Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:590/06.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
DEDUÇÃO.
2.ª VIA DE FACTURA.
Sumário:A existência de 2.ªvia de factura, cujo extravio se mostra comprovado, desde que contenha os elementos essenciais ao controlo da operação titulada, serve de suporte ao exercício do direito à dedução do imposto suportado
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
V………..-P……………., Lda. deduziu impugnação judicial pedindo a anulação do acto de deferimento parcial da reclamação graciosa, na parte em que lhe foi desfavorável e, consequentemente, manteve a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao terceiro e quarto trimestre, do exercício de 1999, no valor de 17.316,62€.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls.88 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 31 de Março de 2014, julgou a impugnação totalmente improcedente mantendo na ordem jurídica “os actos tributários de liquidação sindicados”.
A impugnante interpôs recurso jurisdicional contra a sentença, em cujas alegações de fls. 73 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), a recorrente alegou e formulou as conclusões seguintes:
«A ora recorrente não concorda com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por ter feito uma errada avaliação da matéria de facto e interpretação da lei, como demonstrou neste recurso, para cada uma das correções controvertidas.
A) Correção relativa à aquisição de gasóleo - €10 366,77
a) No procedimento de inspeção a inspeção tributária não praticou as diligências necessárias para a descoberta da verdade material, e a fundamentação é contraditória, não permitindo descortinar a razão pela qual foi efetuada a correção, violando o disposto no artigo 77° da LGT.
b) Sabendo que o débito do consumo do gasóleo feito pela V...... aos transportadores não coincide, mensalmente, com a faturação feita pela BP à V......, a inspeção tributária pela mera comparação entre 2 períodos de imposto, considerou a diferença como "valor não faturado".
c) Competia-lhe no âmbito do procedimento fazer tal diligência para provar nos termos do artigo 74° da LGT a existência de alegados "valores não faturados".
d) Como se demonstra, não existe uma diferença de €60.981,03 de valor de gasóleo alegadamente não faturado, e bastaria para chegar a tal conclusão que a inspeção tributária fizesse a necessária conciliação das faturas e Notas de Débito.
e) Pese embora o facto de imputar á ora recorrente uma falta de valores declarados, a correção efetuada materializa-se, incompreensivelmente, numa eliminação do direito à dedução, com alegado fundamento no artigo 21° do IVA.
f) Por isso, mal decidiu o Tribunal a quo quando, alegando que a Administração Tributária e Aduaneira colocou em causa a possibilidade de dedução do IVA "com base na insusceptibilidade dos gastos com combustíveis serem utilizados na atividade da Impugnante" e indefere a impugnação com o argumento contraditório de que caberia "assim à Impugnante demonstrar que tais gastos só foram utilizados em veículos da Impugnante, o que não logrou fazer".
g) Eliminou-se assim, indevidamente, o direito à dedução a que a ora recorrente tem direito, nos termos do artigo 19° do CIVA.
B) 2ª via de uma fatura - €1.743,61
h) Em sede de IVA, a jurisprudência comunitária tem entendido que cabe aos Estados Membros " o poder de exigirem a apresentação do original da factura para justificar o direito à dedução, bem como o de admitirem, quando o sujeito passivo já não esteja na posse do original, outros meios de prova que demonstrem que existiu efectivamente a transacção que é objecto do pedido de dedução" (Acórdão do TJCE de 5 de Dezembro de 1996 "Reisdorf", processo n.° C-85/95).
i) Com efeito, a exigência de requisitos formais para o exercício do direito à dedução compreende-se pela necessidade de prevenir que esse direito não é exercido mais do que uma vez relativamente à mesma operação, mas quando se recusa o direito à dedução e se quebra a cadeia de liquidação e dedução do imposto, com a ausência de medidas que permitam o seu exercício, no caso de extravio do original da fatura, viola-se o princípio de neutralidade fiscal do sistema comum do IVA.
j) Neste sentido, a administração fiscal portuguesa que inicialmente entendia que "quando solicitada a emissão de uma 2ª via, o procedimento a tomar pela fornecedor dos bens ou prestador de serviços será a emissão de nova factura ou documento equivalente, anulando a anteriormente emitida." veio flexibilizar a sua posição por entendimento divulgado através do ofício-circulado n°30074, de 24.03.2005.
