Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:414/14.9BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IVA,
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I. O art. 75.°, n.º 1 da LGT estabelece que o sujeito passivo beneficia de uma presunção de veracidade e de boa fé das suas declarações, pelo que fica dispensado de provar os factos declarados;
II. No caso, os SIT verificaram incongruências entre os valores contabilisticamente registados e os reflectidos nas declarações fiscais, nos exercícios em causa, incongruências essas que colocam em causa, pelas razões expostas, a presunção de verdade do declarado fiscalmente pelo sujeito passivo;
III. A Impugnante não nega que a contabilidade evidencia os resultados apurados pelos SIT e que permitiram a conclusão quanto à omissão de proveitos; afirma, porém, que os mesmos não são reais, tendo origem em erros nos lançamentos contabilísticos;
IV. Cabia à Impugnante o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que invocou, o que não logrou alcançar, seja relativamente a empréstimos de amigos e familiares, a suprimentos ou a comissões pagas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

R... - E..., Lda., com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que declarou improcedente a IMPUGNAÇÃO Judicial por aquela apresentada, contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico deduzido contra os actos de liquidação adicional de IVA, relativos aos exercícios de 2007 a 2009, no montante de € 138.562,65.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«A. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da circunstância de a aqui Apelante não concordar minimamente com a decisão que negou provimento à Impugnação Judicial apresentada e que manteve as liquidações oficiosas emitidas em sede de IVA por referências aos anos de 2007 a 2009 sendo que, para todos os devidos e legais efeitos, a Apelante impugna as alíneas a) a d) da matéria de facto dada como não provada, havendo aquela ser dada como provada.
B. Motivo pelo qual, se impugna uma tal matéria, a qual deverá, como supra referido, ser objecto de reapreciação, mormente através da reapreciação da prova produzida nos autos.
C. Na verdade, os meios de prova a considerar, e que no modesto entendimento da ora Apelante impõe decisão diversa, são comuns a toda a factualidade ora "em crise" e prendem-se com a prova documental existente, e (des)valorizada nos autos, e bem assim a prova testemunhal produzida e as próprias declarações prestadas pelo legal representante da Ré.
D. Assim, cumpre debruçarmo-nos sobre os vícios apontados às liquidações em causa, passo a passo, relacionando com a prova produzida, de forma a demostrar que os factos não provados - aqui colocados sob sindicância haveriam de ter tido decisão diversa da proferida.

o DA QUESTÃO PRÉVIA - DA ILEGALIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA, POR PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS

E. Em todo o caso, e antes de passar à analise da impugnação da decisão recorrida propriamente dita, apraz salientar que a presente Impugnação Judicial teve como primeiro fundamento o facto de a ora Impugnante não concordar com a improcedência do Recurso Hierárquico por si apresentado, porquanto, a decisão daquele limitou-se ao seu "indeferimento", sem que, a ATA tenha tido minimamente em consideração o requerimento probatório junto pela então Reclamante, em clara e manifesta sonegação e desconsideração de toda a prova, oportuna, legítima e legalmente requerida junto da ATA pela ora Impugnante.
F. Deste modo, a ATA não cuidou de averiguar, verificar ou apurar dos factos alegados pela ora Apelante, sendo que tal omissão de produção de prova influi e interfere directamente com a decisão final proferida, sendo uma tal atitude e conduta evasiva contrária com a melhor aplicação do nosso direito tributário, consubstanciando tal violação uma preterição de formalidade legal e essencial à descoberta da verdade, que deverá determinar a anulação da decisão reclamada.
G. Por todo o exposto, deverá uma tal decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, bem assim, da improcedência do Recurso Hierárquico apresentado, terem-se por ilegais, com todas as consequências daí advenientes, por violação dos artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 13.º, 266.º, 268.º, todos da Constituição da República Portuguesa.

o DO EXCESSO NA QUANTIFICAÇÃO DO VALOR APURADO EM SEDE DE IVA, RELATIVAMENTE ÀS LIQUIDAÇÕES DOS ANOS DE 2008,2009 E 2010

- Reapreciação da prova

H. Caso não se entendesse nos termos supra expostos, o que não se concede, mas por mero dever legal de patrocínio se acautelou, foi ainda objecto da impugnação apresentada e que deu origem a estes autos, o facto de se reputar as liquidações oficiosas emitidas em sede de IVA, referente aos anos de 2007, 2008 e 2009, como, completa e totalmente, desconformes para com a realidade comercial e empresarial da ora Impugnante, aliás conforme desde sempre defendeu.
I. Sendo que, para tanto sustentou a Impugnante que, por um lado, o saldo de €: 100.005,30, constante na conta de clientes já se encontrava saldada em 01/01/2007, tratando-se de um erro nos lançamentos contabilísticos efectuados e que, por outro lado, foram efectuados vários empréstimos à sociedade, para fazer face a dificuldades atravessadas por esta, o que, também foi indevidamente reflectido em termos contabilísticos.
J. Ora, debruçando-se a douta sentença recorrida sob esses dois pontos alegados pela Impugnante veio a considerar que não foi feita prova de tam materialidade, conforme assim levou à matéria de facto não provada sob as alíneas a) a d) - aqui impugnadas.
K. Com efeito, a Impugnante teve a oportunidade de o demonstrar, em sede de Reclamação Graciosa, em relação ao ponto (i) quanto ao valor de €: 100.005,30, através da junção de um conjunto de extractos de conta-corrente dos clientes que, tendo saldo inicial devedor no ano de 2007, nada deviam à Impugnante (Cfr. documento ao diante junto com o n.º 1 [composto por 19 páginas], em sede de Reclamação Graciosa, que aqui se considera como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos).
L. Documentos esses que, desde logo, foram desconsiderados na douta sentença ora recorrida, o que não pode a aqui Apelante aceitar!
M. É que, tais saldos devedores de clientes existentes no início do ano de 2007 - e que totalizavam o valor de €: 100.005,30, como já tinha sido referido aquando do exercício do direito de audição por parte da Impugnante -, referem-se aos valores que os clientes, com referência aquela data, já tinham sido pagos ou sido saldados,pelo que não poderão deixar de ser tomados em conta pela AT. Saldos que se encontravam por regularizar contabilisticamente pela Impugnante, apenas e só, por não terem sido correctamente registados na sua contabilidade por responsabilidade da TOC, conforme, aliás, veio a ser confirmado pela testemunha T..., nos termos exactos das suas declarações supra transcitas e que aqui, por razões de economia processual, se dão por integralmente reproduzidas.
N. Do que, claramente, resulta que, conforme alegado nos autos, os movimentos a débito da conta 26.899999 provêm da circunstância de a Impugnante emitir facturas pela totalidade das importâncias registadas nos seus equipamentos de diversão e recreio, quando parte das mesmas nunca são proveitos próprios mas sim comissões que a Impugnante paga aos proprietários dos estabelecimentos onde os equipamentos se encontram, e do que não eram emitidos os respectivos documentos.
O. Pelo que, a inserção de tais valores pela TOC da aqui Impugnante na respectiva contabilidade, apenas e só se justifica por uma inserção errada e desconforme com a realidade, por má prática contabilística e não por qualquer outra razão, nomeadamente, subtracção de proveitos, conforme, aliás, veio a ser confirmado pela própria TOC, testemunha nos autos, A... (nos termos exactos das suas declarações supra transcitas e que aqui, por razões de economia processual, se dão por integralmente reproduzidas).
P. Assim.reputando-se esta situação apenas e só a erros de contabilização praticados pela Contabilista Certificada, pois não contabilizou correctamente as q uantias referentes as comissões fazendo com que os clientes estivessem sempre numa situação de devedores face à Impugnante, o que não correspondia à verdade - o que foi devidamente comprovado pelas declarações das testemunhas supra transcritas, temos por certo que a matéria de facto provada deveria ter considerado uma tal factualidade.
Q. Ora, acontece que, é das regras da vida quotiana e dos negócios, bem como da experência comum, que jamais um proprietário, explorador ou arrendatário de qualquer estabelecimento comercial, aceitaria colocar em exploração máquinas no seu estabelecimento, se não recebesse uma contraparti da financeira.
R. Pois a ser assim, nenhum estabelecimento aceitaria, a colocação de máquinas pelas quais não tivesse proveitos.
S. Com efeito, as quantias em causa foram contabilizadas na conta 26.8 apenas e só para colmatar aquele "procedimento" que não estava correto, mas nunca significou, "omissão de proveitos", na razão dos €: 100.005,30, apurados pela ATA, pois que, como se disse, tais valores mais não eram do que valores de terceiros, que não poderiam ser por si contabilizados, mas que eram por si recepcionados e depois entregues aos seus proprietários.
T. Para perceber tal situação é necessário, como disse a testemunha T..., perceber a dinâmica do sector: os equipamentos são colocados nos vários estabelecimentos comerciais, a Impugnante recolhe todo o quantitativo, leva-o para a empresa e só depois (mensalmente, ou outra, conforme o cliente) é que é paga a percentagem (comissão) do numerário encontrado nos equipamentos, ao proprietário do estabelecimento onde estes se encontravam - o que foi descurado pelo Dign.º Tribunal "a quo". É a regra e norma de funcionamento em todas as empresas do sector.
U. Malogadamente, e descuidando de tal realidade, considerou o Dign.º Tribunal "a quo" que «Da prova feita decorre que os valores que se encontravam nas máquinas da Impugnante eram suas. (...) Ou seja, os rendimentos provenientes dos equipamentos são seus e deles deveria emitir a factura correspondente com a correspondente liquidação de IVA. A parte desses seus proveitos que cabe aos proprietários dos estabelecimentos mais não é do que uma "comissão" ou um valor devido pela Impugnante aos seus prestadores de serviços/clientes. Ou seja, na contabilidade da Impugnante teria de ser contabilizada a totalidade dos proveitos provenientes dos equipamentos e, em conta de custos - Conta 72 - proveniente de prestações de serviços de terceiros (que no caso seria a cedência do espaço para a instalação dos equipamentos) ou na Conta 62 - Fornecimentos ou Serviços Externos (mais concretamente na conta 62228 - Comissões), deveriam ser contabilizados os montantes relativos às quantias entregues pela Impugnante a estas entidades.».
V. Parece óbvio que, face às explicações dadas pelo gerente da Impugnante e dos documentos anexados ao Relatório, e pelas testemunhas ouvidas em sede de audiência, que os clientes nada devem à Impugnante já que esta depois de contar todo o dinheiro obtido em cada máquina de jogo, entregava-lhes, posteriormente, a metade do apuro correspondente ao valor das pretensas "comissões" pagas pela Impugnante, no dizer da IT.
W. O que, salvo melhor opinião, altera todo o raciocínio e cálculos feitos pela IT, sendo que, face ao modo como se foram registando os proveitos obtidos pela Impugnante nos períodos considerados, se deverá tomar em linha de conta nos mesmos períodos para efeito de apuramento do IVA dos ano de 2007, 2008 e 2009, porque entre 30% e 50% da totalidade dos proveitos obtidos, sempre pertenceram aos "clientes" da Impugnante, por tal resultar do tipo de contrato efectuado. Contrato que permitia aos clientes/depositários dos equipamentos de diversão e recreio, fazer seu uma parte dos rendimentos totais obtidos - ou seja, 30% a 50% do total dos proveitos -, atendendo a que cediam o espaço e tinham a custódia, a gestão e o uso dos equipamentos. Percentagem essa das receitas geradas nos diversos estabelecimentos, que serão proveitos dos "clientes" da Impugnante, devendo, assim, aqueles proceder aos respectivos registos contabilísticos como receitas, e sujeitando-se aos respectivos impostos. E, por ser assim, é que a Impugnante não teria de considerar como receita sua, um valor que lhe não pertencia na verdade.
X. Por isso, e em boa verdade, atendendo ao modo como foram processados os registos contabilísticos dos anos de 2007 a 2009, referentes aos proveitos da Impugnante, poucas dúvidas restam de que, em cada momento, não existirão - nem deverão existir - quaisquer saldos devedores nas contas dos "clientes" da Impugnante, devendo, por conseguinte, ser consideradas saldados por débito da conta 26899999 - Val. Dep. A Justificar p/Gerência, os valores dos saldos dos anos de 2007, 2008 e 2009, por não serem proveitos imputáveis à Impugnante e, desse modo,não poderão nem deverão ser considerados para efeitos da liquidação adicional do IVA.

