Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:843/18.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
PENHORA DE SALDO BANCÁRIO
Sumário:1. Padece de nulidade, por excesso de pronúncia, por exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra de identidade de causa de pedir e causa de julgar, a sentença que, em processo de reclamação de acto de órgão de execução fiscal, conheceu de pedido e causa de pedir não invocados pelo reclamante.
2. A penhora de saldo bancário não é ilegal na medida em que seja ressalvado o limite mínimo do salário mínimo nacional.
3. A penhora de saldo bancário pode ser ilegal se for demonstrado que o mesmo saldo bancário resulta apenas do vencimento mensal do reclamante e esteja em causa a sobrevivência do executado ou do seu agregado familiar
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório

A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 152. (numeração em formato digital – sitaf), que julgou procedente a reclamação deduzida por F.... contra o acto que ordenou a penhora do saldo bancário, de que o reclamante é titular na sucursal de Maceira do B…, SA, na parte em que exceda a quantia de €580,00, até ao valor de €13.244,47 (informação de 16.04.2018 e anexos).
Nas alegações de recurso, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1) Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida em primeira instância, porquanto a mesma julgou totalmente procedente a reclamação deduzida ao abrigo do disposto no artigo 276.º do CPPT, e, em consequência, determinou a anulação do acto de penhora de 1/6 do vencimento, com fundamento em que "a manutenção da penhora de 1/6 do vencimento do reclamante viola o disposto no art. 738.º do CPC...”.
2) No entendimento da Representação da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, a douta sentença proferida pelo Tribunal "a quo" condenou em objecto diverso do peticionado, o que determina a sua nulidade, nos termos do art. 615º/1, e) do CPC.
3) Nos termos do preceituado no citado artigo 615º, n.º 1, alínea e) do CPC, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
4) Na verdade, é sabido que a nulidade que ora se invoca deriva da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3o, nº 1, do CPC), pelo que o objecto da sentença terá que coincidir com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido.
5) No caso sub judice, sendo a causa de pedir, em primeira instância, a anulação por ilegalidade do despacho que ordenou a penhora do saldo bancário de que o reclamante é titular, por exceder manifestamente o limite de impenhorabilidade consagrado no nº 5 do art. 738º do CPC, verifica- se que a causa do julgado da sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo’’ se encontra em manifesta incoerência com aquela causa de pedir aduzida pelo reclamante nos autos de primeira instância, pois que se prende com a anulação do ato de penhora de 1/6 do vencimento.
6) Pelo que, resulta a evidência clara que a sentença do tribunal a quo condenou em objeto diverso do pedido, padecendo assim da invocada nulidade.
7) Por outro lado, considera ainda a Representação da Fazenda Pública que a douta sentença ora recorrida, encontra-se igualmente inquinada por vícios formais, de actividade, atinentes a erros de construção ou formação, consagrados no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC - aplicáveis ao processo tributário por força do disposto na alínea e) do art. 2.º do CPPT - denominados por excesso de pronúncia (vício de “ultra petita") e omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”).
8) Nos termos do disposto na citada alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.
9) A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes de acordo com o disposto no artigo 615.º nº.1, alínea d), do CPC.
10) O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.
11) E a apreciação, pelo Juiz, de questões de que não deveria ter tomado conhecimento, assim como a não consideração das questões submetidas à sua apreciação é que justificam plenamente a nulidade da sentença, pois que quer o excesso quer a omissão de pronúncia se traduzem numa violação do princípio do dispositivo que contende com a liberdade e a autonomia das partes.
12) Ora, analisada a sentença ora recorrida, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, verifica-se que a mesma se encontra inquinada do vício de “ultra petita", uma vez que a Juiz invoca, como razão de decidir, a ilegalidade da penhora de 1/6 do vencimento do reclamante, determinando inclusive a sua anulação, razão e pedido estes essencialmente diversos do que o reclamante colocou na base das suas conclusões,
13) bem como padece a douta sentença ora recorrida do vício por omissão de pronúncia, porquanto não se pronuncia sobre a legalidade da penhora do saldo bancário nos termos do disposto no nº 5 do art. 738º do CPC, questão fulcral a discutir de acordo com a p.i do reclamante.
