Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11584/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/15/2015
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:CAUTELAR RELATIVO A PROCEDIMENTO DE FORMAÇÃO DE CONTRATO
Sumário:I – De harmonia com o disposto no artigo 112º nº 1 do CPTA “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.” Pelo que é à luz de tal dispositivo e por referência àquele processo, que deve ser aferida a legitimidade processual (adjetiva) da requerente para instaurar o processo cautelar.

II – Quem detém legitimidade para o processo principal – o processo de contencioso pré-contratual – possui concomitantemente legitimidade para instaurar processo cautelar no qual vise acautelar os interesses que pretende defender naquele.

III – Se o juiz na sentença cautelar relativa a procedimento de formação de contrato não procede à ponderação dos danos e prejuízos aos interesses em presença a que alude o artigo 132º nº 6 do CPTA por referência à concreta providência cautelar requerida pelo requerente no requerimento inicial a título principal, mas apenas por referência àquela que requereu meramente a título subsidiário, omite pronúncia sobre questão que deveria apreciar, já que deixa, assim, de apreciar o pedido cautelar concretamente formulado pelo requerente a título principal e que deveria apreciar e decidir.

IV – De acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, aplicável nos pedidos cautelares atinentes a procedimentos de formação de contrato por força do disposto na primeira parte do nº 6 do artigo 132º do mesmo Código, o que há a fazer é apreciar se as invocadas causas de invalidade são flagrantes, ostensivas ou evidentes. Não se impõe ao juiz cautelar que tome expressa posição, fora daquele âmbito, sobre todas e cada uma das causas de invalidade que sejam assacadas aos atos do procedimento pré-contratual em causa.

V – Nos requisitos previstos no artigo 132º nº 6, 2ª parte do CPTA, de cuja apreciação depende a concessão de providências cautelar relativas a procedimentos de formação de contratos (quanto não se verifique a situação prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, para que remete a primeira parte do nº 6 do artigo 132º do CPTA), assentam numa ponderação semelhante à que se encontra prevista no artigo 120º nº 2 do mesmo Código (dispositivo de acordo com o qual a adoção da providência ou das providências será recusada quando, “devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”).

VI – É de excluir, neste âmbito, os critérios decisórios definidos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 120º CPTA, cuja aplicação é, ademais, afastada também de modo a assegurar a adequada transposição para a ordem jurídica interna das diretivas comunitárias 89/665/CEE e 92/13/CEE, usualmente denominadas de diretivas recursos ou diretivas meios contenciosos (concretamente do artigo 2º nº 1 alínea a) da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, na redação dada pela Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007).

VII – À luz do disposto na 2ª parte do nº 6 do artigo 132º do CPTA não cabe ponderar os valores ou interesses entre si, mas sim os danos ou prejuízos reais que num juízo de prognose relativa ao tempo previsível da duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da medida cautelar.

VIII – À luz do disposto no artigo 128º nºs 1, 2 e 3 do CPTA a emissão de uma resolução fundamentada tem por escopo permitir que a entidade administrativa requerida num processo cautelar possa praticar atos após a notificação do requerimento cautelar em que a requerente pede a suspensão de eficácia de um ato.

IX – A Administração tem que indicar na Resolução Fundamentada as razões que militam no sentido da existência de situação de urgência grave no prosseguimento da execução do ato administrativo suspendendo. Tal decisão é passível de ser sindicada contenciosamente pelos tribunais no âmbito do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, designadamente com fundamento no facto dos motivos aduzidos naquela Resolução não constituírem fundamentos legais ou legítimos abarcados pelo conceito legal enunciado no n.º 1 do art. 128.º do CPTA do diferimento da execução ser “gravemente prejudicial para o interesse público”.

X - A circunstância de o Tribunal, em apreciação do mérito do pedido cautelar, julgar improcedente o pedido cautelar formulado não prejudica a apreciação do incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida (nem a sua eventual declaração), nem é também motivo para dispensar o direito de contraditório previsto no nº 6 do artigo 128º do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

S………. - SEGURANÇA, SA (devidamente identificada nos autos), Requerente no Processo Cautelar relativo a procedimento de formação de contrato – o concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança, aberto por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia, de 16/11/2013, com o nº …………. e no Diário da República nº 222, 2ª série, parte L, de 15/11/2013, com o nº …………/2013 – instaurado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (Procº 1107/14.2 BESNT-A) em que é requerida a ENTIDADE DE SERVIÇOS PARTILHADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, I.P. (devidamente identificada nos autos), tendo como contrainteressadas as empresas ali identificadas, inconformada com a sentença daquele Tribunal de 14/07/2014, vem dela interpor o presente recurso.

Nas suas alegações a aqui Recorrente formula as seguintes conclusões nos seguintes termos:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 14 de Julho de 2014 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou:

1º Procedente a exceção de ilegitimidade ativa da Requerente em relação aos lotes a que não apresentou candidatura,
2º Improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução
e
3° Improcedentes as providências cautelares.

II. O Tribunal a quo apenas conheceu o último dos pedidos subsidiários que foi apresentado ao tribunal, para ser tomado em consideração somente em caso de improcedência dos dois pedidos anteriormente formulados.

III. O Tribunal a quo também considerou apenas a última das ilegalidades apontadas, a ser considerada apenas em caso de improcedência das duas ilegalidades aludidas anteriormente.

IV. Está em causa um concurso para a celebração de um acordo quadro no qual foram frustrados todos os objetivos estabelecidos para essa celebração, com forte restrição da concorrência, por via do estabelecimento de um requisito de qualificação técnica designado «experiência», manifestamente ilegal.

V. A Recorrente, no requerimento inicial, invocou a ilegalidade do requisito capacidade técnica e a consequente ilegalidade do resultado da fase de qualificação com frustração do objetivo estabelecido no artigo 26.º do Programa quanto ao número de propostas a adjudicar; a ilegalidade do requisito de capacidade técnica e a consequente ilegalidade da exclusão de candidaturas com fundamento no incumprimento de tal requisito; a ilegalidade da exclusão da candidatura da S............ nos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25.

VI. Como melhor decorrerá do que adiante se explica, a sentença sob recurso não ponderou a factualidade invocada como causa de pedir do pedido formulado a título principal e nem apreciou a questão da legalidade/ilegalidade do critério concursal de qualificação técnica (o requisito denominado «experiencia»), os seus efeitos neste procedimento, e nem apreciou exposição feita pela ora Recorrente sobre a ponderação de interesses relevante para a apreciação de tal pedido.

VII. O Tribunal apreciou apenas a ilegalidade da exclusão da candidatura da S............ nos lotes 8, 10 a14, 18 a 22, 24 e 25.

VIII. E apenas ponderou os interesses em causa da paralisação do procedimento pré­ contratual e não os efeitos do prosseguimento deste com a qualificação da candidatura /admissão da proposta da S.............

IX. É óbvio que o Tribunal a quo omitiu um ato obrigatório, não tendo decidido uma questão que lhe foi suscitada pela Recorrente e que, ademais, é prescrita por lei.

X. É por isso, nula a sentença recorrida (cf. art. 615° nº 1 al. d) do C.P.C.

XI. A decisão sobre a matéria de facto é manifestamente insuficiente pois omite factos que foram alegados pela Requerente no presente processo os quais se mostram provados pela documentação junta aos autos.

XII. Porque relevantes para a apreciação dos pedidos formulados, e respetivas causas de pedir (que não foram objeto de conhecimento pelo Tribunal a quo) e porque fundamentais para o juízo de ponderação de interesses o que alude o Art.º 132º n.º 6 do CPTA e para a decisão do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução deviam ter sido considerados provados todos os factos elencados no ponto V destas alegações.

XIII. Para efeitos de apuramento da legitimidade ativa, deve atender-se à titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na sua petição, olhando ao(s) pedido(s) - todos – e à(s) causa(s) de pedir – todas.

XIV. Para aferir da questão da legitimidade ativa, o Tribunal a quo olhou, apenas e só, para um pedido e uma causa de pedir, concretamente o pedido de anulação da deliberação de exclusão da candidatura da Autora para os lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25 com fundamento em alegada desconformidade dos documentos apresentados.

XV. O objeto do processo não se resume a tal pedido e causa de pedir: A questão que se coloca nos presentes autos a título principal é a da ilegalidade do requisito de qualificação («experiência») exarado no artigo 8° do Programa do Concurso.

XVI. Tal requisito ilegal impediu a plena participação da S............ no concurso e conduziu a um resultado que ficou aquém dos objetivos estabelecidos pela própria ESPAP para a celebração do acordo quadro.

XVII. A S............ tem o direito de participar no concurso para a celebração de acordo quadro, tendo esse direito sido lesado através da fixação de um requisito de qualificação ilegal (o do art. 8° do Programa) que impediu a sua participação plena em todos os lotes a concurso.

XVIII. A S............ beneficiará da desaplicação de tal requisito pois com essa desaplicação, obtida, designadamente, através da anulação do concurso (primeiro pedido formulado na ação principal), a S............ não verá impedido o seu acesso ao mercado público de serviços de segurança privada nos próximos quatro anos por via da celebração do acordo quadro objeto do concurso ajuizado, acedendo, pois, a esse mercado em toda a sua dimensão e podendo participar plenamente em novo concurso para a celebração de acordo quadro que para o efeito será lançado.

XIX. E é, precisamente, aqui que reside a legitimidade da Autora no que respeita a todos os lotes do concurso, mesmo aqueles a que, por força do requisito ilegal, não se candidatou.

XX. Têm legitimidade para impugnar atos de formação do contrato as pessoas que tenham, ou tenham tido, interesse em participar, em celebrar o contrato, independentemente de terem participado no procedimento. (cf. neste sentido Ana Gouveia Martins, "A tutela cautelar no contencioso administrativo (em especial nos procedimentos de formação de contratos)", pág. 363.

XXI. A legitimidade ativa no contencioso pré-contratual não depende da circunstância de ter sido ou não apresentada candidatura/proposta nesse procedimento;

XXII. Nem poderia, na medida que se traduziria numa restrição do acesso à justiça nos procedimentos pré-contratuais, pondo em causa a finalidade que subjaz aos meios impugnatórios no âmbito dos procedimentos de formação dos contratos cuja fonte normativa primária tem origem no direito comunitário.

XXIII. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir pela ilegitimidade ativa da Recorrente no que respeita aos lotes relativamente aos quais não apresentou candidatura, por violação do disposto nos Art.º 9º n.º 1 e 55º n.º 1 al. a) do CPTA e no Art.º 1º n.º 3 da Diretiva «meios contenciosos».

