Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09457/16
Secção:CT
Data do Acordão:10/13/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EXAME E DECISÃO DE DOIS RECURSOS.
CRITÉRIO MERAMENTE CRONOLÓGICO COMO FUNDAMENTO PARA O EXAME DE UM DELES.
ARTº.90, Nº.1, DA L.G.T., É UMA NORMA QUE CONSAGRA UMA ENUMERAÇÃO MERAMENTE EXEMPLIFICATIVA.
PARÂMETROS LEGAIS DA ACTUAÇÃO DA A. FISCAL NO EXERCÍCIO DA SUA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO.
NATUREZA SUBSTANTIVA E SUBSIDIÁRIA DO MÉTODO DE AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
DEVER DE CUIDADA FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À OPÇÃO PELA SUA UTILIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
NATUREZA TAXATIVA DO ARTº.87, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO. REQUISITOS.
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DE MÉTODOS INDIRECTOS.
ERRO DE QUANTIFICAÇÃO RELEVANTE NO CÁLCULO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL E ATRAVÉS DE MÉTODOS INDIRECTOS.
Sumário:1. Visando os recursos deduzidos partes diferentes do dispositivo da decisão recorrida, entende este Tribunal apreciar os mesmos com base num critério meramente cronológico, assim se começando por examinar e decidir a apelação apresentada em primeiro lugar (cfr.artº.124, do C.P.P.Tributário).
2. O artº.90, nº.1, da L.G.T., é uma norma que consagra uma enumeração não taxativa/meramente exemplificativa, conclusão que se retira do exame do próprio corpo do preceito, ao estabelecer que “...a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os seguintes elementos:”, após o que remete para as diversas alíneas constantes do artigo.
3. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indirectos de avaliação que suportam a liquidação. Mais devendo chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).
4. A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Por outro lado, a mesma avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.).
5. O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária).
6. As situações em que a matéria colectável é fixada por métodos indirectos são as taxativamente indicadas no actual artº.87, da L.G.Tributária. Subjacente a todas elas encontra-se uma de duas situações: ou a inexistência de elementos de escrituração ou a sua não idoneidade para comprovarem o lucro revelado pela escrita do contribuinte. De notar a preocupação do legislador em objectivar as aludidas situações, por forma a evitar valorações subjectivas por parte da A. Fiscal.
7. Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final.
8. Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.
9. Especificamente quanto à fundamentação da decisão de aplicação de métodos indirectos, deve levar-se em consideração o disposto no artº.77, nº.4, da L.G.T.
10. A A. Fiscal ao apurar um preço de litro de € 1.116, correspondente à média do mosto de vinho beneficiado e do mosto de vinho não beneficiado, utilizou um critério e um método que não se revelam adequados a alcançar a matéria tributável da forma mais próxima da realidade. Em conclusão, deve reconhecer-se a prova de erro de quantificação relevante no cálculo da matéria tributável em sede de I.R.C., do ano de 2004 da sociedade impugnante/recorrida e através de métodos indirectos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
1-"V..., UNIPESSOAL, L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal, na parte em que não obteve ganho de causa, tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Castelo Branco, exarada a fls.412 a 451 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação pela sociedade recorrente intentada, visando actos de liquidação de I.R.C., relativos aos anos fiscais de 2003 e 2004 e no montante total de € 59.862,87.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.476 a 491 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Numa formulação que traduz apenas a síntese do que a doutrina mais autorizada escreveu sobre a matéria, pode repetir-se que a fundamentação se consubstancia num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do acto as razões "justificantes" e "justificativas"- sob o ponto de vista formal - da concreta decisão administrativa;
2-Tem-se por insuficiente essa fundamentação na medida em que não se encontram justificadas as razões pelas quais a AT adoptou os critérios de quantificação que seguiu e, a esse nível, há uma total omissão relativamente à eleição dos factores, à sua obtenção e ao seu modo de ponderação, que foram eleitos para quantificar indiciariamente o rendimento;
3-E, para além de não se encontrar qualquer justificação para a mobilização de tal critério na óptica da sua adequação, idoneidade, funcionalidade e, no plano da fundamentação de direito, habilitação legal, é incontornável, cremos, que o mesmo roça a total ininteligibilidade, seja quanto à sua origem, seja quanto aos valores tidos em conta;
4-É facilmente perceptível que a generalidade da população portuguesa não percebe minimamente que rácio é esse, de onde é que resultam as percentagens, como é que se faz o apuramento das mesmas, etc…
5-Trata-se de uma fundamentação oca, insuficiente e imperceptível, que se situa nos antípodas das exigências legais;
6-Mais se acrescenta que a improcedência do alegado não deixará de acarretar, em consequência da injunção constitucional tipificada no artigo 268.º, n.º 3, a aplicação de norma eivada de inconstitucionalidade, qual seja a do artigo 77.º, n.º 1 e 4, da LGT, interpretada no sentido de que, no caso da avaliação indirecta do rendimento, a fundamentação pode consubstanciar-se num discurso de cariz técnico e inacessível/imperceptível a um destinatário normal;
7-A validade técnica do critério exige que o universo dos factores-base de conformação do critério assumido pela administração seja idêntico ou próximo daquele a que a situação investigada se reporta, o que no caso não se verifica, sem qualquer tipo de dúvida, bastando atentar-se no facto da actividade da empresa não se enquadrar no sector de comercialização de bebidas alcoólicas;
8-O critério utilizado não é um critério idóneo e afronta mesmo os princípios eleitos pelo legislador pela balizar os limites internos e externos de toda a actividade da AT;
9-Não é isso que o legislador quer nem tal critério se conforma ao princípio da igualdade, proporcionalidade e justiça, segundo os quais todos devem ser tratados de forma igual e segundo as suas condições concretas em determinado período espácio/ temporal;
10-A sentença erra ao considerar que o art.º 90° não oferece à administração tributária uma lista taxativa de critérios que esta é obrigada a seguir na quantificação da matéria colectável de um qualquer contribuinte por métodos indirectos;
11-A fiscalização fez tábua rasa do preceituado naqueles normativos legais, pois não explicou as razões porque optou pelo critério constante do relatório em detrimento dos previstos no art.º 90° da LGT;
12-Embora a letra da alínea a) do artigo 88.º da LGT não seja inequívoca, pois tanto permite sustentar que a condição nela ínsita - "quando não supridas no prazo legal” - se aplica a todas as situações nela previstas, como apenas às situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução, a interpretação mais abrangente é a que melhor se ajusta à natureza subsidiária, de ultima ratio, da avaliação indirecta (artigo 87.º, n.º 1 da LGT), atento a que o legislador prevê expressamente a notificação para regularização da situação tanto nas situações de inexistência de escrita como nas de atraso na execução desta e em ambos os casos "independentemente do procedimento para a aplicação da coima prevista nos números anteriores" (cfr. os artigos 120.º n.º 2 e 121.º, n.º 2 do RGIT);
13-Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado provido e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, com todas as legais consequências.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância deste primeiro recurso deduzido.
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2-O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, também deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto a sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Castelo Branco, exarada a fls.412 a 451 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação pela sociedade recorrente intentada, visando actos de liquidação de I.R.C., relativos aos anos fiscais de 2003 e 2004 e no montante total de € 59.862,87, na parte em que não obteve ganho de causa.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.504 a 514 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-É objecto do presente recurso a anulação parcial, pela douta sentença, da liquidação de IRC/2004 "'na parte relativa às correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos", estando em causa correcções à matéria tributável no montante de € 51.168,14;
2-Violação pela douta sentença do artigo 74/3 da LGT, do artigo 90/1 alíneas a) e h) também da LGT, e dos artigos 344/2, 349° e 350/ 1, todos do Código Civil;
3-Foi fundamentada a necessidade inelutável de aplicação de métodos indirectos para correcção da matéria tributável ao exercício de 2004;
4-Relativamente à determinação/quantificação da matéria tributável por métodos indirectos;
5-Foram tidos em conta os elementos ou critérios jurídicos constantes do artigo 90º da LGT, no que ora nos concerne, a alínea h) do nº 1 do artigo 90° da LGT - o preço de venda de mercado (preço unitário/litro, facturado à Cooperativa) nas omissões de vendas de produtos;
6-No concernente ao cálculo dos custos de produção e consequente errónea quantificação da variação de produção, tecendo embora considerações laterais, a impugnante aceita os mesmos, pelo que um dos elementos para cálculo da presumível matéria tributável omissa não é questionada;
7-Por outro lado, quanto ao valor de vendas omitidas, foi possível concluir (embora sempre com margem de erro, uma vez estar em causa uma omissão ostensiva de produtos vendidos), decorrendo os cálculos da análise e concatenação dos documentos constantes da contabilidade da impugnante, que a diferença entre a produção do ano, vendas efectuadas à cooperativa e existências finais, foi de 209.964 litros (389.501 - 34.881 - 144.656);