Ademais que,
Y. Por outro lado, também se diga, em abono da verdade, que a Impugnante alegou nos autos ter recebido empréstimos de empresas e particulares (amigos e familiares dos gerentes da Impugnante) -, reiterando-se o que que já foi dito aquando do exercício do direito de audição, bem assim, em sede de Reclamação Graciosa: 1) - os sócios do SP fizeram diversos empréstimos traduzidos em reforços de tesouraria e das suas poupanças; 2) - os sócios obtiveram empréstimos de um amigo de família, de nome M..., no valor de €: 75.000, conforme contrato de mútuo quer foi junto aos autos pelo SP;
Z. Conforme inclusivamente resulta quer do contrato de financiamento outorgado com a instituição bancária B... (até ao montante de €: 650.000,00) junto aos autos, como do contrato de mútuo com M..., bem assim, as declaracões prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento pelo próprio M... e pelas demais testemunhas (nos termos exactos das suas declaracões supra transcitas e que aqui, por razões de economia processual, se dão por integralmente reproduzidas), que afirmaram o conhecimento de empréstimos em causa.
AA. Por isso, não se pode aceitar que o Dign.º Tribunal ora recorrido não tenha aceite os argumentos da Impugnante para justificar tal valor, razão pela qual, no modesto entendimento da ora Impugnante, mal andou o Dign.º Tribunal "a quo", ao não ter considerado justificada tal factualidade.
BB. Se é verdade que alguns dos registos contabilísticos efectuados na contabilidade da Impugnante, foram pouco ortodoxos e à revelia das melhores práticas, dado que "não reflectiam adequadamente as operações praticadas o que obrigou a regularizar os montantes não recebidos e facturados na conta de clientes a serem transferidos para uma conta 26899999, a qual depois foi creditada por contrapartida de caixa dando a ideia de serem valores efectivamente recebidos", tal não significa que não se possa reconstituir a verdade material, e que não seja possível apurar com a exactidão possível os verdadeiros proveitos apurados ao longo dos exercícios de 2007, 2008 e 2009!
CC. Pelo que, reitere-se. as declaracões fiscais apresentadas pela Impugnante, são a verdadei ra expressão da actividade comercial por si levada a cabo, e gozam ainda da respectiva presunção de veracidade.
DD. Ao ter sido desconsiderada, sem mais, a prova documental junta aos autos, e bem assim, a que resultou da inquirição de testemunhas, mantendo-se as correcções de IVA realizadas pela IT com base em presunções, ilações e métodos de cálculo de imposto que não acolhem qualquer suporte com a realidade/verdade material, violou-se o principio da legalidade (artigo 8.º da LGT), e os princípios da «verdade material» e da «proporcionalidade» (Artigos 5.º, 6.º e 7.º, todos do RCPIT e artigos 55.º e 58.º da LGT).
EE. Aliás decorre do princípio da verdade material que a AT deve tomar todas as decisões com base nos factos tais como se apresentam na realidade quotidiana, não se podendo compadecer com a realidade primária e/ou aparente, devendo fundar a sua actuação e apurar, neste caso, o IVA devido, tendo em consideração os concretos factos tributários que estão inerentes ao apuramento deste imposto, com respeito pelo princípio da dedutibilidade fiscal (IVA liquidado - IVA suportado).
FF. Sendo que «A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.» (Artigo 58.º da LGT)
GG. Assim, um tal princípio tem que ser interpretado em sintonia e em estreita ligação com a consagração constitucional prevista no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, prescrevendo este normativo que «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.»
HH. Pelo que, decorrente de um tal princípio constitucional, decorre automaticamente a consequência pela opção pela tributação do rendimento médio ou de determinado ano e de um conceito próprio de rendimento, tendo por base convicções, presunções e/ou asseverações, ou seja, a IT deveria ter apurado, como lhe competia, os motivos, fundamentos e razões de tais divergências, e não imputar sem mais como rendimento ao qual não foi atribuída qualquer sujeição de imposto a título de IVA, porque, caso a Impugnante não pretendesse liquidar qualquer quantia de IVA, basta-se com a sua simples não inserção na contabilidade.
lI. O que, indevidamente, não foi considerado na douta sentença sob recurso, razão pela qual,se mantém as razões de discordância do aqui Apelante face às correcções de IVA objecto da presente impugnação.
JJ. Não se aceitando, pois, a argumentação validada pelo Dign.º Tribunal "a quo", pois que, por tudo o exposto, claro resulta que a tributação em causa partiu de pressupostos errados, pressupostos esses que não vieram sequer a ser confirmados em sede de julgamento nestes autos, motivo pelo qual, tendo em conta todo o supra exposto, deverá este Dign.º Tribunal, numa primeira linha, reconhecer os vícios enunciados supra, com a consequente revogação da sentença aqui recorrida, e, a final, decidindo pela anulação total das liquidações oficiosas adicionais emitidas, ou caso ainda assim não se entenda, pela anulação parcial dessas mesmas liquidações, com todas as consequências legais daí advenientes, farão como sempre inteira justiça.
KK. Pois que, em suma, da conjugação da prova documental e testemunhal produzida jamais se poderia imputar à aqui Apelante os rendimentos "constantes" da conta 26.8, nunca e em momento algum poderiam pois tais valores ser considerados para efeitos presuntivos de obtenção de rendimentos pela Apelante.
LL. Tudo o supra alegado pela agora Apelante colhe a respectiva prova nas declarações prestadas pelo legal representante da aqui Apelante e testemunhas na audiência realizada no dia 08-11-2016 e cujos excertos supra se transcreveram.

POR TUDO O SUPRA EXPOSTO,

MM. Resulta que a douta Sentença ora recorrida não se coaduna com a realidade tributária e os factos a si subjacentes, bem como existe, concreta e objectivamente, uma excessiva, desproporcional e desmesurada quantificação de rendimento, que cuminou com as liquidação aqui impugnadas, o que fere de forma flagrante as regras da experência comum.
NN. Tendo, por isso, ao ter como provada uma materialidade, e como não provada outra, conforme supra se disse, feito uma incorrecta valoração dos meios de prova que lhe foram apresentados, violando, pois, o espírito subjacente ao disposto no art.º 362.º do e.e. e, bem assim, nos artigos 410.º e 413.º todos do C.P.C..
OO. Termos em que, enfermando a douta decisão sob recurso de erro de julgamento nos termos do art.º 712.º do C.P.C., impõe-se a modificação da decisão de facto nos termos supra expostos, ou seja, a alteração da resposta a tais quesitos, supra elencados, de forma a que sejam incluídos na fundamentação de facto como factos provados, e, consequentemente, aplicando as normas jurídicas correspondentes, deve ser revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue improcedente, por não provada, a presente acção.
PP. Seja, entende modestamente a ora Impugnante que devem ser anuladas as liquidações adicionais do IVA dos anos de 2007, 2008 e 2009 nos valores aí referidos, devendo, para o efeito, serem considerados todos os valores justificados e as correcções referidas pela Impugnante oportunamente reclamadas, e Impugnadas, dado ter havido uma errónea qualificação e quantificação dos factos considerado.s pela Inspecção Tributária como proveitos que, de facto, não o são.
QQ. Assim, e sempre com todo o devido e merecido respeito, entende modestamente a Apelante/Apelante que a Sentença ora recorrida, viola, entre outros, os seguintes normativos legais:
- artigos 2.º, n.º 1, 5.º, 6.º, 7.º, 21.º, todos do RCPIT;
- artigos 8.º, 11.º, 55.º, 57.º, 58.º, 63.º, 74.º, 77.º, todos da LGT; e,
- artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 13.º, 266.º, 268.º, todos da CRP.
RR. Pelo que, deverá ser a decisão judicial revogada por uma outra que conceda provimento à Impugnação Judicial apresentada e nessa medida que sejam anuladas as liquidações oficiosas emitidas em sede de IVA por referência aos anos de 2007 a 2009 para todos os devidos e legais efeitos e com todas as consequências daí advenientes.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.as Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a decisão ora recorrida e substituída por outra que julgue o presente Recurso procedente, por provado, para todos os devidos e legais efeitos, com o que V.as Ex.as julgarão, como sempre, com inteira e sã JUSTIÇA!»

A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de negar provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ “questão prévia” de “ilegalidade da decisão administrativa por preterição de formalidades legais” (conclusões E) a G);
_ erro de julgamento de facto ((cfr. conclusões A) a C), H) a X), Y) a AA), OO), NN), KK), LL);
_ erro de julgamento de direito (conclusões BB) a JJ), MM), PP), QQ), RR)).

