Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1032/08.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
PROVA TESTEMUNHAL.
Sumário:I.A falta de pronúncia sobre um requerimento probatório não constitui fundamento para a nulidade decisória, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.II. O Julgador só pode dispensar a fase de instrução dos autos «[s]e a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115º, n.º 1 e 119.º do CPPT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO

A G................., LDA. com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação intentada por não concordar com as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios referentes aos anos de 1997 e 2000.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«
É hoje pacífico na jurisprudência que a prescrição da obrigação tributária constitui questão de natureza substantiva e de conhecimento oficioso em qualquer grau de jurisdição, até ao trânsito em julgado da decisão final sobre o objecto da causa.
2.ª
Verifica-se, pois, que a douta sentença, ao não conhecer da prescrição, é nula por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2º do CPPT.
3.ª
Por outro lado, importa ainda referir que, a jurisprudência tem entendido que, embora a prescrição da obrigação tributária não constitua por si, fundamento de impugnação judicial, a possibilidade de declaração da prescrição no âmbito de um processo de impugnação Judicial deverá ser admitida com fundamento na inutilidade superveniente da lide.
4.ª
Pelo que, no caso sub judice deveria ter sido reconhecida a prescrição pelo tribunal a quo.

5.ª
Não foi realizada a inquirição da testemunha apresentada pela Recorrente, não tendo esta sido notificada de tal facto, pelo que a sentença se encontra ferida de nulidade, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1do artigo 668.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, bem como do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.
6.ª
Em 1997 e 1998, a Recorrente não prestou serviços aos estagiários, tendo recebido as atribuições patrimoniais em causa para posteriormente as distribuir pelos participantes do estágio.
7.ª
Relativamente a 1999 e 2000, verifica-se que não estamos perante subvenções ao preço, tal como definidas pela alínea c) do n.º 5 do artigo 16.º do Código do IVA, pelo que as mesmas não devem ser sujeitas a IVA.
TERMOS EM QUE,
Deve o presente recurso interposto da douta sentença recorrida ser julgado procedente, com as legais consequências.
Só assim se decidindo

SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA»


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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu parecer no qual suscita a excepção de incompetência hierárquica deste Tribunal para o conhecimento do recurso.