8-Recorrendo-se finalmente, em obediência à alínea h) do nº 1 do artigo 90° da LGT e tendo ainda e sempre em conta valores e documentos constantes da contabilidade da impugnante, no sentido de atribuir um valor às vendas omitidas de uvas e mosto no total de 209.964 litros, ao preço unitário/litro - 1,116€ -, facturado à A..., constante da factura nº 10, datada de 02/06/2005, a única venda de produtos dada a conhecer pela impugnante relativa àquele ano;
9-Sendo que, obtido o valor presumível de vendas omitidas (209.964 x 1,116€ = 234.319,82€), a este montante foi ainda subtraído o valor decorrente das correcções efectuadas da variação de produção (183.151,68€), chegando-se ao montante de 51.168,14€ de matéria tributável presumida;
10-Quanto ao presumível preço unitário/litro de 1,116€ atribuído às calculadas (e presumidas) vendas omitidas no total de 209.964 litros (ao qual foi depois subtraída a variação de produção corrigida), como salientado pela inspecção, as uvas entregues na Cooperativa pelo sujeito passivo, tituladas através da referida factura nº 10, destinaram-se à produção de mosto (vinho beneficiado e não beneficiado), logo, também o preço unitário/litro de 1,116€ se refere a mosto beneficiado e não beneficiado, uma vez que na factura não é atribuído preço unitário a cada tipo de mosto;
11-Na referida factura e respectivo anexo o que está em causa é, pois, a entrega de uvas destinadas à fabricação de mosto de vinho beneficiado e não beneficiado, não a entrega de mosto de vinho beneficiado e não beneficiado. Sendo que a valorização do total dos Kilos de uva entregues à cooperativa para a repartição entre mosto beneficiado e não beneficiado é levado a cabo por esta, tendo, na situação em apreço, a mesma atribuído um "beneficio de 68,4 do total ", ou seja, considerado como destinado a mosto de vinho beneficiado aquela percentagem de Kilos de uva entregues pela impugnante à cooperativa, sendo que a final, aquando do valor calculado a entregar à impugnante pela descarga de 47.565 Kilos de uva na cooperativa, esta calculou que com aqueles Kilos iria fazer 34.881 litros de vinho, sendo em relação a este valor que é calculado o preço unitário por litro (38.928,21€: 34.881 litros = 1,116€/litro), uma vez que, como salientado pela inspecção, na factura não é atribuído preço unitário a cada tipo de mosto;
12-Este valor não é, pois, imponderado, uma vez que é retirado da única venda conhecida daquele ano, venda de uvas onde é feito o cálculo do destino que lhes vai ser dado - para mosto de vinho beneficiado ou não - em cumprimento do "comunicado de vindima" do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto para o ano 2004, junto aos autos, nos termos do qual é estabelecida "a fixação anual da quantidade de mosto que deve ser beneficiado em cada ano, bem como dos ajustamentos ao rendimento máximo por hectare", não sendo atribuído na referida factura preço unitário a cada tipo de mosto;
13-E, também como salientado em sede de procedimento de inspecção, os vinhos de mesa (não beneficiados) da região demarcada do Douro, são vinhos com uma cotação de preços de mercado superior ao verificado noutras regiões. Por outro lado, o vinho do porto apenas vai adquirindo valor após alguns anos de envelhecimento (superior a 5 anos), pelo que se transaccionado no ano seguinte ao da produção, o preço praticado é aproximado ao dos vinhos de mesa da região demarcada do Douro;
14-Sendo que, a impugnante nunca deu a conhecer aos autos nem o destino das vendas omitidas, nem qualquer valor de venda por si ou pelo mercado atribuído, antes se refugiando no lançamento da confusão na interpretação a dar aos números constantes da factura em causa;
15-Deverá, pois, nesta parte, ser revogada a douta sentença;
16-No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela Fazenda;
17-Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância deste segundo recurso deduzido.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento dos recursos deduzidos (cfr.fls.524 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.414 a 430 dos autos - numeração nossa):
1-Em cumprimento da Ordem de Serviço nº …, a impugnante, “V..., Unipessoal, L.da.”, com o n.i.p.c. …, foi objecto de uma acção de fiscalização, em sede de IRC e IVA, extensiva aos exercícios de 2003 e 2004, realizada pelos serviços de inspecção da Direcção de Finanças de Coimbra, em virtude da contabilidade se encontrar centralizada na área fiscal de Coimbra (cfr.relatório de inspecção tributária junto a fls.1 a 9 do processo administrativo apenso);
2-Nos exercícios de 2003 e 2004 a impugnante dedicava-se à actividade de Viticultura, correspondente ao CAE - 001132 (cfr.relatório de inspecção tributária junto a fls.1 a 9 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.91 a 94 do processo administrativo apenso);
3-Em 31/12/2002, a ora impugnante registou na contabilidade a aquisição de mercadorias pelo preço de € 173,099,00, correspondente a 73.820 litros de “vinhos comuns” adquiridos à sociedade “J..., Lda”, tendo esta emitido a respectiva factura no ano de 2003 (cfr.documentos juntos a fls.58 e 59 do processo administrativo apenso);
4-No exercício de 2003, a impugnante declarou existências iniciais de mercadorias no valor de € 65.000,00 e existências finais de mercadorias de valor zero (cfr.documento junto a fls.65 do processo administrativo apenso);
5-No mesmo exercício de 2003, a impugnante não declarou vendas de mercadorias (cfr.relatório de inspecção tributária junto a fls.1 a 9 do processo administrativo apenso; facto admitido pela impugnante no artigo 66 da p.i.);
6-No exercício de 2004, a impugnante registou como custo, na conta de Fornecimentos e Serviços Externos, a aquisição de materiais de construção na importância de € 5.046,42 (cfr.relatório de inspecção tributária junto a fls.1 a 9 do processo administrativo apenso; facto admitido pela impugnante no artigo 98 da p.i.);
7-Os materiais de construção referidos no número anterior foram adquiridos para efectuar obras de reparação num pontão sobre um riacho, pertencente ao domínio público municipal, que permite o acesso comum aos terrenos explorados pela impugnante (cfr. depoimento das testemunhas J..., L... e A..., tudo conforme acta de inquirição junta a fls.207 a 209 dos autos, as quais demonstraram conhecimento directo dos factos, em virtude das funções que desempenharam para a impugnante, prestando depoimentos convincentes);
8-Com data de 2/06/2005, a impugnante facturou à A... a venda de 34.884 litros de mosto de vinho da colheita de 2004, dos quais 11.011 litros correspondem a mosto de vinho beneficiado - valorizado ao preço de 35.399,87€ - e 23.970 litros correspondem a mosto de vinho não beneficiado - valorizado ao preço de 3.528,34€ - tudo num preço total de 38.928,41€, acrescido de IVA (cfr.documento junto a fls.81 e 82 do processo administrativo apenso);
9-No âmbito da inspecção tributária os serviços de inspecção tiveram acesso a um mapa elaborado pela impugnante, segundo o qual, da produção de uvas do ano de 2003 transitaram em existências finais o valor correspondente a 35.468 litros de vinho (cfr. anexo III do projecto de relatório de inspecção tributária junto a fls.29 do processo administrativo apenso);
10-De acordo com o mapa mencionado no número anterior, no ano de 2004 a impugnante produziu uvas correspondentes a 389.501 litros de vinho - dos quais 175.683 litros correspondem a vinho do porto e 213.818 litros a vinho de mesa - tendo a impugnante vendido uvas correspondentes a 244.845 litros de vinho - dos quais 31.027 litros correspondem a vinho do porto e 213.818 litros a vinho de mesa – tendo obtido um saldo de existências finais correspondente a 144.656 litros de vinho do porto (cfr. anexo III do projecto de relatório de inspecção tributária junto a fls.29 do processo administrativo apenso);
11-Por termo de declarações prestado perante os serviços de inspecção, em 9/03/2007, a sócia gerente da impugnante declarou que o número de litros de vinho produzido em 2004 foi de 389.501 e que em 31/12/2004 transitaram em “stock” 144.656 litros [cfr.anexo I do projecto de relatório de inspecção tributária junto a fls.26 do processo administrativo apenso);
12-Em 23/04/2007, os serviços de inspecção elaboraram o projecto de relatório de inspecção tributária, constante de fls.12 a 25 do processo administrativo apenso, integrado pelos anexos I a V, de fls.26 a 31 do PA apenso, tudo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
13-Através do ofício nº … de 24 de Abril de 2007, a ora impugnante foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária e para, querendo, exercer o seu direito de audição (cfr.documento junto a fls.49 dos presentes autos);
14-A impugnante exerceu o seu direito de audição com os fundamentos constantes do instrumento de fls.70 a 87 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
15-Em 18/05/2007 foi elaborado o relatório final da inspecção tributária, constante de fls.1 a 9 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
16-Em resultado das conclusões da acção inspectiva foram efectuadas, em sede de I.R.C., correcções de natureza aritmética nos montantes de € 453,77 e de € 51.398,87, respectivamente, para os exercícios de 2003 e 2004, e correcções com recurso a métodos indirectos nos montantes de € 110.962,08 e de € 51.168,14, respectivamente, para os exercícios de 2003 e 2004 (cfr.relatório de inspecção tributária junto a fls.1 a 9 do processo administrativo apenso);
17-Do capítulo III do relatório final de inspecção tributária, “Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas”, pode ler-se o seguinte (cfr.fls.3 e verso do processo administrativo apenso):
“(…)
III. 2 – Ano de 2004
Custos indevidamente contabilizados em F.S.E. (Fornecimentos e serviços externos) uma vez que se trata de bens do imobilizado.
Foi considerado como custo do exercício a aquisição de materiais de construção (blocos, cimento e outros) na importância de 5.046,42 €, destinados a obras de beneficiação.
Estas aquisições, são de considerar bens do activo imobilizado, pelo que apenas será de aceitar como custo em cada exercício, a respectiva taxa de amortização prevista na tabela anexa ao Decreto Regulamentar 2/90 de 12 de Janeiro.