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II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. No dia 02/07/2003 foi outorgado no Primeiro Cartório Notaria de Almada uma escritura Pública de Hipoteca entre M... e M..., como primeiros outorgantes, e o Banco B..., S.A. como segundo outorgante, e da qual consta que os primeiros outorgantes constituem a favor do Banco hipotecas sobre três imoveis sua propriedade e que as mesmas se destinam a garantir o integral pagamento de todas e quaisquer responsabilidades, assumidas e a assumir perante o Banco pelos primeiros outorgantes e pela Sociedade R... - E..., Lda., até ao limite de € 650.000,00, provenientes de todas e quaisquer operações bancárias, designadamente aberturas de crédito, mútuos, confissões de dívidas, empréstimos de quantia certa, descoberto em conta, operações de desconto, letras livranças de que o Banco seja portador, aceites bancários, avales e/ou fianças, prestação de garantias bancárias, confirmação de créditos documentários e missão de títulos de dívida (cfr. doc. junto a fls. 105 a 120 dos autos);


2. Em 02/02/2006 foi celebrado entre M... e R... - E..., Lda., um contrato de Mútuo do qual consta que M... concede um empréstimo à R... - E..., Lda., no montante de € 75.000,00, sem qualquer prazo estipulado e sem o vencimento de quaisquer juros (cfr. doc. junto a fls. 222, frente e verso, dos autos);

3. O contrato identificado no ponto anterior foi celebrado por documento particular (cfr. doc. junto a fls. 222, frente e verso, dos autos);

4. Do Balancete Geral Financeiro Acumulado de Abertura do exercício de 2007 consta da Conta 21 – Clientes – um saldo a débito de € 150.834,85 (cfr. doc. junto a fls. 244 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);

5. A Impugnante foi objecto duma acção inspectiva à sua contabilidade relativamente aos exercícios de 2007 a 2009 (cfr. doc. junto a fls. 138 s 158, frente e verso, do processo instrutor junto aos autos);

6. Em data que não se consegue apurar concretamente mas no decurso da acção inspectiva, a Impugnante remeteu à Direcção de Finanças de Setúbal um documento do qual consta o seguinte: “(…) O valor de 421 222.44 € que se encontra erradamente na nossa contabilidade reportado a 31/12/2006, resulta de factores diversos completamente alheios a nossa empresa, traduzido na inserção de valores que não traduzem a realidade da empresa e, nomeadamente os seguintes:

1- Na conta de clientes, o saldo que se encontra mencionado no valor de 100 005,30€, da data supra referida já se encontrava saldada. Na verdade a totalidade daquele valor foi integralmente pago pelos nossos clientes, conforme documentos de suporte na nossa posse e, só se encontra como saldo credor na contabilidade por não terem sido lançados correctamente pela contabilidade.

(…)

4- Quanto ao valor de 179 725,89€, tendo em conta o período difícil e conturbado em termos financeiros porque a empresa passou nos anos de 2005 e 2006, houve necessidade de recorrer a empréstimos de particulares e empresas que se disponibilizaram a garantir a viabilidade financeira da empresa.” (cfr. doc. junto a fls. 243, verso, do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);

7. No âmbito da acção inspectiva identificada no ponto anterior foi elaborado em 14/12/2011 o relatório inspectivo do qual, com interesse para os autos, consta o seguinte:
«Imagem no original»
















«Imagem no original»






(…)



(…)

«Imagem no original»

(…)”
(cfr. doc. junto a fls. 138 s 158, frente e verso do processo instrutor junto aos autos);
8. O extracto da conta 26.899999, denominada “Valores depositados a justificar p/gerência” teve como primeiro lançamento – Movimento de Abertura – a quantia de € 421.222,44 a crédito, datado de 01.01.2007 (cfr. doc. junto a fls. 152 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
9. No exercício de 2007, o extracto de conta identificado no ponto anterior, foi movimentado a débito pelas quantias de € 24.866,22, € 3.875,00, € 1.846,00, € 4.059,79, € 112.750,03 e € 22.039,04, num total anual de € 169.436,08 (cfr. doc. junto a fls. 152 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
10. No exercício de 2007, o extracto de conta identificado no ponto anterior, foi movimentado a crédito, tendo como contrapartida “Cheques” ou “Caixa”, pelas quantias de € 35.025,66, € 29.495,86, € 11.406,23, € 18.114,88, € 6.183,38, € 33.770,46, € 17.008,58, € 30.819,00 e € 9.095,43, num total anual de € 612.088,92, entre outros montantes que tiveram como contrapartidas “Diversos” (cfr. doc. junto a fls. 152 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
11. Em 31/12/2007 o extracto da conta 26.899999 possuía um saldo final credor no montante de € 442.652,84 (cfr. doc. junto a fls. 152 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
12. O extracto da conta 26.899999 teve um saldo inicial de 2008 no montante de € 442.652,84 a crédito (cfr. doc. junto a fls. 153 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
13. No exercício de 2008, o extracto de conta identificado no ponto anterior, foi movimentado a débito pelas quantias de € 10.093,27, € 57.730,75, € 0,70, € 1,00, € 67.593,34, € 57.322,40, € 1,00, €35.508,66, € 15.701,87 e € 0,50, num total anual de € 274.821,03 (cfr. doc. junto a fls. 153 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
14. No exercício de 2008, o extracto de conta identificado no ponto anterior, foi movimentado a crédito tendo como contrapartida a conta “Caixa” pelas quantias de € 7.379,64, € 32.092,74, € 30.270,52, € 667,55, € 13.909,01, € 15.692,25, € 34.295,59, € 17.502,85, € 14.734,96, € 5.683,91, e € 2.080,61, num total anual de € 174.309,63, entre outros montantes que tiveram como contrapartidas “Diversos” (cfr. doc. junto a fls. 153 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
15. Em 31/12/2008 o extracto da conta 26.899999 possuía um saldo final credor no montante de € 412.069,60 (cfr. doc. junto a fls. 153 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
16. O extracto da conta 26.899999 teve um saldo inicial de 2009 no montante de € 412.069,60 a crédito (cfr. doc. junto a fls. 154 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
17. No exercício de 2008, o extracto de conta identificado no ponto anterior, foi movimentado a débito num total anual de € 474.447,97 (cfr. doc. junto a fls. 154 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
18. No exercício de 2008, o extracto de conta identificado no ponto anterior, foi movimentado a crédito, tendo como contrapartida a conta “Caixa”, pelas quantias de € 1.350,03, € 8.607,83, € 10.666,92, € 18.515,74, num total anual de € 39.140,52, entre outros montantes que tiveram como contrapartidas “Diversos” (cfr. doc. junto a fls. 154 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
19. Em 31/12/2008 o extracto da conta 26.899999 possuía um saldo final no montante de € 0,00 (cfr. doc. junto a fls. 154 do processo instrutor – volume relativo ao projecto de Relatório);
20. Em 17/12/2011 foram efectuadas as liquidações adicionais de IVA com os números 11197238, 11197240, 11197242, 11197244, 11197246, 11197248, 11197250, 11197252, 11197254, 11197256 e 11197258, referentes aos períodos 03T2007 a 12T2008 e aos meses de Julho, Setembro, Outubro e Novembro de 2009, no valor de 26.355,09, 20.137,69, 19.758,40, 24.208,28, 5.059,63, 22.496,89, 7.499,83, 450,01, 2.869,28, 3.555,64 e 6.171,91, respectivamente, da Impugnante (cfr. docs. juntos a fls. 134 a 135 do processo de reclamação graciosa junto aos autos);
21. Em 17/12/2011 foram efectuadas as liquidações de juros compensatórios com os números 11197239, 11197241, 11197243, 11197245, 11197247, 11197249, 11197251, 11197253, 11197255, 11197257 e 11197259, devidos relativamente a cada uma das liquidações identificadas no ponto anterior (cfr. docs. juntos a fls. 136 a 137 do processo de reclamação graciosa junto aos autos);
22. A Impugnante apresentou articulado de Reclamação graciosa dos actos de liquidação identificados nos dois pontos anteriores (cfr. doc. junto a fls. 1 a 54 do processo de reclamação graciosa junto aos autos);
23. A reclamação graciosa identificada no ponto anterior foi indeferida por despacho do Director de Finanças de Setúbal de 17/08/2012 (cfr. doc. junto a fls. 200 do processo de reclamação graciosa junto aos autos);
24. A impugnante apresentou recurso hierárquico do despacho identificado no ponto anterior (cfr. docs. junto a fls. não numeradas do recurso hierárquico junto ao processo de reclamação graciosa junto aos autos);
25. Por despacho de 10/12/2013 foi o recurso hierárquico melhor identificado no ponto anterior indeferido (cfr. docs. junto a fls. não numeradas do recurso hierárquico junto ao processo de reclamação graciosa junto aos autos);
26. A Impugnante era proprietária de várias máquinas de diversão e recreio (depoimento das testemunhas A... e T...);
27. As máquinas identificadas no ponto anterior eram colocadas para serem utilizadas em vários estabelecimentos comerciais (depoimento das testemunhas A... e T...);
28. Os proprietários dos estabelecimentos comerciais onde se encontravam as máquinas tinham uma comissão sobre as receitas das máquinas que se encontram nos seus estabelecimentos (depoimento das testemunhas A... e T...);
29. A comissão de cada uma dos proprietários dos estabelecimentos comerciais oscilava entre 30% e 50% (depoimento das testemunhas A... e T...);
30. Os funcionários da Impugnante deslocavam-se aos vários clientes para recolher o numerário que se encontrava nas várias máquinas de jogo que se encontravam nas instalações dos seus clientes (depoimento da testemunha T...);
31. O numerário recolhido pelos funcionários da Impugnante era entregue nas instalações da Impugnante (depoimento da testemunha T...);
32. Muitos clientes da Impugnante, entre 2007 a 2009, não emitiam facturas das comissões pagas pela Impugnante (depoimento da testemunha T...);
***
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
a) Não ficou provado que nos anos de 2007 a 2009 tivessem ocorrido entradas de capital na sociedade provenientes de empréstimos concedidos pelo Banco B..., S.A.;
b) Não ficou provada a existência de empréstimos por parte de familiares ou outros nos exercícios de 2007 a 2009;
c) Não ficou provado que o pai da sócia gerente da Impugnante tenha efectuado empréstimos à Impugnante.
d) Não ficou provado terem sido efectuados suprimentos dos sócios à sociedade.
***
A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
A testemunha A..., Contabilista Certificada da Impugnante à data dos factos, foi segura, coerente e demonstrou ter conhecimento directo dos factos a que foi inquirida. Afirmou que nunca viu quaisquer documentos relativos a documentos comprovativos de empréstimos de familiares e amigos da sociedade. Referiu que os gerentes da Impugnante lhe afirmaram que tal acontecia, mas nunca lhe foi entregue qualquer documento. Sabia que existiam muitos empréstimos bancários, junto do Banco B.... Não tinha conhecimento de valores dos alegados empréstimos bancários.
A testemunha T..., trabalhava na sociedade e afirmou que sabia que a sociedade tinha dificuldades financeiras. O seu depoimento foi prestado, na sua grande maioria por ouvir dizer, não tendo tido conhecimento directo dos factos. Referiu que existiam empréstimos de familiares, nunca viu quaisquer documentos comprovativos dos mesmos. Referiu-se à existência dum empréstimo do pai da sócia gerente, de cerca de cem mil euros, mas nunca viu qualquer documento, não soube precisar quando esse empréstimo teria sido feito, de que montante, e afirmou que apenas teve conhecimento por tal lhe ter sido transmitido pela sócia gerente, anos mais tarde. Também nunca conheceu o pai da sócia gerente da Impugnante, nunca assistiu a qualquer conversa entre o pai da sócia gerente e a referida sócia sobre o empréstimo. O depoimento desta testemunha foi vago, impreciso e não demonstrou ter conhecimento directo dos factos a que depôs.
A terceira testemunha inquirida, M..., limitou o seu depoimento a confirmar a circunstância de ter efectuado um empréstimo à sociedade, referindo sempre que o empréstimo foi efectuado ao seu amigo.
*
Aos autos não foi junto nenhum documento comprovativo da existência de empréstimos particulares nos anos de 2007 a 2009, nem nos anos anteriores à excepção do contrato de mutuo que consta da matéria de facto assente.
Mesmo no que respeita à prova testemunhal produzida nenhuma das testemunhas conseguiu afirmar ao tribunal quem tinha efectuado empréstimos à Impugnante, os seus montantes, bem como as datas em que os mesmos haviam sido concedidos, nem a forma como os mesmos teriam operado. De facto, ficou por determinar que os empréstimos teriam sido efectuados mediante transferência bancária, numerário, ou qualquer outra forma. No que respeita ao alegado mútuo do pai da sócia gerente, não ficou o mesmo provado uma vez que nenhuma das testemunhas conseguiu concretizar o seu valor, nem a data, ainda que apenas com referência ao ano, em que o mesmo teria sido realizado.
*
Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.»

