Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13334/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/14/2016
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:NOTA JUSTIFICATIVA DO PREÇO – PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA - PREÇO ANORMALMENTE BAIXO
Sumário:I - Não é admitida a junção de documentos em momento posterior ao da apresentação das alegações (cfr. art. 651º n.º 1, do CPC de 2013).

II - A exigência constante do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso, de que todas as propostas fossem instruídas com a nota justificativa do preço proposto, sob pena de serem excluídas, não viola a liberdade de gestão empresarial.

III – Tal exigência viola o art. 146º n.º 1, al. d), conjugado com o art. 57º n.º 1 e o art. 132º n.º 4, a contrario, todos do CCP, e o princípio da concorrência, previsto no art. 1º n.º 4, desse mesmo Código.

IV – A entidade adjudicante mantém sempre a competência para – através de juízo discricionário e ao abrigo do art. 71º n.º 2, parte final, do CCP - qualificar como anormalmente baixo os preços constantes das propostas que, não obstante situadas acima do limiar fixado directa (cfr. arts. 115º n.º 3, 132º n.º 2 e 189º n.º 3, ex vi art. 71º n.º 2, parte inicial, todos do CCP) ou indirectamente (isto é, se o preço base for fixado no programa do concurso ou no caderno de encargos, recorrendo-se aos critérios previstos no art. 71º n.º 1, als. a) e b), do CCP) nas peças do procedimento, suscitam sérias dúvidas sobre a sua seriedade e congruência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
I - RELATÓRIO
S……… – Segurança, SA, intentou no TAF de Sintra a presente acção de contencioso pré-contratual contra a E…….. – Empresa ………………, SA (E……….), indicando como contra-interessadas P……….. – Empresa …………., SA (P…….), E……… – Portugal de …………., SA (E……..), C………. – Prestação ………………., SA (C………), e S……….. – Serviços ……………, SA (S…………..), e na qual peticionou a:
- declaração de ilegalidade do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso público para aquisição de serviços de segurança e vigilâncias das instalações da E........, cujo anúncio foi publicado no DR, 2ª Série, de 20.5.2015 (anúncio de procedimento n.º 3046/2015);
- anulação da deliberação do Conselho de Administração da E........, datada de 30.9.2015, que excluiu a sua proposta do referido concurso público e adjudicou à P........... a aquisição de serviços;
- condenação da ré a abster-se de celebrar o contrato com a P........... ou a anulação do mesmo, caso seja entretanto celebrado;
- condenação da ré a admitir a sua proposta, a adjudicar-lhe a aquisição dos serviços objecto do referido concurso público e a celebrar com a mesma o competente contrato.

Por decisão de 10 de Março de 2016 do referido tribunal a presente acção foi julgada improcedente e, em consequência, absolvida a entidade demandada de todos os pedidos.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