k) Todavia, fê-lo em termos pouco precisos, limitando-se na sequência do Acórdão de 27 de setembro de 2000, do Supremo Tribunal Administrativo (Processo 25 033) a decidir que "Face a esta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, resta à Administração Fiscal rever a sua posição e aceitar, como o dito Tribunal estatuiu, as 2ªs vias de facturas perdidas ou extraviadas como elemento bastante para suportar o exercício do direito á dedução do IVA nelas contido, nos termos do n°2 do artigo 19° do IVA".
l) De qualquer modo, sempre admitiu a existência de outros meios de prova.
m) Por isso, mal andou igualmente o Tribunal a quo quando indefere a impugnação com o argumento de que a então Impugnante "não logrou demonstrar porque razão a 2ª via da factura deve ser aceite" quando, em matéria de facto, se manifestou o extravio do original e, em termos de direito, se fundamentou a impugnação com a jurisprudência e as instruções administrativas que aceitam as segundas vias como meio de prova do direito à dedução.
n) Mal andou igualmente, ao admitir, como meio de prova, apenas a segunda via da fatura original, quando, como se demonstrou, tal não é possível nas faturas impressas em tipografia autorizada, nem tal exigência decorre das instruções da administração fiscal.
o) E, finalmente, ainda pior decidiu o Tribunal a quo, quando louvando-se na administração fiscal conclui "Com a agravante de ter utilizado um duplicado da factura inicial, e nele ter inscrito 2ª via", quando, como é facilmente percetível, a fatura em causa foi processada por computador, pelo emitente F………… & …………. - Transportes e ………… Lda. (Doc.5) e a expressão SEGUNDA VIA, foi impressa pelo programa de faturação.
p) Eliminou-se assim, indevidamente, o direito à dedução a que a ora recorrente tem direito, nos termos do artigo 19° do CIVA.
C) Indemnizações pagas a fornecedores - €5.731,70
q) Nos termos do Artigo 17° do Decreto-lei n.°239/2003, de 4 de outubro, o transportador é responsável pela perda total ou parcial das mercadorias ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento e o da entrega, assim como pela demora na entrega.
r) Como se demonstrou através de 30 exemplos constantes do documento n°5 junto ao direito de audição relativo ao Projeto de Relatório da Inspeção, a V...... adquire novos bens para reposição dos que se deterioraram ou se extraviaram.
s) A deterioração ou extravio dos bens não é posta em causa, mas elimina-se o direito à dedução.
t) Para fundamentar o indeferimento da Impugnação o Tribunal a quo louva-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.01.2012, proferido no Recurso n°05144/11.
u) Todavia, de acordo com a orientação de tal Acórdão, a decisão neste processo seria de deferimento.
v) Como resulta do citado Acórdão "A neutralidade do sistema do IVA impõe o direito ao reembolso do IVA suportado no conjunto das operações tributadas, verificando-se que a limitação ao direito de reembolso constitui uma situação excepcional, quando o sujeito passivo suporta IVA” e "esse direito existe sempre que as operações tributadas tenham uma relação directa com as operações sujeitas a imposto".
w) Por isso, estando a aquisição dos bens em causa diretamente relacionada com a sua atividade de transporte de mercadorias, sujeita a imposto, o IVA suportado é dedutível, nos termos do artigo 19° do CIVA.
x) Nestes termos, mal decidiu o Tribunal a quo quando nega o direito à dedução do IVA relativo à aquisição de bens necessários para a realização de operações sujeitas a imposto.
