Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03300/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/29/2009
Relator:José Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IVA. INIDONEIDADE DO MEIO PROCESSUAL USADO. (NÃO) CONVOLAÇÃO.
Sumário:I) -O objecto da impugnação judicial é um acto tributário (declaração de vontade da A.F., através dos seus órgãos competentes, que define o "quantum" a exigir ao contribuinte (liquidação), ou as situações de facto definitivas de que depende a determinação desse "quantum" (matéria colectável ou valores patrimoniais), inquinado de ilegalidade e que, por isso, deve ser anulado, total ou parcialmente).

II) - Não tendo o impugnante atacado qualquer acto tributário, a situação desenhada na p.i. não se enquadra na previsão de quaisquer das alíneas do art° 99° do CPPT, ou seja, não constitui fundamento de impugnação - cfr. ainda as als. a) a f) do n° l do art° 97° também do CPPT-.

III) -O erro na forma de processo constitui nulidade de conhecimento oficioso e importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei – princípio do máximo aproveitamento ou princípio da economia processual.

IV) -Não é possível a convolação do processo - art° 98° n° 4 do CPPT-, visto que se mostra esgotado o prazo de 30 dias contido no art° 203° n° l al. a do CPPT e/ou de 10 dias estabelecido no artº 277º nº 1 do mesmo Código, respectivamente, para deduzir oposição ou reclamação.

V) -A inidoneidade do meio processual usado e a possibilidade da convolação para o que se mostre adequado, tem de aferir-se fundamentalmente pela tempestividade do exercício do direito da acção apropriada, pela pertinência da causa de pedir, bem como a conformidade desta com o correspondente pedido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. - Inconformada com a decisão proferida pela Mª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que indeferiu liminarmente a presente impugnação e absolveu a Fazenda Pública do pedido, veio a impugnante T ..., Ldª., recorrer para Tribunal Central Administrativo Sul, pedindo a sua revogação.
Formulou as seguintes conclusões:
“43.A 2 de Dezembro de 2008, apresenta o sujeito passivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, petição de Impugnação Judicial.
44.A impugnante não foi notificada de qualquer decisão em matéria tributária e consequentes liquidações.
45.Adquire conhecimento da alegada dívida de IVA, dos exercícios de 2002 a 2005, no montante de 92 393,30€ e 1 972,17€ de acréscimos legais, com a notificação do anúncio para venda de um imóvel, no âmbito do processo executivo n° 2089200601056174 e apenso, em ofício datado de 10 de Outubro de 2008.
46.Junto do Serviço de Finanças obtém informação, através do sistema informático das execuções fiscais, que as liquidações dos exercícios de 2002, 2003 e 2004, que integram o processo executivo n° 2089200601056174, estão totalmente pagas.
47.O anúncio padece assim de irregularidades graves, designadamente no que se refere ao montante da divida e à indicação do processo executivo n° 2089200601056174, totalmente pago.
48. A 11 de Novembro de 2008, requer certidão, através de fotocópia, das liquidações em dívida, já que pelos dados retirados do sistema informático, parte substancial da dívida estava paga.
49.O Serviço de Finanças, emite uma certidão, apenas com as certidões de dívida, certificando uma dívida de 231 265, 72€, em absoluta desconformidade com o anúncio publicado.
50.De novo, junto do Serviço de Finanças, fica a saber, que afinal, é devedora de apenas 74 481, 20€ no âmbito do processo executivo apenso n°2089200601057650.
51.Ou seja, o único dado que se presume correcto, não foi notificado ao contribuinte.
52.Pese embora a motivação aduzida em sede de p.i. não faz a douta sentença apreciação alguma sobre estes factos.
53.Que, considera a recorrente relevantes para a decisão, na medida em que, a ser considerado erro na forma de processo, não pode proceder a excepção de caducidade do direito de deduzir oposição, a ver pela data em que obtém conhecimento da divida real, já depois de lhe ter sido entregue a certidão e ainda dos erros graves de que padece o anúncio.
