Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:511/10.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/27/2022
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRS, UNIÃO DE FACTO
Sumário:O incumprimento do disposto no artigo 14.º, n.º 2 do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, não impedia os interessados de optar pelo regime da tributação própria dos contribuintes unidos pelo casamento.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 511/10.0BEALM


I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por A. J. A. F., contra as liquidações adicionais de IRS de 2005, 2006 e 2007, no montante global de € 19.053,21.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES
1. Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 14.º do CIRS, para que os sujeitos passivos, unidos de facto, possam optar pela tributação conjunta dos seus rendimentos é obrigatório que haja identidade de domicílio fiscal durante um período de dois anos, período, esse, estabelecido no n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio.
2. Nos termos do n.º 3, do art.º 19.º, da LGT, é ineficaz a mudança de domicílio fiscal enquanto a mesma não for notificada à administração tributária.
3. Está devidamente provado, nos presentes autos, que nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 os impugnantes não apresentavam o mesmo domicílio fiscal, pelo que nunca aqueles podiam optar pela tributação conjunta dos rendimentos obtidos, in casu, nos anos de 2005, 2006 e 2007.
4. Está devidamente provado nos presentes autos, no que se refere ao IRS/2004, que os SP não detinham o mês mo domicílio fiscal há mais de 2 anos , sendo que tiveram o mesmo domicílio fiscal na R. M. N., n.º .., Bloco .., R/C – A. C., na Q. B., em S., desde 2003-04-30 até 2004-12-22, data em que, o ora Impugnante, alterou o seu domicilio fiscal para a U. O. D. M., Lote .., em A., tendo sua Companheira, E. M. T. F., NIF 179 …., mantido o domicílio na R. M. N., n.º .., Bloco .., R/C – A. C., na Q. B., em S., até 14-06-2006, data em que o alterou para a U. O. D. M., Lote .., em A.
5. Logo, só a partir de 14 de Julho de 2006, é que retomariam o denominado domicílio fiscal conjunto.
6. Isto é, teriam o mesmo domicílio fiscal.
7. Não está provado nos presentes autos, nem por documentos, nem por depoimento de qualquer testemunha, que, o ora Impugnante e sua Companheira, compartilharam o mesmo domicílio fiscal no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2002 e 14-07- 2006.
8. Entendeu contudo a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” que efectivamente os impugnantes residiram nas referidas moradas, embora não tenha especificado o período em que tal ocorreu.
9. Entendeu, também, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” que a falta de comunicação da alteração do domicílio fiscal por parte da Companheira, do ora impugnante, não impede que ele seja considerado domiciliado fiscalmente, na U. O. D. M., Lote .., em A., in casu, à data de 31-12-2005, de 31-12-2006 e de 31-12- 2007.
10. Mais entendeu a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” que se mostra verificado o requisito de “identidade de domicílio fiscal” previsto no n.º 2 do art.º 14.º do CIRS.
11. Quanto à prova testemunhal produzida, com o devido respeito, que é muito, sempre se dirá que o artigo 14.º do CIRS, deve ser interpretado no sentido de que o Estatuto Tributário da UF, incorpora nos seus pressupostos aquisitivos um requisito formal de cumprimento tempestivo da obrigação declarativa de inscrição ou actualização do domicílio no denominado Registo dos Contribuintes.
12. Requisito, esse, que acresce à identidade de residência habitual e que constitui um instrumento essencial no combate, mais eficaz, à fraude e evasão fiscais, e consequentemente, na prossecução dos princípios da justiça e da equidade fiscais.
13. Sendo que, esta interpretação, não viola o princípio constitucional da igualdade tributária assente na capacidade tributaria, antes se revelando uma medida adequada e não excessiva, destinada a combater a criação artificiosa de uniões de facto , fazendo, assim, corresponder à invocação de um direito o cumprimento de uma obrigação imprescindível no seio das políticas fiscais.