Custos considerados indevidamente na conta 6229911 (F.S.E.)F.S.Externos
Aquisição de materiais de construção
5.046,42
Valor da correcção na conta de Fornec. Servo Externos
5.046,42

Direitos de replantação
No ano de 2004 foram registados na conta 2721 (custos diferidos), custos a diferir relacionados com a aquisição de direitos de plantação no montante de 73.900,82, que foram diferidos por um período de 3 anos, tendo sido considerada uma taxa de amortização de 33,33%, no montante de 24.633,36 €, no ano de 2004.
Contudo, foram verificadas diversas irregularidades na respectiva contabilização, a saber:
Em relação ao documento nº 5 de 31/03/03, trata-se de uma declaração de cedência de direitos de replantação emitida em Março de 2001, cujo pagamento da 1ª prestação de 7.482,00 € (1.500.000$00), ocorreu em 2001, no entanto, apenas foi contabilizada na conta 2721 em 2004, contrariando assim o princípio da especialização dos exercício. O referido custo deveria ter sido diferido nos exercícios de 2001, 2002 e 2003.
Por outro lado, segundo declarações prestadas pela sócia gerente (anexo I), a liquidação da 2ª parcela e última prestação a que se refere a declaração de venda no montante de 5.872,00 € (1.177.200$00) foi efectuada com a cedência de uvas da colheita do ano de 2004, entregues na Adega em nome do cedente, A.... Conclui-se assim que a cedência de uvas a título de pagamento dos direitos de replantação configuram uma venda de produtos, que foi omitida à contabilidade, de que resultou também a falta de liquidação de IVA.
Relativamente aos direitos de replantação titulados com o documento nº 5 de 31/01/04, registados no montante de 15.547,00 €, foi contabilizado em duplicado com o doc nº 4 de Novembro, (ambas as declarações identificam o mesmo cedente - V... e referem-se às mesmas parcelas).
Quanto às restantes declarações de direitos de replantação, foram exibidos os respectivos meios de pagamento (cópias de cheques e extractos bancários).
Valor dos custos de direitos de replantação a considerar no ano de 2004
5.872,00 (1.177.200$00) +30.000,00 + 15.000,00) = 50.872,00 €
Valor a amortizar - 16.957,00 € (50.872,00 x 33,33%)

Correcções na rubrica de amortizações

RubricasValores
Amortizações contabilizadas (direitos de replantação)
24.633,36
Amortizações aceites (aquisição dos direitos de replantação)
(16.957,00)
Outras amortizações aceites - construção de muros - (5.046,42 x 5%)
(252,32)
Total das amortizações não aceites
7.424,04

O Sujeito Passivo, com referência à produção do ano de 2004, entregou uvas na Cooperativa no mês de Outubro de 2004 no valor de 38.928,41 €, que só facturou em Julho de 2005. Dado que se trata de uvas da campanha de 2004 (conforme guias de entrega à Cooperativa, datadas de Outubro de 2004, em relação anexa à factura), não foi respeitado o princípio da especialização do exercício (periodização do lucro tributável previsto no artº 18° do CIRC).
Resumo das correcções de natureza aritmética
Ano de 2003

RubricasValor
Seguro da viatura 27-..-SN
453,77

Ano de 2004

RubricasValor
Bens do imobilizado registados em F.S.E
5.046,42
Amortizações não aceites
7.424,04
Vendas do ano de 2004
38.928,41
Total das correcções
51.398,87

(…)”;
18-Do capítulo IV do relatório final de inspecção tributária, “Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”, pode ler-se, designadamente, o seguinte (cfr.fls. 4 a 5 do processo administrativo apenso):
“(…)
Ano de 2003 (vendas/variação de produção)
No ano de 2003, foi declarada variação de “stocks” nula (0), contudo transitaram em existências 35.468 litros de vinho (produção do ano), conforme adiante se evidencia.

