encarregados da acção inspectiva, foi impossível contactar pessoalmente o Sr. J.......; 5. As instalações que o Sr. J....... utilizava para o exercício da sua actividade de fabricação de carroçarias, reboque e semi-reboques, sitas em Rua D. S……, nº 1…, A…., Ermesinde, já não eram da sua propriedade durante os exercícios analisados, nem eram por ele ocupadas no momento da inspecção efectuada pela DF do Porto, desconhecendo-se que o mesmo exerça esta ou qualquer outra actividade noutro local; 6. A fabricação de carroçarias, reboque e semi-reboques é uma actividade cuja implementação exige um espaço onde a mesma seja exercida, pelo que nunca poderia ser desenvolvida no seu domicílio fiscal, uma vez que o mesmo se trata de uma moradia destinada a habitação; 7. Para o exercício dos serviços prestados, tal como são descritos nas facturas emitidas, o Sr. J....... necessitaria de equipamentos específicos bem como de um número significativo de funcionários especializados, que se desconhece ter. Refira-se mesmo que, tendo sido contactado o Centro Distrital de Segurança Social, foi apurado que o Sr. J....... nunca declarou qualquer trabalhador por sua conta;
8. Refira-se por fim que a pluralidade dos bens e serviços prestados a B....... C....., Lda. (serviços de serralharia, serviços de construção civil e ainda reparação das viaturas e de outras máquinas), bem como os elevados montantes facturados durante os exercícios analisados, exigiria do Sr. J......., além dos aspectos já referidos, que tivessem também uma capacidade de direcção, um conhecimentos de diversos mercados e uma disponibilidade física fora do comum, de forma a poder acompanhar o desenrolar da actividade, o que se transformaria numa tarefa desmesurada. C) Informações recolhidas/prestadas pela B....... C....., Lda. Com referencia aos esclarecimentos prestados pela B....... C....., Lda. aos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto no âmbito da acção de fiscalização levada a cabo ao contribuinte J......., bem como através dos elementos recolhidos durante a presente acção (ver auto de declarações em anexo 5), foi apurado o seguinte: 1. Apesar dos elevados montantes pagos pela empresa ao Sr. J......., nunca foi celebrado com este fornecedor qualquer tipo de contrato de empreitada ou subempreitada, nem nunca foi apresentado por este qualquer tipo de orçamento relativamente aos serviços prestados; 2. Relativamente aos pagamentos efectuados, estes foram na maioria das vezes efectuados em numerário, tendo no entanto em algumas situações o pagamento sido efectuado por meio de cheque; 3. Com efeito, e dum total de € 784.477, 43 facturados pelo Sr. J....... no conjunto dos 3 anos, o somatório dos pagamentos efectuados através de cheque é de apenas € 194.027,00 o que representa menos de 25% do total do valor facturado; 4. Refira-se ainda que os pagamentos em cheque ocorreram todos em 2003 e 2004, sendo que relativamente ao exercício de 2002, ano em que foram facturados € 345.670,63, os pagamentos foram efectuados através de numerário; 5. Analisadas as fotocopias dos cheques apresentados e depois recolhidos esclarecimentos adicionais junto das instituições financeiras intervenientes, por parte da DF do Porto, constatou-se que parte dos cheques teriam sido pagos ao balcão, querendo isto dizer que, na prática, tais cheques foram pagos em numerário ou então, que os respectivos valores foram transferidos para outra conta aberta no mesmo banco; 6. Relativamente ao local onde os serviços foram executados pelo Sr. J....... J......., a empresa indicou que os mesmos foram efectuados nas oficinas deste, situadas nos arredores de Ermesinde, para depois serem incorporados nos trabalhos de empreitadas executadas pela B….. C…, Lda. espalhadas pelo país.
D) Conclusões Em face dos elementos descritos, verifica-se estarmos perante factos que comprovam que as facturas emitidas pelo contribuinte J....... não correspondem a serviços, efectivamente, por si prestados e consequentemente também não representam encargos reais suportados pela B....... C....., Lda., sendo de realçar os seguintes factos: 1. Tendo em conta os elevados montantes facturados pelo fornecedor em questão, a não existência de qualquer elemento escrito, nomeadamente contratos de empreitada ou orçamentos que justifiquem os serviços realizados, bem como o tipo de pagamentos indicados pela sociedade, os quais contrariam a prática comercial generalizada, são dois indicados de que as facturas não correspondem a qualquer transacção real; 2. O facto de a empresa ter indicado como local onde os serviços foram executados, a oficia do Sr. J....... situada nos arredores de Ermesinde, contrariam os factos apurados pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, segundo os quais aquelas instalações já não eram da sua propriedade durante os exercícios a que se referem as facturas, nem mesmo desenvolveu durante aqueles anos uma actividade industrial/comercial regular; 3. Por fim, o facto de o comportamento fiscal do Sr. J....... indiciar que o mesmo não possui uma estrutura empresarial adequada para facturar os montantes em referência, e que como tal, tenha uma actividade económica regular com o seu pessoal devidamente legalizado, constitui mais um indicador de que aquelas facturas titulam operações inexistentes. E) Correcções a efectuar Com fundamento no descrito nos pontos anteriores, vão efectuar-se as seguintes correcções, quer ao nível do IRC quer ao nível do IVA, relativamente aos valores declarados pela empresa. E.1.) Em sede de IRC Exercício de 2002 Tendo em conta que as facturas emitidas pelo Sr. J....... em 2002 foram todas contabilizadas como custos do exercício, vai o seu somatório no montante de € 291.771,96, ser acrescido ao resultado tributável desse exercício, uma vez que as mesmas não titulam custos indispensáveis à realização dos proveitos da empresa, infringindo desta forma o disposto no art. 23º do CIRC. Exercício de 2003 Com referência ao exercício de 2003, e tendo em conta que todas as facturas foram igualmente contabilizadas como custos do exercício, vai também o somatório das mesmas ser acrescido ao resultado tributável, sendo que relativamente às facturas nº 7.55…, 7.65… e 7.65…, os valores a considerar para efeitos de correcção vão ser os valores contabilizados de € 17,50, € 41,20 e € 26,50 e não os valores pelo qual as facturas foram emitidas. Nestes termos, e igualmente por infracção ao art. 23º do CIRC, o valor a corrigir relativamente a este exercício é de € 134.355,20, conforme quadro seguinte (…) Exercício de 2004 Relativamente às facturas contabilizadas em 2004, e com excepção da factura nº 7.6…, a qual foi registada na conta de “imobilizado corpóreo” (e como tal não foi consideradas como custo do exercício), o somatório de todas as outras, no montante de € 150.450,00 (este valor inclui a factura nº 7.6… de 31/10/2003, contabilizada em duplicado durante este exercício), vai ser acrescido ao resultado tributável, também por infracção ao art. 23º do CIRC. Ainda neste exercício e relativamente ao valor de € 15.600,00 contabilizado como custo do exercício sob o nº de registo 55 do mês de Julho, e uma vez que a empresa não possui qualquer documentos que justifique este lançamento, vai o mesmo ser considerado como uma despesa não documentada e de caracter confidencial, e como tal acrescida ao lucro declarado do exercício de 2004, por infracção ao art. 42º, nº 1, al. g) do CIRC. Nestes termos e conforme cálculos evidenciados no quadro seguinte, o total de correcções ao lucro declarado de € 165.050,00 (…)” (cfr. doc. junto a fls. 22 a 41 dos autos);