14. Razão pela qual, caso não haja uma comunicação atempada, ou na falta de comunicação, por parte de ambos ou de um dos membros dos unidos de facto, da alteração do domicílio no Registo dos Contribuintes, não se verifica o pressuposto formal aquisitivo do estatuto tributário, das UF, previsto no aludido artigo 14.º do CIRS.
15. Isto, porque, os Contribuintes em geral, tem ao seu dispor meios para se defender.
16. Desde logo, os meios de defesa administrativa e judicial, previstos nos artigos 68.º e 99.º, do CPPT, e 78 da LGT, sempre que considerem estar perante uma eventual ilegalidade, por parte da Administração Fiscal, que os afecte.
17. Em boa verdade, se efectivamente a residência habitual do ora Impugnante, e sua Companheira, fosse, a U. O. D. M. L., lote .., A., não faltariam, seguramente, outras provas, nomeadamente, vasta correspondência, remetida por bancos, seguradoras, etc., contas de água, gás, electricidade, televisão por cabo, entre outras, referentes precisamente àquele período.
18. Padece, assim, a referida sentença de manifesto erro de julgamento.
19. Verificando-se, de modo evidente, a falta dos pressupostos para a aplicação, aos contribuintes, o mesmo regime fiscal aplicável aos SP casados ou não separados judicialmente de pessoas e bens.
20. Logo, não poderia a Administração Fiscal (AF) agir do modo pretendido pelo ora Impugnante, sob pena de ilegalidade.
21. Deste modo, e na medida em que os SP só dispõem, de identidade de domicílio fiscal, a partir de 14 de Julho de 2006, tal identidade de domicílio só produzirá efeitos fiscais (para aplicação do regime de tributação aplicável aos SP casados) para o ano de 2009 – declaração a entregar em 2010.
22. Decorrendo ainda do Douto Acórdão 06655/13, Secção: CT- 2º Juízo, de 22-01-2015, do Tribunal Administrativo do Sul (TCA-Sul - Impugnação da matéria de facto, IRS, regime da união de facto, identidade do domicílio fiscal) que:
“1. (…). 2. A lei faz depender a aplicação do regime da união de facto em sede de incidência pessoal de IRS da identidade do domicílio fiscal – art. 14º nº 2 C.IRS, ao contrário do que vem dito na sentença da 1ª Instância. O conceito usado pelo legislador na norma de incidência pessoal de IRS supra referida é o de domicílio fiscal, e não qualquer outro, como residência do agregado familiar, morada habitual, paradeiro ou outro.
3. A lei estabelece que é "obrigatória (...), a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária" e "ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária" (n°s 3 e 4 do mesmo inciso legal). Sendo assim, entende-se que perante a obrigação de comunicação de mudança de domicílio, sob pena de ineficácia da mesma, enquanto tal não for comunicado – cfr. os n°s 1, 3 e 4 do artigo 19°, n°1, da Lei Geral Tributária, não é aplicável o estatuído no artigo 1°, n°2, da Lei 7/2001 de 11 de Maio - «pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.”
23. Decidiu, salvo o devido respeito, que é muito, mal a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” ao anular, in casu, as liquidações de IRS respeitantes aos anos de 2005, 2006 e 2007, efectuadas, em separado, ao Impugnante, e sua Companheira.
24. Violando, assim, o disposto nos n°s 1, 3 e 4 do artigo 19°, n°1, da Lei Geral Tributária, - dado só ser aplicável o estatuído no artigo 1°, n°2, da Lei 7/2001 de 11 de Maio, a pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos – e o no n.º 2, do art.º 14.º do CIRS, que ora se transcreve:
- Artigo 14.º - Uniões de Facto – “1 - As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.
2- A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.
3- No caso de exercício da opção prevista no n.º 1, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 13.º, sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias.” - Redacção do DL 198/2001, de 3 de Julho, e que corresponde ao art.º 14.º- A, na redacção anterior à revisão do articulado, efectuada pelo DL 198/2001, de 3 de Julho.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.»