XXIV. Fruto do errado enquadramento que fez da questão decidenda, o tribunal a quo, na apreciação feita a propósito do pressuposto de procedência das providências cautelares previsto na alínea a) do n.º 1 do Art.º 120º do CPTA, circunscreve a sua análise ao terceiro vício de violação de lei invocado pela Requerente, ou seja, a ilegalidade da exclusão da sua candidatura motivada por alegada desconformidade das declarações apresentadas.

XXV. A Requerente fundou a ilegalidade da sua exclusão em três vícios de violação de lei.

XXVI. O primeiro vício de violação de lei é a violação do Principio da Concorrência por total frustração dos objetivos estabelecidos no artigo 26º do programa para a celebração do acordo quadro, frustração para a qual contribuiu, decisivamente o requisito «experiência» que foi escolhido pela ESPAP no art. 26º do Programa para a qualificação dos candidatos, o qual é ilegal.

XXVII. Essa ilegalidade limitou, à partida, o número de candidaturas que foram apresentadas (tornando a objetivo traçado, desde logo, impossível de alcançar) e, subsequentemente, o número de candidatos qualificados (que se traduziu num afastamento ainda maior do objetivo traçado).

XXVIII. A finalidade expressamente assumida no programa era a celebração de acordo quadro com 10 empresas no caso do lote 1 e com 15 empresas no caso dos lotes 2 a 25, finalidade que não foi atingida em nenhum dos lotes;

XXIX. O que se traduz numa violação do artigo 26° do programa e do princípio da concorrência já que o universo dos co-contratantes mostra-se drasticamente reduzido.

XXX. Esta ilegalidade não pode deixar de ser considerada manifesta porque alcançável mediante a simples constatação do número de candidatos que foi qualificado em cada lote.

XXXI. Até porque, o Supremo Tribunal Administrativo já decidiu pela ilegalidade da celebração de acordo quadro com uma única empresa quando o concurso tinha por objeto a celebração de um acordo quadro com quatro, por ser contrária à finalidade do concurso e à sã concorrência (cf. Acórdão do STA de 20-03-2014, processo 01898/13, www.dgsi.pt).

XXXII. Como segundo vício de violação de lei, cuja procedência é igualmente manifesta é invocada a ilegalidade do requisito «experiência» por violação do Art.º 165º n.º 1e 5 do CCP, e dos Princípios da igualdade e do Principio da concorrência

XXXIII. O denominado requisito «experiência» não constitui requisito de qualificação técnica e, como tal é violador do art. 165º do CCP.

XXXIV. Até porque basta atentar na sua formulação para constatar que o mesmo não se prende com qualquer exigência de caráter técnico com as características daquelas que são elencadas exemplificativamente no art. 165º nº 1 do CCP.

XXXV. Revestindo, ao invés uma exigência de caráter mais aparentado com os denominados requisitos financeiros, pois exige uma determinada faturação num único cliente e região.

XXXVI. O que advém da sua própria formulação.

XXXVII. Ademais é desproporcionado e não corresponde a qualquer interesse atendível relacionado com o contrato a celebrar pelo que, também por essa via, deve ser considerado ilegal:

1. a exigência de experiência na região correspondente ao lote a que o interessado se candidata é manifestamente injustificada porque os serviços objecto do concurso não diferem de características consoante a região onde sejam prestados, não constituindo a sua prestação em determinada região uma mais-valia em termos de capacidade técnica/experiência. A demonstrar a manifesta falta de justificação da exigência está o resultado da qualificação e a afirmação leito pela ESPAP na sua deliberação de 20 de Maio de que as entidades adquirentes quando pretendam adquirir serviços numa determinada região podem recorrer ao lote nacional;

2. Não existe razão atendível para a exigência de que os serviços semelhantes no valor mínimo de €2.500 (para o lote 1), de €500.000,00 (para os lotes nacionais) ou de €100.000 (para os lotes regionais) tenham que ter sido prestados a um só cliente. A capacidade técnica nada tem a ver com os preços dos serviços prestados. E não é legítima a conclusão de que o candidato que presta serviços a dois clientes no valor de 250.000€ cada um tem menos experiência do que aquele que prestou os mesmos serviços a um cliente no valor de 500.000€.

XXXVIII. Como terceiro vício de violação de lei é invocada a ilegalidade da deliberação de exclusão da candidatura da S............ pelos motivos em que assenta.

XXXIX. A averiguação do preenchimento pelos candidatos do requisito mínimo de capacidade técnica deve ser uma averiguação material e não formal (cf. Art.º 178º n.º 2 do CCP).

XL. Porém, o júri não fez uma averiguação material mas puramente formal, violando, em consequência a disposição do Art.º 178º n.º 2 do CCP.

XLI. Os motivos apontados pelo júri não encontram apoio nas regras concursais.

XLII. Devia o júri ter solicitado esclarecimentos à S............ e não excluir automaticamente e de forma precipitada a sua candidatura.

XLIII. Pelo que a sua exclusão é manifestamente ilegal porque violadora do Programa, designadamente do seu anexo IlI e do Princípio da transparência, da igualdade e da concorrência, e da proporcionalidade.

XLIV. Resulta do supra exposto que não se verifica fumus malus iuris, contrariamente ao defendido pelo tribunal a quo.

XLV. Muito pelo contrário, as ilegalidades invocadas, designadamente a ilegalidade do requisito «experiência», não podem deixar de ser consideradas manifestas, mostrando-se preenchida a previsão do Art.º 120º n.º 1 al. a) do CPTA.

XLVI. A sentença recorrida incorreu, pois, em manifesto erro de julgamento.

XLVII. Quanto à ponderação de interesses, o tribunal a quo apenas tratou e decidiu o pedido formulado em segundo lugar, e a título subsidiário.

XLVIII. Omitindo o conhecimento da ponderação de interesses relativamente ao pedido, formulado a título principal, como lhe competia.

XLIX. É que a Requerente pediu, em primeiro lugar, a sua qualificação e a admissão provisória a apresentar proposta nos lotes em que foi excluída.

L. E mais ampliou tal pedido ao de condenação da ESPAP a admitir, avaliar e ponderar provisoriamente as propostas apresentadas nos lotes em que a sua candidatura foi excluída.

LI. O Tribunal apenas ponderou os interesses em causa da paralisação do procedimento pré-contratual e não os efeitos do prosseguimento deste com a qualificação do candidatura/ admissão da proposta do S.............

LII. Verificando-se omissão de pronúncia e consequente nulidade da sentença que não apreciou a matéria alegada como causa de pedir de tais pedidos principais e nem procedeu à necessária ponderação de interesses imposta para aplicação do art. 132° nº 6 do CPTA.

LIII. Quanto à ponderação dos interesses em jogo em caso de suspensão do procedimento, a sentença recorrida erra ao desconsiderar que os contratos celebrados ao abrigo do Acordo Quadro VS 2010 se mantêm em vigor durante os prazos de duração aí previstos, e ainda que estes ultrapassem a vigência de tal Acordo Quadro.

LIV. Desconsidera também que todos os procedimentos lançados ao abrigo do Acordo Quadro VS 2010 até 14 de Abril de 2014 podem, e devem, seguir os seus normais trâmites até à celebração dos correspondentes contratos, nada impedindo que estes sejam integralmente executados.

LV. E ignora o facto de que as entidades compradoras integradas no SNCP que, em data posterior a 15 de Abril de 2014, pretendam adquirir serviços de vigilância e segurança podem fazê-lo através de contratação direta.

LVI. Assim sendo, a suspensão do procedimento não impediria a aquisição dos serviços nem determinaria um qualquer prolongamento ilegal de contratos caducados.

LVII. E erra quanto à necessidade de novo acordo quadro para assegurar a economia e poupança públicos já que da celebração do acordo quadro visado pelo CLPQ AQ-VS-2013 decorrerá um importante aumento do preço máximo que os co­ contratantes podem propor nos procedimentos de aquisição de serviço a serem lançados ao abrigo daquele.

LVIII. É ilegal a desconsideração dos interesses da Requerente pela circunstância de os danos da mesma serem ilíquidos já que o tribunal está obrigado a ponderar todos os danos, quer sejam líquidos quer sejam ilíquidos.

LIX. A improcedência do pedido cautelar formulado a título principal e posteriormente ampliado terá como consequência o prosseguimento do concurso sem a participação da Recorrente e a consequente não celebração do acordo-quadro com a mesma, ficando a mesma irreversivelmente impedida, com o início da sua vigência e durante 4 anos, de aceder ao mercado, sofrendo avultados prejuízos, resultantes da não prestação de serviços a um universo (de grande dimensão) de entidades públicas (vinculadas e voluntárias).

LX. Termos porque se verificam os pressupostos previstos no n.º 6 do Art.º 132º do CPTA para a adoção das providências cautelares requeridas.

LXI. Ao decidir em sentido contrário, violou, pois, a decisão recorrida esta disposição legal.

LXII. A sentença recorrida errou ao julgar improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução.

LXIII. A ESPAP limita-se a efetuar considerações genéricas sem nunca alegar ou demonstrar quaisquer prejuízos concretos.

LXIV. A resolução fundamentada não está sustentada nos efeitos que poderão ser causados pela paralisação do ato suspendendo (do procedimento), pois o que está em causa nestes autos não é a suspensão de eficácia de qualquer acordo quadro em vigor.

LXV. Não foi a interposição do processo cautelar que determinou qualquer impossibilidade de execução de um acordo quadro que estivesse em vigor,

LXVI. E nem foi a interposição do processo cautelar que, de alguma forma, atrasou o início do procedimento pré-contratual que lhe deu causa.

LXVII. Pelo que, só por isto, o tribunal a quo deveria ter concluído pela improcedência das razões invocadas na resolução fundamentada em vez de atribuir relevância, como atribuiu, à inexistência de acordo quadro.

LXVIII. O tribunal a quo recebeu acriticamente as razões constante da Resolução fundamentada, quando as mesmas são manifestamente improcedentes como a Requerente demonstrou à saciedade com a documentação carreada para os presentes autos.

LXIX. O tribunal a quo devia ter concluído que o diferimento da execução não é gravemente prejudicial para o interesse público e decidido no sentido da procedência do incidente.