3. Das facturas identificadas no Relatório transcrito no ponto anterior constam discriminados os serviços prestados diversas reparações efectuadas em viaturas, semi-reboques e máquinas utilizadas na construção civil e fornecimento de contentores (cfr. docs. juntos a fls. 48 a 111 do processo instrutor referente à reclamação graciosa junto aos autos);
4. No âmbito de uma acção inspectiva externa, levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças do Porto, e que decorreu no período de 03/06/2005 a 12/09/2005, apurou-se que o sujeito passivo J....... desenvolveu a actividade de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques em instalações sitas na rua D. S……, nº 1…, em A…., Ermesinde, instalações que foram cedidas parcialmente a C...... Castro a partir dos finais do ano de 2000 (cfr. doc. junto a fls. 113 a 130 do processo instrutor referente à reclamação graciosa junto aos autos);

5. Do Relatório inspectivo a que se reporta a acção inspectiva identificada no ponto anterior e no que respeita à actividade de J....... e da sua relação comercial com a Impugnante consta o seguinte: “ 3.1.1.2.3. De acordo com o cadastro dos sujeitos passivos, o senhor J....... dedica-se à fabricação de mobiliário de madeira para outros fins. O exercício, não desta actividade mas antes o da fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques, foi constatado pelos Serviços de Inspecção Tributária, numa acção inspectiva que decorreu no ano de 1997, tendo-se então verificado que a entidade inspeccionada laborava normalmente nas suas instalações sitas na Rua D. S……., nº 1…, A...., Ermesinde. Estas instalações correspondem a um prédio de rés- do-chão destinado a armazém, amplo com uma casa de banho (artigo 46... da freguesia de A…. . concelho de Valongo). O se- nhor J....... foi proprietário deste prédio, entretanto vendido ao senhor C...... Castro NIF: 150.740…,). A venda atrás referida realizou-se por negociação particular, seguindo-se a anteriores penhoras deste mesmo bem, efectivadas no âmbito do processo de execução fiscal 3565-98/0101… que correu termos no Serviço de Finanças Valongo-2. Visitado o local, para além de constatarmos que o senhor J....... já aí não desenvolve qualquer actividade, foi-nos informado verbalmente que cerca há de cinco anos esse armazém está afecto à actividade desenvolvida pelo senhor C...... Castro e pela empresa de que é sócio e gerente (CMC Máquinas e Reparações. Limitada). Ouvido em auto de declarações, o senhor C……. Castro, proprietário e único ocupante do imóvel, informou que, passa-se a citar: " ... desde o final do ano de dois mil utiliza o referido armazém. Essa utilização começou por resumir à guarda de uma viatura e algumas ferramentas.....” “…só no ano de dois mil e dois desenvolveu nesse armazém uma actividade seja, desde o final do ano de dois mil até ao início do ano de dois mil e quatro, partilhou esse armazém com o senhor J....... ... " " ... o referido senhor executa a reparações em carroçarias de veículos automóveis. Essa utilização foi possível porque a actividade desenvolvida pelo referido senhor diminuiu drasticamente quando comparada com anos anteriores, o que libertou uma parte desse edifício ... " (Nota: Em resposta à pergunta : "Qual o tipo de actividade desenvolvido pelo senhor J....... no armazém em questão"') "
... conhece de há muitos anos a actividade desenvolvida pelo senhor J....... uma vez que em mil novecentos e oitenta trabalhava nas proximidades do armazém atrás identificado .." " ... foi este conhecimento e apercebendo-se... da drástica diminuição de actividade, que o levou a tomar a iniciativa de solicitar a cedência, ainda que parcial, do aludido armazém ... " ... a actividade era irregular, no sentido de que apenas se verificava quando no referido armazém surgia alguém a solicitar os serviços do referido senhor, o que não acontecia todos os dias, tendo-se mesmo verificado um período de vários meses em que não houve qualquer actividade .." (Nota: Em resposta à pergunta: "Se a actividade desenvolvida pelo senhor J....... era contínua") " ... Esta actividade, no que diz respeito à execução propriamente das reparações nas carroçarias, era executada exclusivamente pelo filho do senhor J......., não se socorrendo este de qualquer outro funcionário ou colaborador .. ." “... para além da reparação de carroçarias, não foi exercida qualquer outra actividade .." (Nota: Em resposta à pergunta se o senhor J....... no armazém em questão desenvolveu qualquer outro tipo de actividade que não fosse a reparação de carroçarias, nomeadamente a execução de trabalhos de serralharia que consistam na construção ou montagem de estruturas metálicas") “ --- a maior parte dos casos eram particulares e nunca se apercebeu que houvesse uma empresas que, com o mínimo de regularidade procurassem os serviços do referido senhor (Nota: Em resposta à pergunta: "Qual o tipo de clientes que procuravam os serviços do senhor J......."). Fim de citação. Informou ainda o senhor C...... Castro que: - No armazém atrás identificado nunca o senhor J....... procedeu à armazenagem de mercadorias, nomeadamente desperdícios ou resíduos metálicos (sucata) nem pelo mesmo armazém transitaram quaisquer mercadorias. Nem nunca se apercebeu que no mesmo armazém se concentrassem quaisquer trabalhadores, que o senhor J....... afectasse à actividade por si desenvolvida, antes pelo contrário o senhor C...... Castro reiterou o que antes havia declarado, ou seja, que tanto quanto se pôde aperceber, o senhor J....... apenas se socorria do trabalho de um dos seus filhos; - Ainda no armazém atrás identificado o senhor J....... apenas guardava, por vezes, uma carrinha de marca H…., não guardando portanto quaisquer outras viaturas, nomeadamente retroescavadoras. Relativamente à ocupação deste imóvel foi ouvido em auto de declarações o senhor A...... Mota . Nomeado mandatário pelo Chefe do Serviço de Finanças Valongo-2 para a venda do armazém a que atrás se fez referência. O senhor A...... Mota informou que. passa-se a citar: " ... quando foi nomeado mandatário para a aludida venda, ou seja em Setembro do ano de dois mil e dois, teve ocasião e visitar o aludido prédio e aí constatado que o mesmo estava a ser utilizado pelo senhor C….. Castro, afectando-o a uma actividade industrial por si desenvolvida .. ." "... se deslocou ao prédio em questão em diversas