14) De facto, e sempre com a devida vénia, o douto Tribunal “a quo”, para além de se abster de apreciar a concreta questão controvérsia central a dirimir naqueles autos, conhecendo de uma questão que, não sendo de conhecimento oficioso, e não tendo sido suscitada nem pelas partes nem pelo Ministério Público, não poderia conhecer, também não considerou nem a Resposta apresentada em tempo pela RFP, nem o requerimento no qual esta se pronunciou e impugnou os documentos juntos pelo reclamante, conforme resulta do relatório da sentença onde se refere que “a Fazenda Pública não apresentou resposta", e “A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados."
15) E no douto Parecer proferido nos presentes autos ao abrigo do disposto no art. 121.º do CPPT, pronunciou-se o Digníssimo Magistrado do Ministério Público, contrariamente ao que consta do relatório da sentença ora recorrida, no sentido da improcedência da reclamação, por a AT ter assegurado o montante relativo ao salário mínimo nacional, excluindo-o da penhora.
16) Pelo que tendo a douta sentença ora recorrida omitido a apreciação e decisão sobre um facto alegado de que possa e deva conhecer e se esse facto for relevante para a decisão, deixando de o considerar provado ou não provado, então fica também afectada de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
17) Assim, constata-se que, salvo respeito por melhor opinião, o Ilustre Tribunal “a quo" excedeu os seus poderes de cognição quer quanto à causa de pedir quer quanto ao pedido, violando a regra da identidade de causa de pedir de causa de julgar, determinando a anulação do ato de penhora de 1/6 do vencimento, quando o Reclamante e ora recorrido não havia apontado qualquer vício àquele acto de natureza administrativa, vindo sim reclamar do acto de penhora de saldo bancário.
18) Procedendo as suscitadas nulidades da sentença e sendo apreciada, no presente recurso, a questão controvertida que foi suscitada pelo Reclamante, ora recorrido, em primeira instância, e que, portanto, deveria ter sido decidida, sempre se dirá, e salvo o devido respeito por entendimento contrário, que tal ato de penhora de saldo bancário se encontra imaculado, não padecendo de qualquer vício que o inquine de ilegalidade.
19) Ora, no que à penhora de saldos bancários concerne, não desconhecemos o limite de impenhorabilidade previsto no n.º 5 do artigo 738.º do CPC, nos termos do qual "Na penhora de dinheiro ou saldo bancário, é impenhorável o valor global correspondente ao salário mínimo nacional
20) Assim, e nos termos do disposto no artigo 223.º do CPPT e no n.º 5 do art. 738.º do CPC, ora aplicável por força do disposto na alínea e) do art. 2.º do CPPT, sendo o reclamante devedor de imposto à AT, não tendo sido a quantia exequenda paga oportunamente, e constituindo as quantias monetárias, existentes numa conta bancária titulada pelo reclamante, bens patrimoniais susceptíveis de penhora (cfr. os artigos 735.º, n.º 1,736.º a 73º.º todos do CPC e alínea e) do 2.º do CPPT), outro comportamento não poderia ter o órgão de execução fiscal senão o de determinar a penhora de bens patrimoniais titulados pelo executado.
21) Destarte, o órgão de execução fiscal não promoveu a penhora do saldo existente nessa conta bancária correspondente ao salário mínimo nacional mais elevado (€ 580,00 para 2018) mas apenas o remanescente desse montante.
22) Acresce que estando em causa a penhora de saldo bancário, o regime de impenhorabilidade das prestações pagas a título de vencimento que constituem a origem do mesmo não se lhe transmite.
23) Assim, e tendo em vista a aplicação do regime da impenhorabilidade do n.º 5 do artigo 738.º do CPC, cabia ao reclamante demonstrar o carácter indispensável à subsistência do agregado familiar das quantias em apreço (artigo 342.º do Código Civil), ónus que no caso não foi observado.
24) Note-se que em momento algum o reclamante, ora recorrido, logrou provar que apenas recebe o seu vencimento naquela conta bancária e não qualquer outra fonte de rendimento e, nem tão pouco, logrou sequer provar ser naquela conta que recebe efectivamente o seu vencimento, pelo que, não pode, por maioria de razão, resultar provado o facto de ter sido violado o limite previsto no nº 5 do artigo 738º.