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Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a questão da suscitada no Parecer do Ministério Público, veio a recorrente responder nos termos de fls. 124 a 129 dos autos, defendendo ser o Tribunal Central Administrativo o competente para conhecimento do recurso por si interposto porquanto conforme se retira das conclusões de recurso «discorda da decisão recorrida, questionando as ilações que o Tribunal «a quo» retira da factualidade provada» concluindo, porém que, caso assim não se entenda, desde já se requer que os presentes autos sejam remetidos ao tribunal competente (cf. artº 18º nº 2 do CPPT)».
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões a decidir são as seguintes:
- saber se o TCA é (ou não) hierarquicamente incompetente, por estar em causa, no presente recurso, exclusivamente matéria de direito, em caso negativo,
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- nulidade da sentença decorrente da falta de inquirição da testemunha arrolada na petição de impugnação e falta de notificação do despacho que procedeu à respectiva dispensa;
- errada interpretação e aplicação do n.º1 do artigo 4.º e alínea c) do n.º 5 do artigo 16.º do CIVA.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) No âmbito de uma verificação de um pedido de reembolso de imposto por parte da impugnante, foi elaborado um relatório da 1.T. cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, e do qual consta as correcções de IVA dos anos de 1997 a 2000, com Base no apuramento de divergências verificadas entre as declarações periódicas de IVA e as declarações de rendimento modelo 22 de 1997 e 1998 e nas declarações anuais de informação contabilística e fiscal dos anos de 1999 e 2000, de que resultou um montante de imposto pela diferença, igual ao valor das prestações de serviço por si efectuadas, tendo deduzido indevidamente imposto mencionado nos documentos aí identificados por os mesmos não conferirem o direito à dedução e por não estarem passados em forma legal. - cfr relatório de fls 54 a 65, do Prc. Recl. Graciosa apenso.
B) Em resultado da acção inspectiva referida supra, veio a ser indeferido o pedido e efectuada uma liquidação adicional de imposto e de juros compensatórios aos anos de 1997 a 2000, face ao entendimento de que as acções no âmbito da formação profissional se incluíam nas operações tributáveis do sujeito passivo. - cfr relatório mencionado supra e "Prints Informáticos" de fls 106 a 120, do P.A apenso.
C) Em 10.04.03 foi apresentado reclamação graciosa dos actos tributários mencionados supra, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, e do qual consta a invocação de que as subvenções recebidas no âmbito de dois programas comunitários no âmbito da formação profissional não deveriam ser incluídos no valor das prestações de serviço por si efectuadas por não se traduzirem em qualquer contraprestação de um serviço por si prestado, e deveriam ser excluídas outras, por se traduzirem em quantias pagas em nome e por conta do destinatário dos serviços. - cfr petição de reclamação de fls 2 e segs, do Proc. Recl. Apenso.
D) Dão-se aqui por reproduzidas as cópias de acordo formalizado com base no projecto subscrito por entidade italiana e a convenção financeira celebrada pela impugnante com a "INC", de fls 23 a 4 l e de fls 47 a 50, do P.Recl Gracioso. p_enso-"
E) A reclamação mencionada em D) mereceu o Despacho de 21.01.09 aposta sobre a Informação de 19.11.03 e Parecer de 30.12.03, do projecto de decisão da reclamação, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, do qual veio a resultar o despacho de 26.02.04, do D.F. adjunto, de indeferimento da reclamação, com base na Informação e Parecer de 04.02.04 e de 13.02.04, respectivamente, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido. - cfr. Fls 176 a 182 e fls 185 a 191, do Proc Recl. Gracioso apenso.

X

Factos Não Provados
Dos factos constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

X

Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos contam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório»

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B.DE DIREITO

Da incompetência do Tribunal Central Administrativo em razão da hierarquia

A primeira questão que cumpre apreciar e decidir, é a da competência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo para conhecer do presente recurso, questão que, em conformidade com o disposto no artigo 13.º do CPTA (aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), do Código de Procedimento e Processo Tributário), assume carácter prioritário relativamente a todas as outras.

Para o Ministério Público, no caso concreto, não vem suscitada nenhuma questão de facto, nenhuma alteração do probatório pelo que competente para apreciar do mérito é o Supremo Tribunal Administrativo.

Diga-se, porém, que sem razão.

Na verdade, nos termos do artigo 280.º, nº1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, «[d]as decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, (…) para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, (…), para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».

E, nos termos do artigo 26.º, al. b), do ETAF, atribui-se competência à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.

Por sua vez, o artigo 38º, al. a), do ETAF, atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artigo 26º, al. b), do mesmo diploma.

A propósito destes normativos, tem vindo a ser proclamado pela boa doutrina que «[n]a delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à dos tribunais centrais administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso, o recorrente pede a alteração da matéria de fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa» (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Volume I, 2006, pág. 213) .

De uma forma sintética, podemos, então dizer, que será competente para conhecer do recurso de decisão proferida por Tribunal de 1ª. Instância o Supremo Tribunal Administrativo, sempre que o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo (Secção de Contencioso Tributário de um dos Tribunais Centrais) se o fundamento não for exclusivamente de direito.

No caso “sub judice”, conforme se retira das conclusões das alegações de recurso apresentadas pela recorrente, pois que são estas, como já o dissemos, as relevantes para aferir do objecto e âmbito do recurso, verifica-se que a recorrente, em especial nas conclusões 6.ª e 7.ª, manifesta clara discordância com o decidido no que respeita aos juízos de apreciação da prova efectuados pelo Tribunal recorrido, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na decisão recorrida, supostamente, violados na sua determinação.