54.Como também não faz a douta sentença, apreciação alguma, sobre a resposta que dá a impugnante ao Tribunal a 29 de Janeiro de 2009.
55.A ser entendido erro na forma de processo, não pode a recorrente concordar, que a data constante do ofício, 10 de Outubro de 2008, sirva de bitola para a contagem do prazo de 30 dias, com vista à convolação da petição em oposição à execução fiscal.
56.E que por força da menção a essa data, 10 de Outubro, se julgue procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir oposição, obstáculo intransponível que obsta à convolação do processo.
57.Note-se, que por via do desconhecimento e ainda dos erros que se perspectivaram com a notificação do anúncio, requer a aqui recorrente, certidão, a 11 de Novembro de 2008.
58. A douta decisão entende, que para apreciação do pedido apresentado o meio processual não é adequado e, sobre a possibilidade de convolação a única coisa que obsta é justamente o facto de não se verificar o requisito da tempestividade.
59.Está demonstrado, que adquire a aqui recorrente conhecimento de facto, a sua expensas, da situação concreta da divida, depois de 11 de Novembro de 2008, depois de lhe ter sido entregue a certidão.
60. Apresentada a p.i. a 2 de Dezembro de 2008, está definitivamente verificada a tempestividade do pedido, com vista à convolação em oposição à execução.
61.Ainda para mais, quando fica igualmente demonstrado, que não apresenta o anúncio notificado ou a certidão emitida pelos serviços, qualquer correspondência com o valor em dívida ou com o processo executivo indicado naquele anúncio.
62.Ficando igualmente provado, que o valor em divida é de 74 481, 20€ no âmbito do processo executivo com o n° 2089200601057650.
63.Considerando a prova feita, deve o Tribunal ad quem, verificado o requisito da tempestividade, convolar o pedido em oposição à execução fiscal.
64.Ademais, porque também a falta de notificação da liquidação pode ter reflexos indirectos na execução por afectar a eficácia da liquidação e consequentemente a exigibilidade da correspondente obrigação tributária.
Termos em que nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.a, devem as presentes alegações ser recebidas, porque em tempo, decidindo o douto Acórdão pela revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que indefere liminarmente a petição de impugnação judicial apresentada, substituindo-a por outra que considere verificado o requisito da tempestividade, convolando assim o pedido em oposição à execução, atenta a data, i.e. depois de 11 de Novembro de 2008, em que tem a aqui recorrente conhecimento não apenas dos erros graves de que padece o anúncio, mas ainda da divida concreta e respectivo processo executivo, em absoluta desconformidade com o anúncio notificado.”
Não foram apresentadas contra -alegações.
A EPGA emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. – Na decisão recorrida e para o conhecimento das excepções suscitadas e atentos os elementos juntos aos autos, considerou-se provada a seguinte matéria de facto com relevância para a decisão a proferir:
a) Foi instaurada a execução fiscal n° 2089200601056174 e Aps contra a sociedade T ... Lda., para pagamento de IVA, relativo aos anos de 2002 a 2005 (fls.16 a 49)
b) Pelo ofício n° 11805, de 10/10/2008, foi a Impugnante notificada do anúncio de venda do bem imóvel penhorado na execução fiscal identificada na alínea anterior;
c) As certidões de dívidas de fls. 17 a 49 respeitam a situações e auto -liquidação de IVA elaboradas e enviadas à Administração tributária pela impugnante (fls. 73);
d) A presente impugnação foi apresentada neste Tribunal em 02/12/2008 (carimbo fls. 1).
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O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos indicados relativamente a cada um dos factos os quais não foram impugnados.
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3.- Fixada a factualidade relevante, vejamos agora o direito donde emerge a solução do pleito, sendo certo que as conclusões de quem recorre balizam o âmbito de um recurso concreto (artºs. 684º e 690º do CPC).