*

Com base na matéria de facto supratranscrita a Meritíssima Juíza do TAF de Almada julgou improcedente a impugnação judicial.

A Impugnante nas suas conclusões E) a G) vem invocar, enquanto “questão prévia”, a “ilegalidade da decisão administrativa por preterição de formalidades legais”, na medida que a decisão do recurso hierárquico não considerou o seu requerimento probatório, violando-se, portanto, o disposto nos artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 13.º, 266.º, 268.º da CRP.

Apreciando.

O recurso jurisdicional tem por objecto a sentença recorrida, sendo o meio adequado a obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores (e que não tenham sido objecto de decisão transitada em julgado) obtendo, deste modo, a sua anulação ou alteração com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento), pressupondo, em regra, que o tribunal recorrido já tenha apreciado as questões objecto de recurso.

Assim sendo, os recursos não constituem meio adequado para criar decisões sobre matéria nova, ou seja, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

Ora, a verdade é que a sentença recorrida não se pronunciou sobre tal questão, e analisada a p.i. da Impugnante bem se compreende a razão, pois tal questão nunca foi suscitada na 1.ª instância, e, portanto, estamos perante uma “questão nova”, ou seja, uma questão que é suscitada pela primeira vez em recurso.

Conforme a jurisprudência da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado, reiterada e uniformemente, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, e por essa razão, regra geral, em sede de recurso, não se pode tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado (cf. Ac. do STA de 05/11/2014, proc. n.º 01508/12, de 01/10/2014, proc. n.º 0666/14, de 13/11/2013, proc. 1460/13, de 28/11/2012, proc. 598/12, de 27/06/2012, proc. 218/12, de 25/01/2012, proc. 12/12, de 23/02/2012, recurso 1153/11, de 11/05/2011, proc. 4/11, de 1/07/2009, proc. 590/09, 04/12/2008, proc. 840/08, de 2/06/2004, proc. 47978 (Pleno da Secção do Contencioso Tributário).

In casu, apesar de estarmos perante uma questão nova, que em regra não poderá ser conhecida em sede de recurso, a verdade é que a questão suscitada é enquadrada na violação de normativos constitucionais, e assim sendo, deve ser conhecida pelo tribunal de recurso na medida em que nas questões suscitadas junto dos tribunais, estes não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os seus princípios (art. 204.º da CRP).

Vejamos, então.

Ora, não se vislumbra qualquer violação preceitos Constitucionais invocados pela Recorrente, pois nem mesmo nas alegações de recurso vem minimamente densificada em que consiste a violação do disposto artigos 2.º (Estado de direito democrático), 3.º, n.º 2 (soberania e legalidade), 13.º (princípio da igualdade), 266.º (princípios fundamentais), 268.º da CRP (direitos e garantias dos administrados).

Não obstante, o que está em causa é saber se se verifica uma violação do direito à prova e à tutela jurisdicional efectiva. Mas não nos parece que, in casu, tenha sido violado o direito à prova, não tendo sido afectado o direito de defesa da Recorrente, nem o direito à tutela jurisdicional efetiva.

Senão, vejamos.

Como resulta do processo administrativo a Recorrente apresentou uma reclamação graciosa, na qual arrolou testemunhas, que não foram ouvidas no âmbito deste procedimento impugnatório gracioso, e no qual foi proferida decisão de indeferimento.

Sucede que a Recorrente se conformou com a decisão de não produção desse meio de prova oferecido, porque no recurso hierárquico apresentado dessa decisão, em momento algum é sindicada a não audição das testemunhas arroladas. Ou seja, poderia ter invocado a violação do direito à prova, ainda em sede procedimental, sindicando-se a ilegalidade do despacho de reclamação graciosa junto do superior hierárquico de modo a que, ainda no procedimento tributário, pudesse ver eliminada da ordem jurídica aquela decisão que considerava violadora dos seus direitos constitucionais. Sucede que, no seu livre arbítrio, a Recorrente optou por não o fazer.

Ao não ter sindicado tal vício que no seu entender se verificava, nenhuma ilegalidade poderá ser imputada à decisão de indeferimento do recurso hierárquico com esse fundamento.

Mas, mais, repare-se ainda que no requerimento de recurso hierárquico já não vêm arroladas quaisquer testemunhas, o que reforça o entendimento de que a Recorrente se conformou com a decisão proferida na reclamação graciosa nessa parte, e desistiu da produção de prova testemunhal no âmbito do procedimento tributário impugnatório ao não ter arrolado qualquer testemunha em sede de recurso hierárquico.

Ademais, nem sequer na petição inicial de impugnação judicial apresentada na sequência daquela decisão de indeferimento a Impugnante vem sindicar a legalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico com o fundamento de não produção de prova testemunhal, o que reforça o nosso entendimento de que se conformou com essa decisão, que poderia efectivamente ter sido sindicada em 1.ª instância e não foi. Portanto, não se vislumbra que agora, em sede de recurso essa causa de pedir nova seja apta para colocar em causa a decisão de indeferimento proferida no recurso hierárquico face a todo o circunstancialismo supra descrito.

Por outro lado, em última instância o que releva é que o direito à prova da Recorrente também não ficou minimamente beliscado porque não colocou em causa o seu direito de defesa, nem o seu direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva salvaguardados pela Constituição, na medida em que, do despacho de indeferimento do recurso hierárquico coube impugnação judicial, e o tribunal deu à Recorrente a oportunidade de produzir toda a prova requerida, inclusive a testemunhal.

Nessa medida, não foram violados os normativos constitucionais invocados, pois em tribunal foi garantida à Recorrente, o direito à prova, assegurando-lhe a efectividade da sua defesa, garantindo-lhe uma tutela jurisdicional efetiva (art. 268.º, n.º 4 da CRP).

Pelo exposto, improcedem as conclusões E) a G) das alegações de recurso.

Prosseguindo.

A Recorrente não se conforma com o decidido, imputando à sentença recorrida, desde logo, erro de julgamento de facto, ao impugnar os factos não provados constantes das alíneas a) a d), pretendendo que estes factos sejam dados como provados, pela reapreciação da prova produzida nos autos, nomeadamente, a prova documental existente, a prova testemunhal e as declarações prestadas pelo legal representante da Impugnante (cf. conclusão A) a C), e OO) das conclusões das alegações de recurso), invocando que houve uma incorrecta valoração dos meios de prova pois não se poderia imputar à Recorrente os rendimentos constantes da conta 26.8, violando-se o espírito do art. 362.º do C.C. e do art. 410.º e 413º do CPC (conclusão NN), KK), LL), NN) das alegações de recurso).

No que diz respeito à conta de clientes sustentou a Impugnante que a conta se encontrava saldada com base no documento n.º 1, conjunto de extractos de conta corrente, junto com a reclamação graciosa, documentos que foram desconsiderados pela sentença recorrida, como veio a ser confirmado pela testemunha T..., não existiam quaisquer saldos devedores nas contas dos clientes porque devem ser consideradas saldadas por débito da conta 26899999. Invoca a Recorrente que os movimentos a débito da conta 26.899999 tratam-se de comissões que a Impugnante paga aos proprietários dos estabelecimentos onde os equipamentos se encontram, pelo que se trata de uma “má prática contabilística” e não omissão de proveitos, como veio a ser confirmado pela TOC A..., de igual modo, importa considerar o depoimento da testemunha T... (conclusões H) a X) das alegações de recurso).

Por outro lado, invoca ainda que recebeu empréstimos de empresas e particulares (amigos e familiares dos gerentes da Impugnante), designadamente de um amigo da família, M..., como resulta do seu depoimento prestado em tribunal, bem como do contrato de mútuo, bem como resulta do contrato de financiamento do B... (até ao montante de 650.000,00€) e depoimento das testemunhas, pelo que nesta parte, verifica-se erro de julgamento de facto (conclusões Y) a AA) das alegações de recurso).

Apreciando.

São os seguintes os factos não provados impugnados:

“a) Não ficou provado que nos anos de 2007 a 2009 tivessem ocorrido entradas de capital na sociedade provenientes de empréstimos concedidos pelo Banco B..., S.A.;
b) Não ficou provada a existência de empréstimos por parte de familiares ou outros nos exercícios de 2007 a 2009;
c) Não ficou provado que o pai da sócia gerente da Impugnante tenha efectuado empréstimos à Impugnante.
d) Não ficou provado terem sido efectuados suprimentos dos sócios à sociedade.”

Ora, a Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção no âmbito da qual foram efectuadas correcções em sede de IRC aos exercícios de 2007, 2008, e 2009, com base nas quais se efectuaram as respectivas correcções em sede de IVA aos exercícios de 2007, 2008, e 2009 objecto dos presentes autos, correcções que constam do mesmo relatório de inspeção. Aquelas liquidações de IRC foram impugnadas junto do TAF de Almada, processo de impugnação judicial n.º 1784/15.7BEALM, no âmbito do qual foi proferido o acórdão do TCA Sul datado de 23/04/2020. A prova testemunhal produzida e gravada nos autos de impugnação judicial das liquidações de IRC foi aproveitada para o presente processo referente ao IVA.