y) Em consequência, o Tribunal a quo ao ter indeferido a Impugnação fez uma errada interpretação dos factos e do direito aplicável, violando por isso a sentença recorrida as disposições legais acima referidas.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«A) A Impugnante foi objecto de acção de fiscalização, que teve origem nas propostas resultantes da análise interna dos pedidos de reembolso de IVA dos períodos de 99/09T e 99/12T (Ordens de Serviço n.º54187 e 47327 de 13.05.2003). (Doc. fls. 25/29 e 30/37 do PAT)
B)No âmbito do procedimento de inspecção, a ATA considerou além do mais o seguinte:
5. IVA – Deduções indevidas
Após a análise da contabilidade foram detectadas as situações abaixo descriminadas, onde deduziu indevidamente os seguintes montantes:
5.1. €10366,77 (ver quadro abaixo) relativo á aquisição de gasóleo, exclui-se do direito á dedução, atendendo ao artigo 21º do CIVA, pois não está comprovado que este gasóleo foi utlizado nos veículos da empresa (Anexo 1- Balancetes mensais) (…)
5.2. €1743,61 relativo a serviços prestados pela empresa F………… & …………, Lda, referente à factura A598 (Documento: CM – 0700031), por esta ser 2ª via e como refere o artigo 19º n.º2 do CIVA, não permite a dedução do IVA das 2ª vias de facturas pois não existe base legal para que uma 2ª via de uma factura possa documentar o direito á dedução ( Anexo2).
(…)
5.7. €5731,70 relativo a documentos contabilizados na conta 69–Custos e Perdas Extraordinárias, subconta 69300 (Documentos: TS – 1000052 até 1000058, 1000060 até 1000079; TS- 1100024 e 1100038; TS-1200026 até 1200050). Este IVA refere-se a indemnizações pagas a fornecedores, pelo sujeito passivo, por motivo de as mercadorias terem sido roubadas ou danificadas durante o transporte. Atendendo ao disposto no n.º1 do artigo 20º do CIVA, este IVA não é dedutível uma vez que se trata de nenhuma aquisição de bens ou serviços» (Doc. fls. 30/37 do PAT)
C)Com base nas correcções efectuadas, em 14.10.2003, foram emitidas as seguintes liquidações:
Liquidação n.º
Período
Montante
Data Limite de
Pag. Voluntário
………(JC)
99/12T
3.117,81
31.12.2003
……… (JC)
99/09T
1.710,87
31.12.2003
…….. (IVA)
1999
19.893,09
31.12.2003

(Doc. fls.11/13 do PAT)
D) Em 03.11.2003, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações de IVA n.ºs ………….., …………. e ….., referentes aos períodos de 99/09T E 99/12T, no montante de € 19.893,09 e Juros Compensatórios de € 4.828,68, no total de €24.721,77, por não se conformar com as correcções transcritas na al. C) do probatório e outras. (Doc. fls. 2/10 do PAT)
E)Em 26.04.2004, por despacho do Chefe de Divisão, por subdelegação do Director de Finanças Adjunto de Lisboa, foi a reclamação graciosa a que alude a al. D) do probatório parcialmente deferida, sendo mantidas as correcções transcritas na al.C) do probatório. (Doc. fls. 350/356 do PAT)
F)Em 08.05.2006, a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento expresso a que alude a al. E) do probatório. (Doc. fls. 358/359 do PAT).
G) Consta do PAT a fls. 111, o factura A 598 de 31.03.1999, referindo além do mais: «DUPLICADO FACTURA» e «SEGUNDA VIA».
H) Em 19.05.2006, a petição inicial que originou os presentes autos deu entrada em tribunal. (cfr. fls. 3 dos autos)
X
FACTOS NÃO PROVADOS // Não se mostram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.//
MOTIVAÇÃO DE FACTO // A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra, bem como na posição assumida pelas partes nos articulados.//
X
Juntamente com as alegações de recurso, a recorrente juntou cinco documentos. Trata-se de elementos relativos à contabilidade da recorrente e que relevam à correta instrução da causa. Pelo que a sua junção é aceite ao abrigo do disposto no artigo 114.º do CPPT.
Notifique.