ocasiões, acompanhado de eventuais interessados na compra do imóvel e em nenhuma delas encontrou o senhor J....... .." " ... a circunstância do prédio e encontrar afecto à actividade desenvolvida pelo senhor A...... Mota , conjugado com uma situação irregular ao nível do licenciamento camarário, influenciou a própria negociação da venda do imóvel em questão, tendo este sido adquirido pelo senhor C...... Castro ..." ... nas várias ocasiões que visitou o prédio atrás identificado nunca aí encontrou o senhor J……, e as máquinas que aí se encontravam não se destinavam à fabricação de mobiliário de madeira ou à fabricação de carroçarias, reboques e semi- reboques, antes sim à execução de reparações de outras máquinas, actividade desenvolvida pelo senhor C...... Castro ... " Fim de citação. Ponderadas as declarações recolhidas, quer no que diz respeito ao respectivo teor e a qualidade dos declarantes, pode concluir-se que: - As instalações que o senhor J....... utilizava para o exercício da actividade de fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques já não são sua propriedade nem o referido senhor as ocupa no presente momento: - Pelo menos desde o ano de 2002, o senhor J....... não desenvolve no armazém sito em E…… uma actividade que, em função da sua habitualidade se possa caracterizar como comercial ou industrial;- Nos anos de 2001 e parte e 2002 o senhor J....... terá prestado, esporadicamente e a particulares, alguns serviços, socorrendo-se unicamente do trabalho de um seu filho; - O senhor J....... não deslocou a sua actividade para outro local uma vez que as esporádicas prestações de serviços que realizou foram executadas no armazém sito em E….. . A fabricação de carroçarias reboques e semi-reboques é uma actividade cuja implementação exige um espaço onde a mesma se desenvolva, espaço esse que a entidade inspeccionada já dispôs e agora não dispõe. O domicílio fiscal do senhor J....... corresponde a uma moradia destinada a habitação . Tendo sido perguntado ao Centro Distrital de Segurança Social se a entidade inspeccionada aí se encontrava inscrita como entidade patronal, foi-nos informado que o senhor J....... está aí registado como trabalhador independente, com o último desconto efectuado em 30-6-92 (Nota: O mesmo Centro Distrital de Segurança Social informou que não existia nenhum contribuinte da Segurança Social com a designação de C.... Q...., Limitada). 3.1.1.3 Facturas emitidas Dispõe o n.º 5 do artigo 35º o Código do IVA que as facturas ou documentos equivalentes devem ser datados e numerados sequencialmente. Analisada a articulação entre a numeração e a datação das facturas emitidas pela entidade inspeccionada verificaram-se as seguintes incongruências: Tendo indicado na factura nº 7.1… a data de 19-1-01, na factura nº ·7.1… foi indicada a data de 16-1-01; - Tendo indicado na factura nº 7.2… a data de 17-9-01, na factura nº 7.2… foi indicada a data de 13-9-01; - Tendo indicado na factura nº 7.2… a data de 16-10-01, na factura nº 7.2… foi indicada a data de 4- 10-01; - Tendo indicado na factura nº 7.3… a data de 27-11-01, na factura nº 7.313 foi indicada a data de 14-11-01; - Tendo indicado na factura nº 7.3… a data de 4-12-01, na factura nº 7.3… foi indicada a data de 30-11-01; - Tendo indicado na factura nº 7.3… a data de 28-12-01, na factura nº 7.3… foi indicada a data de 23-12-01; - Tendo indicado na factura n.º 7.4… a data de 7-5-02, na factura nº 7.4… foi indicada a data de 30-4-02: Tendo indicado na factura nº 7.4… a data de 13-5-02, na factura nº 7.4… foi indicada a data de 10-5-02; Tendo indicado na factura nº 7.4… a data de 31-5-02, na factura nº 7.43… foi indicada a data de 28-5-02; - Tendo indicado na factura nº 7.43… a data de 17-6-02, na factura nº 7.438 foi indicada a data de 6-6-02: - Tendo indicado na factura nº 7.44… a data de 7- 7-02, na factura nº 7.44… foi indicada a data de 1-7-02; - Tendo indicado na factura nº 7.45… a data de 15-7-02, na factura nº 7.45… foi indicada a data de 10-7-02; - Tendo indicado na factura nº 7.46... a data de 29-7-02, na factura n° 7.466 foi indicada a data de 24-7-02; - Tendo indicado na factura nº 7.47… a data de 9-9-02, nas facturas nºs 7.47…, 7.47… e 7.48… foram indicadas as datas de 30-7-02. 13-8-02 e 2-9-02 respectivamente; Tendo indicado na factura nº 7.49… a data de 13-9-02, na factura n.º 7.49… foi indicada a data de 29-8-02; - Tendo indicado na factura nº 7.50… a data de 31-10-02, na factura nº 7.62… foi indicada a data de 15-10-02: - Tendo indicado na factura n.° 7.55… a data de 3-2-03, na factura n.º 7.55… foi indicada a data de 31-1-03; - Tendo indicado na factura nº 7.56… a data de 31-3-03, na factura nº 7.56… foi indicada a data de 28-2-03:- Tendo indicado na factura nº 7.57… a data de 28-4,03, nas facturas nºs 7.57…, 7.57… e 7.57…foi indicada a data de 31-3-03; - Tendo indicado na factura nº 7.58… a data de 26-6-03, nas facturas nºs 7.59… e 7.59… foi indicada a data de 30-5-03;- Tendo indicado na factura n. 7.59… a data de 31-7-03, nas facturas nºs 7.60… e 7.60… foi indicada a data de 30-6-03; - Tendo indicado na factura nº 7.60… a data de 20-10-03, na factura n.º 7.61… foi indicada a data de 29-8-03: - Tendo indicado na factura nº 7.614 a data de 30-9-03, na factura nº 7.623 foi indicada a data de 29-9-03; - Tendo indicado na factura n. 7.62… a data de 30-10-03, na factura nº 7.63… foi indicada a data de 24-10-03; Tendo indicado na factura nº 7.63… a data de 5-12-03m na factura nº 7.63… foi indicada a data de 31-10-03; - Tendo indicado na factura nº 7.66… a data de 26-3-04. na factura nº 7.67… foi indicada a data de 25-3-04;- Tendo indicado na factura nº 7.68… a data de 30-6-04, na factura nº 7.69… foi indicada a data de 21-6-04. 3.1.1.4 Adquirentes identificado e na facturas 3.1.1.4.2 B....... C...... Limitada Analisadas as descrições dos bens e serviços presentes nas facturas emitidas em nome de B....... C...... Limitada. verificou-se que as mesmas são bastante heterogéneas, muito para além da actividade descrita no carimbo utilizado na autenticação dos recibos ("Fábrica de carroçarias para todos os veículos de carga - reboques, Chapeiro e Pintura"), nomeadamente trabalhos de mecânica, de serralharia e de construção civil. Porque nem sempre é inequívoca a descrição dos bens e serviços arrolados, nas facturas emitidas pela entidade inspeccionada foi solicitado à empresa B....... C....., Limitada que, para cada uma das facturas, indicasse o tipo de serviços prestados (execução ou reparação de carroçarias, serviços de chapeiro, de pintura, de mecânica, de serralharia, de construção civil... ). A este propósito a referida sociedade informou que passa-se a citar: "Os serviços prestados nas facturas pelo Sr. J……. . referem-se a serviços de chaparia, serviços de pintura de viaturas e de máquinas, alguns serviços e de mecânica, serviço e de montagem e desmontagem de peças e máquinas e de viatura, entre outros, e serviços de serralharia. de montagens e construção civil.". fim de citação. A