A Recorrida, apresentou as suas contra-alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«III. CONCLUSÕES:
a) Da análise da prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, verifica-se que o Recorrido e a sua companheira residiram no mesmo local no decurso dos anos de 2005 a 2007, pelo que, encontram-se reunidas as condições para que os mesmos sejam considerados unidos de facto, nos termos da Lei nº 7/2001, de 11 de maio, tal como foi sufragado na sentença recorrida;
b) Embora em 31 de dezembro de 2005, o Recorrido e a sua companheira não tivessem, formalmente, o mesmo domicílio fiscal, a realidade é que materialmente os mesmos residiam há cerca de 20 anos em condições análogas às dos cônjuges na mesma habitação, concluindo-se, assim, que existiu identidade de domicílio dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação (2005);
c) Em relação aos anos de 2006 e 2007, verifica-se que o Recorrido e a sua companheira tinham identidade do domicílio fiscal, ficando, igualmente, provado que residiam juntos com o seu filho menor (à data dos factos);
d) Os artigos 19º da Lei Geral Tributária e 14º do Código do IRS (na redação à data dos factos) correspondem a presunções legais e, nessa medida, nos termos do artigo 73º da Lei Geral Tributária, terá de admitir sempre prova em contrário (presunção juris tantum), sob pena de violação dos princípios que norteiam o sistema fiscal português, sendo que da prova produzida constata-se que o Recorrido ilidiu a presunção de inexistência de domicílio fiscal entre o mesmo e a sua companheira;
e) O nº 2 do artigo 14º do Código do IRS (na redação à data dos factos) exige, como requisito para aplicação do regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, que seja indicada na declaração de rendimentos o estado civil de "unidos de facto" e que ambos os contribuintes assinem a declaração de rendimentos, sendo que, no caso concreto, verifica-se que na declaração junta pelo Recorrido e pela sua companheira, assinada electronicamente, foi expressamente indicado o estado civil de "unidos de facto";
f) Da análise e comparação da factualidade constantes dos Acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, nos processo nºs 05655/12, de 5 de março de 2015 e 08313/14, de 19 de fevereiro de 2015, verifica-se que se tratam de situações similares, razão pela qual o Tribunal a quo aplicou, como está adstrito, o artigo 8º , nº 3 do Código Civil, no qual se estabelece que "[n]as decisões a proferir, o julgador terá em considerar terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito";
g) A propósito deste preceito legal e da sua relevância na aplicação do Direito, pronunciou-se o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no processo nº 30123/10 (Ferreira Santos Pardal/Portugal) - - no sentido da responsabilidade civil do Estado português pelo exercício da função jurisdicional, por violação do disposto no artigo 6º, 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quanto à garantia do processo equitativo e da segurança jurídica, porquanto a posição assumida pelos Tribunais em situações similares foi manifestamente distinta, situação que na ótica do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não é admissível;
h) Assim, estamos perante processos que, embora respeitem a sujeitos passivos distintos, têm uma factualidade idêntica- a existência de união de facto à data da apresentação das declarações de rendimentos de IRS e a falta de identidade do domicílio fiscal dos unidos de factos -, deverão os mesmos ter um tratamento idêntico e uma interpretação e aplicação uniforme do direito;
i) A desconsideração da existência de uma união de facto entre o Recorrido e o sujeito passivo E. M. T. F. viola os princípios estruturantes e subjacentes ao IRS, designadamente o da tributação segundo a real e efetiva capacidade contributiva do agregado familiar, previstos no artigo 104º da Constituição da República Portuguesa;
j) Conclui-se, portanto, que a sentença recorrida analisou corretamente os factos que lhe foram submetidos, julgando corretamente a causa e aplicando as normas de Direito de forma adequada, não merecendo qualquer censura.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências.»
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, entendendo a Recorrente que, por um lado, não está provado nos autos que o impugnante compartilhava o mesmo domicílio fiscal da sua companheira no período em causa, e por outro lado, violou-se o disposto no n.º 3, do art. 19.º da LGT, e o art. 14.º do CIRS.

II. FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«OS FACTOS
Compulsados os autos e vista a prova produzida, com interesse para a decisão, apuraram-se os seguintes factos:
A) - Em 30/04/2003 o impugnante e E. M. T. F., sua companheira, tinham o domicílio fiscal na R. M. N.,.., Bloco .., r/c ... Q. B., S. (cfr. fls. 286/287 e 294/295 do processo administrativo em apenso).
B) – À data de 22/12/2004 o ora impugnante tinha o seu domicílio fiscal na U. O. D. M. L., lote .., A. (cfr. fls. 288/289 do processo administrativo em apenso).

C) – Em 14/07/2006, E. M. T. F. tinha o seu domicílio fiscal na U. O. D. M. L., lote .. em A. (cfr. fls. 296/297 do apenso).

D) Em 03/12/2008 o impugnante e E. M. T. S. passam a ter o domicílio fiscal na Q. C. D., lote .., em A. (cfr. fls. 290/292 e 298/299 do apenso).
E) - Em 11/04/2006 foi apresentada via internet uma declaração de rendimentos mod. 3 de I RS do ano de 2005 em nome de A. J. A. F. e E. M. T. F. com a indicação no estado civil de “unidos de facto” (cfr. fls. 19/24 dos autos).
F) - Em 25/05/2007 foi apresentada via internet uma declaração de rendimentos mod. 3 de I RS do ano de 2006 em nome de A. J. A. F. e E. M. T. F. com a indicação no estado civ il de “unidos de facto” (cfr. fls. 25/30 dos autos).
G) - Em 26/05/2008 foi apresentada via internet uma declaração de rendimentos mod. 3 de IRS do ano de 2007 em nome de A. J. A. F. e E. M. T. F. com a indicação no estado civ il de “unidos de facto” (cfr. fls. 31/36 dos autos).
H) - Em 28/11/2008 foi apresentada via internet uma declaração de rendimentos mod 3 de I RS do ano de 2005 em nome de A. J. A. F., com a indicação no estado civil de “solteiro, viúvo, divorciado ou separado judicialmente” (cfr. fls. 3/6 do processo administrativo em apenso).
I) - Em 28/11/2008 foi apresentada via internet uma declaração de rendimentos mod 3 de I RS do ano de 2006 em nome de A. J. A. F., com a indicação no estado civil de “solteiro, viúvo, divorciado ou separado judicialmente” (cfr. fls. 602/607 do processo administrativo em apenso).
J) – Em 28/11/2008 foi apresentada via internet uma declaração de rendimentos mod 3 de I RS do ano de 2007 em nome de A. J. A. F., com a indicação no estado civil de “solteiro, viúvo, divorciado ou separado judicialmente” (cfr. fls. 454/459 do processo administrativo em apenso).
K) – Foram efectuadas as liquidações adicionais de I RS resultantes das declarações mencionadas nas alíneas H), I ) e J) referentes aos anos de 2005, 2006 e 2007 de que resultou imposto a pagar nos montantes de € 6.855,20, € 6.025,77 e € 6.172,24 respectivamente, perfazendo o total de € 19.053,21 (cfr. fls. 130/132 dos autos).

L) - Em 03/12/2008 o ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS de 2005 tendo dado origem ao processo nº 3530200804002300 (cfr. fls. 1/2 do processo administrativo em apenso).