LXX. Ao decidir em sentido contrário, violou a disposição do Art.º 128º n.º 1 do CPTA.


Contra-alegaram a ENTIDADE DE SERVIÇOS PARTILHADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, I.P. (ESPAP, IP) (fls.. 2409 ss.), pugnando pela improcedência do recurso; a contrainteressada Grupo …… - Vigilância ………………. Ldª, (fls. 2429 ss.), pugnando pela improcedência do recurso, e a Contrainteressada P…….. – Empresa ……………, SA, (fls. 2306 ss.) pugnando pela improcedência do recurso e requerendo a ampliação subsidiária do objeto do recurso, ao abrigo do artigo 636º nºs 2 e 3 do CPC, aplicável ex vi do artigo 140º do CPTA, formulando esta as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
«(…)»
A recorrente S............ pronunciou-se quanto à ampliação do objeto do recurso (a fls. 2506 ss.), ao abrigo do art. 638º 2 do CPC.

Após o Mmº Juiz do Tribunal a quo ter indeferido, por despacho de 03/10/2014 (fls. 2544 ss.), a arguida nulidade da sentença, mantendo os seus termos, subiram os autos a este Tribunal Central Administrativo Sul.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA emitiu Parecer (fls. 3577 ss.) no sentido da improcedência do recurso.

Notificadas daquele Parecer pronunciaram-se a Recorrente S............ (a fls. 2592 ss.) e as contrainteressadas P…………, SA (fls. 2596 ss.) e Grupo 8, Lda. (fls. 2600 ss.).

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO (das questões a decidir)

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente S............ as conclusões de recurso, são colocadas a este Tribunal, pela seguinte ordem, as seguintes questões:
- saber se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronuncia, à luz do disposto no artigo 615° nº 1 alínea d) do CPC, por não ter apreciado o pedido cautelar formulado a título principal mas apenas o último dos pedidos subsidiários, não ter apreciado a questão da legalidade/ilegalidade do requisito concursal de capacidade técnica designado «experiência», tendo apenas tratado e decidido, quanto à ponderação de interesses, o pedido formulado em segundo lugar, e a título subsidiário, omitindo o conhecimento da ponderação de interesses relativamente ao pedido formulado a título principal (qualificação e a admissão provisória a apresentar proposta nos lotes em que foi excluída), ponderando apenas os interesses em causa decorrentes da paralisação do procedimento pré-contratual e não os efeitos do prosseguimento deste com a qualificação do candidatura/admissão da proposta da S............ (vide conclusões II. a X. e conclusões XLVII. a LII. das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro quanto ao julgamento da matéria e facto, por terem sido omitidos factos que foram alegados pela Requerente S............, que se mostram provados pela documentação junta aos autos, relevantes para a apreciação dos pedidos cautelares formulados, e respetivas causas de pedir e fundamentais quer para o juízo de ponderação de interesses o que alude o artigo 132º nº 6 do CPTA quer para a decisão do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução (vide conclusões XI. e XII. das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar a recorrente S............ parte ilegítima na parte referente aos pedidos cautelares respeitantes aos lotes a que não apresentou candidatura (vide conclusões XIII. a XXIII. das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não julgar verificado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do Art.º 120º do CPTA, por ser manifesta a ilegalidade da sua exclusão, por três vícios de violação de lei: por violação do Principio da Concorrência por total frustração dos objetivos estabelecidos no artigo 26º do Programa do Concurso para a celebração do acordo quadro; por ilegalidade do requisito «experiência» por violação do Art.º 165º n.º 1e 5 do CCP, dos Princípios da igualdade e do Principio da concorrência e por ser desproporcionado não correspondendo a qualquer interesse atendível relacionado com o contrato a celebrar; por ilegalidade da deliberação de exclusão pelos motivos em que assenta, por o júri não ter feito uma averiguação material mas puramente formal, não encontrando os motivos apontados pelo júri apoio nas regras concursais, com violação do artigo 178º n.º 2 do CCP, devendo o júri ter solicitado esclarecimentos à S............ e não exclui-la automaticamente, sendo assim a sua exclusão é manifestamente ilegal porque violadora do Programa, designadamente do seu anexo IlI e do Princípio da transparência, da igualdade e da concorrência, e da proporcionalidade (vide conclusões XXIV. a XLVI. das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à ponderação dos interesses em jogo em caso de suspensão do procedimento, ao desconsiderar que os contratos celebrados ao abrigo do Acordo Quadro VS 2010 se mantêm em vigor durante os prazos de duração aí previstos, e ainda que estes ultrapassem a vigência de tal Acordo Quadro, podendo e devendo seguir os seus normais trâmites até à celebração dos correspondentes contratos, nada impedindo que estes sejam integralmente executados, pelo que a suspensão do procedimento não impediria a aquisição dos serviços nem determinaria um qualquer prolongamento ilegal de contratos caducados, e ao considerar necessário a celebração de um novo acordo quadro para assegurar a economia e poupança públicas por da celebração do acordo quadro visado pelo CLPQ AQ-VS-2013 decorrer um importante aumento do preço máximo que os co­contratantes podem propor nos procedimentos de aquisição de serviço a serem lançados ao abrigo daquele; e ainda por ter desconsiderado os interesses da recorrente pela circunstância de os danos da mesma serem ilíquidos, por o Tribunal estar obrigado a ponderar todos os danos, quer sejam líquidos quer sejam ilíquidos, e se assim que deve ter-se por verificados os pressupostos previstos no n.º 6 do Art.º 132º do CPTA para a adoção das providências cautelares requeridas por a improcedência do pedido cautelar formulado a título principal e posteriormente ampliado terá como consequência o prosseguimento do concurso sem a participação da Recorrente e a consequente não celebração do acordo-quadro com a mesma, ficando a mesma irreversivelmente impedida, com o início da sua vigência e durante 4 anos, de aceder ao mercado, sofrendo avultados prejuízos, resultantes da não prestação de serviços a um universo, de grande dimensão, de entidades públicas, vinculadas e voluntárias, e, por conseguinte, se ao decidir em sentido contrário, a sentença recorrida violou o disposto no n.º 6 do Art.º 132º do CPTA (vide conclusões LIII. a LXI. das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na parte em que julgou improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução por o tribunal a quo dever ter concluído pela improcedência das razões invocadas na resolução fundamentada, e se assim ao ter concluído que o diferimento da execução não é gravemente prejudicial para o interesse público e decidido no sentido da improcedência do incidente violou a disposição do Art.º 128º n.º 1 do CPTA (vide conclusões LXII. a LXX. das alegações de recurso).

Importará ainda, caso não se mostrem prejudicadas e se a tanto nada obstar, conhecer das questões invocadas pela Contrainteressada P………… – Empresa …………….., SA nas suas contra-alegações em sede de ampliação subsidiária do objeto do recurso nas suas contra-alegações – artigo 636º do CPC novo, ex vi do artigo 140º do CPTA

*
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Na sentença recorrida foi dada como provada pela Mmª Juiz do Tribunal a quo a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
«(…)»