Mas sendo assim, os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artigo 38º, al.a), do ETAF, e não ao Supremo Tribunal Administrativo -2ªSecção.

Em face do que se deixa dito, improcede a excepção da incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, suscitada pelo Ministério Público, havendo, pois, que conhecer do objecto do recurso.

Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

A segunda questão resultante da delimitação do objecto do recurso incide (em virtude da precedência lógica do conhecimento das nulidades da sentença, atento o disposto no artigo 606.º do CPC, «ex vi» do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo Código, aqui aplicáveis subsidiariamente por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT), como já vimos, sobre a alegada existência de nulidade da sentença, por violação do nº 1, alínea d) do artigo 668.º do CPC (correspondente à actual alínea d) do artigo 615.ºdo CPC).

Prevista no artigo 125.º do CPPT e na alínea d) do artigo 615.º nº 1 do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o constante do artigo 608.º nº 2 do CPC segundo o qual «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».

Por isso, só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado nº 2 do artigo 608.° do CPC, ex vi do artigo 2.° alínea e) do CPPT.

Com efeito, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretas que haja sido chamado a resolver no quadro do litigio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

Invoca a recorrente que o Tribunal «a quo » não conheceu da questão da prescrição das dívidas exequendas que subjazem aos actos de liquidação sindicados, o que em seu entender determina que a sentença incorra em nulidade por omissão de pronúncia.

Se é certo que a sentença recorrida não apreciou a questão da prescrição, também é certo, como se verifica dos autos, que ela não foi colocada junto do Tribunal «a quo». Por conseguinte não pode considerar-se que a sentença enferma da nulidade que lhe foi assacada pela recorrente.

E a circunstância da prescrição ser de conhecimento oficioso no processo de execução fiscal (cfr. artigo 175.º do CPPT) não legitima que no processo de impugnação possa ter a mesma natureza. Com efeito, em impugnação judicial, a prescrição é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. I, 2006, pág. 708).

De resto, caso as dívidas tributárias em referência estejam efectivamente prescritas, a recorrente poderá no processo de execução fiscal requerer essa mesma declaração (Neste sentido, vide, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.12.2015, proferido no processo n.º 1364/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Invoca ainda a recorrente que a sentença sob recurso é ainda nula por omissão de pronúncia, no que respeita à falta de inquirição das testemunhas arroladas e falta notificação do despacho que dispensou a requerida prova.

No caso “sub judice”, examinando a tramitação processual dos autos, verifica-se que o Mmo Juiz do Tribunal «a quo», após a notificação da contestação à recorrente e sem ter sido proferido despacho interlocutório, ordenou a remessa dos autos para parecer final do Ministério Público (fls.76) e, após, foi proferida a sentença sob exame.

Fica assim evidenciado que o Tribunal «a quo» não se pronunciou sobre o requerimento probatório apresentado pela recorrente.

Todavia, a ausência de pronúncia sobre o requerimento probatório não integra o fundamento da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pois não está em causa a omissão de decisão sobre o pedido ou sobre os seus respectivos fundamentos, ou seja, não deixou o Tribunal de conhecer das questões sobre os quais impendia o dever de decisão.

Desde modo, a situação referida não se enquadra na nulidade da sentença prevista na alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, contrariamente ao pretendido pela recorrente.

Contudo, não obsta a que a omissão de diligências de prova, quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, possa afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando a anulação da sentença por défice instrutório com vista a obter o devido apuramento dos factos.

É, precisamente o que sucede nos presentes autos.

No caso, não vem colocado em causa em que a recorrente embora prossiga actividade no âmbito da formação, não é uma entidade acreditada pela INOFOR, pelo que, nas prestações de serviço que normalmente realiza não poderá beneficiar da isenção prevista no n.º11 do artigo 9.º do CIVA.