M) Em 27/02/2009 o ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS de 2006 tendo dado origem ao processo nº 3530200904000455 (cfr. fls. 340/341 do apenso)
N) - Em 27/02/2009 o ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS de 2007 tendo dado origem ao processo nº 3530200904000447 (cfr. fls. 528/529 do apenso).
O) - Em 06/05/2009 foi emitido atestado pela Junta de Freguesia de S. L. – A. no qual consta que E. M. T. F. “(...) reside na R. C. B. Â., lote .. em A. I., A.. Mais se atesta que a requerente vive na Freguesia de S. L., desde o ano de 2003, até à presente data” (cfr. fls. 319 do apenso).
P) - Em 08/07/2009 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa de IRS de 2005 com o fundamento de não haver identidade de domicílio fiscal dos unidos de facto durante o período de tributação (cfr. fls. 302/308 e 320 do apenso).
Q) - Em 04/09/2009 foi assinado o aviso de recepção relativamente à notificação do despacho de indeferimento mencionado na alínea anterior (cfr. fls. 321/322 do apenso).
R) - Em 06/10/2009 foi apresentado recurso hierárquico contra o indeferimento da reclamação graciosa do IRS de 2005 (cfr. teor de fls. 518/524)
S) - Em 20/11/2009 foi proferido pela Directora de Serviços do IRS despacho de indeferimento do recurso hierárquico mencionado na alínea anterior (cfr. fls. 506/511 do apenso).
T) - Em 22/01/2010 foi assinado o aviso de recepção referente à notificação da decisão mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 525/526 do apenso).
U) - Em 08/07/2009 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa de IRS de 2006 com o fundamento de não haver identidade de domicílio fiscal dos unidos de facto durante o período de tributação (cfr. fls. 628/633 e 645 do apenso).
V) - Em 04/09/2009 foi assinado o aviso de recepção relativamente à notificação do despacho de indeferimento mencionado na alínea anterior (cfr. fls. 646/647 do apenso).
W) - Em 06/10/2009 foi apresentado recurso hierárquico contra o indeferimento da reclamação graciosa do IRS de 2006 (cfr. teor de fls. 665/672).
X) - Em 20/11/2009 foi proferido pela Directora de Serviços do IRS despacho de indeferimento do recurso hierárquico mencionado na alínea anterior (cfr. fls. 653/657 do apenso).
Y) - Em 22/01/2010 foi assinado o aviso de recepção referente à notificação da decisão mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 673/674 do apenso).
Z) - Em 08/07/2009 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa de IRS de 2007 com o fundamento de não haver identidade de domicílio fiscal dos unidos de facto durante o período de tributação (cfr. fls. 482/487 e 489 do apenso).
AA) - Em 04/09/2009 foi assinado o aviso de recepção relativamente à notificação do despacho de indeferimento mencionado na alínea anterior (cfr. fls. 500/501 do apenso).
AB) - Em 06/10/2009 foi apresentado recurso hierárquico contra o indeferimento da reclamação graciosa do IRS de 2007 (cfr. teor de fls. 689/696).
AC) - Em 20/11/2009 foi proferido pela Directora de Serviços do IRS despacho de indeferimento do recurso hierárquico mencionado na alínea anterior (cfr. fls. 677/681 do apenso).
AD) - Em 22/01/2010 foi assinado o aviso de recepção referente à notificação da decisão mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 698/699 do apenso).
AE) - Em 09/03/2010 foi efectuado o pagamento do IRS dos anos de 2005, 2006Me 2007, perfazendo o montante de € 19.053,21 (cfr. fls. 133).
AF) - Em 20/04/2010 deu entrada neste tribunal a petição de impugnação de fls. 1/13.
AG) – O Sr. A. e a D. E. moravam juntos na mesma casa em A. (cfr. depoimento da 1ª e 2ª testemunha)
AH) – Em 2004 o Sr. A. e a D. E. moravam em A. (cfr. depoimento da 1ª e 2ª testemunha).
AI ) – O Sr. A. e a D. E. tinham um filho em comum (cfr. depoimento da 1ª e 2ª testemunha).

A convicção do tribunal formou-se com base no tero dos documentos juntos ao processo bem como dos depoimentos das testemunhas (melhor identificadas na acta de inquirição de testemunhas de fls. 165/170), acima expressamente referidos em cada uma das alíneas do probatório.

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Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados»
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Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra, a Meritíssima Juíza do TAF de Almada julgou procedente a impugnação judicial, entendendo, em síntese, que o Impugnante logrou provar que nos anos de 2005, 2006 e 2007, a que as liquidações de IRS dizem respeito, vivia em união de facto com a sua companheira e residia na mesma morada desta, pelo que poderia beneficiar do regime de tributação dos sujeitos passivos em regime de união de facto previsto no art. 14.º do CIRS.

Invoca a Recorrente Fazenda Pública que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porque, por um lado, não está provado nos autos que o Impugnante compartilhava o mesmo domicílio fiscal da sua companheira no período em causa, e por outro lado, violou-se o disposto no n.º 3, do art. 19.º da LGT, e o art. 14.º do CIRS.

Apreciando.

Relativamente ao erro de julgamento de facto é manifesto que não assiste razão à Recorrente.

Por um lado, resulta da matéria de facto assente, nomeadamente da conjugação dos factos das alíneas A) a D), O), AG), AH) e AI que desde do ano de 2003 que o Impugnante e a sua companheira residem habitualmente no mesmo domicílio com o seu filho, sendo que a Recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos do disposto no art. 640.º do CPC.