É inquestionável o regime segundo o qual este Tribunal aplica o Direito ao circunstancialismo factual que vem fixado, pelo que a questão que se impõe prioritariamente neste recurso é a de juridicamente fundamentar não a adequação/inadequação da forma de processo usada, a tempestividade para dedução da forma processual apropriada e, assim, a possibilidade de convolação negada na decisão recorrida.
Flui das conclusões de recurso que a recorrente, em substância, sustenta que se pode concluir dos autos que, a verificar-se erro na forma de processo, não pode a recorrente concordar que a data constante do ofício, 10 de Outubro de 2008, sirva de bitola para a contagem do prazo de 30 dias, com vista à convolação da petição em oposição à execução fiscal e que, por força da menção a essa data, 10 de Outubro, se julgue procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir oposição, obstáculo intransponível que obsta à convolação do processo.
A partir da leitura da petição inicial Não subsistem dúvidas de que a ora recorrente pretende ver expurgados da ordem jurídica os actos tributários de liquidação de IVA dos anos de 2002 a 2005, por considerar que não foi das mesmas notificada.
E não é passível de qualquer censura o entendimento professado no despacho recorrido no que respeita à falta de notificação das liquidações desde logo porque não havia lugar à mesma pois se tratavam de situações de auto -liquidação (cfr. artigo 19° a 26° do CIVA).
Por ser assim e ser pacífico, como se diz na decisão recorrida, o processo de impugnação judicial, a que a impugnante recorreu nos termos das alíneas c) e d) do artigo 99° do C.P.P.T., apenas poderia reconduzir-se ao ataque da legalidade da liquidação, visando obter a sua anulação ou declaração da sua nulidade ou inexistência.
A falta de notificação, porque não contende com a legalidade da liquidação, não se enquadra em qualquer das fundamentos de impugnação tipificados no artigo 99° do C.P.P.T., antes gerando a eventual ineficácia do acto e a inexigibilidade da dívida, sendo a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para atacar a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade e o pagamento da dívida exequenda, o que impunha a rejeição liminar da presente impugnação, como bem se decidiu no despacho recorrido por estarem preenchidos os fundamentos de oposição previstos no artigo 203°, n° l, alíneas e), c) e f) do C.P.P:T., a falta de notificação da liquidação do imposto dentro do prazo de caducidade, falsidade do título executivo e pagamento da dívida, são fundamento de oposição.
Destarte, foi deduzida impugnação judicial em vez de oposição à execução fiscal, o que configura manifesto erro na forma de processo o que, em abono da verdade, a recorrente não contesta em sede de recurso.
Como bem anota a decisão recorrida, o erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da acção e constitui nulidade, de conhecimento oficioso (cfr. artº 199º do CPC) implicando a nulidade respectiva, quando, como vem sendo doutrinalmente entendido, o autor indica para a acção uma forma processual inadequada ao critério legal, usando de uma forma de processo distinta da legalmente prevista para fazer valer a sua pretensão.
Ora, face ao pedido inicialmente formulado é manifesto o erro na forma de processo e que já não é possível a convolação do presente processo na forma de processo adequada, uma vez que a PI deu entrada para além do prazo de 30 dias estabelecido no art.° 203° do CPPT.
Ora, tanto a causa de pedir, como o pedido, não consubstanciam fundamentos próprios da impugnação judicial cujo objecto é um acto tributário inquinado de ilegalidade, regra geral uma liquidação de um qualquer tributo que se pretende ver anulada, contudo não é isso que pretende o ora impugnante.
É isso mesmo que emerge do art°. 99° do CPPT, cuja epígrafe é "Fundamentos da Impugnação" determina que:
"Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:
a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;
b) Incompetência;
c) Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;
d) Preterição de outras formalidades legais."
Vê-se, pois, que o objecto da impugnação judicial é um acto tributário (declaração de vontade da A.F., através dos seus órgãos competentes, que define o "quantum" a exigir ao contribuinte (liquidação), ou as situações de facto definitivas de que depende a determinação desse "quantum" (matéria colectável ou valores patrimoniais), inquinado de ilegalidade e que, por isso, deve ser anulado, total ou parcialmente).