resposta genérica prestada impossibilitou de com rigor quantificar os valores contabilizados que correspondem à actividade que, em tempos, a entidade inspeccionada desenvolveu, separando-os dos demais valores que correspondem, em princípio, às necessidades de fornecimentos da empresa B....... C....., Limitada para os quais não se conhecem aptidões da empresa inspeccionada. Admitindo, face às descrições presentes nas facturas, que existiriam serviços executados sobre imóveis (trabalhos de serralharia, de construção civil ou outros), solicitou- se a identificação da obra onde foram e executados e do local onde foram tais trabalhos executados. Como resposta informou a empresa B....... C...... Limitada que passamos a citar: "Quanto a estes serviços prestados pelo Sr. J......, de serralharia, montagem e construção civil foram executados nas suas oficinas e destinaram-se aos vários imóveis onde a B....... C....., Lda. executava empreitadas de construção civil e às obras executadas nas várias frentes e nos diversos estaleiros onde tinha as obras em curso. Parte dos trabalhos executados foram incorporados nos trabalhos das empreitadas executadas pela B. C…. ao longo do país.". fim de citação. Embora, por falta resposta adequada da sociedade B....... C....., limitada, não seja possível quantificar com rigor cada um dos tipos de serviços facturados, estes podem agrupar-se nos dois seguintes conjuntos: - As prestações de serviços que correspondem à actividade que, em tempos a entidade inspeccionada desenvolveu, ou seja, a fabricação de carroçarias;
As demais prestações. Quanto a estas últimas, recorde-se que a Inspecção Tributária, em vista realizada no ano de 1997, constatou que a actividade desenvolvida pela entidade Inspeccionada era fabricação de carroçarias e não outra Recorde-se ainda que o testemunho do senhor C...... Castro e do senhor A...... Mota , são ambos concordantes no facto de que a única actividade desenvolvida pelo senhor J......., quando a exerceu, foi a fabricação ou reparação de carroçarias. Por outro lado, a sociedade B....... C...... Limitada, informou que tais serviços foram executados nas oficinas situadas nas "redondezas de Ermesinde", instalações essas que não estão afectas ao exercício da actividade do senhor J....... desde, pelo menos, o ano de 2002. Por outro lado, uma parte destes alegados serviços (serralharia, montagem e construção civil) teriam sido precedidos pela entrega de materiais que neles foram incorporados, traduzindo-se tais trabalhos na execução de estruturas físicas, realizadas, nas instalações de Ermesinde, realização essa que se prolongaria por vários dias e por fim, transportadas para outros locais. Ora tais trabalhos necessariamente não poderiam passar desapercebidos ao senhor C...... Castro que não ocupando exclusivamente a instalações em causa partilharia essas instalações com o senhor J………. . Acontece que o senhor C…… Castro testemunhou que tal tipo de trabalhos nunca se verificou. No que diz respeito às prestações de serviços que correspondem à fabricação ou reparação de carroçarias, para além do facto e a sociedade B....... C...... Limitada, informar que as mesmas foram executadas nas instalações que já não estão afectas ao exercício da actividade do senhor J....... desde o ano de 2002, registe-se as declarações do senhor C…… Castro que testemunhou a drástica diminuição de actividade, enquanto esta se verificou, o tipo de adquirente dos esporádicos serviços prestados (particulares) e da inexistência e empresas que, com o mínimo de regularidade, procurassem os serviços do referido J........ Relativamente aos meios de pagamento utilizados. a sociedade B....... C...... Limitada informou que, passa-se a citar "No que respeita aos pagamentos ao senhor J......., a B…… C….. . Lda. pagou por meio de cheque conforme cópias que se juntam (doc. 1 a 9) e pagou a dinheiro sempre que este lhe solicitou", fim de citação. Em anexo a este esclarecimento foram remetidas fotocópias de nove cheques. Não tendo a sociedade B....... C...... Limitada do cumprimento ao que por escrito lhe foi solicitado (identificação, para cada uma das facturas contabilizadas, do meio utilizado para o respectivo pagamento). procurou-se, por comparação de valores e de datas, identificar a que facturas dizem respeito as fotocópias dos cheques recebidos (ver anexo 11.° 8)., ),Concluiu-se assim que das 47 facturas contabilizadas apenas oito teriam sido pagas através de cheque (duas das facturas contabilizadas em 2003 e as seis últimas facturas contabilizadas em 2004). Analisadas as fotocópias dos cheques e recolhidos esclarecimentos adicionais junto das instituições financeiras intervenientes, constata-se que metade dos cheques sacados sobre dois bancos diferentes (M… e B…), teriam sido pagos ao balcão, querendo isto dizer que, na prática, conforme já se deu conta, tais cheques foram pagos em numerário ou os respectivos valores foram transferidos para uma outra conta aberta no mesmo banco, no momento em que foram apresentados para pagamento. Em resumo o tipo de pagamentos indicados sociedade B....... C....., limitada, contrariam a prática comercial generalizadamente adoptada a que atrás se fez referência Acerca das razões que levaram a referida sociedade a aceitar tais imposições de pagamento, particularmente tendo em conta que pagamento em numerário de importâncias consideráveis representa obvio incomodo (tenha-se em conta que o valor médio das facturas ultrapassa os 18.000 euros, chegando mesmo a ultrapassar os 50.000 euros). ou das razões que terão levado a uma drástica alteração nessa mesma imposição, nada foi adiantado sociedade B....... C....., Limitada. 3.1.1.5 Conclusão Ponderada a informação recolhida conclui-se que: i) Instalações As instalações que o senhor J....... utilizava para o exercício da actividade de fabricação de carroçarias, reboques e semi- reboques, já não são sua propriedade nem o referido senhor as ocupa no presente momento; - Pelo menos desde o ano de 2002. o senhor J....... não desenvolve no armazém sito em Ermesinde uma actividade que, em função da sua habitualidade, se possa caracterizar como comercial ou industrial; - Nos anos de 2001 e parte de 2002 o senhor J....... terá prestado, esporadicamente e a particulares, alguns serviços, socorrendo-se unicamente do trabalho de um seu filho: - O senhor J....... não deslocou a sua actividade para outro local, uma vez que as esporádicas prestações de serviços que realizou foram executadas no armazém sito em Ermesinde, local que os supostos adquirentes dos seus serviços continuam a indicar como sendo aquele onde os serviços foram prestados: A fabricação de carroçarias, reboques e semi-reboques é uma actividade cuja implementação exige um espaço onde a mesma se desenvolva, espaço esse que a entidade inspeccionada já dispôs e agora não dispõe. O domicílio fiscal do senhor J…….. corresponde a uma moradia destinada a habitação. Ii) Equipamento: As facturas; recolhidas, no que diz respeito à