Por outro lado, resulta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a fundamentação da AT para que o Impugnante não possa beneficiar do regime de tributação dos sujeitos passivos em regime de união de facto previsto no art. 14.º do CIRS não assenta na circunstância viver ou não na mesma residência que a sua companheira há mais de dois anos e nos períodos de tributação em causa, mas antes porque se detetou que aquele não tinha o domicílio fiscal enquanto “residência comum fiscalmente comunicada” à AT, ou seja, a fundamentação assenta na inexistência de requisitos formais, das obrigações previstas no art. 19.º da LGT e do art. 14.º, n.º 2, do CIRS.

Esta é a fundamentação a atender na apreciação da legalidade do ato tributário, e assim sendo, importa concluir desde já que o entendimento da AT é manifestamente desconforme com a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, e nessa medida, também não se verifica o erro de julgamento da sentença recorrida.

Na verdade, sufragamos a fundamentação do acórdão do TCAS de 05/03/2015, proc. n.º 05655/12:

“ Recorrente Fazenda Pública, insurge-se contra a sentença recorrida, imputando-lhe erro de julgamento, entendendo que não basta o preenchimento e respectiva e respectiva prova dos requisitos da união de facto, sendo necessário a identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período de 2 anos. Invoca que, os Recorridos para poderem optar pelo regime previsto no n.º 1 do art. 14.º do CIRS tinham a obrigação de alterar o seu domicílio fiscal (art. 19.º, n.º 1 da LGT), considerando que apenas o fizeram em 26/11/2008, e dizendo respeito a 2009 a declaração de IRS, então não se verifica o pressupostos previsto no n.º 2 do art. 14.º.
Apreciando.
Dispõe o art. 14.º, sob a epígrafe “Uniões de Facto”:
1 - As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.
2 - A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.
3 - No caso de exercício da opção prevista no n.º 1, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 13.º, sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias.(Redacção do DL 198/2001 de 3 de Julho)
O art. 14.º do CIRS é uma norma de incidência subjectiva, pois define o plano de incidência do imposto relativamente aos sujeitos (“As normas de incidência definem o plano de incidência, ou seja o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação.” – Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 1997, 9.º ed., p. 126).
Neste contexto, prevê o n.º 1 daquele preceito legal que as pessoas que vivendo em união de facto e preencham os pressupostos da lei respectiva [Lei 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto. Deste modo, nos termos do disposto no art. 1.º,n.º 2 deve tratar-se de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos] podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.
Para além daquele pressuposto relacionado com o próprio conceito de união de facto que é adoptado pela Lei n.º 7/2001, estabelecem-se [no n.º 2 do art. 14.º] mais dois requisitos ou pressupostos, cumulativos, para que se possa optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens:
_ identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação;
_ assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.