Ano de 2004 (Vendas/Variação de produção)
Quanto ao ano de 2004, apesar da firma ter efectuado vendas de uvas à Adega Cooperativa, em 2004 (campanha do ano de 2004), no montante de 38.928,41 €, foi considerada em existências finais a totalidade da produção do ano de 389.501 litros, valorizados no montante de 308.279,12 (anexo II).
A referida situação deve-se ao facto da factura no valor de 38.928,41€, apenas ter sido emitida e contabilizada em Julho de 2005, contudo, refere-se a uvas da campanha de 2004 (conforme guias de entrega à Cooperativa, datadas de Outubro de 2004, em relação anexa à factura). Desta forma não foi respeitado o princípio da especialização dos exercícios (periodização do lucro tributável previsto no artº 18º do CIRC).
De conformidade com o mapa de apuramento de custos de produção (totais e unitários), constata-se que o nº de litros produzidos em 2004 (conforme mapa constante da contabilidade, e auto de declarações da sócia da firma – C...), foram 389.501 litros.
Em termos de existências finais de produtos acabados, transitaram em “stock” 144.656 litros (conforme auto de declarações do Sujeito Passivo (anexo I) e declarações entregue na delegação da Casa do Douro (anexo III), donde se conclui que foram vendidos 244.845 L, ou seja a diferença (389.501 – 144.656).
Desta forma, considerando que as uvas vendidas à Adega Cooperativa corresponderam a 34.881 litros (conforme relação das guias em anexo à factura nº 10) e que a produção do ano foi de 389.501 litros de mosto de vinho, conclui-se que foram omitidas vendas de 209.964 L (389.501 – 34.881 – 144.656).
Tendo em conta que uma parte dos litros de vinho omitidos correspondem à cedência de uvas a título de pagamento da última prestação dos direitos de replantação ao cedente A..., subsistem omissões de vendas.
De salientar que o aumento do “stock” de vinhos no ano de 2004 (acréscimo de 144.656 litros), deve-se ao facto da firma ter efectuado investimentos na ampliação e reconstrução da adega, tendo também adquirido diverso equipamento vitivinícola, bem como o licenciamento/alvará, para a fabricação de vinhos em instalações próprias, pelo que, a partir da colheita do ano de 2004, inclusive passou transformar a quase totalidade das uvas (fabricação do vinho) em instalações da firma. De referir ainda que, relativamente à colheita e produção do ano de 2004, apenas foram vendidas (facturadas em 2005) uma pequena parcela da produção, correspondente a 34.881 litros.
(…)
Face à análise desenvolvida, conclui-se inequivocamente que em ambos os exercícios analisados foram praticadas irregularidades de que resultaram omissões de proveitos e que o resultado efectivamente obtido é diferente do declarado, nomeadamente pelos seguintes factos:
» Constatação de omissões de vendas;
» Irregularidades verificadas no cálculo da variação da produção;
» Saldo da conta de terceiros (outros devedores e credores – Sócia C...), que evidencia irregularidades em termos de movimentos efectuados nesta rubrica. Os recebimentos de clientes (Adega Cooperativa), bem como alguns pagamentos a fornecedores, são efectuados através da conta particular da sócia. Periodicamente, são efectuadas transferências da conta particular da sócia para a conta de depósitos à ordem da sociedade, sempre que esta evidencia saldo credor.
Nestes termos, face à impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, encontram-se reunidos os pressupostos para se proceder à avaliação indirecta nos termos da al. b) artº 87 e al. a) do artº 88º ambos da LGT.
(…)”;
19-Do capítulo V do relatório final de inspecção tributária, “Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos”, pode ler-se o seguinte (cfr.fls.5 a 7 do processo administrativo apenso):
“(…)
Cálculo dos proveitos omitidos.
Para a determinação da matéria tributável por aplicação de métodos indirectos nos termos do artº 90 da LGT, foram utilizados os seguintes critérios:
Procedeu-se à determinação dos custos de produção de cada um dos exercícios, para efeito de apuramento do respectivo custo unitário e consequente cálculo da variação da produção à data de 31/12 de cada ano.
Determinação do volume de vendas omitidas em 2003 e 2004, aplicando ao nº de litros omitidos o respectivo preço de venda/litro.
Determinação dos custos de produção e respectivo valor unitário

Rubricas
2003
2004
Custo das mat. primas consumidas.
7.303,00
55.040,30
F.S. Externos
124.803,31
120.266,98
Impostos e taxas do Instituto dos Vinhos Douro e Porto
814,50
4.148,23
Custos c/ pessoal (Produção)
47.686,20
57.048,16
Outros Custos Operacionais
5.146,00
3.838,44
Amortizações do exercício (sector produtivo)
61.787,53
90.542,43
Encargos financeiros (investimento no sector produtivo)
8.412,30
6.242,55
Total dos custos
255.952,84
337.127,09
Nº de litros produzidos
264.723
389.501
Custo/unitário
0,966
0,865

V.1 – Ano de 2003
Cálculo da variação da produção
Da produção de 2003 foram vendidas à Cooperativa uvas correspondentes a 229.255 litros (mosto de vinho) e transitaram em stock 35.468 litros.
De referir que o S. Passivo para efeito de cálculo da variação da produção considerou como vendidas a totalidade da produção (variação nula), contudo, da produção do ano transitaram em “stock” 35.468 litros (conforme declaração de existências da produção do ano entregue na delegação da Casa do Douro e mapa elaborado pelo S. Passivo (anexo IV).
Nestes termos, dado que a variação de produção declarado foi nula (0), resulta uma correcção positiva na variação da produção.
Assim, a produção total foi de 264.723 litros (229.255 + 35.468)
Desta forma, partindo do custo unitário de produção determinado no quadro supra de 0,966 €/L, vai ser apurada a valorização dos produtos que transitaram em stock no final do ano, originando assim uma variação positiva de 34.468,08 € (35.468 L x 0.966 €), na medida em que a variação declarada foi nula (existências iniciais = existências finais = 598.599,68).
Existência final de P.A = 632.861,76 € (598.599,68 + 34.262,08)

Variação de produção do ano de 2003
DeclaradosCorrecçõesVal corrigidos
Exist. Finais de P.A
598.599,68
34.262,08
632.861,76
Exist. Iniciais de P.A
598.599,68
0
598.599,68
Variação
0
34.262,08
34.262,08

Omissões de vendas em 2003
Neste exercício não foram declaradas vendas de mercadorias (vinhos comuns), contudo, também não transitaram em stock no final do ano quaisquer valor em existências finais.
Refira-se que o Sujeito Passivo em 2002 adquiriu à firma J... Unipessoal, Ldª 73.820 litros de “vinhos comuns” no montante de 173.900,00 € (anexo V), tendo transitado em existências no final do ano (conta 3221), vinhos no valor de 65.000,00 €.

Ano de 2003
Existência inicial
65.000,00 €
Existência final
0,00€
Consumo
65.000,00 €

Dado que no ano de 2003 não foram facturadas, nem registadas quaisquer vendas de “vinhos comuns”, (apenas foram facturadas e declaradas vendas de uvas, com a designação de mosto de vinho) e também não foram declarados em existências finais, vão presumir-se como vendidos.
Face à inexistência de outros indicadores na contabilidade em termos de margens, vai considerar-se no cálculo das vendas a margem de lucro bruto s/custo das mercadorias vendidas de 18%, de conformidade com o rácio do sector a nível nacional (comércio de bebidas alcoólicas) extraído do sistema da base de dados da DGCI (Inspecção Tributária).
Omissões de vendas de vinhos comuns = 65.000,00 x 1,18 = 76.700,00

V.2 – Ano de 2004
Neste exercício, dado que a produção do ano foi de 389.501 litros e que transitaram em “stock” 144.656 litros, conclui-se que da produção do ano foram vendidas uvas ou mosto de uvas equivalente a 244.845 litros (389.501 – 144.656).
Cálculo da variação da produção do ano de 2004
Valorização das existências finais da produção do ano = 125.127,44 (144.656 L x 0.865€).
O Sujeito Passivo considerou como existências finais de produtos acabados o valor de 906.878,80 €, sendo 598.599,68 € de existências iniciais, acrescido de 308.279,12 € de produção do ano (anexo I).
No entanto, de referir que o valor das existências finais declaradas não está correcto, pelo facto do Sujeito Passivo ter considerado como variação da produção o valor de 308.279,12 € (ou seja, a totalidade da produção do ano), contudo, dado que foram efectuadas vendas da produção do ano, a valorização das existências finais agora apurada é de 125.127,44 €, resultando assim um redução da variação de produção de 183.151,68 €, como a seguir se calcula:
Cálculo da correcção da variação de produção do ano de 2004