Não tendo a impugnante atacado qualquer acto tributário, a situação desenhada na p.i. não se enquadra na previsão de quaisquer das alíneas do art° 99° do CPPT, ou seja, não constitui fundamento de impugnação - cfr. ainda as als. a) a f) do n° l do art° 97° também do CPPT-.
Assim, a reacção da impugnante, não cabe na previsão deste artigo, isso não obstante a enumeração dos fundamentos da Impugnação constante do art° 99° do CPPT ser meramente exemplificativa.
E o que se pretende atingir com a presente impugnação judicial é essencialmente a extinção da execução fiscal e não a anulação de qualquer acto de liquidação.
Acresce que a reacção contra os actos que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, está normalmente excluída da âmbito da Impugnação e é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, o que vale por dizer que é decidido por via de recursos judiciais, isso como flui do nº 2 do art° 91° do CPPT, ao estatuir que "O recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária(1), que não comportem a apreciação ilegalidade do acto de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos ".
«In casu», só por via da Oposição Judicial, prevista nos art° 203° e seguintes do CPPT, é que o impugnante poderia fazer valer os seus direitos.
É pois e em definitivo, manifesto o erro na forma de processo.
O erro na forma de processo constitui nulidade de conhecimento oficioso e importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei – princípio do máximo aproveitamento ou princípio da economia processual.
Não é possível a convolação do processo - art° 98° n° 4 do CPPT-, visto que se mostra esgotado o prazo de 30 dias contido no art° 203° n° l al. a do CPPT e/ou de 10 dias estabelecido no artº 277º nº 1 do mesmo Código, respectivamente, para deduzir oposição ou reclamação.
A inidoneidade do meio processual usado e a possibilidade da convolação para o que se mostre adequado, tem de aferir-se fundamentalmente pela tempestividade do exercício do direito da acção apropriada, pela pertinência da causa de pedir, bem como a conformidade desta com o correspondente pedido.
Ora, apesar de o n° 3 do art° 97° da LGT, bem como o n° 4 do art° 98° do CPPT, prevejam a convolação do processo na forma adequada que, face aos fundamentos e à causa de pedir indicados na P.I., seria a oposição, entendemos que a mesma é intempestiva.
Na verdade, sendo o prazo de oposição de 30 dias (art° 203° do CPPT) a contar da data da citação pessoal, dos autos não consta a data da notificação da citação, nem da penhora bem imóvel à executada, mas resulta que a Impugnante foi notificada do anúncio de venda do bem penhorado em 10/10/2008, de acordo com o que foi por si alegado na petição inicial, sendo que a presente impugnação foi deduzida em 02/12/2008, pelo que se impõe concluir que à data da instauração da impugnação se mostrava ultrapassado o prazo de 30 dias, como irrepreensivelmente entendeu a Mª Juíza «a quo».
Tanto basta, a nosso ver, para que a petição inicial no presente caso devesse ser liminarmente indeferida e equacionada e ponderada a impossibilidade de a impugnação judicial apresentada dever ser convertida em processo de oposição à execução fiscal e, bem assim, por maioria de razão, para a hipótese de o revertido pretender não deduzir oposição à execução fiscal mas reclamar judicialmente do acto de reversão, pois que o prazo legalmente estabelecido para o efeito é ainda menor que o firmado para aquela forma de processo, como se pode ver do que dispõe o n.° 1 do art.° 277.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário: «A reclamação será apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão e indicará expressamente os fundamentos e conclusões.»
Ocorrendo erro na forma de processo e não sendo a convolação possível, está-se perante uma situação de nulidade de todo o processo, que conduz à absolvição da instância (artºs 288º al. b) e 494º al. b) do CPC).
Destarte, não se mostram reunidos os requisitos para a convolação da presente impugnação judicial em oposição à execução fiscal.
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4. - Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 29/09/2009

(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Rogério Martins)

(1) Hoje, acção administrativa especial, por injunção do artº 192º do CPTA.