Portanto, verifica-se uma total identidade da prova testemunhal produzida em ambos os processos, bem como da prova documental, e existe identidade dos fundamentos da impugnação da matéria de facto apresentados em ambos os recursos (referente ao IRC e o presente referente ao IVA), sendo que, também no presente processo a Recorrente dá cumprimento ao ónus previsto disposto no art. 640.º do CPC.

Assim sendo, e por concordarmos com o que foi decidido naquele acórdão, que em tudo é aplicável ao caso dos autos aqui o seguimos na íntegra, sublinhando que o facto não provado constante da alínea a) do presente processo corresponde, no essencial, ao facto não provado no ponto 3) referido naquele acórdão do TCAS, e os constantes das alíneas b) e c) do presente processo, ao ponto 4) daquele outro acórdão, por fim o facto contante da alínea d) do presente processo corresponde ao ponto 2. Portanto, sufragamos a fundamentação daquele acórdão que se aplica ao caso dos autos mutatis mutandis, sendo de concluir que, in casu, também não se verifica o invocado erro de julgamento de facto, sendo de manter a matéria de facto dada como não provada pela 1.ª instância.

Neste contexto, quando ao erro de julgamento de facto entendeu-se o seguinte naquele acórdão que aqui sufragamos:

“Em primeiro lugar, a discordância da Recorrente dirige-se ao julgamento da matéria de facto, concretamente ao julgamento dos pontos 1), 2), 3) e 4) dos factos não provados, os quais a R... entende que devem, face aos elementos de prova (documental, testemunhal e declarações do representante legal do sujeito passivo), ser considerados provados.

Relembremos a dita matéria considerada não provada:

“1. Os saldos devedores de clientes existentes no início do ano de 2007 referem-se a valores que os clientes já tinham saldado;

2. Os sócios da Impugnante fizeram diversos empréstimos à Impugnante;

3. Nos anos de 2007 a 2009 ocorreram entradas de capital na sociedade provenientes de mútuos celebrados com instituições Bancárias, designadamente, com o “Banco B..., SA”;

4. Nos anos de 2007 a 2009, familiares dos sócios da Impugnante e terceiros realizaram empréstimos à sociedade Impugnante”.

Vejamos.

Estabelece o artigo 640º do CPC o “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, nos seguintes termos:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

Ao longo do corpo das alegações a Recorrente, ainda que de forma dispersa, pretendeu dar cumprimento ao disposto no preceito transcrito, em termos que, não sendo modelares, são ainda aptos a que se considere cumprido o apontado ónus que sobre si recai.

Comecemos pelos pontos 3 e 4 dos factos não provados, lembrando que a Recorrente pretende que se considere provado que “Nos anos de 2007 a 2009 ocorreram entradas de capital na sociedade provenientes de mútuos celebrados com instituições Bancárias, designadamente, com o “Banco B..., SA” e, bem assim, que “nos anos de 2007 a 2009, familiares dos sócios da Impugnante e terceiros realizaram empréstimos à sociedade Impugnante”.

Para tanto, remete para o documento a que se reporta a alínea E) dos factos provados e, bem assim, para o depoimento das testemunhas T..., A... e M... (facto não provado 4) e para os depoimentos de A... e T..., declaração do representante legal e documento a que se reporta o ponto D) dos factos provados (facto não provado 3).

Sem razão, porém. Com efeito, considerada a prova indicada não se vê como alterar os dois apontados factos não provados, sendo de corroborar inteiramente a motivação da matéria de facto evidenciada a este propósito na sentença.

Sublinha-se que as testemunhas A... e T... não demonstraram conhecimento directo, preciso e circunstanciado sobre qualquer empréstimo, respectivos montantes ou reembolsos. Mesmo em relação ao alegado empréstimo efectuado pelo pai da sócia, a testemunha T… apenas revelou saber “de ouvir dizer”, nada demonstrado saber em concreto. A testemunha A…, a este propósito, refere também que o que sabe é o “que a gerência me disse”.

Não obstante o teor do facto provado constante da alínea E), o qual respeita ao contrato de mútuo celebrado entre a Impugnante e M..., a verdade é que, mesmo considerando o depoimento do dito mutuante, tal revela-se manifestamente insuficiente para as pretensões da Recorrente, pois que, como refere a sentença, “o aludido empréstimo foi efectuado no ano de 2006, pelo que não se vislumbra que o mesmo possa estar na origem dos vários movimentos a crédito na conta 26899999 dos anos de 2007, 2008 e 2009”.

Quanto aos alegados empréstimos bancários, reitera-se aqui a análise exaustiva feita a este propósito pela sentença, na qual se lê, com inteiro acerto, que: “Quanto à existência de empréstimos bancários, a Impugnante não logrou provar a sua realização. É certo que em audiência e no decurso da declaração de parte é feita alusão a um contrato de empréstimo com o “Banco, B..., SA”, no montante de um milhão de euros, tendo o Tribunal ao abrigo do inquisitório ordenado a sua junção aos autos, mas a verdade é que o documento que foi junto aos autos tendente a provar a aludida realidade fáctica mais não é que a hipoteca evidenciada na alínea D) e já anteriormente analisada e que não permite fazer prova do alegado.

Na verdade, a hipoteca mais não é que uma garantia real que confere ao credor o direito de ser pago com prioridade face a todos os outros credores que não beneficiem de privilégio creditório especial, direito de retenção ou prioridade de registo através do produto da venda de certos bens imóveis ou bens móveis equiparados, sobre os quais incide a hipoteca. Sendo certo que confere ao credor, em caso de incumprimento contratual por parte do devedor, não a propriedade do bem hipotecado, mas sim o poder de satisfazer o seu crédito através do valor obtido com a venda judicial do bem hipotecado.

Acresce que não foi junto qualquer documento que permita atestar a entrada do dinheiro na esfera da sociedade, o histórico do seu pagamento com os respetivos juros suportados.

Note-se, outrossim, que a contabilização do empréstimo teria de ser concretizada na conta 25-Financiamentos obtidos, o que não se afigura que tenha ocorrido, nem tão- pouco a Impugnante alega nesse sentido.

Com efeito, aquando da entrada do empréstimo deveria ser creditada a conta 25- Financiamentos obtidos, por contrapartida da conta 12 - depósitos à ordem (a débito). Sendo certo que por cada prestação: em ordem ao capital deveria ser debitada a conta 25- Financiamentos obtidos e quanto aos juros, debitando-a, a conta 691- Juros suportados, tudo por contrapartida da 12 - depósitos à ordem (a crédito)”.

Ora, nenhum dos apontados depoimentos põe em causa o que se transcreveu, sabido que nada foi concretizado pelas testemunhas sobre empréstimos bancários, nem tão-pouco foram exibidos documentos demostrativos dos mesmos ou dos correspondentes fluxos financeiros.

Passemos ao facto não provado a que corresponde o nº 2, ou seja, “Os sócios da Impugnante fizeram diversos empréstimos à Impugnante”.

Quanto a este alegado circunstancialismo de facto nenhuma prova foi produzida, sendo de realçar que, para além de inexistir qualquer prova documental ou registo de empréstimos/ suprimentos dos sócios, a verdade é que as testemunhas ouvidas, concretamente A... e T..., nada referem a esse propósito.

Foquemos agora a nossa atenção no ponto 1 dos factos não provados: “Os saldos devedores de clientes existentes no início do ano de 2007 referem-se a valores que os clientes já tinham saldado”.

Recuperemos, a este propósito, o que levou o TAF de Almada a considerar tal facto não provado. A Mma. Juíza escreveu o seguinte:

“Quanto ao ponto número 1 da factualidade não provada, o Tribunal entende que não resultou provada a realidade alegada pela Impugnante nos artigos 56.º e 57.º da PI, por não ter sido apresentada qualquer prova que possa atestar tal facto, seja ela documental ou testemunhal, sendo certo que não se afigura suficiente para o efeito e sem mais, os extratos de conta corrente dos clientes juntos em sede de reclamação graciosa e que se faz alusão na alínea JJ) da factualidade assente, quando, aliás, a produção de prova testemunhal foi genérica e não circunstanciada.

Note-se que o depoimento de A..., responsável pela contabilidade nessa data, revelou-se, nesse particular, ambíguo. Pese embora tenha referido existirem valores que deveria ter contabilizado como pagos, acrescentou que não o fez por não ter informação nesse sentido, além de que todos os lançamentos contabilísticos tinham suporte documental.

Por seu turno, a testemunha T... pese embora tenha sido mais assertiva no sentido de se encontrarem registadas contabilisticamente dívidas que já se encontravam saldadas, concretizando que inexistem quaisquer documentos que atestem essa realidade, a verdade é que o seu depoimento não foi, como se impunha, devidamente circunstanciado, com evidências de datas, de montantes específicos e com enumeração concreta de clientes. Acresce, outrossim, que esta testemunha, conforme afirmou, só iniciou funções na Impugnante em maio ou junho de 2007, pelo que não pode ter conhecimento direto de factos anteriores a esta data.

Não basta para o efeito alegar que parece óbvio face às explicações dadas pelo gerente do contribuinte e dos documentos anexados ao Relatório que os clientes nada devem à Impugnante já que esta depois de contar todo o dinheiro obtido em cada máquina, entrega-lhes metade ou outro valor do apuro correspondente ao valor das comissões pagas pela Impugnante.

De relevar, outrossim, que do acervo fáctico constante nas alíneas N) e O), R) e S), V) e W), não se pode retirar, sem mais, que inexistem quaisquer dívidas, sendo que a emissão de uma nota de pagamento pela Impugnante não preclude, nem pode precludir a necessidade de emissão de uma fatura pelo comissionista.

Assim, as valorações genéricas e não devidamente circunstanciadas em termos factuais acerca dos saldos contabilísticos e desacompanhada de mais elementos, não permite concluir pela realidade fáctica alegada pela Impugnante”.

A propósito deste facto, a Recorrente insiste que o montante de € 100.005,30 refere-se a valores que os clientes, no início de 2007, já tinham saldado, razão pela qual nenhum sentido fará falar em falta de registo contabilístico de um proveito. Verificou-se – isso sim, insiste a Recorrente – que a TOC responsável pela contabilidade errou, grave e grosseiramente, nos registos efectuados.