I. A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se, fora das situações de proposta de preço anormalmente baixo, é legal exigir a justificação do preço. A resposta é claramente negativa.
II. O direito de iniciativa económica privada e o direito de propriedade de empresas privadas encontram-se consagrados, respectivamente, no artigo 61º n.º 1 e 82º n.º 3 da nossa Constituição, os quais abrangem a liberdade do empresário de gerir a empresa que lhe pertence de acordo com os seus próprios critérios e opções de gestão.
III. Apenas a própria Constituição ou a lei podem restringir a liberdade de gestão empresarial (cf. Mário Esteves de Oliveira, Parecer junto aos autos, pág. 97-98).
IV. Não há na lei disposição que delimite os termos em que o preço duma prestação de serviços deva ser formado e proposto ou que imponha que esse preço inclua todos os custos inerentes à prestação do serviço em causa (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Fevereiro de 2013, proferido no processo 0912/12 e de 16 de Dezembro de 2015 proferido no processo 01047/15, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Janeiro de 2015, proferido no processo 11661/14 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19 de Junho de 2015, proferido no processo 1646/14.SBESNT)
V. O único limite inferior que foi introduzido pelo legislador ao princípio da liberdade de gestão empresarial é o regime do preço anormalmente baixo (cf. artigo 55° da Diretiva 2004/18/CE, artigo 69º da Diretiva 2014/14/EU e artigo 71.º do CCP)
VI. Nem o legislador comunitário nem o legislador nacional estabelecem qualquer outra restrição à liberdade de gestão empresarial que não o regime do preço anormalmente baixo.
VII. O respeito pela liberdade de gestão empresarial impõe que, fora dos casos do preço anormalmente baixo, ninguém se possa imiscuir no modo como a empresa organiza a sua actividade e como calcula e reparte os custos respectivos (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 01029/15.0BEPRT)
VIII. Estando apenas a Constituição ou a lei habilitadas a restringir a liberdade de gestão empresarial, não havendo lei que exija a justificação do preço das propostas através da sua decomposição nas suas diversas componentes (a não ser no caso de proposta de preço anormalmente baixo), não poderão as entidades adjudicantes, nas peças dos respectivos procedimentos, restringir tal liberdade, exigindo a justificação do preço que não seja anormalmente baixo.
IX. Pelo que a justificação do preço exigida pela E........ no presente procedimento não se trata de "boa administração" como decidiu a sentença recorrida, antes se trata de uma restrição à liberdade de gestão empresarial proibida pelo artigo 61º n.º l da nossa Constituição, e como tal, ilegal.
X. O Principio da Concorrência, agora expressamente exarado no artigo 18 (1) da Directiva 2014/24, tem que ser interpretado em conformidade com a pré-existência do Princípio geral de concorrência de direito europeu, tal como consagrado nos artigos 101º a 109º do TFUE.
XI. A adopção, no âmbito da contratação pública, de práticas anti concorrenciais, isto é, susceptíveis de impedir, limitar ou restringir a concorrência, constituirá violação directa do TFUE.
XII. O legislador do CCP consagrou, como um dos princípios conformadores da contratação pública, o princípio da concorrência (artigo 1.º n.º 4 do CCP).
XIII. Sendo esse um corolário do princípio exarado no artigo 81.º al. e) da Constituição da República Portuguesa de que incumbe ao Estado assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas.
XIV. Em termos semelhantes aos do direito comunitário, também no CCP foi consagrado que "o programa do concurso pode conter ainda quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência" (artigo 132.º n.º4 do CCP).
XV. Sendo esse um eco da proibição exarada no artigo 9.º da Lei da Concorrência de proibição de adopção de comportamentos que tenham por objecto ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.
XVI. Concluindo-se que também o legislador nacional expressamente aludiu à proibição da adopção, pelas entidades adjudicantes, de práticas procedimentais que impedem, restringem ou falseiem a concorrência (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 01 029/15.0BEPRT)
XVII. A revelação do modo como o concorrente chegou ou construiu determinado preço a propor vai levar a que os outros concorrentes fiquem numa posição de total conhecimento e percepção do modo como aquele concorrente decide os preços que vai praticar e os factores determinantes para esse efeito, o que permite aos outros concorrentes inferir ou antecipar os preços futuros que esse concorrente praticará no mercado.
XVIII. O direito concorrencial nacional e comunitário opõe-se, terminantemente, ao estabelecimento de qualquer contacto, directo ou indirecto, entre operadores económicos que permita às empresas concorrentes que operam num dado mercado conhecer a estratégia dos seus concorrentes e adaptar a sua política comercial em função desta.
XIX. Uma prática, seja qual for a sua forma, da qual resulte a possibilidade de obtenção de dados individualizados sobre as intenções em matéria de preços, é, pela sua própria natureza, prejudicial ao normal e correto funcionamento da concorrência (ver parágrafos 62, 73, 74 e 86 das Orientações da Comissão Europeia sobre a aplicação do artigo 101º do Tratado).
XX. Concluindo-se que a exigência de justificação do preço constitui uma prática restritiva da concorrência na medida em que determina a divulgação de informação estratégica que permite aos agentes económicos antecipar o comportamento dos demais no mercado, potenciando a colusão.
XXI. A abertura ilimitada da possibilidade das entidades adjudicantes impedirem os concorrentes de formarem livremente os preços das suas propostas constituiria uma contradição insanável no regime jurídico da concorrência previsto no TJUE, em consonância com o qual tem que ser interpretado o regime da contratação pública.
XXII. Seria razoável que nos mercados privados a fixação de preços pelos agentes económicos seja punível como prática anti concorrencial com sanções elevadíssimas, permitindo-se, ao invés, às entidades adjudicantes no mercado da contratação pública uma prática semelhante não sancionada? Permitirá o artigo 101 º do TFUE uma interpretação que exclua a sua aplicação ao mercado da contratação pública? A resposta só pode ser negativa.
XXIII. Não se vê razão para, existindo propostas de preço diferentes - situação que apenas espelha uma sã concorrência - os mesmos tenham que ser justificados.
É que
XXIV. No sistema da lei não há qualquer obrigatoriedade de os preços das propostas apresentados em procedimentos concursais tenham que ser preços racionalmente ponderados e que a sua fixação deva resultar de operações e cálculos aritmética e empresarialmente apropriados (cf. Mário Esteves de Oliveira, Parecer, pág. 53)
XXV. No sistema da lei não há qualquer obrigatoriedade de o preço proposto para um determinado contrato cobrir os custos decorrentes desse contrato, não havendo obstáculo legal que impeça o concorrente de repercutir os custos de um determinado contrato noutros contratos (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Fevereiro de 2013, proferido no processo 0912/12).
XXVI. No sistema da lei não há qualquer obrigatoriedade de o preço ter que cobrir os chamados custos laborais e sociais obrigatórios (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 01029/15.0BEPRT, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Dezembro de 2015, proferido no processo 0657/15, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo 01047/15, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 01255/15)
XXVII. Sendo assim, como efectivamente é, a exigência da apresentação de nota justificativa do preço que não possa ser considerado anormalmente baixo não serve nenhum interesse público relevante já que, ainda que a mesma revelasse que o preço proposto não reflectia os custos laborais e/ou sociais inerentes ao contrato a celebrar, a proposta não poderia ser excluída, por não preencher nenhuma das causas de exclusão legalmente previstas, designadamente a prevista na alínea f) do n.º 2 do Art.º 70º do CCP porque esta norma não prevê a forma como deve ser efectuada a determinação do preço, o que significa que se deixou ao concorrente a liberdade para proceder à sua fixação, sendo pois irrelevantes os factores que os concorrentes consideram no preço proposto
XXVIII. A nota justificativa do preço tem que discriminar os custos que se apresentam no Anexo III do Programa pelo que a sua exigência destina-se obviamente a aferir se o preço proposto tem repercutidos aqueles custos, ou seja, se o preço cobre os custos que a E........ entende por obrigatórios, razão pela qual, e contrariamente ao entendimento plasmado na sentença recorrida, uma tal exigência consubstancia uma imposição de um preço mínimo (cf. Parecer de 23 de Outubro de 2015 emitido pelo Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto António H. L. Farinha junto do Supremo Tribunal Administrativo, no processo 01047/15, junto sob o documento n.º 1)
XXIX. Uma imposição de preços mínimos constitui uma barreira manifestamente falseadora e restritiva da concorrência que impede os agentes económicos mais eficazes de apresentar preços mais vantajosos para a entidade adjudicante. O que, naturalmente, põe em causa a prossecução do interesse público. E leva todos os concorrentes a alinhar os seus preços por cima, impedindo o funcionamento do princípio basilar da contratação pública: o princípio da concorrência (cf. Mário Esteves de Oliveira, Parecer, págs. 48-49, Nuno Ruiz, Parecer, pág. 5-7, Recomendação da Autoridade da Concorrência)
XXX. E não há na lei qualquer indicação de que possa impor nos procedimentos consursais um preço mínimo aquém do qual a entidade adjudicante não se dispõe a contratar, com violação do Princípio da Concorrência, sem que se veja qual o interesse público que poderia opor-se valiosamente a tal Princípio, em termos de justificar o seu afastamento.
XXXI. A exigência da nota justificativa do preço também não pode servir para avaliar as propostas porquanto os custos não constituem atributos da proposta objecto de avaliação (cf. artigo 13º do programa)
XXXII. A exigência da nota justificativa do preço é manifestamente inadequada para garantir o cumprimento das obrigações laborais e sociais: da proposta de preço, seja ele superior ou inferior ao valor dos encargos impostos pela legislação laboral, social ou outra não decorre o cumprimento ou o incumprimento pelo concorrente desses encargos (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Janeiro de 2016, proferido no processo 01021/15)
XXXIII. A exigência da nota justificativa do preço é desnecessária para garantir o cumprimento das obrigações laborais e sociais: o cumprimento pelo concorrente das obrigações laborais, sociais ou outras está devidamente acautelado por outros mecanismos legalmente previstos (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 01029/15.0BEPRT)
XXXIV. Atento o supra exposto conclui-se que a exigência de nota justificativa do preço (fora do quadro do preço anormalmente baixo) constitui:
- Uma restrição à liberdade de gestão empresarial proibida pelo artigo 61° n.º 1 da Constituição;
- Uma restrição da concorrência que não serve nenhum interesse público que se possa valiosamente sobrepor ao princípio fundamental da concorrência sendo como tal proibida pelos artigos 101º do TFUE, 18 (1) da Directiva 2014/24, 81º al. e) da CRP e 1° n.º 4 do CCP
XXXV. Pelo que o artigo 7° n.º 1.2 alínea c) do programa do concurso é ilegal por violação da liberdade de gestão empresarial (artigo 61º da CRP) e do Princípio da Concorrência, tal como exarado nos artigos 101º do TFUE, 18 (1) da Directiva 2014/24, 81º al. e) da CRP e l º n.º 4 do CCP
Consequentemente,
XXXVI. É ilegal por violação de tal liberdade e de tal princípio, a deliberação do Conselho de Administração da E........ que, dando aplicação àquela norma concursal, excluiu a proposta da S........... por não ter apresentado nota justificativa do preço (que não pode ser considerado anormalmente baixo porque se situa acima do limiar estabelecido no artigo 9° n.º 2 do programa);
XXXVII. O que determina a anulação da deliberação impugnada com fundamento na ilegalidade do artigo 7° n.º 1.2. alínea c) do Programa, ilegalidade que deverá ser declarada, e a condenação da E........ a admitir a proposta da S........... e a adjudicar­lhe os serviços objecto do concurso;
XXXVIII. Da admissão da proposta da S........... resulta ipso facto a sua ordenação em primeiro lugar de acordo com o critério de adjudicação estabelecido no artigo 13º n.º 1 do Programa:
- A S........... propôs o preço mais baixo (cf. n.º 4 dos factos provados), pelo que deverá obter a pontuação de 5,78 de acordo com a expressão matemática indicada no anexo VII do Programa, portanto uma pontuação melhor do que a obtida pela P........... (4,39)
- No factor valia técnica da proposta, a proposta da S........... deverá obter a pontuação máxima (10) porquanto, como se pode constactar pela lista da equipa técnica que integra a proposta da S...........:
- todos os coordenadores têm uma experiência superior a 5 anos, pelo que a proposta da S........... deverá obter no subfactor "experiência como coordenador" a pontuação de 10
- todos os coordenadores têm conhecimentos de utilização, verificação e controlo em mais de quatro sistemas (controlo de acessos, intrusão, videovigilância, controlo de rondas, detecção e extinção de incêndios), pelo que a proposta da S........... deverá obter no subfactor "conhecimento" a pontuação de 10
- todos os vigilantes têm uma experiência igual ou superior a 5 anos, pelo que a proposta da S........... deverá obter no subfactor "qualidade técnica da equipa de vigilantes" a pontuação de 10
XXXIX. Assim, a pontuação final da proposta da S........... deverá ser de 7,47 (5,78 x 60% + 10 x 40%), devendo, em consequência, a proposta da S........... ser ordenada em primeiro lugar para efeitos de adjudicação (recorde-se que a proposta da P........... obteve a pontuação final de 6,63) e, consequentemente, serem adjudicados à S........... os serviços objecto do procedimento.
XL. De todo o exposto, resulta que a sentença recorrida violou a liberdade de gestão empresarial (artigo 61º n.º 1 da CRP), o princípio da concorrência exarado nos artigos 101º do TFUE, 18 (1) da Directiva 2014/24, 81º al. e) da CRP, e lº nº 4 do CCP e ainda as disposições dos artigos 57º n.º 1 al. d), 70º n.º 2 al. e), 71º e 132.º n.º4 do CCP, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente, com o que se fará JUSTIÇA.”.