In casu, como já referimos, está em causa o pressuposto da “identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos”.
O conceito de domicílio fiscal vem definido na alínea a) do n.º 1 do art. 19.º, n.º 1 da LGT, e deste modo, salvo disposição em contrário, o domicílio fiscal do sujeito passivo, no caso das pessoas singulares, é o local da residência habitual.
É a residência habitual que integra o conceito de domicílio fiscal.
Deste modo, verificando-se a residência habitual do sujeito passivo, pessoa singular, num determinado local, então, esse é o seu domicílio fiscal, independentemente da sua comunicação à AT. Ou seja, a previsão legal não faz depender o conceito de domicílio fiscal de qualquer comunicação, mas tão-somente da “residência habitual”.
A obrigatoriedade da comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária apenas vem prevista, autonomamente, no n.º 3 daquele preceito legal, sendo que no n.º 4 estabelece-se que é ineficaz a sua mudança enquanto não for comunicada à administração tributária.
Ora, trata-se tão-somente de uma questão da eficácia da mudança de domicílio, da sua produção de efeitos perante a AT, que não afecta a substância, e nem sequer integra , o conceito legal de domicílio fiscal previsto no n.º 1 do art. 19.º da LGT.
Dito de outro modo, o domicílio fiscal de um determinado sujeito passivo pessoa singular que é o local da sua residência habitual, não deixa de o ser por não ter sido comunicado à AT.
Por conseguinte, para efeitos do disposto no n.º 2 do art. 14.º do CIRS, verifica-se a identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos quando estes tenham a mesma residência habitual [provada], independentemente do cumprimento da comunicação prevista do n.º 3 do art. 19.º da LGT .
A ausência daquela comunicação relevará, in casu , para efeitos de prova do domicílio fiscal, que caberá aos sujeitos passivos, face a ineficácia da mudança de domicílio que resulta do disposto do n.º 4 do art. 19.º da LGT.
Com efeito, o incumprimento da comunicação prevista no n.º 3 do art. 19.º poderá ter como consequência jurídica a exigência da prova da identidade de domicílio [residência habitual] por parte da AT, pois nos termos do n.º 4 o incumprimento daquela obrigação conduz à ineficácia da mudança de domicílio. Porém, uma vez feita a prova da identidade do domicílio fiscal, como aquela exigência legal não é constitutiva do direito dos Impugnantes, então há que concluir que o incumprimento daquela comunicação não a obsta que os Impugnantes optem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens previsto no n.º 1 do art. 14.º do CIRS (nesse sentido, vide, o recente Ac. do TCA Sul de 19/02/2015, proc. n.º 08313).
Em suma, vivendo duas pessoas, independentemente do sexo, em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, na mesma residência habitual [prova que cabe aos sujeitos passivos, no caso de incumprimento obrigação de comunicação prevista no n.º 3 do art. 19.º da LGT] verifica-se a identidade de domicílio fiscal prevista no disposto n.º 2 do art. 14.º do CIRS.
In casu, pese embora apenas em 26/11/2008 tenha sido comunicada à AT a alteração do domicílio fiscal do Impugnante, resulta provado através do depoimento das testemunhas exarado na fundamentação da sentença (que de resto não vem colocado em causa pela Fazenda Pública nas conclusões de recurso), que ambos os Impugnantes viviam na mesma casa há mais de 2 anos, em condições análogas aos cônjuges, pelo que, verifica-se a identidade de domicílio fiscal para efeitos do n.º 2 do art. 14.º do CIRS, e deste modo, o recurso da Fazenda Pública não merece provimento, sendo de manter a decisão recorrida com a presente fundamentação.”

À semelhança deste acórdão e jurisprudência aí citada, também no acórdão do STA de 16/11/2016, proc. n.º 0761/15 se sumariou que “O incumprimento do disposto no artigo 14º, n.º 2 do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos, não impedia os interessados de optar pelo regime da tributação própria dos contribuintes unidos pelo casamento.”

Efetivamente, mais se escreveu nesse acórdão do STA que “o que deve ser determinante para que os unidos de facto possam, querendo, beneficiar do regime de tributação dos casados é tão só o cumprimento dos requisitos legalmente previstos pela Lei n.º 7/2001.
As exigências vertidas no artigo 14º, n.º 2 do CIRS, indicação de uma morada comum e da assinatura conjunta da declaração de rendimentos, apenas podem ser vistas como requisitos formais que facilitam a prova perante a AT da referida união de facto e, caso os interessados não cumpram tais exigências, incumbe-lhes fazer a prova, por qualquer meio, de que podem efetivamente beneficiar do regime próprio das uniões de facto. Bem como recaem sobre os mesmos as penalidades e ónus legalmente previstos pela não atualização, junto da AT, da sua situação pessoal e familiar.
E assim, não pode sancionar-se o incumprimento de tais obrigações formais com as sanções próprias que apenas contendem com a não verificação dos requisitos substanciais.” (destaques nossos).

Portanto, e regressando ao caso dos autos, a AT não pode extrair da falta de identidade de domicílio fiscal, por falta de comunicação do domicílio fiscal, a inexistência de união de facto, para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 14.º do CIRS, como fez, porque estamos perante requisitos formais, e não requisitos substanciais.

Em suma, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e, portanto, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento de facto, nem do erro de julgamento de direito, improcedendo todos os fundamentos invocados nas conclusões de recurso.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e, portanto, vencida no recurso a Recorrente, esta é responsável pelas custas.
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Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

O incumprimento do disposto no artigo 14.º, n.º 2 do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, não impedia os interessados de optar pelo regime da tributação própria dos contribuintes unidos pelo casamento.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 27 de janeiro de 2022.

Cristina Flora (Relatora)



Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)