**
B – De direito
Apreciemos as questões objeto do presente recurso, supra enunciadas, de acordo com a ordem da sua precedência lógica - artigos 608º nºs 1 e 2 e 663º nº 2 do CPC novo, (aprovado pela Lei nº 41/2013), ex vi do artigo 140º do CPTA.
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1. Da questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar a recorrente S............ parte ilegítima na parte referente aos pedidos cautelares respeitantes aos lotes a que não apresentou candidatura (conclusões XIII. a XXIII. das alegações de recurso).
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Da decisão recorrida
Na sentença recorrida o Mmº Juiz do Tribunal a quo apreciando a questão da ilegitimidade (parcial) da requerente, que havia sido suscitada pela Contrainteressada P…………., SA, na sua contestação, julgou-a procedente, considerando a Requerente parte legítima, no que respeita ao procedimento concursal em presença, em relação a todas as questões que digam respeito aos lotes a que concorreu, mas parte ilegítima em relação aos lotes a que não concorreu. Decisão que assentou nos seguintes fundamentos, ali assim, vertidos, que se passa a transcrever:
«O que se discute é uma ilegitimidade parcial e não total. E com a questão da ilegitimidade vem correlacionada a caducidade do direito de acção e a extemporaneidade (parcial).
Foi suscitada a ilegitimidade da Autora para contestar e pedir a suspensão do procedimento quanto apenas às decisões tomadas nos lotes a que não concorreu. A autora contra-alegou que o pode fazer, ou seja que possui legitimidade no que respeita aos lotes a que não se candidatou. Tudo incide no artigo 8º do PC.
Alegou, para tanto, em resumo, que a questão fundamental que se coloca nos presentes autos é a da violação pelo ESPAP do Princípio da Concorrência e das disposições do artigo 165-1-5, do CCP, no estabelecimento dos requisitos de qualificação, sendo o princípio da concorrência sindicável pelo Tribunal, e podendo peticioná-lo; desde logo porque, alega, no contencioso pré-contratual e nas providências cautelares a legitimidade activa não depende de ter sido ou não apresentada candidatura/proposta nesse procedimento, mas antes a apresentação de candidatura ou de proposta nos artigos 100/ss, do CPTA.
Ora, aos cautelares pré-contratuais aplicam-se subsidiariamente as disposições comuns dos processos cautelares dos artigos 112/ss, que remetem para as normas da acção principal, de que depende, a legitimidade. E nos termos dos artigos 100/ss, também se remete para as regras da AAE [artigos 132-3 e 100-1, CPTA]. Voltamos, assim, aos artigos 9º do CPTA e 30/s do CPC.
Tem-se entendido que, nos termos do artigo 100-2, CPTA, quando refere «também são susceptíveis d e impugnação directa (…) o Programa, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento», se trata de uma faculdade e não um ónus, de impugnação da norma, pelo que o não exercício não afasta a impugnação dos actos finais com fundamento na violação de tais normas [nesse sentido decidiu, entre outros, o Ac do STA de 20/11/2012, Procº 0750/12, in www.dgsi.pt].
Havendo já um acto impugnável (contido num acto normativo) o legislador afasta quaisquer efeitos preclusivos da falta de impugnação da norma. Por maioria de razão afastam-se os efeitos preclusivos se esse acto normativo não encerra já um acto administrativo. A imediata impugnabilidade dos actos procedimentais, ou normativos, não afasta a impugnabilidade dos actos finais. Ou seja, a ideia do legislador foi a de que os actos anteriores a uma decisão final --mesmo que sejam impugnáveis por força das regras sobre a impugnabilidade-- podem ser, em regra, duplamente impugnados. Só não é assim, nos casos expressamente previstos no artigo 51-3 do CPTA ou, por remissão desse preceito, os casos expressamente previstos em lei especial. Portanto, entende-se que na falta de lei expressa prevendo umo ónus, deve interpretar-se o artigo 100-2, CPTA, no sentido da regra geral da dupla impugnabilidade.
Mas o que está em causa, no caso, não é saber se um concorrente que não impugne a norma do PC fica inibido de impugnar mais tarde a adjudicação, com fundamento na norma que não impugnou antes; mas sim se alguém que não tenha concorrido ao concurso, que é feito por lotes – ou como alegam as partes «lote-a-lote», [acabando por, no fundo, cada lote representar um “sub-concurso” com apreciação e decisão individualizadas]— quem não concorreu a um lote pode impugnar a decisão que incidiu sobre esse lote. O que vale por saber, em suma, se quem não é concorrente a um concurso pode impugná-lo.
Ora, a nosso ver, não pode; pois o artigo 132, o artigo 100, como também o artigo 9, todos do CPTA, atribuem legitimidade a quem tem interesse na demanda, ou seja a quem for sujeito (parte) da relação jurídica material controvertida, apenas excepcionando os casos em que, independentemente da posição de sujeito da relação, se actue na defesa de valores e bens jurídicos da colectividade [artigo 9-2].
Ora, num procedimento concursal, como o presente, não estão em debate esses bens jurídicos da colectividade, mas antes, no que releva, interesses individuais dos concorrentes em face do interesse na prestação dos serviços objecto deste procedimento pelo Réu. Portanto, num procedimento por lotes, como o presente, parece não ser temerário dizer que há tantas relações jurídicas procedimentais quantos os concorrentes por lote a que concorra. Se um concorrente não concorreu a certo ou certos lotes, como foi o caso da A, não pode dizer que é sujeito e que foi prejudicado ou beneficiado em relação aos lotes aos quais não concorreu; pois esses não lhe dizem respeito, nem as decisões sobre os mesmos o podem afectar por respeitarem a quem concorreu e não a quem não concorreu, e serem decisões individuais que não se repercutem sobre outros lotes a que tenha concorrido. Por conseguinte, a Autora não tem interesse em demandar por ser exterior à relação jurídica, na parte que respeita aos lotes aos quais não concorreu. Mas, ao contrário, tem todo o interesse no que respeita aos lotes a que concorreu e dos quais foi excluída.
Deste modo, a Autora é parte legítima, no que respeita ao procedimento concursal em presença, em relação a todas as questões que digam respeito aos lotes a que concorreu, mas é parte ilegítima em relação aos lotes a que não concorreu e, portanto, em que nenhuma decisão do Réu, consequentemente, a pode prejudicar. E como tal se julga.
Por tudo o exposto, procede a ilegitimidade parcial da Autora. Ficando, ainda, prejudicada a questão da alegada aceitação do acto [artigo 8º do PC] e da caducidade do direito de acção, no que diz respeito aos lotes a que não concorreu, por se situar fora do objecto, sendo que se dentro deste estivesse, tal norma podia ser impugnada com a impugnação do acto de adjudicação, como vimos.
Já assim não é quanto aos lotes a que concorreu e dos quais foi excluída. Com efeito, quanto a estes a Autora tem toda a legitimidade, incluindo no que respeita ao artigo 8º do PC. Só que a Autora foi admitida a vários lotes e excluída em relação a outros, como vimos do probatório. Então põe-se a questão de saber se pode a autora defender a validade da mesma norma quanto aos lotes a que foi aceite e ao mesmo tempo a sua invalidade quanto aos lotes a que concorreu mas de que foi excluída, o que parece contraditório ou dilatório. Entendemos que relativamente aos lotes a que concorreu e dos quais foi excluída a Autora possui legitimidade, não perdeu o direito de impugnação a exercer eventualmente a propósito do acto consequente, e, assim sendo, não caducou o direito de ação.
Pelo exposto, nesta parte, improcede a alegada caducidade do direito de acção, não se verificando a alegada extemporaneidade.»
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Da tese da Recorrente
Pugna a Recorrente pela revogação da decisão recorrida por erro de julgamento, com violação do disposto nos Art.º 9º n.º 1 e 55º n.º 1 al. a) do CPTA e no Art.º 1º n.º 3 da Diretiva «meios contenciosos», defendendo deter legitimidade no que respeita a todos os lotes do concurso, sustentando que para efeitos de apuramento da legitimidade ativa, deve atender-se à titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na sua petição, olhando ao(s) pedido(s) - todos – e à(s) causa(s) de pedir – todas; que para aferir da questão da legitimidade ativa, o Tribunal a quo olhou, apenas e só, para um pedido e uma causa de pedir, concretamente o pedido de anulação da deliberação de exclusão da candidatura da Autora para os lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25 com fundamento em alegada desconformidade dos documentos apresentados; que o objeto do processo não se resume a tal pedido e causa de pedir: A questão que se coloca nos presentes autos a título principal é a da ilegalidade do requisito de qualificação («experiência») exarado no artigo 8° do Programa do Concurso; que tal requisito ilegal impediu a plena participação da recorrente S............ no concurso e conduziu a um resultado que ficou aquém dos objetivos estabelecidos pela própria ESPAP para a celebração do acordo quadro; que tem o direito de participar no concurso para a celebração de acordo quadro, tendo esse direito sido lesado através da fixação de um requisito de qualificação ilegal (o do art. 8° do Programa) que impediu a sua participação plena em todos os lotes a concurso; que beneficiará da desaplicação de tal requisito pois com essa desaplicação, obtida, designadamente, através da anulação do concurso (primeiro pedido formulado na ação principal), a recorrente S............ não verá impedido o seu acesso ao mercado público de serviços de segurança privada nos próximos quatro anos por via da celebração do acordo quadro objeto do concurso ajuizado, acedendo, pois, a esse mercado em toda a sua dimensão e podendo participar plenamente em novo concurso para a celebração de acordo quadro que para o efeito será lançado; que é, precisamente, aqui que reside a legitimidade da recorrente no que respeita a todos os lotes do concurso, mesmo aqueles a que, por força do requisito ilegal, não se candidatou; que têm legitimidade para impugnar atos de formação do contrato as pessoas que tenham, ou tenham tido, interesse em participar, em celebrar o contrato, independentemente de terem participado no procedimento; que a legitimidade ativa no contencioso pré-contratual não depende da circunstância de ter sido ou não apresentada candidatura/proposta nesse procedimento e que nem poderia, na medida que se traduziria numa restrição do acesso à justiça nos procedimentos pré-contratuais, pondo em causa a finalidade que subjaz aos meios impugnatórios no âmbito dos procedimentos de formação dos contratos cuja fonte normativa primária tem origem no direito comunitário.
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Da análise e apreciação da questão
Importa antes do mais salientar que estamos no âmbito de um processo cautelar atinente a procedimento de formação de contrato, no caso, o concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança, aberto por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia, de 16/11/2013, com o nº 2013/S 223-388456 e no Diário da República nº 222, 2ª série, parte L, de 15/11/2013, com o nº 5655/2013, em que é entidade adjudicante a ENTIDADE DE SERVIÇOS PARTILHADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, I.P. (ESPAP, IP).
Processo cautelar que foi instaurado em 22/05/2014 pela aqui recorrente S............ - SEGURANÇA, SA, simultaneamente com a instauração da ação principal a que respeita, o processo de contencioso pré-contratual nº 1107/14.2BESNT.
Ora dispõe o artigo 112º nº 1 do CPTA que “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.”
Pelo que é à luz de tal dispositivo e por referência àquele processo, que deve ser aferida a legitimidade processual (adjetiva) da requerente para instaurar o processo cautelar. Sendo certo que a legitimidade, enquanto pressuposto processual que é, constitui condição da possibilidade de apreciação do mérito do pedido formulado no processo.