Variação de produçãoValores
Variação da produção ano declarada
308.279,12
Variação da produção ano (corrigida)
125.127,44
Correcção
183.151,68

Nota - O Sujeito Passivo considerou como variação de produção a totalidade dos custos de produção do ano, dado que declarou como não vendida toda a produção do ano. A variação de produção agora corrigida resultou do facto de terem sido apuradas omissões de vendas, de parte da produção do próprio ano, originando assim uma variação de produção negativa. Nestes termos, foi declarada uma variação positiva de 308.279,12 €, que foi corrigida para 125.127,44 €, dado que uma parte da produção foi vendida.
Assim sendo a valorização das existências finais de 2004 é 757.989,20 € conforme quadro seguinte:

Produtos acabadosValores
Existências inicias P.A (finais de 2003 corrigidas)
632.861,76
Valorização das existências finais da produção do ano (corrigidas)
125.127,44
Existências finais P.A (corrigidas)
757.989,20

- Vendas omitidas
Tendo em conta que a produção vendida foi de 244.845 litros e apenas foram declaradas vendas de 34.881 litros, presume-se que foram omitidos 209.964 litros

DescriçãoQuantidades (L)
Cedência de uvas a A...
5.261
Outras vendas omitidas
204.703
Totais
209.964

- Cedência/venda de uvas = 5.872,00 € (5.261 litros x 1,116 €).
O montante em dívida de 5.872,00 é o correspondente a 5.261 litros ao preço unitário de 1.116€.
De referir que o preço de venda unitário de 1,116 € foi determinado a partir da quantidade e valor das uvas (mosto de vinho) vendidas à Cooperativa através da factura nº … emitida em julho de 2005 (38.928,21 €: 34.881 litros), sendo o preço/litro atribuído na cedência de uvas idêntico ao subjacente na referida factura.
Relativamente às restantes omissões de uvas/mosto de vinho foi também considerado preço de venda idêntico ao indicado na referida factura de venda à Cooperativa.
Valor das vendas omitidas = 228.448,54 € (204.703 litros x 1.116 €).

Resumo das omissões de vendas
DesignaçãoN° litrosPreç/litroValor
Cedência/vendas (litros de mosto de uvas)
5.261
1,116
5.871,28
Vendas omitidas (litros de mosto de uvas)
204.703
1,116
228.448,54
Total das vendas omitidas (quantidade e valor)
209.964
-
234.319,82

V.3 - Correcções em sede de IRC

Designação20032004
Correc. natureza aritmética (nº III.3)
453,77
51.398,87
Métodos indirectos -omissões de vendas (nº V.1/2)
76.700,00
234.319,82
Correcções da variação de produção (nº V.1 e V.2)
34.262,08
(183.151,68)
Total das correcções
111.415,85
102.567,01