A E........ e a P........... apresentaram contra-alegações, onde pugnaram pela improcedência do presente recurso jurisdicional.

O DMMP junto deste TCA Sul emitiu parecer no qual sustentou que o recurso não merece provimento. A este parecer respondeu a recorrente, dando por integralmente reproduzidas as suas alegações de recurso, bem como a P..........., a qual pugnou pela manutenção da decisão recorrida e procedeu à junção de um documento.

Notificada da apresentação desse documento, a recorrente requereu o indeferimento da sua junção, por ser processualmente inadmissível ou manifestamente impertinente e irrelevante.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
“1. - A E........ - EMPRESA ………………………., S.A. (E........) lançou concurso público para aquisição de serviços de segurança e vigilância das instalações da E........ cujo anúncio foi publicado no Diário da República, II Série, nº 97, de 20 de Maio de 2015 (Anúncio de procedimento nº 3046/2015).
2. O concurso público rege-se pelo Programa e pelo Caderno de Encargos, juntos nos autos sob os documentos nºs 1 e 2, e cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
3. O preço base foi fixado em 2.070.000,00€ para o período máximo de duração do contrato de 3 anos - artigo 9° nºs 1 e 3 do Programa.
4. O preço total proposto é considerado anormalmente baixo quando for igual ou inferior a 1.242.000,00€ - artigo 9° nº 2 do Programa.
5. O artigo 7º do Programo estabelece os documentos constitutivos das propostas, nos termos seguintes:
(…) “CAPÍTULO II PROPOSTA
Artigo 7.°
DOCUMENTOS QUE CONSTITUEM AS PROPOSTAS
I. As propostas devem, nos termos do disposto no artigo 57º do Código dos Contratos Públicos, ser constituídas pelos seguintes documentos:
1.1. Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao Código dos Contratos Públicos, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 149/2012, de 12 de Julho;
1.2. Documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar:
a) Proposta de Preço, que não deve incluir o IVA, conforme modelo constante do Anexo I ao presente Programa;
b) Lista dos Preços Unitários (a apresentar em ficheiro de formato .pdf) para a componente fixa da prestação de serviços, conforme Anexo II ao Programa do Concurso;
c) Nota Justificativa do Preço mensal proposto por instalação, na qual devem estar discriminados, entre outros custos existentes, os que se apresentam no Anexo III ao presente documento;
(…)”
1.5. Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo (conforme decorre do nº 2 do artigo 9º do presente Programa). (…)”
- programa de Concurso, doc. nº 1 junto com a p.i. sobretudo fls. 25, 25 vº e 26
6. Apresentaram propostas ao identificado concurso, os seguintes empresas:
· S........... - ………….., S.A. com o preço proposto de 1.715.800,05€,
· P........... - Empresa ……………, S.A., com o preço proposto de 1.825.470,00€,
· S.......... - Serviços ………………, S.A. com o preço proposto de 1.957.861,83€,
· C.......... - Prestação …………………., S.A. com o preço proposto de 1.917.300,99€,
· G.......... .. - Vigilância e Prevenção Electrónica, UnipessaL Lda., com o preço proposto de 2.022.301,86€,
· A...... – S…………, Lda. com o preço proposto de 1.842.106,59€, e
· E …….. Portugal …………., S.A.com o preço proposto de 1.826.850,09€ (cf. propostos constantes do processo administrativo e Relatório preliminar que se junta sob o documento nº 5 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
7. No Relatório Preliminar, o júri, aplicando a norma do artigo 7° nº 1.2 alínea c) do Programa do Concurso, propôs a exclusão da proposta da S........... por não estar constituída pela nota justificativa do preço exigida por aquela norma (cf. documento nº 5 junto);
8. Mais propôs a exclusão dos propostas da G.......... . - Vigilância …………., Unipessoal, Lda. e da A...... – S……….., Lda. e a admissão das restantes propostos procedendo à sua classificação de acordo com o critério de adjudicação estabelecido no artigo 13° do Programa e com a metodologia de avaliação constante do seu Anexo VII (cf. documento nº 5 junto);
9. Resultando a seguinte ordenação de propostas:
1º lugar - P...........
2° lugar – E……………..~

3° lugar - C..........
4° lugar - S.......... - cf.documento nº 5 junto.
10. A S........... exerceu o seu direito de audiência prévia apresentando pronúncia contra a projectada exclusão da sua proposta porque fundada em norma concursal ilegal que, como tal, não pode ser aplicada [cf. Anexo I do Relatório Final que se junta sob o documento nº 6 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
11. Porém, o Relatório Final manteve o teor e as conclusões do Relatório Preliminar, mantendo a projectada exclusão da proposta da S........... e propondo a adjudicação à P........... - cf. documento nº 6 junto.
12. No dia 7 de Outubro de 2015, foi a S........... notificada de que, por deliberação do Conselho de Administração da E........ datada de 30 de Setembro, foi adjudicada à P........... a aquisição de serviços de segurança e vigilância nas instalações da E........ de acordo com o Relatório Final – cf. documento nº 7 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido”.

Ao abrigo do art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º, do CPTA, procede-se à alteração da factualidade dada como provada nos seguintes termos:
- O facto 12. é substituído pelo seguinte facto:
12. Por deliberação do Conselho de Administração da E........ de 30.9.2015 foi aprovado o relatório final do júri do concurso, adjudicada à P........... a prestação de serviços pelo preço contratual de € 1 825 470 para a componente fixa e pelos preços unitários calculados para a componente variável e aprovada a minuta do contrato (cfr. documento n.º 2, junto com a contestação da E........, e processo instrutor).

- São aditados os seguintes factos:
13. A S........... não juntou à proposta apresentada nota justificativa do preço proposto (cfr. processo instrutor e acordo).

14. De acordo com a proposta apresentada pela S...........:

- os coordenadores operacionais (no total de 5) têm uma experiência entre 8 e 17 anos e têm conhecimentos de sistemas de controlo de acessos, intrusão, videovigilância e controlo de rondas, bem como de sistemas de detecção e extinção de incêndios;

- os vigilantes (no total de 36) têm uma experiência entre 5 e 33 anos (cfr. processo instrutor).

15. Na sequência da deliberação de 30.9.215, descrita em 12., foi celebrado entre a E........ e a P..........., em 26.10.2015, o contrato de aquisição de serviços de segurança e vigilância para as instalações da E........, constante de fls. 245 a 258, dos autos em suporte de papel – que corresponde ao documento n.º 3, junto com a contestação da E........ -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida enferma de erro ao ter julgado improcedente a presente acção (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Antes, porém, cumpre apreciar da admissibilidade da junção aos autos do documento apresentado pela P........... com a pronúncia sobre o parecer do Ministério Público, ou seja, posteriormente à apresentação das contra-alegações.