Não obstante, veio o Tribunal «a quo» a decidir que :« (…) que do acordo mencionado em D) do probatório se patenteia que os valores recebidos da entidade promotora daquelas acções não se traduziam em qualquer subvenção, antes o pagamento dos serviços prestados pela impte, não tendo esta apresentado ou comprovado que as quantias por si pagas no respectivo âmbito, o foram em nome e por conta do destinatário do serviço, antes resulta que cabia a esta suportar as despesas incorridas com os formandos, em contrapartida das importâncias devidas pelo respectivo destinatário dos serviços prestados.».

Todavia a recorrente nos artigos 27 a 37 da petição inicial defende que estão em causa duas situações distintas de recepção de fundos comunitários no âmbito do Programa Comunitário de Acção em Matéria de Formação Profissional, designado por Programa Leonardo de Vinci. E, concretiza, dizendo que nos exercícios de 1997 e 1998, foi um mera Entidade de Acolhimento de estagiários cuja intervenção se resumia a assegurar a instalação e o respectiva doseamento das bolsas de estágio que lhes eram destinados, e nos exercícios de 1999 e 2000, assumiu o papel de entidade Promotora de um projecto especifico nesta área, auferindo para a sua prossecução e execução duas subvenções.

Parece-nos, pois, evidente, que, em abstracto, toda esta factualidade (e a demais invocada na petição inicial a este propósito) é susceptível de relevar para a decisão da causa, na exacta medida em que se reporta directamente aos pressupostos em que assentam as correcções reflectidas as liquidações sindicadas.

Não nos podemos esquecer que o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «[s]e a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (cfr. artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115º, n.º 1 e 119.º do CPPT. E isto é assim, apesar do tribunal poder recusar a sua produção, caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias em face das questões colocadas.

Depois, no processo tributário são admissíveis os meios gerais de prova (cfr. artigo 115.º do CPPT), donde nada legitima a afirmação de que tais factos apenas admitam prova documental e que a inquirição da testemunha não possa constituir um contributo relevante para a descoberta da verdade quanto a essa matéria. Isto, porque o escopo primacial do processo será a realização do direito através do atingir de uma verdade material.

Desde modo, como é bom de ver, que não tendo sido realizada a diligência de prova requerida não pode à partida, sem a produção desta prova, afirmar-se que a recorrente não demosntrou que: « [a]s quantias por si pagas no respectivo âmbito, o foram em nome e por conta do destinatário do serviço».

Manifesto é assim que, o Tribunal «a quo» incorreu não só em erro de julgamento como descurou a necessidade de fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Isto mesmo evidencia o Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 22.05.2013, proferido no processo n.º 0984/12: «[a] falta de produção de prova requerida e da sua ponderação e valoração no julgamento da matéria de facto não integre uma nulidade processual, sendo, antes, susceptível de consubstanciar um erro de julgamento - na medida da deficiência do juízo valorativo que a dispensou ou do erro cometido pelo julgador quanto à inexistência de elementos de prova ou das sua irrelevância para a decisão da causa – há que reconhecer que a sentença padece do referido erro de julgamento.» (disponível em www.dgsi.pt).

E reiterando-se tal entendimento, justifica-se a necessidade de ampliar a matéria de facto com vista a obter todos os elementos que suportem a decisão de direito, devendo os autos baixar ao tribunal recorrido para que aí seja realizada a produção de prova, nos termos apontados.

IV.CONCLUSÕES

I.A falta de pronúncia sobre um requerimento probatório não constitui fundamento para a nulidade decisória, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

II.O Julgador só pode dispensar a fase de instrução dos autos «[s]e a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115º, n.º 1 e 119.º do CPPT.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, anulando-se a sentença recorrida e, em consequência, determinar a baixa dos autos para se determinar a abertura da fase de instrução da causa, com a produção da prova requerida pela recorrente e o posterior prosseguimento da instância, com o julgamento da matéria de facto e de direito.

Sem custas.


Lisboa, 8 de Outubro de 2020

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]

Ana Pinhol