Apuramento do lucro tributável corrigido
Rubricas20032004
Lucro tributável declarado
100.601,84
32.560,41
Correcções
111.415,85
102.567,01
Lucro Tributável corrigido
212.017,69
135.127,42
(…)”;
20-Do capítulo IX do relatório final de inspecção tributária, “Direito de audição”, pode ler-se o seguinte (cfr.fls.7-verso a 9 do processo administrativo apenso):
“(…)
Foi remetida em 24 de Abril de 2007, notificação nos termos do artº 60° da Lei Geral Tributária e artº 60º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária.
O Sujeito Passivo veio a exercer o direito de audição através de carta recebida na Direcção de Finanças em 07/05/08 (registo de entrada nº 10395), sendo os factos relevantes descritos na petição, analisados da forma seguinte:
1- Refere que as normas aplicadas para a tributação por métodos indirectos são inadequadas face à situação de facto ocorrida e não foi explicitado o modo de ponderação dos factores que influenciaram a determinação dos valores apurados.
Os factos considerados para a tributação por métodos indirectos, foram os referidos na alínea b) artº 87° e alínea a) artº 88° da LGT, decorrente da impossibilidade de comprovação e quantificação directa dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, face à insuficiência dos elementos da contabilidade. No relatório foram efectivamente descritos os pressupostos para a determinação da matéria tributável por avaliação indirecta, nomeadamente inexactidões verificadas no cálculo dos custos de produção e consequente errónea quantificação da variação de produção, bem como a verificação de elementos contabilísticos que reflectem omissões de proveitos, referentes a venda de mercadorias em 2003 e de produtos em 2004 (uvas e mosto).
2- Relativamente à quantificação da matéria tributável, foram tidos em conta os elementos constantes do artº 90° da LGT (alíneas a) e h) nº 1), nomeadamente margens médias de lucro (margens do sector) nas omissões de vendas de mercadorias e o preço de venda de mercado (preço unitário/litro, facturado à Cooperativa) nas omissões de vendas de produtos (alíneas a) e h) nº 1 da referida disposição legal).
3- Refere que efectivamente foram produzidos 389.501 litros de vinho mosto, contudo a empresa não pode exceder uma produção de 5.500 litros/hectare na zona do Douro, não sendo possível comercializar o excedente.
Efectivamente a produção de vinho, denominado “vinho do Porto”, é controlada pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto. Contudo, o vinho excedente, é comercializado na totalidade como vinho comum "região demarcada dos vinhos do Douro", não havendo qualquer limite na sua produção e comercialização.
4- Que o excedente que se destinava a ser comercializado, foi dado como forma de pagamento da 2ª tranche da aquisição dos direitos de replantação, a A....
-Tal afirmação não corresponde à realidade, porquanto foi declarado pela sócia gerente, através de auto de declarações, que para liquidação dos direitos de replantação, apenas foram cedidas parte das uvas da colheita do ano, de valor correspondente ao da prestação em dívida. Recorde-se que a diferença, entre a produção do ano, vendas efectuadas a cooperativa e existências finais, foi de 209.964 litros (389.501 - 34.881 -144.656). Nestas circunstâncias, segundo o alegado em sede de direito de audição, as uvas cedidas a A..., corresponderiam a um preço de venda unitário (litro) de 3 cêntimos (5.872,00 €: 209.964 litros).
Contudo o custo de produção também unitário foi de 86 cêntimos (337.127,00 €: 389.501 litros).
Considerando o preço unitário (de mercado) de 1,116 € subjacente à factura nº 10 emitida em 05/06/02, referente à produção de 2004 (conforme quantidades constantes da relação das guias de entrega anexa à factura) as uvas cedidas correspondem apenas a 5.261 litros (5.872,00 €: 1,116 €).
De notar ainda que as uvas entregues na Cooperativa pelo Sujeito Passivo, tituladas através da referida factura nº 10, destinaram-se à produção de mosto (vinho beneficiado e não beneficiado), logo, também o preço unitário/litro de 1,116 €, se refere a mosto beneficiado e não beneficiado, uma vez que na factura não é atribuído preço unitário a cada tipo de mosto. Conclui-se assim, sem margem de dúvida, que foram efectivamente omitidas vendas de uvas ou mosto de vinho de aproximadamente 210.000 litros. Nas omissões verificadas, estão subjacentes as omissões de vendas a A..., bem como outras vendas efectuadas a outros Viticultores, para produção própria, ou para entrega em Cooperativas em nome próprio.
5- Refere que os proveitos extraordinários - subsídios à produção e proveitos financeiros, advém da produção, pelo que foram correctamente imputados ao cálculo da produção.
-De salientar que os custos de produção, são apenas os custos directamente relacionados com o processo produtivo, incluindo apenas os custos financeiros imputáveis à produção. Contudo, admitindo que os proveitos extraordinários seriam abatidos para o cálculo da produção, os montantes considerados, nos anos de 2003 e 2004, foram respectivamente 77.757,00 € e 33.209,00 €, enquanto que os valores contabilizados naquela rubrica no ano de 2003, foram apenas 25.940,69 €.
6- Que em relação a vinhos comuns, não obstante constar da contabilidade a existência de “vinhos comuns” na conta 32.2, tal facto deve-se a um lapso, dado que a empresa não estava autorizada a comercializar vinhos, contestando também o rácio utilizado, alegando que a actividade da empresa não se coaduna com o rácio aplicado.
-De referir que a actividade exercida pelo S. Passivo é "vitivinicultura" que consiste na produção e comercialização de produtos vitivinícolas (uvas, mosto ou vinho). Conforme é referido no relatório, a compra de vinhos comuns à empresa J... Unipessoal, Ldª”, no montante de 173.099,00 €, encontra-se titulada através do documento interno nº 9 de 31/12/02, com a designação de "valor referente a mercadorias adquiridas a J... - Compras de vinhos comuns", dos quais transitaram em “stock” em 31/12/02, 65.000,00 €. As vendas de mercadorias apuradas em falta, foram correctamente presumidos como vendidos em 2003, na medida em que não foram declaradas quaisquer existências no final do ano. Quanto ao valor estabelecido na venda e na falta de outros indicadores, foi considerado o rácio de margem de lucro bruto do sector "comércio de bebidas alcoólicas, retirado da base de dados da DGCI (mediana do sector, apurada com base nos valores declarados pelo universo dos Sujeitos Passivo daquele ramo de actividade).
7- Refere ainda que o valor de 1,116 € encontrado pela fiscalização é imponderado, não respeitando a existência de mosto de vinho beneficiado e não beneficiado.
-O preço unitário (litro) de vinho de mosto considerado no cálculo das vendas omitidas, foi encontrado tendo por base o valor constante da factura n° 10 de 05/06/02 (produção de 2004), comportando a referida factura a venda de uvas destinadas à fabricação de mosto de vinho beneficiado e não beneficiado. Nestas circunstâncias, dado que na produção total de 389.501 litros, as vendas facturadas provenientes da colheita de 2004, foram apenas 34.881 litros (mosto de vinho beneficiado e não beneficiado), nas vendas omitidas, estão também subjacentes omissões de uvas que se destinaram à fabricação de vinho mosto beneficiado e não beneficiado, razão pela qual foi considerado preço de venda, idêntico ao facturado à Cooperativa.
Aliás de salientar que os vinhos de mesa (não beneficiados) da região demarcada do Douro, são vinhos com uma cotação de preços de mercado superior ao verificado noutras regiões. Por outro lado o vinho do porto apenas vai adquirindo valor após alguns anos de envelhecimento (superior a 5 anos), pelo que se transaccionado no ano seguinte ao da produção, o preço praticado é aproximado ao dos vinhos de mesa da região demarcada do Douro.
8- Amortizações não aceites - Quanto ao montante de 13.353,82 €, (aquisição de direitos de replantação), a compra foi concretizada em 2001, pelo que apenas é permitido ao Sujeito Passivo efectuar as amortizações no ano de 2001 e nos 2 exercícios seguintes, logo as amortizadas deferidas e contabilizadas como custo no ano de 2004, não são aceites, uma vez que não foi respeitado o princípio da especialização dos exercícios.
9- Quanto às vendas facturadas em 2005 no montante de 38.928,21€, a situação é idêntica à referenciada no ponto anterior, pois trata-se de vendas efectivamente realizadas em 2004. As uvas foram entregues na Cooperativa em Outubro de 2004 (guias de transporte datadas de 18 a 22 de Outubro de 2004), pelo que da conjugação do nº 1 al. a) art. 7º e nº 1 do artº 35º, ambos do CIVA, a factura deveria ter sido emitida nos 5 dias úteis seguintes, à data em que os produtos foram postos à disposição da Cooperativa, sendo assim de considerar como proveitos do ano de 2004.
Nestes termos, conclui-se que os factos invocados pelo Sujeito Passivo não tem qualquer fundamento, pelo que será de manter os valores apurados com recurso a métodos indirectos bem como em relação às correcções técnicas descritas no projecto de relatório.
Nota: Não se juntam os anexos referenciados no relatório, uma vez que foram remetidos ao Sujeito Passivo, conjuntamente com o projecto de relatório.
(…)”;
21-Em 01/06/2007, após parecer concordante da Chefe de Divisão, o Director de Finanças da Guarda proferiu despacho de sancionamento do relatório de inspecção (cfr. documento junto a fls.31 dos presentes autos);
22-Por ofício de 01/06/2007 da Direcção de Finanças da Guarda, a ora impugnante foi notificada do relatório de inspecção tributária e da fixação da matéria tributável por métodos indirectos (cfr.documento junto a fls.29 e 30 dos presentes autos);
23-A impugnante apresentou pedido de revisão da matéria colectável contra a fixação do lucro tributável por métodos indirectos, com os fundamentos constantes de fls.91 a 108-verso dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
24-Em 1/08/2007 reuniu a Comissão de Revisão e não tendo sido possível o acordo entre o perito da Fazenda Pública e o perito designado pela impugnante foram anexados à acta os respectivos laudos (cfr.documentos juntos a fls.115 a 120 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
25-Em 8/08/2007, o Director de Finanças da Guarda manteve a matéria tributável fixada através de despacho de fls.111 a 114 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual se destaca o seguinte: “…Analisado o teor de todo o relatório elaborado, concluo que está fundamentada a proposta de aplicação de métodos indirectos face às irregularidades contabilísticas detectadas e pormenorizadamente descritas e analisadas. A quantificação a que se procedeu, devidamente explanada e com indicação dos critérios seguidos apresenta-se como o resultado coerente dos pressupostos objectivos indicados e dos valores unitários apurados…”;
26-A impugnante foi notificada para proceder ao pagamento da quantia de € 31.883,62, referente à liquidação adicional de I.R.C. do exercício de 2003, com data limite de pagamento em 12/12/2007 (cfr.documento junto a fls.125 dos presentes autos);
27-A impugnante foi notificada para proceder ao pagamento da quantia de € 27.979,25, referente à liquidação adicional de I.R.C. do exercício de 2004, com data limite de pagamento em 26/11/2007 (cfr.documento junto a fls.126 dos presentes autos);
28-Relativamente ao exercício de 2005, a impugnante declarou perante a Administração Tributária vendas à A..., no montante total de € 106.139,00, entre as quais a venda relativa à factura mencionada no número 8 supra (cfr.documentos juntos a fls.371 a 374, 383 e 391 a 400 dos presentes autos);