Com vista à demonstração de tal circunstancialismo, a Recorrente chama à colação os seguintes meios de prova: declarações do representante legal, de T... e de A... e, bem assim, o anexo 29 do RIT, além dos elementos já juntos com a reclamação e que a sentença ponderou.

Também aqui nenhuma alteração se justifica.

Para além da motivação avançada na sentença, deve realçar-se que, não obstante a alegação da Recorrente, no sentido de que os saldos devedores de clientes existentes desde o início de 2007, no valor de € 100.005,00, se referem a valores que os clientes, naquela data, já haviam recebido (ou já lhes haviam sido pagos), a verdade é que inexiste prova documental nesse sentido, designadamente recibos emitidos pelos comissionistas, proprietários dos estabelecimentos onde estavam instalados os equipamentos de diversão e recreio.

Com efeito, não basta a alegação de um contexto mais ou menos plausível; é necessário demonstrá-lo e, estando em causa, segundo a Recorrente, um incorrecto registo contabilístico (ou, como diz, má prática contabilística), torna-se imperioso a exibição de um suporte documental que fundamente a materialidade subjacente ao (correcto) registo na contabilidade.

A este propósito, veja-se o que refere a testemunha T... que, sem hesitações, menciona a importância dos recibos e, como tal, a demonstração do pagamento da respectiva percentagem do apuro das diferentes máquinas. Na verdade, apesar da explicação do circuito dos valores gerados pelos equipamentos de jogo, não se demonstra que os valores registados, concretamente os apontados € 100.005,00, pertenciam efectivamente a terceiros, apesar de serem recepcionados pela Recorrente e posteriormente entregues aos proprietários dos estabelecimentos comerciais.

A testemunha A..., a este propósito, também não contribuiu para a retirada de conclusões seguras, pese embora afirme que devia ter considerado liquidado um valor pendente de clientes. Mas pergunta-se: que valor ou valores? Com que base documental?

Uma vez mais se afirma, e isto a propósito das declarações do representante da empresa, que uma coisa é perceber o modus operandi do sector, a plausibilidade de um determinado circuito do apuro das máquinas de divertimento; outra coisa (bem diferente) é tal circuito e os pagamentos, estar devidamente documentado e, nessa medida, ser suporte ao registo na contabilidade.

Deve lembrar-se que na decisão sobre a matéria de facto o juiz a quo aprecia livremente as provas, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação de tal convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada.

É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.

Assim, assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas.

Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo nº 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.

Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”

Quanto à apreciação pelo tribunal de recurso da prova gravada, como é o caso, “(…) o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância” (acórdão STA de 27.1.10, proferido no recurso nº 358/09).

Assim, posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada (além do mais) com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, num juízo de certeza, outra decisão.

No caso concreto, o que o Recorrente pretendeu foi discutir a convicção do julgador que fundamentou a decisão de não consideração dos documentos e dos depoimentos nos termos pretendidos pela R..., retirando da prova produzida ilações diferentes das que o julgador percepcionou e que explicitou na sua fundamentação.

Obviamente, a modificação quanto à valoração da prova testemunhal, tal como foi captada pela 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente o erro de análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida, o que não é de todo o caso.

A motivação da matéria de facto levada a cabo pelo TAF de Almada mostra-se, aliás, irrepreensível, entendendo nós que os depoimentos dos inquiridos não assumem, para os efeitos pretendidos, a relevância que o Recorrente lhes atribui, nada apontando, forçosamente, em sentido diverso daquele que foi acolhido na fundamentação externada pelo julgador.

Nos termos já expostos, não vislumbramos que tenha sido cometido qualquer erro por parte do Tribunal de 1ª instância no julgamento da matéria de facto.

Em suma, tanto basta para não atender a pretendida alteração da matéria de facto não provada, a qual se mantém inalterada.”

Portanto, pelas razões expostas no acórdão supratranscrito, mutatis mutandis, também nos presentes autos não se verifica o erro de julgamento de facto invocado pela Recorrente.

Estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, do erro de julgamento de direito.

A Impugnante invoca ainda “excesso na quantificação do valor apurado em sede de IVA, relativamente às liquidações dos anos de 2008, 2009 e 2010, na media em que, apesar das irregularidades contabilísticas é possível apurar os verdadeiros proveitos, sendo que as declarações fiscais da Impugnante são verdadeiras e gozam ainda da presunção de veracidade, violando-se o art. 8.º, da LGT e os princípios da verdade material, da proporcionalidade vertidos nos artigos 2.º, n.º 1, 5.º, 6.º, 7.º, 21.º do RCPIT, e 55.º e 58.º da LGT, bem como os artigos 11.º, 57.º 63.º, 74.º, 77.º, todos da LGT devendo de igual modo ter em consideração a tributação das empresas pelo lucro real consagrado no art. 104.º, n.º 2 da CRP, pelo que a AT deveria ter apurado as razões das divergências, havendo erro de julgamento (conclusões BB) a JJ), MM), PP), QQ), RR).

Porém, sem razão.

O entendimento vertido na sentença recorrida, no essencial, também foi sufragado pela sentença da 1.ª instância proferida no processo de impugnação judicial das liquidações de IRC, que como referimos, têm por origem o mesmo relatório de inspecção, alicerçando-se as correcções em sede de IVA nos mesmos fundamentos das correcções de IRC. Aquela sentença foi confirmada pelo acórdão do TCAS de 23/03/2020, proc. n.º 1784/15.7BEALM, que nesta parte também sufragamos, dada a identidade de matérias e das questões a decidir, e no qual se entendeu o seguinte:

“Avancemos para o erro de julgamento de direito.

E, aqui chegados, importar apreciar a legalidade das correcções efectuadas pelos SIT por alegada omissão de proveitos, respeitantes aos exercícios de 2007, 2008 e 2009.

A este propósito, sustenta a Recorrente, como já o havia feito na petição inicial, que a AT laborou em erro na quantificação e qualificação dos factos tributários relevantes.

Para melhor se perceberem as correcções que aqui estarão em análise e balizar o contexto da análise a efectuar, recuperemos o introito feito a este propósito na sentença. Aí se lê o seguinte:

“Do teor do Relatório de Inspeção Tributária resulta que a AT constatou a existência, em 01-01-2007, de um saldo credor de €421.222,44, na conta 26899999, mais constatou que a Impugnante ao longo dos anos efetuou diversos lançamentos contabilísticos a crédito os quais tiveram por contrapartida registos a débito na conta 111 - Caixa.

(…)

No entanto, quanto aos lançamentos a crédito nessa conta, entendeu que os mesmos evidenciavam o exercício de atividade desenvolvida pela Impugnante com preterição da obrigatoriedade de emissão da fatura e subsequente registo contabilístico desse proveito. Relevando, neste particular, que respeitando estes à entrada de dinheiro na rubrica 111 - Caixa da Impugnante e não tendo a mesma provado que as entradas provêm de empréstimos, quer bancários ou dos sócios, à sociedade, de entradas de capital ou de pagamentos dos clientes expressos na contabilidade, devem ser entendidos como proveitos omitidos.

A Impugnante sustenta que a AT incorreu em erro sobre a interpretação dos pressupostos de facto e de direito, uma vez que não omitiu proveitos.

Neste particular, aduz e reconhece, desde logo, que os movimentos contabilísticos processados com a criação da conta 26899999 podem não respeitar as boas práticas contabilísticas, porém evidencia que os mesmos não são de molde a concluir a existência de proveitos não declarados.

(…)

Concretamente, evidencia quanto ao saldo de €100.005,30 constante na conta de clientes que o mesmo já se encontrava saldado em 01.01.2007, tratando-se de erros nos lançamentos contabilísticos efetuados, razão pela qual não poderiam ser levados em linha de consideração.

No concernente ao valor de €179.725,89, a Impugnante defende que se trata de um valor referente a empréstimos de terceiros e familiares dos gerentes da Impugnante e empréstimos dos sócios à sociedade.

Na realidade, a Impugnante não nega que a contabilidade permitia demonstrar os resultados apurados pela Inspeção Tributária, mas afirma que os mesmos não são reais, tendo origem em erros nos lançamentos contabilísticos”.

Vejamos, então.

A propósito da presunção de verdade e de boa fé das declarações dos sujeitos passivos, afirma Jorge Manuel Santos Lopes de Sousa, in “Ilisão de presunções consagradas nas normas de incidência tributária: o art. 73.º da LGT”, Universidade do Minho, Escola de Direito, pág. 173, que “O art. 75.°, n.º 1 da LGT estabelece que o sujeito passivo beneficia de uma presunção de veracidade e de boa fé das suas declarações, pelo que fica dispensado de provar os factos declarados. Já vimos, (…), que se trata de uma presunção aparente. (…). Sem nos voltarmos a alongar, recordaremos que o legislador dita, no fundo, que quando a contabilidade for verdadeira – pois a veracidade é uma das notas que caracterizam uma contabilidade conforme – se presume que o que dela consta é verdade. Ao que acresce a norma que dita que o contribuinte age no procedimento “coopera[ndo] de boa fé” e “esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento” (art. 48.º, n.º 2 do CPPT). Deste modo, o sujeito passivo apenas beneficia de uma presunção de veracidade das declarações desde que actue com rectidão e seja verdadeiro nas mesmas declarações”.

No mesmo sentido, os artigos 75º, n.º 2 e 87º da LGT ao estabelecerem diversas situações em que a presunção de verdade cede, desde logo perante a existência de omissões, erros, ou inexactidões nas declarações.

Importam estas palavras para evidenciar que, no caso, os SIT verificaram incongruências entre os valores contabilisticamente registados e os reflectidos nas declarações fiscais, nos exercícios em causa, incongruências essas que colocam em causa, pelas razões expostas, a presunção de verdade do declarado fiscalmente pelo sujeito passivo.

Estava, pois, a AT, através dos SIT, legitimada a proceder às correcções à Mod. 22, para o que, aliás, levou a cabo diversas diligências instrutórias, como o contacto com diversos clientes, a recolha de declarações do representante legal e a obtenção de esclarecimentos por parte da TOC, na tentativa de esclarecer o saldo da conta 26899999.

Tenha-se presente que, nos termos do disposto no artigo 74º, nº1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Nessa medida, passou o Tribunal a quo a averiguar se a Impugnante logrou provar a realidade que alegou e concluiu em sentido negativo.

Vejamos, então, se o decidido é de manter, não esquecendo a resposta que já ficou dada à impugnação da matéria de facto.

Vejamos por partes e seguindo a ordem de apreciação adoptada na sentença: os empréstimos de amigos e familiares e os empréstimos dos sócios à sociedade, tudo no montante de € 179.725,89. A este propósito, lê-se na sentença, além do mais, o seguinte:

“Comecemos pelo valor de €179.725,89, que a Impugnante sustenta que se trata de um valor referente a empréstimos de amigos e familiares e empréstimos dos sócios à sociedade.