Passando à apreciação da questão relativa à admissibilidade da junção aos autos, com a pronúncia sobre o parecer do Ministério Público, de um documento

A recorrente peticionou o desentranhamento do documento junto pela P........... neste TCA Sul, com a pronúncia sobre o parecer do Ministério Público, face ao estatuído no art. 651º n.º 1, do CPC de 2013, nos termos do qual a junção de documentos em fase de recurso apenas pode ter lugar com as alegações.

Apreciando.


Cumpre, então, decidir da admissibilidade da junção aos autos pela P..........., com a pronúncia sobre o parecer do Ministério Público - ou seja, em momento posterior à apresentação das contra-alegações -, de um documento.

Sobre esta questão sumariou-se no Ac. deste TCA Sul de 26.3.2015, proc. n.º 10221/13, o seguinte:

I. Não é admitida a junção de documentos em momento posterior ao da apresentação das alegações”.

E no mesmo escreveu-se, a propósito desta questão, o seguinte:

Por requerimento de fls. 188 dos autos, em momento posterior à apresentação das alegações, os recorrentes requereram a junção aos autos de quatro documentos (…)

A questão que se coloca é a de saber se os documentos que os recorrentes juntaram aos autos com os requerimentos acima referidos, devem ou não ser admitidos.

Vejamos.

A junção de documentos tem lugar, por regra, na 1ª instância, e deve ocorrer até ao encerramento da discussão, nos termos do n.º 2 do artigo 523º do anterior CPC e, agora, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, nos termos do n.º 2 do artigo 423º do actual CPC.

Este princípio admite, contudo, algumas excepções, sendo admitida a junção de documentos às alegações i) quando a sua junção se revele subjectiva e/ou objectivamente possível apenas nesse momento ou (ii) quando essa mesma junção apenas se revele necessária mercê do julgamento que veio a ser proferido em 1ª instância (cfr. artigo 651º, n.º 1 do CPC, o qual corresponde ao anterior artigo 693º-B).

Com efeito, dispõe o artigo 651º do CPC e o artigo 693º-B do anterior CPC, que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º [anterior artigo 524º] ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.

Resulta do teor deste preceito que a junção de documentos apenas é permitida até à fase das alegações; com efeito, o mesmo refere apenas a possibilidade de as partes juntarem “documentos às alegações”.

Nesse sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 7/10/2010, proc. n.º 1356/09.5TBFLG.G1. Também Abrantes Geraldes, em anotação ao artigo 693º-B do anterior CPC (que, nesta parte, tem uma redacção igual ao artigo 651º do CPC), entende que “em comparação com o regime que constava do anterior art. 706º, apenas se admite agora a junção de documentos com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores” (in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 216).

Ora, os documentos em causa foram juntos pelos recorrentes em momento muito posterior à apresentação das alegações, pelo que a sua junção é extemporânea e, por isso, os mesmos não devem ser admitidos.

(…)” (sublinhados e sombreados nossos) - também neste sentido, entre outros, Ac. do STA de 10.3.2016, proc. n.º 1397/15, e Acs. deste TCA Sul de 18.12.2014, proc. n.º 08070/12 [“(…) se a junção de documentos com as alegações de recurso já é legalmente considerada excepcional (…) no caso concreto, em que essa junção nem sequer com as alegações foi requerida, mas apenas em momento posterior, a sua inadmissibilidade tem que ter-se por indiscutível face ao preceituado no artigo 651.º do Código de Processo Civil”], e de 29.10.2015, proc. n.º 12515/15 [“I - Não é admitida a junção de documentos em momento posterior ao da apresentação das alegações (cfr. art. 651º n.º 1, do CPC de 2013)”], e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª Edição Aumentada e Reformulada, 2009, pág. 121 [“Em primeiro lugar, os documentos têm de ser juntos às alegações./É a única ocasião prevista para a junção; significando que o desacompanhamento do documento à peça processual, imediatamente deverá implicar a respectiva rejeição.”].


Nestes termos, e face ao estatuído no art. 651º n.º 1, conjugado com o art. 443º n.º 1, ambos do CPC de 2013, deverá ser determinado o desentranhamento do documento apresentado pela P........... com a pronúncia sobre o parecer do Ministério Público – e constante de fls. 904 a 908, dos autos em suporte de papel -, bem como a sua restituição à apresentante, dado que tal documento foi junto aos autos em momento posterior à apresentação das contra-alegações de recurso.

A P..........., e face ao disposto no art. 443º n.º 1, parte final, do CPC de 2013, conjugado com o art. 27º n.ºs 1 e 4, do RCP, deverá ser condenado na multa de meia UC.


Passando à análise da questão respeitante ao alegado erro da decisão recorrida que julgou improcedente a presente acção

A recorrente formulou na presente acção os seguintes pedidos:
- declaração de ilegalidade do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso;
- anulação da deliberação do Conselho de Administração da E........ de 30.9.2015 que excluiu a sua proposta do concurso público e adjudicou à P........... a aquisição de serviços;
- condenação da ré a abster-se de celebrar o contrato com a P........... ou a anulação do mesmo, caso seja entretanto celebrado;
- condenação da ré a admitir a sua proposta, a adjudicar-lhe a aquisição dos serviços objecto do concurso público e a celebrar com a mesma o competente contrato.

A decisão recorrida considerou que a norma constante do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso, é legal, razão pela qual julgou improcedente a presente acção e, em consequência, absolveu a entidade demandada de todos os pedidos.

A recorrente defende que a decisão ora sindicada fez uma errada aplicação do direito, argumentando que o artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso, é ilegal por violação da liberdade de gestão empresarial e do princípio da concorrência.

Vejamos.

O artigo 7º n.º 1.2. [em cujo número se encontram listados os documentos que devem constituir as propostas e que sejam relativos aos “atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar] alínea c), do programa do concurso, impõe que as propostas sejam constituídas pela “Nota Justificativa do Preço mensal por instalação, na qual devem estar discriminados, entre outros custos existentes, os que se apresentam no Anexo III ao presente documento;”.

A exigência desta nota justificativa do preço não viola a liberdade de gestão empresarial, pois a obrigação de apresentação de tal documento não impedia que a ora recorrente formasse o preço de acordo com os seus critérios, as concretas circunstâncias de que fosse titular e os objectivos que tinha para o contrato ora em causa, dado que, para além do modelo constante do Anexo III poder ser adaptado pelos concorrentes em função das opções internas de cada empresa (conforme salientado pelo júri do concurso em sede de esclarecimentos prestados em 16.6.2015), os concorrentes só tinham de preencher os diversos campos (relativos aos custos em que o preço se decompõe) caso o preço por si proposto os incluísse.

A recorrente tem, no entanto, razão quando alega que a exigência constante do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso [o qual, de acordo com o estatuído no art. 41º, do Código dos Contratos Públicos (CCP), “(…) é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração”], de que todas as propostas fossem instruídas com a nota justificativa do preço proposto, sob pena de serem excluídas (pois, de acordo com os esclarecimentos prestados pelo júri do concurso em 16.6.2015, trata-se de um documento de junção obrigatória), é violadora do princípio da livre concorrência, como se passa a demonstrar.

Dispõe o art. 57º, do CCP, sob a epígrafe “Documentos da proposta”, o seguinte:
1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao presente Código, do qual faz parte integrante;
b) Documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento que contenham os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;
d) Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento.
2 - No caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, a proposta deve ainda ser constituída por:
(…)”.

De acordo com o prescrito no art. 146º n.º 1, al. d), do CCP, é fundamento de exclusão das propostas o facto de as mesmas não serem “constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no n.º 1 do art. 57º”.