utilização de máquinas ou equipamentos, agrupam-se em três conjuntos de bens; ou serviços, concretamente, os que exigem uma actividade de fabricação (por exemplo a fabricação de carroçarias), os que se materializam na disponibilização de equipamentos (aluguer de retroescavadora) e aqueles que são meramente comerciais (comércio de sucata). Relativamente aos primeiros, de acordo com o testemunho dos adquirentes, a fabricação teria ocorrido no armazém sito em Ermesinde. Acerca da existência dos equipamentos necessários, registe-se o testemunho do senhor A…… Mota que declarou não existirem quaisquer máquinas ou equipamentos que não fossem os que estavam afectos à actividade do senhor C…… Castro. Quanto à retroescavadora, tome-se o testemunho de6te último senhor, que o informou nunca ter sido guardado tal veículo no armazém sito em Ermesinde. Por fim, quanto à actividade de comércio de sucata relembre-se também o testemunho do senhor C...... Castro que afirmou que o senhor J....... apenas guardava nas instalações um único veículo que não possui características para realizar, em termos economicamente racionais, o transporte e milhares de toneladas de mercadorias. Em suma, a transmissão dos bens e serviços facturados exigiria que o senhor J....... tivesse à sua disposição um conjunto de equipamentos que referido senhor não dispõe. iii) Pessoal Os bens e serviços exigiriam que o senhor J....... se socorresse de uma força laboral que seguramente ultrapassaria a dezena de unidades. Necessariamente teria de ser um conjunto d trabalhadores tecnicamente apetrechado tendo em consideração a pluralidade doe serviço efectuados e o testemunho de dois dos adquirentes (os serviços foram prestados, satisfatoriamente, sem motivo para reparos). Em contradição com a existência desta suposta força laboral. Registe-se a informação recolhida iv) Actividade supostamente exercida: A variabilidade dos bens e Serviços facturados (fabricação e reparação de carroçarias, venda de quantidades substanciais de sucata, disponibilização de mão-de-obra a empresas de construção civil. serviços de chaparia, serviços de pintura de viaturas e de máquinas, serviços de mecânica, serviços de montagem e desmontagem de peças e máquinas e de viaturas, serviços de serralharia e de construção civil). por si só é reveladora quanto à efectiva ocorrência das transmissões facturadas, na medida em que essa mesma variabilidade exigiria do senhor J....... uma capacidade de direcção, um conhecimento de diversos mercados e uma disponibilidade física para acompanhar o desenrolar da actividade (nas instalações que supostamente utilizaria como suas, nas frentes de obra, nos mercados abastecedores, ... ) que se transformaria numa tarefa desmesurada; - Em contradição com esta suposta actividade intensa e plurifacetada, registe-se o testemunho daquele que com ele partilhou instalações, que declarou que essa actividade se resumia a esporádicas reparações de carroçarias, realizadas unicamente por uma pessoa ( o filho). i v) Documento emitidos - As abundantes incoerências entre a numeração e a datação das facturas é um claro indício de que a emissão das mesmas facturas não correspondeu ao efectivo exercício de uma actividade comercial ou industrial. vi) Pagamento dos bens e serviços facturados - No que respeito aos recebimentos tenha-se em conta que a forma como alegadamente se teriam processado representa um atropelo a uma prática generalizadamente utilizada e, a ser efectiva, representaria um óbvio contratempo para os intervenientes (no caso dos supostos pagamentos em numerário) e uma desmesurada carga de trabalho pois obrigaria a entidade inspeccionada a deslocar-se com frequência a cinco bancos (B…., P…. M…, M… e B…), para neles receber o valor dos cheques ou transferir esses mesmos valores para outras contas abertas nesses mesmos bancos. Tenha-se em consideração o esforço que tais hábitos de pagamento representariam, principalmente porque acresceriam à actividade quase febril que atrás se referenciou (…)” (cfr. doc. junto a fls. 113 a 129 do processo instrutor referente à reclamação graciosa junto aos autos);
6. Em 17/08/2006, na sequência das referidas correcções a Administração Fiscal emitiu as liquidações nºs 2006 11288…., referente ao IRC de 2002, no valor de € 97.781,14 acrescidos de € 10.300,81 referente a juros compensatórios, com data limite de pagamento de 31/10/2006 (cfr. docs. juntos a fls. 185 e 186 do processo instrutor referente à reclamação graciosa junto aos autos);

7. Em 18/08/2006, na sequência das referidas correcções a Administração Fiscal emitiu a liquidação nºs 2006 11562…, referente ao IRC de 2003, no valor de € 44.348,55, acrescidos de € 3.857,94 referente a juros compensatórios, com data limite de pagamento de 31/10/2006 (cfr. docs. juntos a fls. 187 e 188 do processo instrutor referente à reclamação graciosa junto aos autos);
8. Em 17/08/2006, na sequência das referidas correcções a Administração Fiscal emitiu as liquidações nºs 2006 11288…, referente ao IRC de 2002, no valor de € 97.781,14 acrescidos de € 10.300,81 referente a juros compensatórios (cfr. docs. juntos a fls. 186 e 187 do processo instrutor referente à reclamação graciosa junto aos autos);
9. Em 19/06/2007 a Impugnante deduziu reclamação graciosa dos actos de liquidação identificados nos pontos anteriores (cfr. docs. juntos a fls. 2 a 38 do processo instrutor referente à reclamação graciosa junto aos autos);
10. Por despacho de 10/07/2008 foi a reclamação identificada no ponto anterior indeferida (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor referente à reclamação graciosa junto aos autos);
11. Em 23/09/2008 a Impugnante deduziu recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor referente ao recurso hierárquico junto aos autos);
12. Por despacho de 31/03/2009 foi indeferido o recurso hierárquico identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo instrutor referente ao recurso hierárquico junto aos autos);
13. J....... possuía uma máquina que lhe permitia efectuar os serviços que prestava à Impugnante (depoimento prestado pelo TOC);
14. Os pagamentos das facturas emitidas pelo J....... eram efectuados em dinheiro (depoimento da testemunha A…… Lamas);
15. Grande parte dos serviços prestados pelo Sr. J……, foram realizados nas obras da Impugnante (depoimento da testemunha A….. Lamas);

*
A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como dos depoimentos das testemunhas arroladas que prestaram o seu depoimentos demonstrando conhecer bem a realidade da empresa e do fornecedor em questão. No caso da testemunha que desenvolveu a actividade de técnico oficial de contas da impugnante este demonstrou conhecer, não apenas a realidade da impugnante, como também a do prestador de serviços em causa. Relativamente à testemunha ouvida em terceiro lugar, A….. Lamas, este foi encarregado de obras da impugnante e demonstrou conhecer bem o prestador de serviços J......., sendo este quem lhe pagava as facturas que ele emitia.»