Dispõe o artigo 9º nº 1 do CPTA dispõe que “sem prejuízo do disposto no número seguinte e do que no artigo 40º e no âmbito da ação administrativa especial se estabelece neste código, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”. Assim, no âmbito da lei processual administrativa, o artigo 9º nº1 do CPTA estabelece o princípio geral em matéria de legitimidade ativa, elegendo a titularidade da respetiva relação material controvertida (de acordo com a alegação feita pelo autor - cfr. nº1 do artigo 9º do CPTA, e tal como já resultava do artigo 26º nº 3 do CPC, correspondente ao atual artigo 30º nº nº 3 do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013) como critério geral definidor desse pressuposto processual. Sem prejuízo da regulamentação particular que se encontra definida para cada um dos meios processuais. Sendo que no âmbito da ação administrativa especial, igualmente aplicável aos processos de contencioso pré-contratual, ex vi do artigo 100º nº 1 do mesmo código, a alínea a) do nº 1 do artigo 55º do CPTA estatui que “tem legitimidade para impugnar um ato administrativo quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Deste modo, para um juízo positivo sobre a legitimidade ativa, é suficiente que o autor alegue, de modo fundamentado, ser titular de um interesse direto e pessoal na impugnação de determinado ato administrativo, nomeadamente por ter sido lesado, por tal ato, nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. artigo 55º nº 1 alínea a) do CPTA, conjugado com o artigo 9º do mesmo Código).
Ressalta do probatório que o procedimento pré-contratual em causa tem como objeto a seleção de co-contratantes para o acordo-quadro que regulará a prestação de i) serviços de consultadoria para a realização de estudos e planos de segurança; ii) serviços de vigilância e segurança humana; iii) serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes e iv) serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes.
Acordo-quadro que compreende os seguintes lotes:
- Serviços de consultadoria: lote 1;
- Serviços de vigilância e segurança humana: lotes 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9;
- Serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes a recorrente apresentou candidatura: lotes 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17;
- Serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes: 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25.
Sendo o seguinte o âmbito geográfico de cada um daqueles lotes:
- a totalidade do território nacional: lotes 1, 9, 17 e 25;
- regiões definidas pelo Nível II das Unidades Territoriais para fins Estatísticos (NUTS II): lotes 2 a 8, 10 a 16 e 18 a 24.
Ressalta também do probatório que a recorrente candidatou-se aos lotes 2 a 6, 8, 9, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25, mas que apenas foi qualificada para os lotes 2 a 6, 9 e 25, não ficando qualificada no que tange aos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22 e 24, ao abrigo do disposto na alínea l) do nº 2 do artigo 184º do CCP, por o júri do concurso ter considerado que a recorrente não comprovou a sua capacidade técnica exigida no artigo 8º alínea b) do Programa do Concurso no que respeita a tais lotes («experiência em prestações de serviços semelhantes ao objeto do presente concurso na Região correspondente ao lote a que se candidata por um valor mínimo de € 100.000,00, a pelo menos um cliente institucional ou empresarial e desde que os serviços tenham sido contratados entre 1 de Janeiro de 2012 e 31 de Dezembro de 2012»), por o objeto das declarações por si apresentadas destinadas a tal efeito não corresponderem ao objeto dos lotes.
Ora o pedido que a recorrente formulou no requerimento inicial do processo cautelar foi o de que fosse decretada providência cautelar consistente na «qualificação provisória da S............ – SEGURANÇA, SA nos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25 e consequente admissão provisória a apresentar proposta nos identificados lotes. E só subsidiariamente requereu a suspensão imediata do identificado concurso.
Sendo que na ação principal peticionou que fosse «anulado o Concurso Limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo-quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança aberto pela ESPAP com fundamento na violação do Princípio da Concorrência» e caso assim não se entenda que «seja anulado o mesmo Concurso com fundamento na ilegalidade do requisito «experiência» estabelecido no artigo 8º do Programa para avaliar a capacidade técnica dos candidatos ou, caso assim se não entenda, seja anulada a deliberação de exclusão dos candidatos proferida pelo Conselho Directivo da ESPAP em 22/04/2014 com fundamento no incumprimento do requisito «experiência» e seja a ESPAP condenada a eliminar tal requisito e a aferir a capacidade técnica dos candidatos com base unicamente no requisito «número de trabalhadores» e ainda, caso assim se não entenda, que «seja anulada a deliberação de exclusão do candidatura da S............ nos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25 proferida pelo Conselho Directivo da ESPAP em 22/04/2014 e, consequentemente, ser a ESPAP condenada a admitir a candidatura da S............ e, consequentemente, a emitir convite para a S............ apresentar proposta para os identificados lotes».
É indubitável reconhecer, como aliás o fez o Mmº Juiz do Tribunal a quo na sentença recorrida, que a recorrente detém legitimidade para o processo principal – o processo de contencioso pré-contratual – possuindo assim, concomitantemente, legitimidade para instaurar processo cautelar no qual vise acautelar os interesses que pretende defender naquele.
Não se vê, no entanto, em que medida se possa considerar ocorrer ilegitimidade parcial, nos termos decididos pelo Mmª Juiz do Tribunal a quo na sentença recorrida. É que a legitimidade processual constitui um requisito (adjetivo) para a apreciação do mérito da ação. O que vale, com as devidas adaptações, para o processo cautelar, sendo que aqui o mérito do pedido a apreciar é da concreta medida (providência) cautelar que vem requerida pela interessada. No caso, o pedido cautelar formulado a título principal foi o de que fosse decretada providência cautelar consistente na qualificação provisória da S............ – SEGURANÇA, SA nos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25. Trata-se, por conseguinte, precisamente dos lotes relativamente aos quais a recorrente não foi qualificada por o júri do concurso ter considerado que esta não cumpria (não demonstrava cumprir), quanto a tais lotes, o requisito de capacidade técnica. É assim evidente que a recorrente possui legitimidade para instaurar processo cautelar visando a decretação da pretendida providência de qualificação provisória quanto aos identificados lotes, que foi o que peticionou a título principal. Como também a possui com vista a decretação da providência cautelar que requereu a título subsidiário: a de suspensão do procedimento pré-contratual.
Na verdade as questões referidas pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo como razões fundamentadoras da ilegitimidade parcial da requerente são atinentes aos fundamentos da pretensão material, integrando assim a causa de pedir. Elas apenas se poderão repercutirão, pois, na apreciação do mérito da pretensão cautelar, influindo na decisão (de mérito) a proferir. O que aliás é evidenciado pelo discurso fundamentador da sentença recorrida nesta parte. Devendo relembrar-se que sendo as providências cautelares medidas provisórias que visam acautelar a utilidade da decisão a proferir na ação principal, as mesmas se encontram sempre sujeitas a um juízo de proporcionalidade e de adequação, devendo circunscrever-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, de molde que o juiz cautelar não se mostra limitado pela concreta providência requerida pelo interessado, podendo (devendo), “adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados, em presença” (cfr. artigo 120º nº 3 do CPTA).
Não pode, pois, perder-se de vista que a aferição da legitimidade ativa para a instauração de um processo cautelar, constitui apenas a averiguação da verificação de um pressuposto processual para que seja possível submeter ao Tribunal a apreciação do mérito da pretensão cautelar. Pressuposto processual que é atinente à qualidade da pessoa (requerente), à posição que ocupa na relação material controvertida e ao interesse (pessoal) que tem em demandar. Razão pela qual, à luz do disposto no artigo 112º nº 1 do CPTA “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos” pode solicitar a adoção da providência ou providências cautelares que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo. Pelo que se não a possuir, a falta do pressuposto processual da legitimidade ativa, obstará ao conhecimento do mérito da pretensão cautelar, conduzindo à absolvição do réu da instância.
Não faz, assim, qualquer sentido, tendo sido feita na sentença recorrida incorreta aplicação do direito, mormente do disposto no artigo 112º nº 1, ex vi do artigo 132º nº 3, e artigos 9º nº e 51º nº 1 alínea a), ex vi do artigo 100º nº 1, todos do CPTA, ao considerar-se ocorrer ilegitimidade parcial da requerente.
O requerente de uma providência cautelar ou é parte legítima ou é parte ilegítima.
Tem, pois, que revogar-se a sentença recorrida, na parte em que que considerou ocorrer ilegitimidade parcial da requerente, e julgar-se a recorrente parte legítima para o processo cautelar.
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2. Da questão de saber se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronuncia, à luz do disposto no artigo 615° nº 1 alínea d) do CPC (conclusões II. a X. e conclusões XLVII. a LII. das alegações de recurso).
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Da decisão recorrida
Na sentença recorrida o Mmº Juiz do Tribunal a quo apreciando o mérito da pretensão cautelar, julgou-a improcedente, por entender não se verificarem os pressupostos dos artigos 132º nº 6 e 120º nº 1 alínea a) do CPTA.
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Da tese da recorrente
Pugna a recorrente que a sentença recorrida é nula, por omissão de pronuncia, à luz do disposto no artigo 615° nº 1 alínea d) do CPC, por não ter apreciado o pedido cautelar formulado a título principal mas apenas o último dos pedidos subsidiários, não ter apreciado a questão da legalidade/ilegalidade do requisito concursal de capacidade técnica designado «experiência», tendo apenas tratado e decidido, quanto à ponderação de interesses, o pedido formulado em segundo lugar, e a título subsidiário, omitindo o conhecimento da ponderação de interesses relativamente ao pedido formulado a título principal (qualificação e a admissão provisória a apresentar proposta nos lotes em que foi excluída), ponderando apenas os interesses em causa decorrentes da paralisação do procedimento pré-contratual e não os efeitos do prosseguimento deste com a qualificação do candidatura/admissão da proposta da S............ (vide conclusões II. a X. e conclusões XLVII. a LII. das alegações de recurso).
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Da análise e apreciação da questão
As situações de nulidade da sentença encontram-se legalmente tipificadas no artigo 615º nº 1 do atual CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (correspondente ao artigo 668º nº 1 do CPC anterior), cuja enumeração é taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos, as de carácter formal (alínea a)) e as respeitantes ao conteúdo da decisão (alíneas b) a e)), neste último grupo se integrando a omissão de pronuncia, dispondo a alínea d) que é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando inserto na primeira parte do nº 2 do artigo 608º do atual CPC (aprovado Lei nº 41/2013), correspondente ao artigo 660º do CPC anterior, de acordo com o qual o juiz “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”. Tal nulidade serve assim de cominação ao desrespeito de tal dever e só ocorre quando o juiz não conheça de questões essenciais para dirimir a lide que as partes tenham submetido à sua apreciação, traduzidas no binómio pedido/causa de pedir e cujo conhecimento não esteja prejudicado pela decisão dada a outras (vide a este respeito, entre outros, os Acórdãos deste TCA de 11/02/2010, Proc. 05531/09 e de 09/07/2009, Proc. 03804/08, in, www.dgsi.pt/jtcas e o Acórdão do STA de 11/02/2009, Proc. 0217/08, in, www.dgsi.pt/jsta).
Trata-se, como diz Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221, do “corolário do princípio da disponibilidade objetiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte)” que “significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.” Acrescentando este autor que “o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa”.