25) Acresce que os documentos juntos aos autos pelo reclamante, com o fim de comprovar as despesas que suporta com o cumprimento das suas responsabilidades parentais, e que no seu entendimento deveriam ser relevados para efeitos do cálculo do rendimento penhorável, até vêm comprovar que as referidas despesas não ascendem aos valores preconizados em sede de petição inicial, como se verifica, a título de exemplo e relativo ao mês de Janeiro:
- Salário mínimo nacional: €580,00
- Vencimento líquido após descontos IRS, ADSE e CGA: € 51,00
- Penhora de 1/6 do vencimento: €158,50 situa-se na parte penhorável que é de €371,00 € 51,00-€580,00).
- Pelo que mesmo deduzindo o valor da penhora o reclamante fica a dispor de €72,50, do qual deduzindo o valor das responsabilidades parentais comprovadas - € 124,66 (sublinhe-se valor não relevante para efeitos de cálculo do seu rendimento penhorável) - ainda dispõe de € 667,84.
26) Por conseguinte, mesmo na situação, que por mera hipótese se concede, da conta bancária cujo saldo foi penhorado ser a conta onde aufere o seu vencimento, ainda assim, seria penhorável o diferencial entre o valor de € 667,84 e o valor do salario mínimo nacional, ficando garantido ao reclamante o gozo de uma vida condigna e da satisfação das suas necessidades (e da sua filha menor).
27) Nestes termos, com o devido respeito, não devem subsistir dúvidas de que não padece a penhora do saldo bancário n.º 3402……. de qualquer ilegalidade, porquanto, inexistindo presunção de proveniência e montantes auferidos e eventualmente depositados na conta bancária cujo saldo foi penhorado, cabia ao Recorrido o ónus de demonstrar e provar que o montante do saldo bancário que lhe foi penhorado, o foi em violação do disposto no nº 5 do artigo 738º do CPC.
28) Face ao exposto, não resta à Fazenda Pública senão concluir, respeitosamente, que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo e ora objecto de recurso, se estribou numa errónea apreciação da matéria quer de facto quer de direito, relevantes para, a nosso ver, a boa decisão da causa, fazendo considerações sobre questões que efetivamente não estavam a ser discutidas em 1.a instância, e ao decidir como efectivamente o fez, violou o disposto no artigo 125.º do CPPT e nos artigos 608.º, 60º.º, nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º e 738.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi por força do disposto na alínea e) do art. 2º do CPPT.
X
O recorrido não apresentou alegações.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer a fls. 212/213. (numeração em formato digital – sitaf), no sentido da procedência do recurso.
X
Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.
X
II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
A) Em 15-09-2010 o Serviço de Finanças de Loures - 4 instaurou contra a sociedade "D…., S…., Lda.", os PEF's nºs 3402… e apensos, para cobrança coerciva de dívidas no montante de € 13.244,47 (cfr. PEF apenso);
B) As dívidas em execução fiscal no processo identificado na alínea precedente foram revertidas contra o ora reclamante F…. (cfr. PEF apenso);
C) O reclamante é pai de A….., nascida em 07-04-1998 e de C….., nascida em 10-04-2002 (cfr. docs. nºs 4 e 5 juntos com a petição inicial);
D) Conforme consta do documento "Comprovativo de Matrícula e Inscrições", a filha maior do reclamante encontrava-se, no ano lectivo de 2016/2017, matriculada na Universidade de Évora (cfr. doc. nº 6 junto com a petição inicial);
E) No âmbito do processo nº 1035/16.4T8PBL-A, da Comarca de Leiria - Pombal - Inst. Central - 2º Sec. F. Men - J3, foi homologado o acordo, datado de 21-11- 2016, quanto ao exercício das responsabilidades parentais, relativo à da filha menor do reclamante, ficando este obrigado ao pagamento mensal, a título de pensão de alimentos, da quantia de € 100,00, e ao pagamento de metade das despesas escolares, de saúde e actividades extracurriculares (cfr. doc. registado em 10-00-2018 15:30:36);
F) No ano de 2017 o reclamante despendeu em relação à sua filha menor um valor médio mensal de €153,00 (cfr. doc. registado em 10-00-2018 15:30:36);
G) Dos recibos de vencimento do reclamante emitidos pela Câmara Municipal de Leiria, consta, designadamente (cfr. does. nºs 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial):
Janeiro 2018
(“texto integral no original; imagem”)
Fevereiro 2018
(“texto integral no original; imagem”)
Março 2018
(“texto integral no original; imagem”)

H) O reclamante celebrou com a C….. um contrato de crédito no montante de € 10.000,00, sendo a data da primeira mensalidade de 01-12-2016, no valor de € 214,02 e o final do contrato em 01-11-2022 (cfr. doc. nº 7, junto com a petição inicial);
I) De acordo com a informação bancária prestada em 31-01-2018, pelo M…. o reclamante efectua uma transferência mensal de € 200,00 para A…. (cfr. doc. registado em 10-00-2018 15:30:36);
J) Em 06-03-2018 foi registado o pedido de penhora de 1/6 do vencimento do reclamante (cfr. fls. 18 e 26 do SITAF);
K) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças em 03-04-2018 (cfr. fls. 18 do SITAF).
Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto consignou-se:
«Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados que constam dos autos e do PEF apenso, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório».
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
L) O acto de penhora, datado de 02.04.2018, incidiu sobre conta bancária do recorrido no B…., SA, tendo sido solicitado o montante de €13.244,47 e penhorado o montante de €323,99 – fls. do sitaf.
X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 152. (numeração em formato digital – sitaf), que julgou procedente a reclamação deduzida por F.... contra o acto que ordenou a penhora do saldo bancário, de que o reclamante é titular na sucursal de Maceira do B….., SA, na parte em que exceda a quantia de €580,00, até ao valor de €13.244,47 (informação de 16.04.2018 e anexos).
2.2.2. Para julgar procedente a presente reclamação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Como decorre da factualidade provada o reclamante auferiu, em Janeiro de 2018, o vencimento líquido de € 951,00, após os descontos referentes a IRS, ADSE e CGA.
Ora, a penhora de 1/6 do vencimento corresponde ao montante de € 158,50, ficando o reclamante com um rendimento de € 792,50, ao qual são subtraídos os valores pagos mensalmente às suas filhas, decorrentes das responsabilidades parentais, que, como decorre do probatório, ascendem a € 353,00, pelo que, ao reclamante resta a quantia de €439,50, rendimento que servirá para fazer face ao seu próprio sustento. Ora, tal quantia é manifestamente inferior ao salário mínimo nacional que, para o ano em causa é de € 580,00. O mesmo se diga relativamente aos outros meses, em que o vencimento líquido é inferior ao do mês de Janeiro.
Sendo certo que a razão de ser da norma relativa à impenhorabilidade reside na necessidade de assegurar um mínimo de subsistência, que garanta a dignidade pessoal do devedor, a manutenção da penhora de 1/6 do vencimento do reclamante viola o disposto no art.º. 738º do CPC (…). // No caso para fazer face às suas obrigações legais, o reclamante dispõe de um montante inferior ao salário mínimo nacional».
2.2.3. A presente intenção rescisória centra-se sobre os vícios da sentença seguintes:
i) Nulidade da sentença por condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido;
ii) Nulidade da sentença, por vício de excesso de pronúncia;
iii) Nulidade da sentença, por vício de omissão de pronúncia;
iv) Erro de julgamento.
2.2.4. O artigo 615.º/1/e), do CPC, determina que «[é] nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».
Na petição inicial de reclamação, o reclamante formula as conclusões seguintes:
a) O vencimento líquido do reclamante, depois do cumprimento das suas obrigações legais e impostas na regulação do exercício das responsabilidades parentais é tão-só de €427,30.
b) O reclamante tem outros encargos, nomeadamente, o pagamento de um crédito no valor mensal de €200,37.
c) Considerando que as despesas mensais fixas do reclamante originam um rendimento líquido inferior ao salário mínimo nacional, deve ser dispensada a penhora sobre a conta bancária na qual foi ordenada a penhora e na qual recebe o seu salário, a sua única fonte de rendimento.
d) No dia 02 de Abril de 2018, a sua entidade patronal (Município de Leiria) foi notificada para penhorar 1/6 da importância mensal líquida do vencimento que o reclamante aufere, pelo que a penhora do saldo bancário onde recebe exclusivamente o seu vencimento é ilegal.
e) Nos termos do n.º 5 do art.º 738.º do CPC, que “Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário, é impenhorável o valor global correspondente ao salário mínimo nacional ou tratando-se de obrigação de alimentos, o previsto no número anterior”, pelo que é ilegal a penhora.
f) A manutenção da penhora nos termos efectuados ultrapassa o limite mínimo da impenhorabilidade de saldo bancário, estabelecido na lei, nos termos do n.º 5 do artigo 738.º do CPC, aplicável por remissão da alínea c), do art.º 2.º do CPPT, facto que representa um acto inadmissível, pois que, ao exceder-se aquele limite máximo está a colocar-se em causa a subsistência do reclamante causando-lhe prejuízo irreparável, pelo que a subida imediata tem fundamento na alínea a), do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT».