****

Conforme resulta dos presentes autos, foi proposta impugnação judicial das liquidações de IRC de 2002, 2003 e 2004 que resultaram de uma acção de inspecção à Impugnante, no âmbito da qual se entendeu que as operações tituladas pelas facturas emitidas por J....... não titulavam transacções verdadeiras, e consequentemente não foram aceites os custos ao abrigo do disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC.

Com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TAF de Almada julgou procedente a impugnação judicial, entendo, em síntese que por um lado, a AT não recolheu indícios suficientes de que as facturas em causa titulassem operações fictícias, e por outro lado, a Impugnante efectuou prova bastante da veracidade das operações materiais.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, entendo que a sentença enferma de erro de julgamento de facto por errónea valoração da prova testemunhal, mais concretamente, por sobrevalorização da prova produzida pela Impugnante face à prova documental apresentada pela AT, e, consequentemente, verifica-se também o erro de julgamento de direito por violação do disposto nos artigos 74.º e 75.º da LGT, artigos 23.º e 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC.

Antes de mais cumpre esclarecer que nos presentes autos aproveitou-se a prova produzida no processo de impugnação judicial n.º 29/09.3BEALM referente a mesma Impugnante dos presentes autos. E, portanto, a prova testemunhal que subjaz à sentença recorrida é a mesma que foi produzida naquele outro processo, cujo objecto são liquidações de IVA de 2002, 2003 e 2004 que assentam nos mesmos fundamentos e mesmo relatório de acção de inspecção que as correcções de IRC impugnadas nos presentes autos.

Apreciando os fundamentos das correcções que constam do relatório de inspecção tributária, a valoração da prova testemunhal produzida, e as normas jurídicas aplicáveis, já se pronunciou muito recentemente o acórdão deste TCAS de 30/09/2019, no processo 29/09.3BEALM. Considerando a identidade das questões em ambos os processos aqui sufragamos o entendimento vertido naquele acórdão, em tudo aplicável ao caso dos autos, que aqui transcrevemos na parte relevante:
“(…)
Quanto ao referido relativamente à prova testemunhal, há que ter desde logo em conta o princípio da livre apreciação da prova (ou da liberdade de julgamento ou da livre convicção do julgador), princípio com assento no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, segundo o qual o julgador deve decidir livremente de acordo com a sua prudente convicção[1] (excetuando, naturalmente, os casos de prova legal, formal ou vinculada, ou seja, os casos em que a própria lei confere força probatória a determinados meios de prova[2]).
A este propósito, aliás, assume fundamental importância a motivação da decisão da matéria de facto, na qual é justamente evidenciado pelo julgador o iter que conduziu à formação da sua convicção. Como refere Miguel Teixeira de Sousa “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão”[3].
Neste contexto, sendo a decisão do julgador, de forma fundamentada, uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, será inatacável, dado ter sido proferida de acordo com o princípio da livre apreciação da prova[4].
Ora, atentando a este contexto e analisando a motivação da decisão da matéria de facto transcrita supra, resulta que tal decisão se encontra suficientemente motivada, estando evidenciado o que contribuiu para a formação da convicção do julgador, quer em termos de prova documental, quer em termos de prova testemunhal, não se vislumbrando qualquer desconformidade entre os meios de prova e essa mesma convicção firmada.
A Recorrente, como já referido, insurge-se quanto a este julgamento, na medida em que, em seu entender, deveriam ter sido valoradas as declarações prestadas junto da AT, atendendo até ao facto de a Recorrida apenas ter alegado serem os serviços prestados na oficina do emitente das faturas.
A este respeito, cumpre desde logo sublinhar que os autos de declarações juntos pela AT não têm ínsita a solenidade nem as exigências inerentes à prova testemunhal produzida diretamente junto do Tribunal, pelo que não se pode pretender tratar as situações como sendo iguais. Ademais, a convicção do Tribunal a quo resultou de modo claro evidenciada, não se vislumbrando a existência de um erro suscetível de pôr em causa a apreciação efetuada.
Ainda assim, este Tribunal procedeu à respetiva audição, para aferir da eventual existência de flagrante desconformidade entre a prova produzida e a decisão proferida quanto à matéria de facto. Considerando tal audição, desde já se adiante que nada há apontar à motivação efetuada por parte do Tribunal a quo que seja suscetível de pôr em causa a sua apreciação. As testemunhas ouvidas, com destaque para as testemunhas J..... Silva e A..... Lamas, foram claras, detalhadas e convincentes nas declarações prestadas. Sublinhe-se ademais que, ao contrário do alegado pela Recorrente, estas duas testemunhas, à data em que foi prestado o depoimento, já não eram funcionários da Recorrida, como resulta das suas declarações.
Por outro lado, a declarações prestadas em sede administrativa foram consideradas pelo Tribunal a quo, como decorre dos pontos do i) e j) do probatório.
Refira-se igualmente que, ao contrário do referido pela Recorrente, a Recorrida alegou encomendar trabalhos à emitente das faturas que implicavam construção, produção e incorporação em obras, o que tem inerente a sua realização em obra. Com efeito, é, num determinado momento, alegado na petição que os trabalhos eram realizados nas oficinas; no entanto, é também alegado que os serviços prestados seriam efetuados ou na oficina do J……. ou noutras, designadamente em obra (cfr. art.ºs 23.º, 30.º e 31.º da petição). Ou seja, não foi apenas alegada a produção em oficina, pelo que o facto de, da prova produzida, ter resultado que a maioria dos serviços foram produzidos em obra, apesar de, em sede de petição inicial, ter sido mencionado que eram também feitas em oficina encomendas e trabalhos, não se revela per se contraditório. Há ainda que ter em conta, a este propósito, que os factos instrumentais não carecem de alegação [cfr. art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPC].
Como tal, não se verifica que a apreciação efetuada pelo Tribunal a quo padeça de erro, improcedendo o alegado pela Recorrente.
III.B. Do erro de julgamento por não consideração das irregularidades detetadas na contabilidade da Recorrida
Considera, por outro lado, a Recorrente que se verifica erro de julgamento, porquanto o Tribunal a quo vem afirmar que se verifica uma presunção de veracidade da declaração do contribuinte, o que não ocorreu, uma vez que não estava a contabilidade da Recorrida devidamente organizada.
Vejamos.
Desde já se refira não é qualquer irregularidade da contabilidade que é passível de afastar a presunção de veracidade da mesma (total ou parcialmente), como resulta do disposto no art.º 75.º, n.º 2, da LGT.
De acordo com esta disposição legal:
“2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.
Assim, a existência de erros e inexatidões na contabilidade, per se, não implica que cesse tal presunção de veracidade, só ocorrendo tal quando as mesmas impeçam o conhecimento da matéria coletável do sujeito passivo.
Para a apreciação da questão suscitada, cumpre atentar no teor no RIT mencionado em c) do probatório, porquanto é nele que radica a fundamentação das liquidações objeto dos presentes autos.
Assim, da análise do mesmo resulta que foram identificadas irregularidades na contabilidade da Recorrida, é certo. No entanto, salvo no que respeita a uma correção, tais irregularidades não constituem o fundamento dos atos impugnados.