Importando ater que no âmbito de um processo cautelar atinente a procedimento de formação de contrato, a que alude o artigo 132º do CPTA, e em face da sua razão de ser, que é a de permitir, a um tempo em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva consagrado no artigo 268º nº 4 da CRP a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados enquanto não é definitivamente decidida a causa principal, e a outro em concretização das diretivas recursos (concretamente do artigo 2º nº 1 alínea a) da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, na redação dada pela Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007) o de permitir obter, mediante um processo de urgência, a decretação de medidas provisórias, o Tribunal não entra na apreciação definitiva do mérito da ação principal (o processo de contencioso pré-contratual a que alude o artigo 100º do CPTA, igualmente de carater urgente), apenas decide o pedido cautelar, deferindo-o com a decretação da providência ou providências cautelares requeridas, ou decretando outras que sejam adequadas e menos gravoso para os interesses se se encontrarem verificados as respetivas pressupostos previstos no nº 6 do artigo 132º do CPTA, ou indeferindo-o, se assim não for.
Na situação dos autos o Mmº Juiz do Tribunal a quo apreciando o mérito da pretensão cautelar, julgou-a improcedente, por entender não se verificarem os pressupostos dos artigos 132º nº 6 e 120º nº 1 alínea a) do CPTA. E fê-lo com a seguinte fundamentação, que se passa a reproduzir:
O processo cautelar depende da causa principal que tem por objecto a decisão sobre o mérito da questão, podendo ser intentada como preliminar ou como incidente do processo principal [artigo 113-1, do CPTA]. É um processo urgente que tem tramitação autónoma em relação ao processo principal sendo apensado a este [artigo 113-2-3 e 114, do CPTA].
Na acção cautelar, o juízo que, em geral, se pede, é um juízo de probabilidade, de prognose, um juízo perfunctório, reservando para a acção principal um juízo definitivo sobre o mérito.
É claro que, pela maneira longa e de pormenor com que a A. alega e peticiona nestes autos, é difícil o tribunal analisar as questões com a perfunctoriedade que o processo cautelar supõe. Quer dizer, se na acção cautelar tudo se suscitar e tudo se pedir que aprecie, não se estranhe, depois, que o tribunal conheça no processo cautelar em moldes exigidos para a acção principal. Pois a isso é forçado pela deslocação para o processo cautelar das questões próprias do processo principal. Para que não se acuse a omissão de pronúncia.
As providências visam acautelar o pedido da acção principal, ou seja a utilidade da sentença do processo principal, de modo que quando esta for proferida, isto é o quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tomou a decisão totalmente inútil, seja, pelo menos, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis. Com efeito, dispõe o artigo 112-1, do CPTA, que a adopção da providência ou providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, visa assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal [artigo 112-1, CPTA].
Além de outras, as providências cautelares a adoptar podem consistir na suspensão da eficácia de um acto ou de uma norma [artigo 112-2-a), do CPTA]; e, quando esteja em causa a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos relativos à formação de contratos, em corrigir a ilegalidade ou em impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença, podendo incluir a suspensão do procedimento de formação do contrato [artigo 132, do CPTA]. Para tanto, equiparam-se a actos administrativos os actos praticados por sujeitos privados, no âmbito de procedimentos pré-contratuais de direito público. E aplicam-se as regras comuns dos processos cautelares, artigos 112/ss, do CPTA, com ressalva das especialidades referidas neste artigo 132, do CPTA.
Nos termos do artigo 132-6, do CPTA, «Sem prejuízo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 120°, a concessão da providência depende do juízo de probabilidade do tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de ser em lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências » [todos os destaques dos textos legais entre “comas” e outros textos sem ressalva em contrário são sempre nossos].
São estes os critérios da decisão destas providências. O segmento normativo «sem prejuízo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 120°» foi aditado em 2003. O artigo 120-1-a), do CPTA, estabelece que «as providências cautelares são adoptadas: a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifesta mente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente;»
A providência é, deste modo, adoptada quando seja evidente a procedência (fumus boni iuris) do pedido formulado no processo principal. Tal evidência pode resultar da impugnação de um acto que seja: manifestamente ilegal; ou que aplique uma norma já anteriormente anulada; ou idêntico a outro acto já anteriormente anulado, declarado nulo ou inexistente; ou, ainda, resultar de outras circunstâncias similares, pois o critério é exemplificativo, como resulta da expressão «designadamente».
Para que uma situação possa ser tida por evidente deve ser incontroversa [que não admita dúvida] patente [visível sem mais indagações] e irrefragável [irrecusável, incontestável] do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal. Ou, como refere, entre muitos, o Acórdão do TCA-Sul de 05/12/2013, Proc 10508/13 [e 916/13.1BESNT], será evidente a procedência da pretensão do processo principal, quando essa procedência se revela à vista, de forma palmar, grosseira, sem deixar dúvidas nem carecer de estudo ou indagação.
Ora, não é evidente a procedência da acção principal, por não ser também evidente a procedência das razões que a sustentam, ou seja a alegada ilegalidade do artigo 8º do PC, por violação do princípio da concorrência e dos demais alegados vícios.
Prova de que não é evidente é, além do mais, o facto de a Autora ter carecido de uma longa alegação, num conjunto de 241 artigos, só de PI, no esforço de a tentar demonstrar. Mas a ilegalidade e vícios que a A imputa ao artigo 8º do PC radicam nas declarações juntas. Ora, como se anunciou, o pomo da discórdia radica no facto de as declarações apresentadas pela A, para comprovar o requisito exigido pelo artigo 8º do PC, declararem situações que, alegadamente, não são as exigidas por esse normativo concursal.
Então, a Autora em vez de imputar o defeito às declarações que apresentou, imputa o defeito à norma que as exige, e cujo modelo III anexo descreve. Por seu turno, o Júri imputa a deficiência às ditas declarações sobre o requisito da experiência e não à norma do PC que fixou o requisito igual para todos os concorrentes. Resumidas as coisas, a questão é essa.
O Júri do concurso, -- e agora o Réu e as contra-interessadas --, entendeu que as referidas declarações não respeitam a «prestação de serviços de vigilância e segurança», conforme o artigo 1º-2-b), e 8º b) e c), ambos do PC, onde se definiu o objecto do concurso como «serviços de vigilância e segurança humana», e o requisito «experiência em prestações de serviços semelhantes ao objeto do presente concurso na Região(…)[ou «a nível nacional]»; por as declarações apresentadas referem «Prestação de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes» e ainda porque referem várias regiões, ao mesmo tempo tais como «Região Norte, Região Centro, Região de Lisboa e Vale do Tejo, Região do Alentejo e Região do Algarve, Região Autónoma da Madeira:» impossibilitando-o de aferir o cumprimento do valor mínimo obrigatório de € 100.000,00 em cada região a que respeite o respectivo lote.
A Autora alegando que se trata de mera forma como estão “redigidas” as declarações, culpa o artigo 8º do PC e pede a ilegalidade deste, isto é a ilegalidade do requisito por ele exigido, pretendendo, por isso, que se anule o concurso, e se condene o R a eliminar o artigo 8º [o requisito] e a decidir a capacidade exigida com base apenas no outro requisito nele fixado – o «número de trabalhadores».
O próprio modelo de declaração, III anexo, referido no probatório, fala em «Região» e não num conjunto de Regiões, e, por outro lado, o artigo 1º-1- distingue «b) Serviços de vigilância e segurança humana;» dos «c) Serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes;» de «d) Serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes», pelo que as declarações em causa não parecem preencher aquele requisito, como refere a decisão do júri e agora o Réu e os contra-interesados.
Também não nos parece que se possa defender que se trate de excesso de rigor, pois esse rigor objectivo dos concursos visa evitar subjectividades, efeitos perversos, e ajuda a concretizar o princípio da igualdade dos concorrentes, igualdade que constitui um garante da sã concorrência. O requisito do artigo 8º, [e 1º-2-b)], do PC, foi fixado para todos os concorrentes, incluindo os ora contra-interessados, e a própria A o cumpriu, relativamente aos lotes para os quais foi admitida.
Deste modo, além de não ser evidente a procedência da pretensão da acção principal, podemos dizer desde já que existe fumus malus iuris a favor da sua pretensão.
Nos termos do artigo 132-6, 2ªp, CPTA, a concessão da providência depende do juízo de probabilidade do tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências [artigo 132-6, do CPTA].
Num juízo de probabilidade quanto a saber se os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, entende o tribunal que os danos que resultariam da adopção da providência seriam superiores aos danos que resultariam do seu indeferimento; sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências adequadas.
Quanto a esta ponderação, os interesses susceptíveis de ser lesados são não apenas os alegados interesses da A, mas também os dos contra-interessados e o interesse público cujo mister deve ser prosseguido pelo Réu.
A Autora não apresenta números concretos, apenas referindo, em geral, as decorrências de não ser admitida, o alegado facto consumado e que o interesse público não é beliscado. No entanto, a própria Resolução Fundamentada aponta no sentido de que quem fica a perder é o interesse público, em suma o erário do Estado, ficando sem acesso aos Serviços sujeitos a concurso e que teria, afinal, de prolongar, ilegalmente, para além dos 4 anos, os contratos já caducados com os mesmos sujeitos; o que, isso sim, comprometeria a sã concorrência.
Por isso, não se pode concluir, como a A, que não exista dano para o interesse público. Tal danosidade, como refere a Resolução, adviria da suspensão do procedimento concursal que impossibilita obtenção dos serviços, bem como condições mais vantajosas para o erário público, que compete à Administração como entidade adjudicante fixar. Não competindo aos concorrentes fixar ou impor à Administração/Estado o que deve ser mais vantajoso ou não para este, e, por essa via, portanto, os termos do concurso. Por outro lado, é plausível que mais de 500 entidades da administração e do sector empresarial público [tantas são] necessitem de ter ao seu dispor um novo acordo quadro para prestação de serviços de vigilância e segurança, sem efetuar a fragmentação dos procedimentos, com reflexos, na economia e na poupança públicos.
Embora, nem a A nem o R quantifiquem, em concreto, ainda que de forma aproximada os danos, de modo a permitir ao tribunal estabelecer uma comparação, ponderando os efeitos negativos decorrentes do indeferimento, na esfera patrimonial da Autora e os efeitos negativos decorrentes do deferimento das medidas, nas esferas do Réu e dos contra - interessados, e ainda o referido quanto à evidência da pretensão do processo principal, aspecto que não é de somenos importância, bem como as demais repercussões acima referidas, entendemos que deve prevalecer no caso o interesse público.
Por tudo o que vem de ser dito, deve julgar-se improcedente a presente providência cautelar, por não se verificarem os pressupostos do seu decretamento.”
Em face do assim decidido, é com efeito de reconhecer que na sentença o Mmº Juiz do Tribunal a quo procedeu à ponderação dos danos e prejuízos aos interesses em presença a que alude o artigo 132º nº 6 do CPTA como se o pedido cautelar formulado tivesse sido unicamente o da suspensão do procedimento pré-contratual, não tendo assim procedido a tal ponderação por referência ao pedido de decretação de providência cautelar consistente na qualificação provisória da S............ – SEGURANÇA, SA nos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25 e consequente admissão provisória a apresentar proposta nos identificados lotes. Ora, precisamente, a providência cautelar que havia sido requerida pela recorrente na sua Petição Inicial a título principal foi a da sua qualificação provisória nos identificados lotes e consequente admissão provisória a apresentar proposta quanto a eles. E só subsidiariamente requereu a suspensão imediata do identificado concurso. Tem assim que concluir-se que o Mmº Juiz do Tribunal a quo deixou de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa.