No intróito da petição inicial referida, o reclamante afirma que, «tendo tomado conhecimento na presente data que lhe foi ordenada e efectuada a penhora do saldo da conta bancária de que o reclamante é titular no M….., sucursal de Maceira, na parte em que exceda a quantia de €580,00, no processo de execução [3492….], vem por este meio deduzir reclamação judicial para o Tribunal Tributário de Lisboa, a subir de imediato, pelo seguinte motivo: a manutenção da penhora nos termos efectuados, ultrapassa o limite mínimo de impenhorabilidade de saldo bancário estabelecido na lei, nos termos do n.º 5 do artigo 738.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea c) do artigo 2.º do CPPT (…)».
O artigo 615.º/1/e), do CPC, determina que é nula a sentença que condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Nos termos do artigo 615.º/1/d), é nula a sentença que conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A propósito da necessária identidade entre causa de pedir da acção e “causa de pedir” da sentença, afirma-se que, «[n]ão podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (artigo 615.º/1/e)), é nula a sentença em que o faça».(1) Mais se refere que «[p]adece de nulidade, por excesso de pronúncia (nº 1 do art. 125º do CPPT), por exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra de identidade de causa de pedir e causa de julgar, a sentença que, em processo de oposição à execução fiscal, conheceu de fundamento de oposição não invocado pelo oponente»(2).
«Haverá também excesso de pronúncia se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição, quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir e causa de julgar, por exemplo, anulando, um acto com base em vício não invocado»(3).
No caso, foi invocado o vício de violação do regime de impenhorabilidade relativa de saldos bancários. Todavia, a sentença considerou que a penhora era ilegal, com base no vício de impenhorabilidade de salários e vencimentos. Do petitório resulta que o recorrido insurge-se contra a penhora de saldo bancário, a qual considera ilegal por preterição do regime de impenhorabilidade do saldo bancário, inscrito no preceito do artigo 738.º, n.º 5, do CPPT. De onde resulta que a sentença em crise, ao emitir pronúncia sobre a validade da penhora de vencimento mensal do recorrido, conheceu de objecto diverso do requerido.
Em face do exposto, impõe-se anular a sentença recorrida, uma vez que a mesma, conheceu de objecto diverso do pedido. Sem embargo, mantém-se a fundamentação da matéria de facto, a qual não é afectada pelo vício em causa.
Fica prejudicado o conhecimento das demais nulidades invocadas.
Termos em que se provê as presentes conclusões de recurso.
Havendo elementos nos autos, e uma vez observado o contraditório (fls. 215/217), impõe--se conhecer do mérito da presente reclamação judicial.
2.2.5. O pedido de levantamento da penhora em causa nos autos assenta, em síntese, na asserção de que terá sido violado o «limite mínimo da impenhorabilidade de saldo bancário, estabelecido na lei, nos termos do n.º 5 do artigo 738.º do CPC, aplicável por remissão da alínea c), do art.º 2.º do CPPT, facto que representa um acto inadmissível, pois que, ao exceder-se aquele limite máximo está a colocar-se em causa a subsistência do reclamante».
Por seu turno, na contestação à presente reclamação, a reclamada/recorrente refere que «objecto da presente reclamação é apenas e tão só, o acto pelo qual o órgão de execução fiscal ordenou a penhora de saldo bancário de uma conta titulada pelo reclamante, penhora que segundo o reclamante é ilegal, por ultrapassar o limite mínimo de impenhorabilidade do saldo bancário, estabelecido na lei, por ser nessa conta que o reclamante aufere o seu vencimento. Mais refere que sendo o reclamante devedor de imposto à Administração Tributária (responsável subsidiário pelas dívidas fiscais da executada originária, assim determinado por despacho de reversão); não tendo a quantia exequenda sido oportunamente paga pelo reclamante após o decurso do prazo para a oposição à execução; constituindo as quantias monetárias, existentes em instituição bancária, numa conta bancária titulada pelo reclamante, bem como os montantes pecuniários auferidos pelo reclamante a título de vencimento pelo trabalho por si realizado, bens patrimoniais susceptíveis de penhora, outro comportamento não poderia ter o órgão de execução fiscal senão determinar a penhora de bens patrimoniais titulados pelo executado, em cumprimento do disposto no artigo 215.º, n.º 1, do CPPT e em respeito pelo princípio da legalidade.