Com efeito, compulsado o RIT verifica-se, desde logo, no ponto II.2.3. uma menção a algumas irregularidades contabilísticas detetadas, tendo sido referido, em jeito de conclusão, que “[t]odos estes aspectos originaram a que os trabalhos de controlo e análise se tivessem tornado excessivamente difíceis e morosos”. Analisando o ponto III do mesmo relatório, relativo à descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas, verifica-se a identificação das faturas e dos diversos constrangimentos detetados, sendo mencionados, em seguida, os indícios que a AT recolheu e que considerou serem suficientes ponderosos no sentido de as faturas não corresponderem a serviços efetivamente prestados.
Assim, da análise do RIT decorre que as irregularidades da contabilidade detetadas, tendo representado uma dificuldade que tornou a análise mais morosa, não foram, per se, impossibilitadoras de tal análise (ficando por esclarecer se terão sido sanadas), não sendo mencionadas como fundamento das correções efetuadas.
Ou seja, in casu, a própria AT, identificando as irregularidades (pontuais) não lhes reconhece relevância, na medida em que nunca se funda nas mesmas para efetuar as correções, referindo-se mesmo no RIT que todas as faturas foram contabilizadas e que o IVA foi contabilizado e deduzido nos períodos correspondentes.
Não há, ademais, qualquer contradição entre o afirmado pelo Tribunal a quo, sobre a presunção de veracidade das declarações, face à existência de alegadas irregularidades. Com efeito, por um lado, as declarações periódicas de IVA gozam de presunção de veracidade e, in casu, estamos perante situações de IVA deduzido pela Recorrida nessas mesmas declarações. Por outro, a menção às irregularidades da contabilidade é, como já referimos, no sentido de ter havido um trabalho adicional por parte da equipa inspetiva, nunca sendo referidos elementos que permitam afastar a presunção de veracidade da mesma por força de alegadas irregularidades nem nunca tendo sido essas alegadas irregularidades invocadas como fundamento de correção.
(…)
III.C. Do erro de julgamento quanto aos indícios recolhidos
Alega, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, em virtude de terem sido recolhidos indícios suficientes que provam que as faturas em causa não titulavam verdadeiras prestações de serviços.
Cumpre apreciar.
O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir. O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.
O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs. Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.
Como reflexo da mecânica do imposto, resulta do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA que não se pode deduzir o IVA que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.
“[C]omo decorre do preâmbulo do CIVA, ao fazer intervir na recolha do imposto a generalidade dos operadores económicos, diluindo-se o seu peso por um maior número de operadores e sendo a dívida tributária de cada operador calculada pelo método do crédito do imposto, decorre daqui a importância que uma dedução indevida do imposto reveste (…). O objecto da dedução são as quotas suportadas pelos sujeitos passivos nos termos prescritos nos artigos 19 e segs. do CIVA. Ora o artigo 19 nº3 deste diploma legal exclui de dedução o imposto resultante de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura”[5].
Por outro lado, nos termos do art.º 75.º da LGT:
“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.
Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.
É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais[6]. Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.
Cumpre, assim, verificar se a AT cumpriu o seu ónus probatório, ou seja, aferir se foi pela mesma alegada e demonstrada a existência de indícios que, de forma séria, abalam a presunção de veracidade dos documentos em causa.
In casu, em sede de RIT, a AT elencou uma série de indícios, que, em seu entender, permitiram pôr em causa a presunção de veracidade.
Assim, atentando no referido no RIT, a AT, considerando desde logo elementos recolhidos em sede de ação inspetiva ao emitente das faturas em causa (J.......) e outros recolhidos junto da Recorrida, faz menção a:
Irregularidades declarativas do emitente das faturas;
Impossibilidade de contactar o emitente das faturas;
As instalações que o emitente das faturas utilizava para o exercício da sua atividade de fabricação de carroçarias, reboque e semirreboques (Rua D. S………, nº 17…, A…., Ermesinde), já não eram da sua propriedade durante os exercícios analisados, nem eram por ele ocupadas no momento da inspeção efetuada pela DF do Porto, desconhecendo-se que o mesmo exerça esta ou qualquer outra actividade noutro local;
A atividade não poderia ser desenvolvida no seu domicílio fiscal, dado tratar-se de moradia destinada a habitação;
Desconhecimento da existência de equipamentos específicos e funcionários especializados para o exercício dos serviços prestados;
A pluralidade dos bens e serviços exigiria capacidade de direção, conhecimento e disponibilidade física fora do comum;
Inexistência de contratos de empreitada ou subempreitada nem de orçamentos;
Pagamentos feitos em numerário (75%) e cheque (25%), parte destes pagos ao balcão;
A Recorrida indicou que os serviços foram executados nas oficinas de Ermesinde.
Refira-se, a este respeito, que, apesar de a Recorrente fazer referência a “abundantes incongruências entre a numeração e a datação das faturas”, da análise do RIT, concretamente o ponto III.A., resulta que foram apenas identificadas duas faturas, de março e abril de 2003, nas quais a fatura mais antiga tinha uma numeração mais recente. Aliás, em sede de sedimentação e conclusão extraída no RIT, a AT nem fez qualquer menção a esta situação identificada.
Assim, no RIT, a AT sedimentou, em sede de conclusões, como indícios os seguintes:
“1. Tendo em conta os elevados montantes facturados pelo fornecedor em questão, a não existência de qualquer elemento escrito, nomeadamente contratos de empreitada ou orçamentos que justifiquem os serviços realizados, bem como o tipo de pagamentos indicados pela sociedade, os quais contrariam a prática comercial generalizada, são dois indicadores de que as facturas não correspondem a qualquer transacção real;
2. O facto de a empresa ter indicado como local onde os serviços foram executados, a oficia do Sr. J....... situada nos arredores de Ermesinde, contrariam os factos apurados pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, segundo os quais aquelas instalações já não eram da sua propriedade durante os exercícios a que se referem as facturas, nem mesmo desenvolveu durante aqueles anos uma actividade industrial/comercial regular;
3. Por fim, o facto de o comportamento fiscal do Sr. J....... indiciar que o mesmo não possui uma estrutura empresarial adequada para facturar os montantes em referência, e que como tal, tenha uma actividade económica regular com o seu pessoal devidamente legalizado, constitui mais um indicador de que aquelas facturas titulam operações inexistentes”.
Na sua impugnação, a Recorrida insurgiu-se desde logo relativamente aos alegados indícios indicados pela AT no RIT.
Nesse seguimento, o Tribunal a quo considerou que tais indícios foram afastados pela prova produzida, no tocante ao desenvolvimento da atividade, reconhecendo que, embora possa haver irregularidades, as mesmas não constituem, face a tal prova, indícios suficientes para afastar a presunção de que goza a Recorrida. Com efeito, ao contrário do referido pela Recorrente, o Tribunal a quo situou a sua apreciação a montante, ou seja, na aferição da reunião de indícios por parte da AT, não tendo, na sequência do decidido, aferido da prova pela Recorrida da efetividade das prestações tituladas pelas faturas em causa.