Como salientam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, 2014, pág. 863, “(…) as propostas devem ser instruídas obrigatoriamente apenas com os documentos a que se referem as diversas alíneas do art. 57.º/1 do CCP ou, no caso das empreitadas e concessões de obras públicas, também com os das várias alíneas do n.º 2 desse mesmo artigo (…)” (sublinhado e sombreado nossos).

Ora, a exigência constante do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso, de que as propostas fossem instruídas com a nota justificativa do preço proposto, corresponde à exigência de um documento que não é referido em qualquer das diversas alíneas do n.º 1 do art. 57º, do CCP.

Com efeito, o(s) documento(s) elencado(s) nesse art. 57º n.º 1:
- alínea a):
Respeita à declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao CCP, cuja junção é exigida no artigo 7º n.º 1.1., do programa do concurso, ou seja, a exigência da nota justificativa do preço não se subsume nesta alínea a).

- alínea b):
Respeitam aos documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar.
Os atributos de uma proposta são, como esclarecem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, cit., pág. 584, “(…) as prestações ou tarefas concretamente definidas (pela sua espécie, qualidade e quantidades e por quaisquer outros elementos ou características) que, em relação aos aspectos de execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos (artigo 56º.º/2) e aí valorizados como factores de avaliação da proposta (artigo 75.º/2), os concorrentes se propõem fazer à entidade adjudicante e/ou obter dela em troca da celebração do contrato”, isto é, são os aspectos de execução do contrato submetidos à concorrência que relevam para efeitos da respectiva avaliação e adjudicação, já que se traduzem em factor ou subfactor do critério de adjudicação.
O critério de adjudicação estabelecido no presente concurso é o da proposta economicamente mais vantajosa, densificado nos factores preço e valia técnica (cfr. artigo 13º, do programa do concurso).
Assim, o que é objecto de avaliação é o preço (e a valia técnica) e não os custos em que eventualmente o mesmo se decomponha, isto é, a nota justificativa do preço não serve para avaliar a proposta.
Dito por outras palavras, na justificação do preço proposto não está em causa qualquer atributo da proposta, ou seja, qualquer factor de que dependa a sua avaliação, pois o atributo da proposta é o preço pedido pela prestação de serviços a contratar e não o facto de ele ser mais ou menos sustentável, mais ou menos consistente, mais ou menos lucrativo.
Nestes termos, a exigência da nota justificativa do preço também não se subsume nesta alínea b) [nela se subsume a exigência constante do artigo 7º n.º 1.2., alíneas a), b) e d), do programa do concurso, de junção da proposta de preço, da lista dos preços unitários e da lista da equipa técnica], dado que a justificação do preço não contende com a avaliação da proposta, não constitui qualquer atributo da proposta, pois é o preço – e não a sua justificação - que constitui um aspecto da proposta submetido à concorrência e que, portanto, é objecto de avaliação para efeitos de escolha da melhor proposta.

- alínea c):
Respeitam aos documentos exigidos pelo programa do procedimento que contenham os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.
Os termos e condições correspondem aos aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, já que não relevam para efeitos da avaliação e adjudicação da proposta – neste sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, cit., págs. 587 e 588.
Ora, a exigência da nota justificativa do preço não se subsume igualmente nesta alínea c), dado que, desde logo, a justificação do preço não respeita a qualquer aspecto da execução do contrato, pois é o preço – e não a sua justificação - que constitui um aspecto da execução do contrato (submetido à concorrência).

- alínea d):
Respeitam aos documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa (cfr. arts. 115º n.º 3, 132º n.º 2 – aplicável ao concurso público - e 189º n.º 3, ex vi art. 71º n.º 2, parte inicial, todos do CCP) ou indirectamente (ou seja, se o preço base for fixado no programa do concurso ou no caderno de encargos, recorrendo-se aos critérios previstos no art. 71º n.º 1, als. a) e b), do CCP), das peças do procedimento.
In casu verifica-se que, de acordo com o estabelecido no artigo 9º n.º 2, do programa do concurso, “O preço total resultante de uma proposta é considerado anormalmente baixo, quando a mesma apresente preço total para a componente fixa seja igual ou inferior a € 1.242.000,00 (…)” [ou seja, foi usada a faculdade prevista no art. 132º n.º 2, do CCP], sendo certo que no artigo 7º n.º 1.5., do programa do concurso, é exigida a junção dos “Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo (conforme decorre do n.º 2 do artigo 9º do presente Programa)”, pelo que a exigência da nota justificativa do preço relativamente a todas as propostas, constante do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso, também não se subsume nesta alínea d).

Invoca, no entanto, a E........ que a exigência constante do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso, tem base legal, concretamente no art. 132º n.º 4, do CCP, mas sem razão.

Efectivamente, prescreve o n.º 4 desse art. 132º o seguinte:
O programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência” (sublinhado nosso).

Ora, a exigência constante do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso, de que todas as propostas sejam instruídas com a nota justificativa do preço proposto, sob pena de serem excluídas, restringe a concorrência.

Efectivamente, e como se esclarece no Ac. do TCA Norte de 5.6.2015, proc. n.º 475/14.0 BEVIS:
A exclusão de uma proposta reduz a concorrência. Logo as hipóteses de exclusão das propostas devem ser reduzidas ao mínimo necessário, de forma a garantir o mais amplo possível leque de propostas.
Este mínimo necessário traduz-se precisamente em apenas permitir a exclusão nos casos expressos previstos na lei (tipificação dos casos de exclusão) e interpretar estas normas de forma restritiva e não extensiva e, menos ainda, analógica.”.

E como explica João Amaral e Almeida, As propostas de preço anormalmente baixo, in Estudos de Contratação Pública, III, Organização de Pedro Costa Gonçalves, 2010, págs. 129 a 131 e 133:
(…) em Portugal só são obrigados a juntar às suas propostas documentos com os esclarecimentos justificativos do preço proposto, os concorrentes que ofereçam preço inferior àquele limiar (cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP). Só sobre estes é que, obviamente, recai a obrigação de, ex ante, justificarem que o preço proposto é um preço de mercado.
(…)
7.3. Aplicando os ensinamentos da jurisprudência Lombardini ao caso português, não pode pois haver quaisquer dúvidas de que o n.º 1 do artigo 55.º da Directiva n.º 2004/18 não obsta à alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, na parte em que esta norma sanciona com a exclusão a proposta que não se encontre constituída, como impõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º, pelos documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo; sendo certo que, como já se referiu, esta obrigação apenas é imposta aos concorrentes que ofereçam um preço igual ou inferior ao limiar da anomalia previamente conhecido (63 A antiga exigência – imposta pela própria lei (1) -, que perdurou até à entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, de que todas as propostas deviam ser instruídas com a nota justificativa do preço proposto, sob pena de serem excluídas, era pois claramente incompatível com as directivas comunitárias, por violação do princípio da livre concorrência. Aliás, um dos mais frutuosos ensinamentos que se retira da jurisprudência Lombardini é o de que a exclusão de propostas com fundamento na apresentação de documentos exigidos pelas peças procedimentais (programas de concurso ou convites) só pode ser prevista para aqueles documentos que se destinem a cumprir uma utilidade específica no contexto da análise e da avaliação das propostas. De contrário estamos perante uma obrigação desproporcionada e injustificada que ofende o princípio da livre concorrência)” (sublinhados e sombreados nossos).

Conclui-se, assim, que o artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso, é ilegal, já que - ao determinar a exclusão das propostas que não sejam constituídas pela nota justificativa do preço - viola o art. 146º n.º 1, al. d), conjugado com o art. 57º n.º 1 e o art. 132º n.º 4, a contrario, todos do CCP, e o princípio da concorrência, previsto no art. 1º n.º 4, desse mesmo Código [sendo certo que a eventual invocação pela recorrente, em sede de alegações, de normativos não anteriormente invocados não consubstancia a invocação de questão nova – cfr. art. 5º n.º 3, do CPC de 2013].