29-Com base na declaração modelo 22, relativa a 2005, apresentada pela impugnante foi, em 13/07/2006, emitida a liquidação de I.R.C. nº …, no montante a pagar de € 16.895,24 (cfr.documento junto a fls.370 dos presentes autos);
30-Na sequência da inspecção tributária, a Administração Tributária não procedeu a qualquer correcção relativamente ao exercício de 2005 (cfr.teor do ofício junto a fls.368 e 369 dos presentes autos);
31-A presente impugnação foi remetida ao Tribunal, por correio, em 15/01/2008 (cfr.data de registo constante de fls.127 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na posição assumida pelas partes, na prova documental junta aos autos e ao processo administrativo apenso e na prova testemunhal produzida, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar parcialmente procedente a impugnação, mais determinando, em consequência:
1-Manter a liquidação de I.R.C. do exercício de 2003;
2-Anular a liquidação de I.R.C. do exercício de 2004:
a) na parte relativa às correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos, devido a excesso de quantificação (cfr.nº.19 do probatório);
b) no segmento relativo à correcção técnica positiva no montante de € 5.046,42 referente à conta de fornecimentos e serviços externos e, bem assim, na correlativa correcção negativa no montante de € 252,32, efectuada na rubrica de amortizações (cfr.nº.17 do probatório);
c) na parte relativa à correcção técnica no montante de € 38.928,41 (cfr.nºs.8 e 19 do probatório);
d) mantendo-se as demais correcções efectuadas;
3-Absolver a Fazenda Pública do pedido indemnizatório, resultante da prestação de garantia indevida.
X
Em primeiro lugar, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Levando em consideração, segundo um prudente critério, a tutela mais eficaz dos interesses em presença no âmbito do presente processo, deve concluir-se pela apreciação dos recursos com base numa regra meramente cronológica, visto visarem partes distintas da decisão do Tribunal “a quo”, assim se começando por examinar e decidir a apelação apresentada pela sociedade impugnante (cfr.artº.124, do C.P.P. Tributário).
X
1-Aduz a recorrente “V..., Unipessoal, L.da.”, em síntese, que é insuficiente a fundamentação utilizada pela A. Fiscal na medida em que não se encontram justificadas as razões pelas quais a mesma adoptou os critérios de quantificação que seguiu, mais havendo uma total omissão relativamente à eleição dos factores, à sua obtenção e ao modo de ponderação, que foram eleitos para quantificar indiciariamente o rendimento. Que a improcedência do alegado não deixará de acarretar, em consequência da injunção constitucional tipificada no artº.268, nº.3, a aplicação de norma eivada de inconstitucionalidade, qual seja a do artº.77, nºs.1 e 4, da L.G.T., interpretada no sentido de que, no caso da avaliação indirecta do rendimento, a fundamentação pode consubstanciar-se num discurso de cariz técnico e inacessível/imperceptível a um destinatário normal. Que o Tribunal “a quo” erra ao considerar que o artº.90, da L.G.T., não oferece à A. Tributária uma lista taxativa de critérios que esta é obrigada a seguir na quantificação da matéria colectável de um qualquer contribuinte por métodos indirectos. Que a Fazenda Pública fez tábua rasa do preceituado naquele normativo legal, pois não explicou as razões porque optou pelo critério constante do relatório em detrimento dos previstos no citado artº.90, da L.G.T. (cfr.conclusões 1 a 12 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão do Tribunal "a quo" padece de tal vício.
Desde logo, se dirá que não tem razão o apelante no que se refere à natureza taxativa da enumeração constante do artº.90, nº.1, da L.G.T., conclusão que se retira do exame do próprio corpo do preceito, ao estabelecer que “...a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os seguintes elementos:”, após o que remete para as diversas alíneas constantes do artigo, neste sentido se confirmando a decisão recorrida, quanto à natureza não taxativa/meramente exemplificativa da enumeração constante do mesmo normativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/9/2011, rec.537/11; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.954; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.378 e seg.).
Avancemos.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.3216/09; artº.72, da L.G.T.).
A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Mais se dirá que a avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que é mester recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.201 e seg.).
A tributação por métodos indirectos não só não constitui o meio normal, como a possibilidade do seu uso está restringida aos casos em que a lei expressamente a admite, verificados que estejam determinados pressupostos (cfr.artºs.81, nº.1, 87 e 88, da L. G. Tributária). O que vale por dizer que nem a Fazenda Pública, nem o contribuinte, podem, de seu livre alvedrio, optar pela tributação indiciária, ainda que aquela cuide assim arrecadar receita maior, ou este acredite furtar-se a uma tributação mais pesada. Por outras palavras, o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável. Em suma, o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; ac.T.C.A.Sul, 15/5/2012, proc.2956/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.303).
O recurso ao método indirecto está legitimado por força do princípio da capacidade contributiva que só se respeita fielmente quando se mede directamente a matéria tributável e sendo, por isso, uma faculdade da A. Fiscal (cfr.artº.82, nº.2, da L.G.T.) no exercício do seu poder/dever de liquidar impostos quando, comprovadamente, demonstre não poder, por via directa, calcular o rendimento tributável/matéria colectável do sujeito passivo em causa.
As situações em que a matéria colectável é fixada por métodos indirectos são as taxativamente indicadas no actual artº.87, da L.G.Tributária. Subjacente a todas elas encontra-se uma de duas situações: ou a inexistência de elementos de escrituração ou a sua não idoneidade para comprovarem o lucro revelado pela escrita do contribuinte. De notar a preocupação do legislador em objectivar as aludidas situações, por forma a evitar valorações subjectivas por parte da A. Fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.7546/14).
Revertendo ao caso dos autos, se bem percebemos, o impugnante/recorrente questiona a fundamentação da decisão de quantificação do rendimento tributável por métodos indirectos, estruturada pelo Director de Finanças da Guarda em sede de pedido de revisão da matéria colectável (cfr.nºs.23 e 25 do probatório). Por outro lado, somente a quantificação da matéria colectável por métodos indirectos e relativa ao ano de 2003 é objecto do presente recurso, visto que o apelante obteve ganho de causa, neste segmento e quanto ao ano fiscal de 2004, tudo conforme supra se mencionou.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, al.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo, então em vigor).
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. Edição, 2012, pág.675 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).
Especificamente quanto à fundamentação da decisão de aplicação de métodos indirectos, deve levar-se em consideração o disposto no artº.77, nº.4, da L.G.T. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15).
"In casu", a fundamentação da quantificação da matéria coectável do recorrente, através de métodos indirectos e relativa ao ano de 2003, encontra-se devidamente explicitada no relatório de inspecção em termos que se afiguram claros, congruentes e suficientes, permitindo ao impugnante/recorrente apreender o “iter" cognoscitivo seguido pela Fazenda Pública no relatório de inspecção, fundamentação essa de que se apropriou o Director de Finanças da Guarda em sede de pedido de revisão da matéria colectável (cfr.nºs.19 e 25 do probatório).
Por outras palavras, do relatório de inspecção constam claramente os elementos e critérios utilizados, as razões porque se escolheram os critérios adoptados e a indicação pormenorizada dos cálculos efectuados, donde se conclui que, um destinatário médio colocado na concreta posição do apelante, consegue apreender o itinerário percorrido pelo autor do acto e os motivos que o determinaram a actuar como actuou. Motivos que o recorrente bem compreendeu, apesar de não os aceitar, conforme se alcança da circunstância de os ter reproduzido, desde logo, no articulado inicial deste processo.
Deste modo, não há dúvida de que o recorrente ficou a conhecer os motivos em que o Director de Finanças se fundou para, decidindo o pedido de revisão da matéria tributável, a ter quantificado naqueles concretos montantes.
Mas concretizando, no que se refere ao ano fiscal de 2003, a Fazenda Pública aplicou dois critérios na quantificação da matéria colectável por métodos indirectos, tudo conforme já consta da decisão recorrida:
“1-Em relação à quantificação da omissão de vendas de vinhos comuns no exercício de 2003, registadas na contabilidade como mercadorias pelo valor de € 65.000,00, consta do capítulo V do relatório de inspecção (cfr.nº.19 do probatório) o seguinte: «Face à inexistência de outros indicadores na contabilidade em termos de margens, vai considerar-se no cálculo das vendas a margem de lucro bruto s/custo das mercadorias vendidas de 18%, de conformidade com o rácio do sector a nível nacional (comércio de bebidas alcoólicas) extraído do sistema da base de dados da DGCI (Inspecção Tributária). Com base em tal critério a AT quantificou as vendas de mercadorias omitidas no montante de 76.700€ [65.000€ x 1,18].
O recorrente alega que a margem aplicada não está correcta por não se coadunar com a actividade da empresa, não se entendendo o porquê da escolha daquele ratio e percentagem.
Ora, tal critério está suficientemente explicitado, tendo a AT justificado a razão da sua aplicação pela inexistência de quaisquer elementos na contabilidade referentes a margens sobre as mercadorias vendidas.
Por outro lado, se é certo que a actividade da empresa não se enquadra no sector de comercialização de bebidas alcoólicas (cfr.nº.2 do probatório), mas daí não decorre qualquer erro de quantificação. Com efeito, uma vez demonstrados os pressupostos de tributação por métodos indirectos, a AT estava obrigada proceder à quantificação dos proveitos presumidamente omitidos e referentes à comercialização de tais mercadorias, pelo que, na ausência de elementos mais seguros, julgamos que a aplicação de uma margem correspondente ao ratio do sector de comércio de bebidas a nível nacional, constitui um critério racional, transparente e adequado a alcançar a matéria tributável da forma mais próxima da realidade.
2-Em relação à correcção da variação da produção do ano de 2003, conforme resulta do capítulo V do relatório de inspecção (cfr.nº.19 do probatório), a AT procedeu à determinação dos custos de produção do exercício, tendo apurado um custo unitário 0.966€/litro, aplicado no cálculo da valorização das existências finais do exercício correspondentes a 35.468 litros, tendo efectuado uma correcção positiva no montante de 34.468,08€ [35.468 litros x 0.966€].
Também aqui o critério utilizado está suficientemente explicitado no relatório de inspecção, com a indicação dos custos considerados e da forma como foi calculado o custo unitário por litro, não nos merecendo qualquer censura o método utilizado.”