X

2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, por referência à correcção incidente sobre a verba de € 10.366,77 relativa à aquisição de gasóleo, por não estar comprovado que esse gasóleo foi utilizado nos veículos da Impugnante atendo o disposto no artigo 21º do CIVA [conclusões a) a g)]
ii) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, por referência à correcção relativa a IVA de € 1.743,61 mencionado na factura nº A598 (fls. 111do PAT) e cuja dedução foi posta em causa por se tratar de uma 2ª via [conclusões h) a p)]
iii) Erro de julgamento por referência à correcção relativa ao montante de € 5.731,70, referente a indemnizações pagas a fornecedores, pelo sujeito passivo, por motivo de as mercadorias terem sido roubadas ou danificadas durante o transporte, considerando a ATA que não é dedutível por força do n.º1 do artigo 20º do CIVA, uma vez que se trata de nenhuma aquisição de bens ou serviços [demais conclusões do recurso]
2.2.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca que «não existe uma diferença de €60.981,03 de valor de gasóleo alegadamente não faturado, e bastaria para chegar a tal conclusão que a inspeção tributária fizesse a necessária conciliação das faturas e Notas de Débito». «Pese embora o facto de imputar à ora recorrente uma falta de valores declarados, a correção efetuada materializa-se, incompreensivelmente, numa eliminação do direito à dedução, com alegado fundamento no artigo 21° do IVA».
Por seu turno, a sentença julgou improcedente a presente alegação. Aí se afirma que «nenhuma prova documental foi apresentada de modo a permitir dar como provados os factos constitutivos reclamados pela Impugnante, donde não mereça censura a exclusão do direito à dedução do IVA, conforme foi determinado pela ATA».
Vejamos.
O assim decidido deve ser confirmado, por não enfermar de qualquer erro.
i) «É jurisprudência constante do [Tribunal de Justiça da União Europeia - TJUE] que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime do IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela Sexta Directiva e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade» (1).
ii) «O TJUE tem enfatizado que «[o regime de deduções instituído pela Sexta Directiva visa libertar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito das suas actividades económicas garantindo, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividade económicas» (2).
iii) «A existência de uma relação directa e imediata entre os bens e serviços adquiridos e uma ou várias operações projectadas com direito à dedução (de fornecimento de bens ou de prestação de serviços listados no art.º 20.º/1), é, em regra, indispensável para que o direito à dedução do IVA incorrido nos bens e serviços adquiridos seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão desse direito. (…) o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despensas efectuadas com a aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução» (3).
No caso em exame, o pressuposto da relação directa e imediata do IVA deduzido pelo sujeito passivo com as operações tributadas a jusante não se comprova, porquanto não existem elementos no probatório que documentem que as aquisições de gasóleo questionadas serviram para a realização da actividade da empresa. A prova do nexo em referência compete ao contribuinte, porquanto se trata de demonstrar os pressupostos do invocado direito à dedução do imposto suportado. A prova em referência não foi feita, nem consta do probatório elemento que permita sustentar o alegado erro da correcção em exame. Ou seja, não existem elementos que justifiquem a asserção de que o combustível em apreço foi utilizado pelos veículos da empresa e não para outros fins, alheios ao objecto estatutário da mesma.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser confirmada, nesta parte.
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente sustenta que a 2.ª via de factura devida ter sido admitida, no caso.
Por seu turno, a sentença recorrida considerou que «a Impugnante não logrou demonstrar porque razão a 2ª via da factura deve ser aceite, cabendo-lhe a ela essa demonstração pois que, em princípio, é sobre facturas ou documentos equivalentes originais (ou segundas vias destes, em caso de extravio ou perda dos primeiros) que o direito à dedução se exerce, não por capricho do legislador ou da Administração Fiscal, mas por necessidade de prevenir que o direito à dedução não é exercido mais do que uma vez relativamente à mesma operação».
Vejamos.
Constitui jurisprudência fiscal firme a seguinte:
i) «Os artigos 18.°, n.° 1, alínea a), e 22.°, n.° 3, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colcetável uniforme, permitem que os Estados-Membros entendam por «factura» não apenas o original, mas também qualquer outro documento que o substitua, que obedeça aos critérios estabelecidos por esses Estados-Membros, e conferem-lhes o poder de exigirem a apresentação do original da factura para justificar o direito à dedução, bem como o de admitirem, quando o sujeito passivo já não esteja de posse do original, outros meios de prova que demonstrem que existiu efectivamente a transacção que é objecto do pedido de dedução» (4).
ii) «No que respeita ao exercício do direito à dedução do imposto, não se exclui que em casos limitados, mas não como regra, perante circunstâncias excepcionais de destruição ou extravio não culposo dos documentos originais que suportam o direito à dedução, deva ser ponderada a admissibilidade de o direito à dedução ser suportado por facturas ou documentos equivalentes não originais. // É necessário, contudo, que tais documentos se apresentem como meios adequados ao controlo da situação tributária do contribuinte, sendo a Administração fiscal o primário julgador dessa adequação, sob controlo jurisdicional posterior, se requerido» (5).