Nestes termos, deverá ser declarada a ilegalidade desse artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso e, consequentemente, anulada a deliberação do Conselho de Administração da E........ de 30.9.2015 que excluiu a proposta da recorrente e adjudicou à P........... a aquisição de serviços - dado que tal exclusão se fundou em norma do programa do concurso ilegal e tal adjudicação teve como pressuposto a exclusão ilegal da proposta da recorrente e consequente não avaliação da sua proposta (cfr. art. 163º n.º 1, do CPA de 2015) -, bem como anulado o contrato (descrito em 15., dos factos provados) celebrado entre a E........ e a P........... (cfr. art. 283º n.º 2, do CCP).

A recorrente também peticiona a condenação da E........ a admitir a sua proposta, a adjudicar-lhe a aquisição dos serviços objecto do concurso público e a celebrar com a mesma o competente contrato.

Quanto ao pedido de condenação da E........ a admitir a proposta da recorrente, cumpre salientar que o júri do concurso, no relatório preliminar (a fls. 11, do mesmo), considerou que, face à não apresentação pela recorrente da nota justificativa do preço, ficava prejudicado o conhecimento da exposição apresentada pela E...... – em momento posterior ao termo do prazo para apresentação das propostas –, na qual esta enunciava razões concretas para se considerar o preço apresentado pela ora recorrente como anómalo.

Além disso, a P..........., em todos os articulados apresentados nos presentes autos, salientou - e concretizou de forma minuciosa (cfr., a título de exemplo, artigos 36º a 65º, da respectiva contestação) - a anormalidade do preço proposto pela recorrente.

Ora, o facto de o preço proposto pela recorrente (€ 1 715 800,05) se situar acima do valor identificado no artigo 9º n.º 2, do programa de concurso (€ 1 242 000) – ou seja, de a recorrente não apresentar um preço igual ou inferior ao limiar automático da anomalia -, não impede a entidade adjudicante de formular um juízo de anomalia do preço proposto.

Com efeito, a entidade adjudicante mantém sempre a competência para – através de juízo discricionário e ao abrigo do art. 71º n.º 2, parte final, do CCP - qualificar como anormalmente baixo os preços constantes das propostas que, não obstante situadas acima do limiar fixado directa (cfr. arts. 115º n.º 3, 132º n.º 2 e 189º n.º 3, ex vi art. 71º n.º 2, parte inicial, todos do CCP) ou indirectamente (isto é, se o preço base for fixado no programa do concurso ou no caderno de encargos, recorrendo-se aos critérios previstos no art. 71º n.º 1, als. a) e b), do CCP) nas peças do procedimento, suscitam sérias dúvidas sobre a sua seriedade e congruência - neste sentido, Acs. do TCA Sul de 9.7.2015, proc. n.º 11994/15 [“No caso trazido a recurso a questão não vem colocada na perspectiva da violação do limiar automático de preço anormalmente baixo na exacta medida em que o preço contratual da Contra-Interessada, ora Recorrida, apresenta um valor total acima do limiar resultante do critério de adjudicação previamente fixado no programa do concurso./A existência de preço base e consequente automatismo da operatividade do mecanismo legal supletivo ou da iniciativa administrativa, previsto no artº 71º nº 1 CCP, não constitui factor preclusivo da competência da entidade adjudicante de, discricionariamente e com fundamento nas disposições conjugadas dos artºs. 71º nºs 1, 2 e 3 e 72º nº 1 CCP, abrir no procedimento o incidente de averiguação da seriedade e congruência das propostas sobre as quais, no seu entender, perfile de modo fundamentado e concreto um juízo de suspeita de anomalia sobre o preço contratual proposto”], e de 28.8.2015, proc. n.º 12338/15 [“1. A circunstância de o preço apresentado se situar acima do limiar automático de anomalia, ex lege ou por autovinculação da entidade adjudicante, não constitui factor preclusivo da competência do júri concursal de abrir no procedimento o incidente de averiguação da seriedade e congruência das propostas sobre as quais, no seu entender, perfile de modo fundamentado e concreto um juízo de suspeita de anomalia sobre o preço contratual, juízo dubitativo de seriedade tomado à luz das circunstâncias vigentes e conhecidas no momento em que decorrem os preliminares pré-contratuais – cfr. artºs. 71º nºs 1, 2 e 3 e 72º nº 1 CCP.”], e João Amaral e Almeida, cit., págs. 118 e 119 [“O que o artigo 71.º do CCP estabelece é uma presunção legal inilidível de que as propostas cujo preço seja inferior ao limiar estabelecido devem ser consideradas anómalas, isto é, devem necessariamente ser submetidas ao sub-procedimento de verificação da sua anomalia. Todavia, o preceito não estabelece qualquer proibição de submeter a essa mesma verificação outras propostas que, por decisão fundamentada, sejam também consideradas de preço anormalmente baixo./Mas o argumento decisivo são as razões intrinsecamente ligadas à compatibilidade da própria adopção de critérios de determinação automática do limiar com a directiva comunitária. Como já se explicitou, só uma interpretação que tenha em conta as conclusões da jurisprudência Lombardini é que permitirá sustentar a adopção daqueles critérios. E assim, como muito bem sintetiza ROSANNA DE NICTOLIS «a compatibilidade do limiar matemático de determinação das propostas anómalas com o direito comunitário só pode ser admitida sob condição de a interpretar no sentido de que a mesma não preclude o poder da Administração de, discricionariamente, submeter à verificação outras propostas, cujo preço se situa acima daquele limiar, e que despertam igualmente suspeitas sobre a sua seriedade ou congruência»./Por isso, e caso se entenda que a permissão nele não se encontra directamente prevista, por interpretação extensiva do nº 2 do artigo 71º do CCP deve admitir-se que o órgão competente para a decisão de contratar tem a faculdade de considerar anormalmente baixo o preço constante de propostas que, não obstante se situar acima do limiar resultante do critério previamente fixado, suscita sérias dúvidas sobre a sua seriedade ou congruência.”].

Assim sendo, e tendo em conta o estatuído no art. 71º n.º 2, do CPTA [“Quando a emissão do acto pretendido (2) envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido”], a E........ deverá, nos termos do art. 71º n.º 2, parte final, do CCP, fundamentar a decisão de pedir esclarecimentos à ora recorrente, concretizando os pontos que lhe suscitam suspeitas e que à mesma cabe afastar nas justificações que apresente ao abrigo do n.º 3 do referido art. 71º.