Por último, sempre se dirá que não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida tenha, alegadamente, violado o disposto no artº.268, nº.3, da Constituição da República, com a interpretação sustentada para a norma da legislação ordinária constante do artº.77, nºs.1 e 4, da L.G.T.
Sem mais, julga-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida neste segmento.
X
2-Aduz a recorrente Fazenda Pública, em síntese, que é objecto da apelação a anulação parcial da liquidação de IRC de 2004 na parte relativa às correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos, estando em causa correcções à matéria tributável no montante de € 51.168,14. Que se encontra fundamentada a necessidade de aplicação de métodos indirectos para correcção da matéria tributável ao exercício de 2004. Que relativamente à quantificação da matéria tributável por métodos indirectos, foram tidos em conta os elementos ou critérios jurídicos constantes do artº.90, da L.G.T., mais especificamente, a alínea h) do nº 1 - o preço de venda de mercado (preço unitário/litro, facturado à Cooperativa) nas omissões de vendas de produtos. No concernente ao cálculo dos custos de produção e consequente errónea quantificação da variação de produção, tecendo embora considerações laterais, a impugnante aceita os mesmos, pelo que um dos elementos para cálculo da presumível matéria tributável omissa não é questionada. Quanto ao presumível preço unitário/litro de € 1,116 atribuído às calculadas (e presumidas) vendas omitidas no total de 209.964 litros (ao qual foi depois subtraída a variação de produção corrigida), como salientado pela inspecção, as uvas entregues na Cooperativa pelo sujeito passivo, tituladas através da factura identificada no nº.8 do probatório, destinaram-se à produção de mosto (vinho beneficiado e não beneficiado), logo, também o preço unitário/litro de € 1,116 se refere a mosto beneficiado e não beneficiado, uma vez que na factura não é atribuído preço unitário a cada tipo de mosto. Que este valor não é imponderado, uma vez que é retirado da única venda conhecida daquele ano, venda de uvas onde é feito o cálculo do destino que lhes vai ser dado - para mosto de vinho beneficiado ou não - em cumprimento do "comunicado de vindima" do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto para o ano 2004, junto aos autos, nos termos do qual é estabelecida "a fixação anual da quantidade de mosto que deve ser beneficiado em cada ano, bem como dos ajustamentos ao rendimento máximo por hectare", não sendo atribuído na referida factura preço unitário a cada tipo de mosto. Que a impugnante nunca deu a conhecer nos autos, nem o destino das vendas omitidas, nem qualquer valor de venda por si ou pelo mercado atribuído, antes se refugiando no lançamento da confusão na interpretação a dar aos números constantes da factura em causa. Que deverá, nesta parte, ser revogada a sentença recorrida (cfr.conclusões 1 a 16 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Se bem percebemos, o objecto do presente recurso consiste nas correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos quanto ao ano de 2004, anuladas pelo Tribunal "a quo" devido a excesso de quantificação.
Antes de mais, remete-se para as considerações produzidas supra, em sede de exame do recurso deduzido pela sociedade impugnante/recorrente, no que diz respeito à estruturação da matéria colectável por métodos indirectos.
Revertendo ao caso dos autos, conforme resulta da factualidade provada, as correcções efectuadas ao sujeito passivo e objecto da presente apelação basearam-se na decisão de aplicação de métodos indirectos de cálculo da matéria colectável, tendo a A. Fiscal efectuado prova suficiente de que a contabilidade da sociedade impugnante/recorrida e a sua documentação de suporte não eram fidedignas, assim não sendo possível determinar o lucro tributável através de métodos directos (cfr.nº.18 do probatório), decisão esta validada pelo Tribunal "a quo".
Cabe, igualmente, à Fazenda Pública fundamentar a fixação da matéria tributável presumida, sendo que, neste vector, a decisão recorrida conclui que a A. Fiscal incorreu em erro de quantificação, vício de violação de lei que determina a anulação da liquidação de 2004, na parte relativa à aplicação de métodos indirectos, na medida em que seria exigível que a Fazenda Pública levasse em consideração a diferença de preço entre os diferentes tipo de mosto (mosto beneficiado/não beneficiado) considerados na factura identificada no nº.8 do probatório e os relacionasse com as vendas omitidas.
Importa recordar que a comprovação da omissão de proveitos da produção do ano de 2004 resultou, essencialmente, de um mapa elaborado pela sociedade impugnante/recorrida, no qual se discrimina, por referência a vinho do porto e a vinho de mesa, a produção do ano, as vendas efectuadas e as existências finais (cfr.nº.10 do probatório).
De acordo com o referido mapa, da produção do ano, 175.683 litros correspondem a vinho do porto e 213.818 litros a vinho de mesa, num total de 389.501 litros.
Por outro lado, resulta da factura identificada no nº.8 da matéria de facto que a sociedade impugnante/recorrida vendeu à Adega Cooperativa 11.011 litros de mosto de vinho beneficiado, pelo preço de € 35.399,87, e 23.970 litros de mosto de vinho não beneficiado, pelo preço de € 3.528,34, num valor total de € 38.928,41, pelo que se afigura evidente que o preço por litro do mosto beneficiado é manifestamente superior ao preço por litro do mosto não beneficiado. Deste modo, da conjugação dos referidos mapa e factura (cfr.nºs.8 e 10 do probatório) é possível concluir que a impugnante/recorrida omitiu vendas correspondentes a 20.016 litros de mosto de vinho beneficiado e a 189.848 litros de mosto não beneficiado, num total de 209.864 litros.
Verifica-se, assim, que a AT ao apurar um preço de litro de € 1.116, correspondente à média do mosto de vinho beneficiado e do mosto de vinho não beneficiado, utilizou um critério e um método que não se revelam adequados a alcançar a matéria tributável da forma mais próxima da realidade.
Em conclusão, deve reconhecer-se a prova de erro de quantificação relevante no cálculo da matéria tributável em sede de I.R.C., do ano de 2004 da sociedade impugnante/recorrida e através de métodos indirectos, tudo em virtude dos vectores supra apontados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/07/2016, proc.9540/16).
Por tudo o que deixámos dito, nega-se provimento ao recurso deduzido pela Fazenda Pública e confirma-se a decisão recorrida também neste segmento, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condenam-se os recorrentes em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 13 de Outubro de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)