Ora se o juiz na sentença cautelar relativa a procedimento de formação de contrato não procede à ponderação dos danos e prejuízos aos interesses em presença a que alude o artigo 132º nº 6 do CPTA por referência à concreta providência cautelar requerida pelo requerente no requerimento inicial a título principal mas apenas por referência àquela que requereu meramente a título subsidiário, omite pronúncia sobre questão que deveria apreciar. É que deixa, assim, de apreciar o pedido cautelar concretamente formulado pelo requerente a título principal e que deveria apreciar e decidir. Foi o que sucedeu na situação dos autos.
Tem assim de concluir-se ocorrer, no caso, nos termos do artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC novo, nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto a tal questão.
Procede, pois, também nesta parte o recurso.
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Nos termos do artigo 149º do CPTA o Tribunal ad quem não se limita em sede de recurso de apelação a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas para o efeito. O que se aferirá a final, após apreciação e decisão das demais questões objeto do presente recurso.
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3. Da questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto (conclusões XI. e XII. das alegações de recurso).
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Da decisão recorrida
O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 14/07/2014 pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo, sentença na qual foi, entre o demais, decidido o mérito da pretensão cautelar, que foi julgado improcedente (não tendo assim sido decretada nem a providência cautelar consistente na qualificação provisória da S............ – SEGURANÇA, SA nos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25 e consequente admissão provisória a apresentar proposta nos identificados lotes que a recorrente havia formulado a título principal, nem a providência cautelar de suspensão do procedimento pré-contratual que a recorrente havia subsidiariamente requerido) e bem assim decidido o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, a que alude o artigo 128º nº 4 CPTA, que havia sido deduzido pela recorrente, o qual foi julgado improcedente.
Tais decisões de improcedência, quer do incidente quer da pretensão cautelar, assentaram na matéria de facto que foi dada como provada na sentença (supra reproduzida) unicamente com base nos elementos documentais constantes do processo, por o Mmº Juiz do Tribunal a quo ter considerado, ao abrigo do artigo 118º nº 3 do CPTA, desnecessária a determinação de quaisquer diligências de prova, mormente a prova testemunhal que havia sido requerida pela recorrente no seu requerimento inicial.
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Da tese da recorrente
Sustenta a recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro quanto ao julgamento da matéria de facto, por terem sido omitidos factos que foram por si alegados e que se mostram provados pela documentação junta aos autos, relevantes para a apreciação dos pedidos cautelares formulados, e respetivas causas de pedir e fundamentais quer para o juízo de ponderação de interesses o que alude o artigo 132º nº 6 do CPTA quer para a decisão do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução.
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Da análise e apreciação da questão
Antes de nos debruçarmos sobre o mérito do recurso dirigido ao julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo importa aferir se a recorrente cumpriu os ónus enunciados no artigo 640º do CPC novo, aplicável nos tribunais administrativos ex vi do artigo 140º do CPTA.
Com efeito, o artigo 640º do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013 (correspondente ao artigo 685º-B do CPC antigo, com algumas alterações), aplicável ex vi do artigo 140º do CPTA, impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto o cumprimento de determinados ónus, sob pena de rejeição do recurso, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento.
Assim, deve o recorrente, em tal caso:
i) especificar os “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (nº 1 alínea a));
ii) especificar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (nº 1 alínea c))
iii) especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (nº 1 alínea a));
iv) no caso de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados, “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, de poder proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alínea a)).
Deste modo, o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser de imediato rejeitado, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento, sempre que o recorrente omita nas respetivas conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto aquelas indicações. No que constitui, como refere António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 134 ss., uma maior exigência no que respeita à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, aos recorrentes, regras muito específicas para a sua admissibilidade, e que é compreensível, a um tempo, por a pretensão de modificação do julgamento da matéria de facto, feito na 1ª instância, ser dirigida a tribunal de recurso que não intermediou na produção da prova, e a outro, como contraponto da reivindicação da atribuição aos tribunais de 2ª instância de efetivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, gerando assim um dever de autorresponsabilidade das partes, impedindo que impugnação genérica, vaga ou imprecisa do julgamento da matéria de facto feito pela 1ª instância (vide, ainda, a este respeito, Ana Luísa Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”, em Estudos em Homenagem ao Prof. José Lebre de Freitas, Vol. I, págs. 589 ss.).
Assim sendo, antes de nos debruçarmos sobre o mérito do recurso dirigido ao julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo importa aferir se a recorrente cumpriu tais ónus.
Vejamos.
Da leitura das conclusões XI. e XII. das alegações de recurso da recorrente emerge que esta sustenta que a sentença recorrida incorreu em erro quanto ao julgamento da matéria de facto, por terem sido omitidos factos que foram por si alegados e que se mostram provados pela documentação junta aos autos, relevantes para a apreciação dos pedidos cautelares formulados, e respetivas causas de pedir e fundamentais quer para o juízo de ponderação de interesses o que alude o artigo 132º nº 6 do CPTA quer para a decisão do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução.
Porém, não cumpriu a recorrente o ónus de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, nem o ónus de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham, na sua perspetiva, uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Na verdade a recorrente apenas invoca, genericamente, que foram na sentença recorrida omitidos factos que foram por si alegados e que se mostram provados pela documentação junta aos autos.
Tem, pois, que rejeitar-se o recurso no que tange à impugnação da matéria de facto. O que se decide. Não se conhecendo, por conseguinte, do recurso, nesta parte.
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4. Da questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não julgar verificado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do Art.º 120º do CPTA (conclusões XXIV. a XLVI. das alegações de recurso).
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Da decisão recorrida
Na sentença recorrida o Mmº Juiz do Tribunal a quo apreciando o mérito da pretensão cautelar, julgou-a improcedente, por entender não se verificarem os pressupostos dos artigos 132º nº 6 e 120º nº 1 alínea a) do CPTA.
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Da tese da recorrente
Sustenta a recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não julgar verificado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do Art.º 120º do CPTA, por ser manifesta a ilegalidade da sua exclusão, por três vícios de violação de lei: por violação do Principio da Concorrência por total frustração dos objetivos estabelecidos no artigo 26º do Programa do Concurso para a celebração do acordo quadro; por ilegalidade do requisito «experiência» por violação do Art.º 165º n.º 1e 5 do CCP, dos Princípios da igualdade e do Principio da concorrência e por ser desproporcionado não correspondendo a qualquer interesse atendível relacionado com o contrato a celebrar; por ilegalidade da deliberação de exclusão pelos motivos em que assenta, por o júri não ter feito uma averiguação material mas puramente formal, não encontrando os motivos apontados pelo júri apoio nas regras concursais, com violação do artigo 178º n.º 2 do CCP, devendo o júri ter solicitado esclarecimentos à S............ e não exclui-la automaticamente, sendo assim a sua exclusão é manifestamente ilegal porque violadora do Programa, designadamente do seu anexo IlI e do Princípio da transparência, da igualdade e da concorrência, e da proporcionalidade (vide conclusões XXIV. a XLVI. das alegações de recurso).
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Da análise e apreciação da questão
Na sentença recorrida o Mmº Juiz do Tribunal a quo apreciando o mérito da pretensão cautelar, julgou-a improcedente, por entender não se verificarem os pressupostos dos artigos 132º nº 6 e 120º nº 1 alínea a) do CPTA. E fê-lo com a seguinte fundamentação, que se passa a reproduzir, no que releva para a apreciação do presente recurso, nesta parte:
O processo cautelar depende da causa principal que tem por objecto a decisão sobre o mérito da questão, podendo ser intentada como preliminar ou como incidente do processo principal [artigo 113-1, do CPTA]. É um processo urgente que tem tramitação autónoma em relação ao processo principal sendo apensado a este [artigo 113-2-3 e 114, do CPTA].
Na acção cautelar, o juízo que, em geral, se pede, é um juízo de probabilidade, de prognose, um juízo perfunctório, reservando para a acção principal um juízo definitivo sobre o mérito.
É claro que, pela maneira longa e de pormenor com que a A. alega e peticiona nestes autos, é difícil o tribunal analisar as questões com a perfunctoriedade que o processo cautelar supõe. Quer dizer, se na acção cautelar tudo se suscitar e tudo se pedir que aprecie, não se estranhe, depois, que o tribunal conheça no processo cautelar em moldes exigidos para a acção principal. Pois a isso é forçado pela deslocação para o processo cautelar das questões próprias do processo principal. Para que não se acuse a omissão de pronúncia.
As providências visam acautelar o pedido da acção principal, ou seja a utilidade da sentença do processo principal, de modo que quando esta for proferida, isto é o quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tomou a decisão totalmente inútil, seja, pelo menos, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis. Com efeito, dispõe o artigo 112-1, do CPTA, que a adopção da providência ou providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, visa assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal [artigo 112-1, CPTA].
Além de outras, as providências cautelares a adoptar podem consistir na suspensão da eficácia de um acto ou de uma norma [artigo 112-2-a), do CPTA]; e, quando esteja em causa a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos relativos à formação de contratos, em corrigir a ilegalidade ou em impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença, podendo incluir a suspensão do procedimento de formação do contrato [artigo 132, do CPTA]. Para tanto, equiparam-se a actos administrativos os actos praticados por sujeitos privados, no âmbito de procedimentos pré-contratuais de direito público. E aplicam-se as regras comuns dos processos cautelares, artigos 112/ss, do CPTA, com ressalva das especialidades referidas neste artigo 132, do CPTA.
Nos termos do artigo 132-6, do CPTA, «Sem prejuízo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 120°, a concessão da providência depende do juízo de probabilidade do tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de ser em lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências » [todos os destaques dos textos legais entre “comas” e outros textos sem ressalva em contrário são sempre nossos].
São estes os critérios da decisão destas providências. O segmento normativo «sem prejuízo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 120°» foi aditado em 2003. O artigo 120-1-a), do CPTA, estabelece que «as providências cautelares são adoptadas: a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifesta mente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente;»