A garantia geral das obrigações é constituída por todos os bens que integram o património do devedor. «Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios» - artigo 601.º do CC.
O preceito do artigo 738.º do CPC estabelece a impenhorabilidade relativa de salários, vencimentos e saldos bancários. Determina o n.º 5 do preceito em exame que «[n]a penhora de dinheiro ou saldo bancário, é impenhorável o valor global correspondente ao salário mínimo nacional ou, tratando-se de obrigação de alimentos, o previsto no número anterior».
«A impenhorabilidade dos direitos de crédito, máxime dos referidos no artigo [738.º] estende-se à quantia em dinheiro ou ao depósito bancário que resulte da sua satisfação [artigo 739.º]. A equiparação deve, porém, cessar, atenta a razão da impenhorabilidade do direito de crédito, quando cesse a presunção de que a quantia ou depósito se destina ao mesmo fim típico que o crédito visava satisfazer»(4).
A este propósito constitui jurisprudência assente a seguinte:
«1) O artigo 738.º do CPC consagra a impenhorabilidade parcial ou relativa das prestações periódicas ordenadas à garantia da subsistência do executado e seu agregado familiar, segundo limites que assumem como referência a retribuição mensal mínima garantida.
2) Estando em causa a penhora de saldo bancário, o regime de impenhorabilidade das prestações pagas a título de pensão de aposentação que constituem a origem do mesmo não se lhe transmite.
3) Tendo em vista a aplicação do regime da impenhorabilidade do artigo 738.º do CPC, cabia à reclamante demonstrar o carácter indispensável à subsistência do agregado familiar das quantias em apreço (artigo 342.º do Código Civil), ónus que no caso não foi observado.
4) Impõe-se, no entanto, ressalvar, a impenhorabilidade do valor da retribuição mensal mínima garantida, ou seja, o valor de €505,00. Montante que não devia ter sido penhorado, nos termos do disposto no artigo 738.º/5, do CPC»(5).
Ou seja, a impenhorabilidade do saldo bancário em causa, até ao valor de €13.244,47,(6) ressalvado o limite mínimo do salário mínimo nacional de €580,00, não é ilegal. Só o seria se tivesse sido demonstrado que tal saldo bancário resulta apenas do vencimento mensal do recorrido. Prova que não consta dos autos. Nem tal facto é alegado pelo recorrido.
De onde se impõe concluir que a penhora em causa não viola o regime do artigo 738.º, n.º 5, do CPC, pelo que deve a mesma ser mantida.
Mais se refere que o regime do artigo 738.º, n.º 6, do CPC, não é aplicável à situação dos autos na qual se aprecia a legalidade da penhora de saldo bancário, dado que não está em causa penhora de rendimento percebido pelo recorrido, mas antes penhora de quantia em dinheiro, de que o mesmo é titular na conta bancária em apreço.
Em face do exposto, deve ser julgada improcedente a presente reclamação.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida, nos termos referidos em 2.2.4. e, em substituição, julgar improcedente a reclamação, salvo no que respeita à ressalva do limite mínimo do salário mínimo nacional de €580,00.
Custas pelo recorrido, sem prejuízo da dispensa da taxa de justiça, por não ter contra-alegado (sem prejuízo do apoio judiciário – fls. 100/101).
Registe.
Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)



(1º. Adjunto)
Mário Rebelo

(2º. Adjunto)
Lurdes Toscano



(1) José Lebre de Freitas e outros, CPC anotado, Vol. II, 2ª Edição, 2008, p. 705.
(2). Acórdão do STA, de 24.05.2016, P. 036/16.
(3). Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, 6:º Ed.,Vol. II, p. 366.
(4). José Lebre de Freitas, A Acção executiva, Depois da reforma da reforma, 5ª Edição, 2011, p. 221.
(5). Acórdão do TCAS, de 19.05.2016, P. 09313/16.
(6).Alínea L), do probatório.