Cumpre, desde já, referir que conforme resulta da factualidade não provada a Impugnante não logrou fazer prova dos aludidos empréstimos.

Na verdade, e conforme resulta da matéria de facto não provada, a Impugnante não logrou provar que os sócios da Impugnante fizeram diversos empréstimos à sociedade, não logrou, outrossim, demonstrar que nos anos de 2007 a 2009 tivessem ocorrido entradas de capital na sociedade provenientes de mútuos celebrados com instituições Bancárias, designadamente, com o “Banco B..., SA” e bem assim que nos anos de 2007 a 2009, terceiros e familiares dos sócios da Impugnante tenham realizado empréstimos à sociedade.

Vejamos, então, com o devido rigor.

A Impugnante não procedeu à junção de qualquer contrato de mútuo que pudesse atestar a realização de empréstimos, à exceção do escrito denominado de “mútuo” celebrado por escrito particular e identificado na alínea E) da factualidade assente.

Cumpre, desde já, referir que atenta a entrada em vigor do Decreto-Lei n° 116/2008, de 04 de julho, qualquer contrato de mútuo para ser válido teria de ser celebrado por escritura pública desde que o valor mutuado fosse superior a € 20.000,00. Porquanto, qualquer prova dos aludidos contratos de mútuo, carecia do aludido suporte, sob pena de nulidade.

É certo que coadjuvado com a produção de prova testemunhal e bem assim com os correspondentes documentos internos que justificassem os movimentos contabilísticos e com a devida inserção nas respetivas rubricas poderia ser feita prova da sua existência.

Mas, a verdade é que tal não sucedeu nos autos. Vejamos, então, cada uma das realidades de per si.

Do teor do contrato evidenciado na alínea E) da factualidade assente, resulta que M... cede à Impugnante a importância de € 75.000,00 “a título de empréstimo, sem data de vencimento e sem qualquer remuneração ou juro, sob a forma de dinheiro fresco”, destinado “a suprir dificuldade de tesouraria e de fundo de maneio, motivadas pela insuficiência de recursos financeiros próprios e pela dificuldade em aceder ao mercado financeiro e, ainda, tendo em atenção os prejuízos obtidos nos anos de 2005 e 2006”.

Cumpre, desde logo, evidenciar que o aludido empréstimo foi efetuado no ano de 2006, pelo que não se vislumbra que o mesmo possa estar na origem dos vários movimentos a crédito na conta 26.899999 dos anos de 2007, 2008 e 2009.

Acresce que o mesmo deveria ter sido contabilizado numa subconta da Conta 23 - Empréstimos e não foi alegado que não o tenha sido. Ademais, na esteira de razão da AT fica por justificar porque motivo o mesmo não foi saldado por contrapartida de uma conta de Empréstimos Obtidos mas sim por contrapartida de uma conta de cliente.

De relevar, outrossim, caso por lapso tivesse sido colocado o montante em questão na Conta 26.899999, tal movimento poderia/deveria ter sido objeto de regularização, o que não resulta dos autos, nem tão-pouco foi alegado pela Impugnante.

Ora, em face do exposto e das deficiências supra aludidas o Tribunal não pode retirar que o aludido contrato de mútuo permita justificar o saldo credor na conta 26899999.

Ademais, não foi apresentada qualquer prova, direta ou indireta, que possa relacionar o valor dos mútuos, designadamente o de €75.000 euros, com a sua entrada na esfera da sociedade.

Em boa verdade importava para efeitos de prova que existissem movimentos bancários ou outros, suscetíveis de correlacionar, o valor dos mútuos com a sua entrada na contabilidade da Impugnante.

O mesmo sucede quanto aos alegados empréstimos efetuados pelos sócios.

E isto porque, pese embora a Impugnante alegue que os sócios da Impugnante ao longo dos anos efetuaram diversos empréstimos à sociedade para suprir dificuldades financeiras, a verdade é que não fez qualquer prova da realidade que alega.

Efetivamente, nos termos do n.º 1, 2 e 6 do art. 243.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade desde que se estipule um prazo de reembolso superior a um ano.

Os suprimentos são, portanto, créditos do sócio sobre a sociedade e, não revestem a natureza de prestações suplementares do capital, nem se destinam à integração da quota.

Porquanto, tais empréstimos concedidos pelos sócios à sociedade devem ser contabilizados na conta 25 – Accionistas (sócios), uma vez que esta conta engloba as operações relativas às relações com os titulares de capital e com as empresas participadas.

Em termos de lançamentos, deve ser creditada a conta 25512 e debitada a conta 12/11, e aquando o reembolso (total ou parcial) do empréstimo creditada a conta 12/11 e debitada a conta 25512.

Ora, in casu, não resulta dos autos, nem tão-pouco foi objeto de alegação pela Impugnante, que procedeu ao aludido lançamento contabilístico, nem tão-pouco procedeu à junção de qualquer documento comprovativo da entrada do numerário.

No caso vertente, para efeitos de prova da realidade que alega, importaria que a Impugnante atestasse a entrada/transferência de dinheiro da esfera pessoal para a esfera societária. Acresce que não resulta, outrossim, provado o pagamento, entenda-se devolução das quantias aos sócios o que seria, outrossim, curial.

É certo que a Impugnante procede à junção de um escrito denominado de Hipoteca do qual resulta que os sócios gerentes da Impugnante constituem a favor do “Banco B..., SA“ hipoteca sobre dois bens imóveis da sua titularidade e “para garantia do integral pagamento: a) de todas e quaisquer responsabilidades, contraídas em euros ou em qualquer moeda, assumidas e a assumir perante o Banco, suas agências e sucursais no estrangeiro, pelos Primeiros Outorgantes e ainda pela sociedade “R…, Lda (…) até ao limite, em capital de seiscentos e cinquenta mil euros, provenientes de todas e quaisquer operações bancárias em direito permitidas, designadamente de aberturas de crédito, qualquer que seja a forma que revistam, mútuos, confissões de dívida, empréstimos de quantia certa(…)”.

Mas a verdade é que tal documento de per si, desacompanhado de qualquer outra prova não permite extrapolar quaisquer suprimentos dos sócios à sociedade, e isto, desde logo, porque foi celebrado em 2003, e por outro lado, e conforme já evidenciado, porque não foi junto nenhum documento comprovativo de transferências bancárias, cheques ou mesmo entradas de numerário dos sócios para a conta da sociedade.

No caso vertente, desconhece-se se o “Banco B..., SA” disponibilizou qualquer quantia, de que forma o fez, em que data e quais os respetivos montantes e prazos de reembolso.

Note-se que as testemunhas nada disseram sobre a existência de empréstimos realizados pelos sócios.

Porquanto, nenhum elemento probatório foi junto aos autos que permita ao tribunal concluir pela existência de suprimentos erroneamente contabilizados que sejam passíveis de justificar o "Movimento de Abertura” da Conta 26.899999.

A Impugnante faz, outrossim, alusão que o movimento inicial desta conta também se ficou a dever a empréstimos concedidos por familiares da sócia gerente da Impugnante que teriam sido concedidos em exercícios anteriores, mas a verdade é que não foi produzida prova cabal da existência destes alegados empréstimos.

Note-se que o depoimento de T... foi muito genérico, pouco circunstanciado em termos fácticos, não sabendo, desde logo, precisar as datas dos referidos empréstimos, as quantias envolvidas, nem as razões que terão estado na sua génese e as circunstâncias em que os mesmos foram efetuados.

Assim sendo, também não pode o Tribunal concluir que estes alegados empréstimos se encontrariam incluídos no montante de € 279.731,19, contabilizado como valor de abertura da Conta 26.899999 e colocado em causa pela AT.

Quanto à existência de empréstimos bancários, a Impugnante não logrou provar a sua realização. É certo que em audiência e no decurso da declaração de parte é feita alusão a um contrato de empréstimo com o “Banco, B..., SA”, no montante de um milhão de euros, tendo o Tribunal ao abrigo do inquisitório ordenado a sua junção aos autos, mas a verdade é que o documento que foi junto aos autos tendente a provar a aludida realidade fáctica mais não é que a hipoteca evidenciada na alínea D) e já anteriormente analisada e que não permite fazer prova do alegado.

Na verdade, a hipoteca mais não é que uma garantia real que confere ao credor o direito de ser pago com prioridade face a todos os outros credores que não beneficiem de privilégio creditório especial, direito de retenção ou prioridade de registo através do produto da venda de certos bens imóveis ou bens móveis equiparados, sobre os quais incide a hipoteca. Sendo certo que confere ao credor, em caso de incumprimento contratual por parte do devedor, não a propriedade do bem hipotecado, mas sim o poder de satisfazer o seu crédito através do valor obtido com a venda judicial do bem hipotecado.

Acresce que não foi junto qualquer documento que permita atestar a entrada do dinheiro na esfera da sociedade, o histórico do seu pagamento com os respetivos juros suportados.

Note-se, outrossim, que a contabilização do empréstimo teria de ser concretizada na conta 25-Financiamentos obtidos, o que não se afigura que tenha ocorrido, nem tão- pouco a Impugnante alega nesse sentido.

Com efeito, aquando da entrada do empréstimo deveria ser creditada a conta 25- Financiamentos obtidos, por contrapartida da conta 12 - depósitos à ordem (a débito). Sendo certo que por cada prestação: em ordem ao capital deveria ser debitada a conta 25- Financiamentos obtidos e quanto aos juros, debitando-a, a conta 691- Juros suportados, tudo por contrapartida da 12 - depósitos à ordem (a crédito).

Em face de todo o exposto, conclui-se que a Impugnante não fez prova que o valor de €179.725,89 respeite a empréstimos de terceiros, familiares e bancários e bem assim de empréstimos dos sócios à sociedade, razão pela qual não ilidiu o ónus probatório que sobre si impendia, ou seja, não conseguiu ilidir a origem dos recursos que constituem a conta 26899999, e que permitiram prover a conta 11, mantendo-se, assim, as correções realizadas por omissão de proveitos”.

A análise transcrita é irrepreensível, sendo corroborada pela apreciação já efectuada em função da impugnação da matéria de facto, nos termos já expostos.

Sem necessidade de muito nos alongarmos, pois a apreciação feita pelo Tribunal a quo é detalhada e exaustiva, diremos apenas que nenhuma evidência documental foi apresentada quanto à existência de empréstimos /suprimentos dos sócios à sociedade ou das entradas de dinheiro na sociedade com origem em empréstimos bancários.

Com efeito, não é demais reiterar que inexistem documentos que evidenciem tais “empréstimos”, nem tão-pouco que demonstrem a entrada de tais disponibilidades financeiras na sociedade. No caso, o circuito documental /financeiro é impossível de reconstruir.