Discorda a Recorrente do decidido, desde logo entendendo que da prova produzida não se podia extrair a conclusão extraída.
Vejamos.
Como já referimos em III.A., a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi posta em causa, pelo que é atendendo à mesma que iremos proceder à apreciação.
Assim, o Tribunal a quo considerou provado, por um lado, que, para a realização das suas obras e trabalhos por todo o país, a Recorrida fazia deslocar máquinas e viaturas leves e pesadas e que, em caso de avaria ou acidente, J……. reparava, fornecia ou substituía peças [cfr. factos n) e o)]. Considerou ainda provado que, em obras que implicassem a construção, a produção e a incorporação de trabalhos e peças de serralharia de ferragem e de mecânica, J….., a pedido da impugnante, assegurava a execução desses serviços [cfr. facto p)]. Mais ficou provado que J…., só ou acompanhado por colaboradores, muitas vezes se deslocou quer à sede da impugnante, quer aos diversos estaleiros onde esta executava obras e ali se comprometeu a executar as encomendas de trabalhos que lhe foram solicitadas pela impugnante [cfr. facto q)]. Finalmente considerou provado que a maior parte das faturas emitidas por J……. à impugnante são relativas à execução de trabalhos prestados por aquele e outro pessoal nos locais das obras que esta tinha a seu cargo, nomeadamente na S…. Nacional da Maia, na L….. de Paio Pires, na S….. de Longos, em linhas de caminho-de-ferro (S……) e nas instalações da Recorrida na C…. C…. [cfr. facto r)].
É ainda pertinente chamar à colação as declarações prestadas por C……. Castro, mencionadas em i) do probatório, das quais resulta que o armazém sito em Ermesinde foi partilhado por si e por J....... desde o fim de 2000 até ao início de 2004, não obstante este último já não ser proprietário do mesmo. Mais consta de tais declarações que J....... executava lá reparações em carroçarias, ainda que com caráter irregular, sendo a execução feita pelo filho. Ao contrário do referido pela Recorrente, não decorre que tais reparações fossem feitas apenas a particulares.
Retornando aos indícios recolhidos pela AT a que fizemos referência supra, decorre da prova produzida que:
Não obstante o armazém não ser da sua propriedade, o mesmo foi utilizado por J....... pelo menos até inícios de 2004;
Não obstante não ter declarado trabalhadores, junto da Segurança Social, J....... tinha colaboradores, de entre os quais o seu filho; J……… assegurava a reparação, fornecimento ou substituição de peças para máquinas e viaturas da Recorrida, bem como a execução de serviços relacionados com construção, a produção e a incorporação de trabalhos e peças de serralharia de ferragem e de mecânica;
A maior parte das faturas emitidas por J……. à impugnante são relativas à execução de trabalhos prestados por aquele e outro pessoal nos locais das obras que esta tinha a seu cargo, nomeadamente na S….. Nacional da Maia, na L….. de Paio Pires, na S….. de Longos, em linhas de caminho-de-ferro (S.....) e nas instalações da Impugnante na C… C….
A prova produzida afasta, pois, os indícios cuja verificação se revela fundamental para sustentar a atuação da AT, porquanto ficou provado que grande parte dos serviços eram prestados, pelo emitente das faturas e seus colaboradores, diretamente nas obras da Recorrida, o que se mostra consentâneo com o referido por C...... Castro no que respeita à utilização das instalações até 2004, ainda que de forma irregular (utilização essa que a AT não menciona no RIT, sublinhe-se).
Os demais elementos recolhidos não se consideram, assim, suficientes. Com efeito, para além das irregularidades declarativas do fornecedor, que, per se, nada dizem, parte dos elementos referidos são ou não concretizados (porque fundados no desconhecimento da AT, designadamente no que respeita à maquinaria, sendo certo que, como referido pelo Tribunal a quo não resulta que fosse necessário que o emitente de faturas fosse proprietário de tal maquinaria) ou conclusivos (v.g. capacidade de direção, conhecimento e disponibilidade física fora do comum). Por outro lado, a inexistência de contratos de empreitada ou subempreitada e de orçamentos também per se não é suficientemente ponderosa. O único elemento mais ponderoso consubstancia-se nos pagamentos em numerário, elemento esse que isoladamente não pode fundar a conclusão de se estar perante indícios bastantes de que as operações tituladas pelas faturas não ocorreram.
Atenta a prova produzida, resulta, com efeito, que há irregularidades a montante, junto do emitente das faturas, e que desde logo se refletem no facto de o mesmo ser não declarante perante a AT, mas não resultou suficientemente indiciado que tais irregularidades refletissem que os serviços não tivessem sido efetivamente prestados. Ou seja, deveria, tal como referido o Tribunal a quo, ter a AT reunido mais indícios, para se poder considerar ser cumprido o ónus que lhe é exigido.
Como tal, carece de razão a Recorrente.”

Por conseguinte, aplicando o supra exposto, e em suma, também no caso dos autos não se verifica erro de julgamento da matéria de facto por errónea valorização da prova testemunhal, nem erro de julgamento de direito, tendo sido feita uma correcta apreciação da matéria de facto e do direito aplicável.

Pelo exposto, improcedem na totalidade as conclusões das alegações de recurso, e nessa medida é de confirmar a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente Fazenda Pública esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respectivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário do acórdão

I. Segundo o princípio da livre apreciação da prova (ou da liberdade de julgamento ou da livre convicção do julgador), o julgador deve decidir livremente de acordo com a sua prudente convicção (exceptuando os casos de prova legal, formal ou vinculada), decisão apenas excepcionalmente atacável, designadamente se houver flagrante desconformidade entre a prova produzida e a decisão proferida quanto à matéria de facto;
II. A identificação de irregularidades na contabilidade não implica, necessariamente, cessação da presunção de veracidade de que a mesma goza;
III. Na apreciação da (i)legalidade de liquidação emitida pela AT há que atentar nos fundamentos que conduziram à sua emissão;
IV. Tendo a impugnante logrado abalar a efectividade de parte os indícios reunidos pela AT no sentido de as facturas titulares prestações de serviços que não ocorreram, demonstrando a não adesão dos mesmos à realidade, não foi cumprido, pela AT, o seu ónus probatório.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Após Trânsito, remeta certidão do presente acórdão com nota de trânsito em julgado, à Meritíssima Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal de Almada, processo n.º 64/06.3IDSTB.
D.n.
Lisboa, 17 de Outubro de 2019.


Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Mário Rebelo


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[1] V., a este respeito, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição aumentada e reformulada, Almedina, Coimbra, 2009, p. 221.
[2] V., a título exemplificativo, o já citado Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT).
[3] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1997, p. 348.
[4] Cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.02.2017 (Processo: 67/14.4T8OHP-A.C1), onde se refere: “Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. // Daí que, conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição”. V. igualmente o Acórdão deste TCAS, de 23.03.2017 (Processo: 06792/13).
[5] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.05.2002 (Processo: 5650/01).
[6] Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).