Dos elementos coligidos no probatório resulta que o fundamento da correcção assenta na asserção de que a 2.ª via de factura não constitui documento adequado à justificação do direito à dedução (Relatório Inspectivo, 5.2.).
Todavia, não se vê como obnubilar o direito à dedução do imposto, com base na 2.ª via da factura em apreço, quando o original se mostra extraviado (alínea G).
O exercício dos poderes de fiscalização por parte da recorrida não se mostram precludidos pela emissão e apresentação da 2.ª via da factura referida. A veracidade e a autenticidade da mesma não é contestada. Mais se refere que «[a] reprodução, em 2ª via, de factura em que conste IVA basta à finalidade legal da sua reforma (que é a da identificação abrangente do documento reformado) e proporciona ao órgão fiscalizador meio satisfatório para o controlo da situação tributária» (6).
A correcção em exame, ao não reconhecer a operatividade da factura reformada, não se mostra conforme com o direito aplicável, pelo que não é de manter na ordem jurídica.
Ao julgar em sentido diverso, a sentença recorrida incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a impugnação, nesta parte.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente sustenta que o IVA implicado nas indemnizações pagas a fornecedores deve ser deduzido.
A sentença manteve a correcção em apreço. Aí se afirma que «apurou a ATA e a Impugnante não logrou demonstrar o contrário, que na sua contabilidade estão registadas compra de mercadorias, mas não está referida a sua venda. O que indicia que se trata de indemnizações pagas pela Impugnante aos seus clientes por eventuais mercadorias transportadas e danificadas durante a prestação do referido serviço, donde não pode proceder à dedução do IVA».
Vejamos.
Constitui jurisprudência fiscal firme a seguinte:
i) «Com base numa interpretação teleológica e sistemática do artº 16º, nº 6, alínea a), do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do mesmo normativo, e tendo presente o conceito de indemnização, serão tributadas as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços. // Se as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços» (7).
ii) «O pagamento de indemnização, incluindo lucros cessantes, poderá ter caráter remuneratório ou ressarcitório. // Apenas está sujeita a IVA a indemnização com função remuneratória» (8).
No caso em exame, estão em causa indemnizações pagas pela recorrente a clientes, no âmbito do exercício da sua actividade económica, em virtude do extravio de mercadorias (9), e no quadro do regime do contrato de transporte rodoviário (Decreto-Lei n.º 239/2003, de 04.10). As mesmas não correspondem a remuneração pela prestação de serviços, dado que visam ressarcir os prejuízos ocasionados no contexto do exercício da actividade económica da recorrente. Pelo que o pagamento de tais quantias não origina a liquidação de IVA, nem pode justificar o exercício do direito à dedução de imposto, o qual configuraria enriquecimento injustificado do contribuinte.
Ao julgar no sentido referido a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, salvo no que respeita ao ponto 2.2.3., revogando a sentença e julgando procedente a impugnação, nesta parte.

Custas pela recorrente e pela recorrida, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado. Fixa-se o decaimento em 2/3 para a primeira e 1/3, para a segunda.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)



(1) Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, p. 153.
(2) Rui Manuela Pereira da Costa Bastos, O direito à dedução do IVA, Cadernos IDEFF, Almedina, 2014, pp. 63/64.
(3) CIVA e RITI, anotados, Coord. Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, p. 252.
(4) Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE], de 05.12.1996, P. C- 85/95.
(5) Acórdão do TCAS, de 27/10/2016, P. 09730/16
(6) Acórdão do STA, de 20.10.2004, P. 0727/04.
(7) Acórdão do STA, de 31.10.2012, P. 01158/11
(8) Acórdão do TCAS, de 03.12.2020, P. 8181/14.0BCLSB
(9) Ponto 5.7. do relatório inspectivo.