A este propósito, e como se deixou dito oportunamente, as testemunhas nada de concreto adiantaram.

A outra conclusão não se chega relativamente aos empréstimos de terceiros, designadamente amigos e familiares, pois que também aqui inexiste prova documental de tais empréstimos e da entrada do dinheiro na esfera da sociedade. É verdade – e o Tribunal não desconsidera – que foi junto o documento a que se refere a alínea E) dos factos provados, respeitante ao mútuo em que figura como mutuante M.... Sucede que, além de nenhuma evidência existir quanto à entrada deste dinheiro das contas da Recreativos, designadamente através de transferência bancária/ depósito, o que sucede é que, tal como já havíamos afirmado, o aludido empréstimo foi efectuado no ano de 2006, pelo que não se vislumbra que o mesmo possa estar na origem dos vários movimentos a crédito na conta 26899999 dos anos de 2007, 2008 e 2009.

Isto dito, a conclusão é inevitável, no sentido da manutenção do decidido, pois a Impugnante não cumpriu com o ónus da prova dos factos que invoca para afastar a tributação (74º da LGT), donde resulta que nenhum erro de interpretação/aplicação da lei foi perpetrado, devendo manter-se inalterada a correcção efectuada.

Diga-se, de resto, que, no essencial, este recurso jurisdicional assenta na apreciação da matéria de facto e que, neste particular, têm especial pertinência as palavras do Recorrente ao afirmar que “se é verdade que alguns dos registos contabilísticos efectuados na contabilidade da Impugnante, foram pouco ortodoxos e à revelia das melhores párticas… tal não significa que não se possa reconstituir a verdade material…”. Ora, como no caso da correcção em apreciação, de €179.725,89, foi precisamente isto que faltou: a reconstituição da verdade material.

Justifica-se, pois, como o Tribunal a quo concluiu, a actuação dos SIT ao considerar tal montante como proveitos omitidos e corrigi-lo em conformidade.

Avançando, à mesma conclusão chegamos relativamente à correcção de € 100.005,30.

A este respeito sublinha a Recorrente que “o saldo de €: 100.005,30, constante na conta de clientes já se encontrava saldada em 01/01/2007, tratando-se de um erro nos lançamentos contabilísticos efectuados”. Insiste a Recorrente que, contrariamente ao considerado, “as quantias em causa foram contabilizadas na conta 26.8 apenas e só para colmatar aquele "procedimento" que não estava correto, mas nunca significou, "omissão de proveitos", na razão dos €: 100.005,30, apurados pela ATA, pois que, como se disse, tais valores mais não eram do que valores de terceiros, que não poderiam ser por si contabilizados, mas que eram por si recepcionados e depois entregues aos seus proprietários”.

Vejamos, então, o que a este propósito considerou a sentença. Aí se lê o seguinte:

“Cumpre, desde já, evidenciar que conforme resulta do acervo probatório, o saldo da conta clientes, em 01.01.2007, ascende a €150.834,85, logo distinto do alegado pela Impugnante.

Acresce que ao longo dos exercícios de 2007 a 2009, continuou, inexplicavelmente, a fazer lançamentos a crédito na conta 26899999.

É certo que a Impugnante alega que o seu procedimento entre 2002 a 2008, foi o de emitir faturas pela totalidade das importâncias registadas nos seus equipamentos de diversão e recreio, sendo que parte das mesmas não eram, efetivamente, recebidas e que a sua regularização era assegurada mediante a assinatura de um papel informal por parte dos depositários.

Mas, a verdade é que mesmo que se equacionasse o por si alegado, o procedimento contabilístico de regularização das contas de clientes com a transferência para a conta 2689999, creditando-a por contrapartida da conta caixa, não permite, de todo, justificar o por si aduzido.

Atentemos, com o devido rigor.

Do probatório resulta que a atividade principal da Impugnante consiste na colocação e exploração de máquinas recreativas e de jogo desportivo em cafés, bares e restaurantes, auferindo os proprietários dos espaços comerciais onde as máquinas se encontravam uma comissão que poderia variar entre a percentagem de 30 a 50% do valor gerado pelos equipamentos explorados, sendo que o seu modus operandi se processava da seguinte forma:

- Os proprietários dos espaços comerciais onde os equipamentos se encontravam colocados não dispunham da chave do cofre dos mesmos;

- Porquanto, os cofres dos equipamentos eram abertos por funcionários da Impugnante, sem periodicidade fixa, dependendo da receita gerada;

- Após a abertura dos cofres dos equipamentos a qual era realizada na presença dos proprietários dos espaços comerciais, procedia-se à contagem das receitas;

- Sendo que, o numerário existente nos cofres do equipamento era recolhido pelos funcionários da Impugnante e entregue nas suas instalações.

Ora, da aludida prova decorre que os valores que se encontravam nos equipamentos de diversão pertenciam à Impugnante, sendo que para compensar a circunstância dos equipamentos se encontrarem em estabelecimentos comerciais que não são propriedade da Impugnante, era paga uma comissão, traduzida numa percentagem, sobre o valor que os equipamentos tinham rendido.

Por outro lado, a alegada faturação errónea, por excesso, nunca poderia ser concretizada por via do lançamento a crédito na conta 26899999 por contrapartida da conta caixa, rigorosamente a esteira de raciocínio da Impugnante determinaria a contabilização numa conta de custos.

Com efeito, na contabilidade da Impugnante teria de ser contabilizada a totalidade dos proveitos provenientes dos equipamentos na conta 72 creditando-a, e em conta de custos na conta 62228 - Comissões, deveriam ser contabilizados os montantes relativos às quantias entregues pela Impugnante a estas entidades, após a apresentação das respetivas faturas pelos aludidos comissionistas.

Acresce, conforme já devidamente evidenciado anteriormente, do acervo probatório não resulta provado que existam contratos escritos de parceria, nem foi alegada a existência, nem juntas quaisquer faturas dos comissionistas. É certo que a testemunha T... evidenciou que esta era uma situação problemática, uma vez que os clientes/comissionistas não emitiam documentos que atestassem o pagamento da comissão, mas a verdade é que o Tribunal não pode descurar que o ónus da prova competia à Impugnante.

Em face do supra aludido, dimana inequívoco que a Impugnante não ilidiu o ónus probatório que sobre si impendia, da prova junta aos presentes autos, nenhum dos elementos permite fazer prova da origem dos valores constantes da Conta 26.899999, nem tão pouco estabelecer ligação entre estes valores e as alegadas comissões. A prova da proveniência dos valores colocados em causa pela AT, como já se referiu acima, impendia sobre a Impugnante que não a fez.

É certo que a Impugnante vem invocar a existência de erros contabilísticos os quais imputou à sua TOC, referindo, para o efeito, que a exonerou de funções e que intentou uma ação judicial, mas a verdade é que essa realidade não resultou provada.

Na realidade, conforme resulta da factualidade não provada, não resulta dos autos que a Impugnante tenha exonerado de funções a Técnica Oficial de Contas A.... Aliás, tal facto foi desmentido nas declarações de parte e pela própria, a qual afirmou que tem vindo a desempenhar ininterruptamente essas funções desde a data da constituição da sociedade, o mesmo sucedendo quanto à instauração de uma ação por perdas e danos contra a TOC da empresa pela prática de erros sucessivos e reiterados, tendo esse facto sido, outrossim, desmentido nas declarações de parte e pela própria contabilista certificada A..., a qual afirmou que, tanto quanto é do seu conhecimento, essa ação não existe.

Acresce, outrossim, que a responsabilidade pelas irregularidades fiscais circunscreve-se na esfera jurídica dos sujeitos passivos e não dos respetivos Técnicos Oficiais de Conta, apenas podendo ser responsabilizados nos termos do artigo 24.º, nº3, da LGT e quando exista uma atuação dolosa.

Porquanto, não tendo logrado fazer essa prova, e não tendo a Impugnante alegado qualquer outra fonte geradora de proveitos para além dos equipamentos de jogo, não merecem censura as correções tributárias realizadas, razão pela qual devem ser mantidas.”

Também aqui, pouco nos resta adiantar relativamente ao que foi assertivamente explicado na sentença, até porque o pilar em que a Recorrente fez assentar o seu recurso jurisdicional – leia-se, o erro de julgamento da matéria de facto – não foi decidido a seu contento, o que equivale a dizer que não ficou demostrado que os saldos devedores de clientes existentes no início do ano de 2007 se referem a valores que os clientes já tinham saldado.

E, assim sendo, não há como pôr em causa o que foi decido pelo Tribunal a quo, pois a Recorrente jamais cumpriu o ónus da prova que sobre si recaía, não resultando demonstrado a origem dos montantes incluídos conta 26.899999, sendo que não se evidencia a correspondência entre tais valores e as apontadas comissões devidas aos proprietários dos estabelecimentos comerciais onde eram colocadas as máquinas de jogos/diversão.

Não se vislumbra, assim, qualquer erro de qualificação nas correcções efectuadas, as quais evidenciam uma omissão de proveitos, quantificados nos exactos montantes considerados e que a Impugnante não logrou justificar diferentemente.

Desta forma, não faz o menor sentido a alegação, em nada concretizada, de violação do princípio da legalidade, da verdade material ou da proporcionalidade.

Para além daquilo que já ficou dito, deve lembrar-se que a AT, em sede inspectiva, comunicou com clientes do sujeito passivo, ouviu o seu representante legal, a TOC, o que não deixa de evidenciar uma postura de colaboração, com observância do inquisitório, na busca da verdade material.

Quanto à violação do princípio da proporcionalidade, dir-se-á apenas que não se alcança em que medida se pode traduzir essa violação, pois a actuação da AT não surge (nem tal é invocado), no caso, como desadequada, desnecessária ou desequilibrada. O que resulta evidente é que a Recorrente discorda da análise de facto e jurídica levada a cabo pela AT, análise esta judicialmente confirmada e que a Recorrente contesta.

Contudo, deve lembrar-se que, como dissemos já, a manutenção das correcções efectuadas fica a dever-se ao não cumprimento do ónus da prova que sobre a Impugnante, ora Recorrente, impendia, o que não torna a actuação administrativa desproporcional.

Em suma, e encaminhando a apreciação para o final, há que concluir pela improcedência de todas as conclusões da alegação de recurso, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso jurisdicional e mantendo-se a sentença do TAF de Almada.”


Portanto, sem mais considerações por desnecessárias, também no caso dos autos não se verifica qualquer erro de julgamento de direito, e nessa medida, deverá ser negado provimento ao recurso, e confirmada a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respectivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 9 de julho de 2020.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Mário Rebelo