Efectivamente, e como a este propósito se esclareceu no voto de vencido exarado no Ac. do STA de 3.12.2015, proc. n.º 657/15:
Não voto a decisão porque entendo, em primeiro lugar, que atenta a forma como foi pedida a exclusão da proposta da concorrente B………. na pronúncia da concorrente A………., em sede de audiência prévia, a questão nuclear que se colocava era a do preço oferecido por aquela ser «eventualmente anómalo» por tudo indicar que não seria bastante para pagar as despesas com a execução do contrato.
Assim, e não obstante a aí requerente ter enquadrado a sua alegação apenas no âmbito das alíneas f) e g) do nº 2 do artigo 70º do CCP, impunha-se ao Júri, em face da exposição feita pela A……, que se colocasse a questão de estar ou não face a uma proposta de «preço anormalmente baixo».
Isto explica, aliás, que o acórdão recorrido tenha chamado à colação a questão do «preço anormalmente baixo», que as alegações de recurso de revista se tenham centrado essencialmente nessa questão, e que a formação preliminar deste STA tenha admitido a revista essencialmente por causa dela.
Abordando tal questão, como pensamos dever ser, entendemos, em segundo lugar que o seu conhecimento deveria levar à anulação do acto de adjudicação e do respectivo contrato, com fundamento na parte final do projecto de acórdão que apresentamos e que passamos a citar:
[…]
6. No presente caso, que é de «ajuste directo», a entidade adjudicante, apesar de estar fixado no caderno de encargos o «preço base», não usou da faculdade que lhe é concedida pelo artigo 115º nº 3 do CCP, isto é, não indicou no convite que dirigiu às co-contratantes do «Acordo Quadro» qualquer valor delimitativo de «preço total anormalmente baixo».
Isto significa que, no caso, à entidade adjudicante, através do «Júri» nomeado para analisar as propostas, competia, na prevenção efectiva do já dito interesse público, estar atenta à possibilidade de propostas anómalas quanto ao «preço» mediante a ponderação da «regra supletiva» consagrada no artigo 71º, nº 1, do CCP, e aos demais sinais objectivos que a pudessem levar a desconfiar de certo preço total apresentado, nomeadamente por ele destoar significativamente das restantes propostas ou que lhe merecesse um juízo de reserva relativamente ao cumprimento pontual e integral do contrato de acordo com o proposto.
E caso devesse concluir pela existência de uma suspeita de preço anómalo, nos termos assinalados, quer por decorrência da aplicação da regra supletiva, quer por imposição de sinais objectivos que tal sugerissem, deveria o «Júri» solicitar ao respectivo concorrente, e por escrito, que, em prazo adequado, prestasse os esclarecimentos justificativos.
Sempre tendo em conta que apenas estaria dispensado de «fundamentar» este pedido de esclarecimentos justificativos no caso da qualificação do «preço total como anormalmente baixo» resultar da aplicação da «regra supletiva» do artigo 71º nº 1 do CCP. É isso que resulta do nº 2 do mesmo artigo.
E tendo em conta, ainda, que assim como não há «exclusões automáticas» de propostas baseadas em «preço total anormalmente baixo», pois sempre terão de ser pedidos esclarecimentos justificativos ao respectivo proponente, os quais poderão, obviamente, «justificar» um preço inicialmente suspeito, também não poderá ser tida como inabalável a conclusão negativa retirada da aplicação da regra supletiva fixada no artigo 71º nº 1 do CCP. É que, apesar da mesma, pode haver indícios suficientes que justifiquem, e até imponham ao «Júri», o pedido de esclarecimentos justificativos, os quais poderão resultar numa «exclusão» da proposta.
7. O «preço base» foi fixado, no caderno de encargos [corrigido], em 163.703,07€. Era este o «preço máximo que a entidade adjudicante se dispunha a pagar pela execução de todas as prestações objecto do contrato a celebrar».
Os preços apresentados pelos 5 concorrentes cujas propostas foram admitidas foram: 114.359,31 [B……..]; 123.240,60€ [A……….]; 131.547,96 [D………]; 135.207,27€ [E………]; e 140.674,59€ [F………].
Aplicando a regra supletiva prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 71º do CCP, resulta que o preço total proposto pela B……… - 114.359,31€ - não surge como «preço total anormalmente baixo», pois sê-lo-ia, apenas, e por aplicação deste critério, se fosse igual ou inferior a 57.179,66€ [50% de 114.359,31€ (3)].
Não se impunha, assim, à entidade adjudicante, actuando através do «Júri» do procedimento de ajuste directo, que, com base na aplicação da regra supletiva da alínea b) do nº 1 do artigo 71º do CCP, solicitasse à concorrente B………. quaisquer esclarecimentos justificativos sobre o preço total apresentado na sua proposta. De facto, não surgia, com fundamento na aplicação dessa regra legal, qualquer suspeita relativa à normalidade do preço oferecido por tal concorrente como preço de mercado.
No presente caso, pois, a qualificação do preço total apresentado pela B………. na sua proposta como «preço total anormalmente baixo» só poderia emergir do juízo discricionário, casuístico e fundamentado, feito pela entidade adjudicante.
Mas será que havia «sinais objectivos» de que se tratava de um preço anómalo, no sentido de gerar «sérias dúvidas sobre a sua seriedade e congruência», não suscitando a «credibilidade bastante» de que a respectiva proposta viesse a ser devidamente cumprida?
E que, por isso, impusesse à entidade adjudicante, através do respectivo Júri, que solicitasse à B……… esclarecimentos justificativos do preço total oferecido, sob pena de «exclusão da proposta», caso não fosse justificado o preço e essa justificação fosse aceite?
8. É verdade que, como se salienta no acórdão recorrido, no procedimento de «ajuste directo» em causa inexiste qualquer norma que obrigue os respectivos concorrentes a demonstrar a formação do preço proposto, através da qual seja possível à entidade adjudicante aferir da observância dos encargos obrigatórios decorrentes do quadro normativo vigente. Nem essa obrigação resulta do CCP.
O único sinal de alerta relativo a eventuais anomalias na proposta da B…….. foi dado pela própria recorrente, A………., que, em sede de audiência prévia, após constatar que a sua proposta estava em 2º lugar no relatório preliminar, atrás da proposta da B………., veio reclamar a exclusão desta última, fazendo-o com base nas alíneas a), f) e g), do nº 2 do artigo 70º do CCP.
Deixando de lado a causa de exclusão prevista nessa alínea a), que se encontra definitivamente decidida nos autos, constatamos que o «Júri» do procedimento, no relatório final, respondeu assim à parte pertinente da referida reclamação:
«No que concerne aos demais motivos alegados para a exclusão da concorrente B…….., não se dispõe objectivamente de elementos que permitam concluir pela violação de vinculações legais ou regulamentares ou pelo falseamento das regras da concorrência e em consequência fosse de excluir, nos termos das alíneas f) e g), do nº 2 do artigo 70º do CCP, a proposta da referida concorrente».
O que significa que o «Júri» ponderou, mediante os dados de que dispunha, a eventual violação das alíneas f) e g) do nº 2 do artigo 70º do CCP por parte da proposta da concorrente B……….., sendo certo que não lhe foi sequer alegada a hipótese de eventual violação da «alínea e)», relativa à «causa de exclusão» de «preço total anormalmente baixo».
Portanto, quanto à causa de exclusão baseada num «preço total anormalmente baixo», o «Júri» do procedimento apenas se deparava com um «juízo negativo» no que concerne à aplicação da dita «regra supletiva», com os diversos preços apresentados pelos cinco concorrentes admitidos, e com a reclamação que foi feita pela A……….. em sede de audiência prévia.
E nem sequer aventou a hipótese de «suspeitas sérias de preço anómalo», de modo a fundamentar um pedido de esclarecimentos justificativos à B………., que não fez.
Temos, portanto, que, neste caso concreto, a única forma legal de qualificar o preço total apresentado pela B……… como «preço total anormalmente baixo» seria o «juízo discricionário», fundamentado, feito pela entidade adjudicante, o qual nem sequer foi despoletado através de uma solicitação de esclarecimentos justificativos, fundamentada, dirigida pelo «Júri» à B……….
9. Como deixamos dito, a ora recorrente A………., após ter conhecimento do relatório preliminar que graduava a sua proposta em 2º lugar, e a da B....... em 1º lugar, reclamou, em sede de audiência prévia, a exclusão desta última.
Nessa «reclamação» [folhas 396 a 409 do PA anexo aos autos], a A……… procede a uma pormenorizada análise dos gastos indispensáveis com a prestação do serviço de vigilância e segurança objecto do procedimento de ajuste directo, e relativos a «custos directos mínimos do trabalho», a «custos relacionados com o trabalho» e «remuneração devida à ESPAP», tudo isso com base nas normas legais e nas cláusulas do CCT [Contrato Colectivo de Trabalho] aplicável. E conclui, nessa base, que «o preço apresentado pela B………. não permite cobrir os custos directos mínimos do trabalho, requerendo, nessa conformidade, a «exclusão» da sua proposta.
Esta pretensa demonstração dos gastos necessários à prestação dos serviços de vigilância e segurança a contratar, e requerimento de exclusão da proposta que foi apresentada pela B………., impunha-se à consideração do Júri com laivos de suficiente credibilidade, uma vez que a mesma se mostrava fundamentada nas normas legais e cláusulas contratuais aplicáveis.
Cremos pois, que apesar de estarmos no âmbito da discricionariedade decisória da entidade adjudicante, se impunha ao Júri, perante estes sinais objectivos de que o preço apresentado pela B……… poderia configurar preço anómalo, pedir «esclarecimentos» a esta concorrente, «justificativos do preço total oferecido», sob pena de rejeição da sua proposta caso não fosse justificado o preço ou tal justificação não fosse aceite. Isso era imposto, além do mais, pelo princípio da transparência, indispensável a uma «sã concorrência».
Não tendo procedido a esta avaliação da congruência da proposta da B……….. perante o «preço contratual total» por ela apresentado, o Júri do procedimento omitiu diligência que, no caso, se lhe impunha, e que é susceptível de influir no resultado do procedimento por poder conduzir, eventualmente, à «exclusão» da proposta da B……… com fundamento em «preço total anormalmente baixo».
10. Deverá, portanto, ser anulada a adjudicação do objecto do ajuste directo à concorrente B………, bem como o respectivo contrato entretanto celebrado [ver artigo 283º, nº 2, do CCP]” (sublinhados nossos).

Nestes termos, deverá a E........ ser condenada a pedir esclarecimentos à recorrente nos termos ora expostos e, após, decidir da admissão da proposta apresentada pela mesma.

Caso conclua no sentido da admissão da proposta apresentada pela recorrente, deverá adjudicar-lhe a aquisição dos serviços objecto do concurso público e celebrar com a mesma o competente contrato.

Com efeito, na hipótese de a proposta apresentada pela recorrente ser admitida, o acto de adjudicação a favor da mesma configura-se como a única solução legalmente possível, pois o procedimento adjudicatório não confere à E........ liberdade de escolha, dado que a margem de livre decisão se encontra reduzida a zero, face aos factores e subfactores que fixou no programa do concurso para a avaliação das propostas.

Como acima referido, de acordo com o artigo 13º n.º 1, do programa do concurso, o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com a metodologia de avaliação das propostas constante do respectivo Anexo VII.

O critério da proposta economicamente mais vantajosa mostra-se densificado através dos seguintes factores e subfactores (cfr. Anexo VII, do programa do concurso):
A) Factor Preço – 60%
B) Factor Valia Técnica da Proposta – 40%
B1) Subfactor Qualidade técnica da Equipa Coordenadora afecta à prestação de serviços – 60%
B1.1) Subfactor Experiência como coordenador – 50%
Este subfactor é pontuado de 1 a 10. É avaliada a experiência comprovada dos elementos Coordenadores Operacionais em Central de Segurança no exercício de funções de coordenação. É atribuída a pontuação de 10 se todos os Coordenadores Operacionais tiverem uma experiência superior a 5 anos.
B1.2) Subfactor Conhecimento – 50%
Este subfactor é pontuado de 1 a 10 e a pontuação final resultará da média aritmética das pontuações atribuídas a cada um dos coordenadores. É avaliado o conhecimento de cada coordenador a afectar à prestação dos serviços, na utilização, verificação e controlo dos seguintes sistemas: equipamentos de controlo de acessos (entrada e saída de pessoas), sistemas de intrusão, sistemas de videovigilância e sistemas de controlo de rondas. É atribuída a pontuação de 10 ao Coordenador que tenha conhecimento de utilização, verificação e controlo em 4 ou mais sistemas.
B2) Subfactor Qualidade técnica da Equipa técnica de Vigilantes – 40%
Este subfactor é pontuado de 1 a 10. É avaliada a experiência da Equipa técnica de Vigilantes em função do número de anos de experiência como vigilantes. É atribuída a pontuação de 10 quando pelo menos 80% da equipa técnica de vigilantes apresenta 5 anos ou mais de experiência como vigilante.

Ora, no que respeita ao factor Valia Técnica da Proposta e face aos subfactores fixados no programa do concurso, verifica-se que a margem de livre decisão da entidade adjudicante é nula, por existir apenas uma decisão juridicamente admissível.

Efectivamente, face à factualidade dada como assente sob o n.º 14., verifica-se que terá de ser atribuída à recorrente a pontuação (máxima) de 10 nos subfactores Experiência como coordenador, Conhecimento e Qualidade técnica da Equipa técnica de Vigilantes.

Além disso, no factor preço, a recorrente é a concorrente a obter a pontuação mais elevada, pois apresenta o preço mais baixo (do que as contra-interessadas P..........., E......, C.......... e S..........).

Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência:
- declarada a ilegalidade do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso;
- anulada a deliberação do Conselho de Administração da E........ de 30.9.2015 que excluiu a proposta da recorrente e adjudicou à P........... a aquisição de serviços;
- anulado o contrato celebrado entre a E........ e a P........... em 26.10.2015;
- condenada a E........ a pedir esclarecimentos à recorrente nos termos supra expostos e, após, decidir da admissão (ou exclusão) da proposta apresentada pela recorrente e, caso conclua no sentido da admissão desta proposta, adjudicar-lhe a aquisição dos serviços objecto do concurso público e celebrar com a mesma o competente contrato (neste sentido, Carlos Fernandes Cadilha e António Cadilha, O Contencioso Pré-Contratual e o Regime de Invalidade dos Contratos Públicos, 2013, págs. 262 e 280, incluindo notas 485 e 486).

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Uma vez que as recorridas E........ e P........... ficaram vencidas, deverão suportar as custas, em partes iguais, em ambas as instâncias (cfr. arts. 527º n.ºs 1 e 2 e 528º n.º 1, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Determinar o desentranhamento do documento junto pela P........... a fls. 904 a 908, dos autos em suporte de papel, bem como a sua restituição à apresentante.
II – Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida e, em consequência:
a) Declarar a ilegalidade do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso.
b) Anular a deliberação do Conselho de Administração da E........ de 30.9.2015 que excluiu a proposta da recorrente e adjudicou à P........... a aquisição de serviços.
c) Anular o contrato celebrado entre a E........ e a P........... em 26.10.2015.
d) Condenar a E........ a pedir esclarecimentos à recorrente nos termos supra expostos e, após, decidir da admissão da proposta apresentada pela recorrente e, caso conclua no sentido da admissão desta proposta, adjudicar-lhe a aquisição dos serviços objecto do concurso público e celebrar com a mesma o competente contrato.
III – a) Condenar a P........... na multa de meia UC.
b) Condenar as recorridas E........ e P........... nas custas, em partes iguais, em ambas as instâncias.
IV – Registe e notifique.

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Lisboa, 14 de Julho de 2016



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(Catarina Jarmela - relatora)



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(Conceição Silvestre)



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(Carlos Araújo)


(1) Cfr. art. 73º n.º 1, al. a), do DL 59/99, de 2/3 (“Sem prejuízo de outros exigidos no programa de concurso, a proposta é instruída com os seguintes documentos: a) Nota justificativa do preço proposto;”), e art. 47º n.º 1, al. d), do DL 197/99, de 8/6 (“1 - Nas propostas os concorrentes devem indicar os seguintes elementos: (…) d) Outros elementos exigidos, designadamente nota justificativa do preço.”).
(2) In casu o relativo à admissão da proposta da recorrente.
(3)Terá havido lapso, pois, sendo o preço base no montante de € 163 703,07, 50% corresponde a € 81 851,53.