A providência é, deste modo, adoptada quando seja evidente a procedência (fumus boni iuris) do pedido formulado no processo principal. Tal evidência pode resultar da impugnação de um acto que seja: manifestamente ilegal; ou que aplique uma norma já anteriormente anulada; ou idêntico a outro acto já anteriormente anulado, declarado nulo ou inexistente; ou, ainda, resultar de outras circunstâncias similares, pois o critério é exemplificativo, como resulta da expressão «designadamente».
Para que uma situação possa ser tida por evidente deve ser incontroversa [que não admita dúvida] patente [visível sem mais indagações] e irrefragável [irrecusável, incontestável] do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal. Ou, como refere, entre muitos, o Acórdão do TCA-Sul de 05/12/2013, Proc 10508/13 [e 916/13.1BESNT], será evidente a procedência da pretensão do processo principal, quando essa procedência se revela à vista, de forma palmar, grosseira, sem deixar dúvidas nem carecer de estudo ou indagação.
Ora, não é evidente a procedência da acção principal, por não ser também evidente a procedência das razões que a sustentam, ou seja a alegada ilegalidade do artigo 8º do PC, por violação do princípio da concorrência e dos demais alegados vícios.
Prova de que não é evidente é, além do mais, o facto de a Autora ter carecido de uma longa alegação, num conjunto de 241 artigos, só de PI, no esforço de a tentar demonstrar. Mas a ilegalidade e vícios que a A imputa ao artigo 8º do PC radicam nas declarações juntas. Ora, como se anunciou, o pomo da discórdia radica no facto de as declarações apresentadas pela A, para comprovar o requisito exigido pelo artigo 8º do PC, declararem situações que, alegadamente, não são as exigidas por esse normativo concursal.
Então, a Autora em vez de imputar o defeito às declarações que apresentou, imputa o defeito à norma que as exige, e cujo modelo III anexo descreve. Por seu turno, o Júri imputa a deficiência às ditas declarações sobre o requisito da experiência e não à norma do PC que fixou o requisito igual para todos os concorrentes. Resumidas as coisas, a questão é essa.
O Júri do concurso, -- e agora o Réu e as contra-interessadas --, entendeu que as referidas declarações não respeitam a «prestação de serviços de vigilância e segurança», conforme o artigo 1º-2-b), e 8º b) e c), ambos do PC, onde se definiu o objecto do concurso como «serviços de vigilância e segurança humana», e o requisito «experiência em prestações de serviços semelhantes ao objeto do presente concurso na Região(…)[ou «a nível nacional]»; por as declarações apresentadas referem «Prestação de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes» e ainda porque referem várias regiões, ao mesmo tempo tais como «Região Norte, Região Centro, Região de Lisboa e Vale do Tejo, Região do Alentejo e Região do Algarve, Região Autónoma da Madeira:» impossibilitando-o de aferir o cumprimento do valor mínimo obrigatório de € 100.000,00 em cada região a que respeite o respectivo lote.
A Autora alegando que se trata de mera forma como estão “redigidas” as declarações, culpa o artigo 8º do PC e pede a ilegalidade deste, isto é a ilegalidade do requisito por ele exigido, pretendendo, por isso, que se anule o concurso, e se condene o R a eliminar o artigo 8º [o requisito] e a decidir a capacidade exigida com base apenas no outro requisito nele fixado – o «número de trabalhadores».
O próprio modelo de declaração, III anexo, referido no probatório, fala em «Região» e não num conjunto de Regiões, e, por outro lado, o artigo 1º-1- distingue «b) Serviços de vigilância e segurança humana;» dos «c) Serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes;» de «d) Serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes», pelo que as declarações em causa não parecem preencher aquele requisito, como refere a decisão do júri e agora o Réu e os contra-interesados.
Também não nos parece que se possa defender que se trate de excesso de rigor, pois esse rigor objectivo dos concursos visa evitar subjectividades, efeitos perversos, e ajuda a concretizar o princípio da igualdade dos concorrentes, igualdade que constitui um garante da sã concorrência. O requisito do artigo 8º, [e 1º-2-b)], do PC, foi fixado para todos os concorrentes, incluindo os ora contra-interessados, e a própria A o cumpriu, relativamente aos lotes para os quais foi admitida.
Deste modo, além de não ser evidente a procedência da pretensão da acção principal, podemos dizer desde já que existe fumus malus iuris a favor da sua pretensão.”
No âmbito de um processo cautelar atinente a procedimento de formação de contrato, a que alude o artigo 132º do CPTA, que é aquele em que no encontramos, e em face da sua razão de ser, que é a de permitir, a um tempo em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva consagrado no artigo 268º nº 4 da CRP a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados enquanto não é definitivamente decidida a causa principal, e a outro em concretização das diretivas recursos (concretamente do artigo 2º nº 1 alínea a) da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, na redação dada pela Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007) o de permitir obter, mediante um processo de urgência, a decretação de medidas provisórias, o Tribunal não entra na apreciação definitiva do mérito da ação principal (o processo de contencioso pré-contratual a que alude o artigo 100º do CPTA, igualmente de carater urgente). O Tribunal apenas decide o pedido cautelar, deferindo-o com a decretação da providência ou providências cautelares requeridas, ou decretando outras que sejam adequadas e menos gravoso para os interesses se se encontrarem verificados os respetivos pressupostos previstos no nº 6 do artigo 132º do CPTA, ou indeferindo-o, se assim não for.
De acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, aplicável nos pedidos cautelares atinentes a procedimentos de formação de contrato por força do disposto na primeira parte do nº 6 do artigo 132º do mesmo Código, o que há a fazer é apreciar se as invocadas causas de invalidade são flagrantes, ostensivas ou evidentes. Sendo que a evidência da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal (o processo de contencioso pré-contratual previsto no artigo 100º ss. do CPTA) deve resultar de forma inequívoca, sem qualquer esforço exegético, designadamente podendo ser facilmente constatada pela simples leitura da petição (neste sentido, entre outros, o Acórdão deste TCA de 06/02/2014, Proc. 10745/13, in www.dgsi.pt/jtcas, e o Acórdãos do TCA-Norte de 09/11/2006, Proc. nº 146/056.1BEPRT-A, in www.dgsi.pt/jtcan, e bem assim Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, página 60).
Assim sendo, não se impõe ao juiz cautelar que tome expressa posição sobre todas e cada uma das causas de invalidade que sejam assacadas aos atos do procedimento pré-contratual em causa. O que se exige ao juiz cautelar no âmbito do juízo sobre a verificação dos pressupostos para a concessão da providência no que respeita especificamente à alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA é que afira se resulta de forma evidente, explícita e inequívoca a procedência da ação principal, a qual deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações. Sentido a que nos conduzem os próprios exemplos que o legislador ali dá, apontando ademais para uma aplicação restritiva deste preceito.
Sustenta a recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não julgar verificado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do Art.º 120º do CPTA, por ser manifesta a ilegalidade da sua exclusão, por três vícios de violação de lei: por violação do Principio da Concorrência por total frustração dos objetivos estabelecidos no artigo 26º do Programa do Concurso para a celebração do acordo quadro; por ilegalidade do requisito «experiência» por violação do Art.º 165º n.º 1e 5 do CCP, dos Princípios da igualdade e do Principio da concorrência e por ser desproporcionado não correspondendo a qualquer interesse atendível relacionado com o contrato a celebrar; por ilegalidade da deliberação de exclusão pelos motivos em que assenta, por o júri não ter feito uma averiguação material mas puramente formal, não encontrando os motivos apontados pelo júri apoio nas regras concursais, com violação do artigo 178º n.º 2 do CCP, devendo o júri ter solicitado esclarecimentos à S............ e não exclui-la automaticamente, sendo assim a sua exclusão é manifestamente ilegal porque violadora do Programa, designadamente do seu anexo IlI e do Princípio da transparência, da igualdade e da concorrência, e da proporcionalidade.
Porém, as alegações feitas pela recorrente no processo cautelar a tal respeito não revelam qualquer evidência de procedimento da ação principal. Com efeito não resulta manifesto, ostensivo ou evidente que se verifique qualquer das causas de invalidade apontadas e que com base nelas (qualquer uma delas) venha a ser julgada procedente qualquer dos pedidos formulados na ação principal (o competente processo de contencioso pré-contratual). Sendo que na ação principal (instaurada simultaneamente com o processo cautelar) a recorrente peticionou que fosse «anulado o Concurso Limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo-quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança aberto pela ESPAP com fundamento na violação do Princípio da Concorrência» e caso assim não se entenda que «seja anulado o mesmo Concurso com fundamento na ilegalidade do requisito «experiência» estabelecido no artigo 8º do Programa para avaliar a capacidade técnica dos candidatos ou, caso assim se não entenda, seja anulada a deliberação de exclusão dos candidatos proferida pelo Conselho Directivo da ESPAP em 22/04/2014 com fundamento no incumprimento do requisito «experiência» e seja a ESPAP condenada a eliminar tal requisito e a aferir a capacidade técnica dos candidatos com base unicamente no requisito «número de trabalhadores» e ainda, caso assim se não entenda, que «seja anulada a deliberação de exclusão do candidatura da S............ nos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25 proferida pelo Conselho Directivo da ESPAP em 22/04/2014 e, consequentemente, ser a ESPAP condenada a admitir a candidatura da S............ e, consequentemente, a emitir convite para a S............ apresentar proposta para os identificados lotes».
E é por se entender que as alegações feitas pela recorrente no processo cautelar não revelarem ser manifesto, ostensivo ou evidente que se verifique qualquer das causas de invalidade apontadas e que com base nelas (qualquer uma delas) seja evidente que venha a ser julgado procedente qualquer um dos pedidos formulados na ação principal (seja o formulado a título principal sejas os formulados a título subsidiário), que deve considerar-se não verificado o pressuposto da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
Mantém-se pois, o juízo feito na sentença recorrida, ainda que com distinto fundamento, de que não se mostra verificado o pressuposto da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, improcedendo, nesta parte, o recurso.
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5. Da questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à ponderação dos interesses em jogo, com violação do disposto no n.º 6 do Art.º 132º do CPTA (conclusões LIII. a LXI. das alegações de recurso).
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Da decisão recorrida
Na sentença recorrida o Mmº Juiz do Tribunal a quo apreciando o mérito da pretensão cautelar, julgou-a improcedente, por entender não se verificarem os pressupostos do artigo 132º nº 6, 2ª parte do CPTA.
E fê-lo com a seguinte fundamentação, que se passa a reproduzir, no que releva para a apreciação do presente recurso, nesta parte:
“Nos termos do artigo 132-6, 2ªp, CPTA, a concessão da providência depende do juízo de probabilidade do tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências [artigo 132-6, do CPTA].
Num juízo de probabilidade quanto a saber se os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, entende o tribunal que os danos que resultariam da adopção da providência seriam superiores aos danos que resultariam do seu indeferimento; sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências adequadas.
Quanto a esta ponderação, os interesses susceptíveis de ser lesados são não apenas os alegados interesses da A, mas também os dos contra-interessados e o interesse público cujo mister deve ser prosseguido pelo Réu.
A Autora não apresenta números concretos, apenas referindo, em geral, as decorrências de não ser admitida, o alegado facto consumado e que o interesse público não é beliscado. No entanto, a própria Resolução Fundamentada aponta no sentido de que quem fica a perder é o interesse público, em suma o erário do Estado, ficando sem acesso aos Serviços sujeitos a concurso e que teria, afinal, de prolongar, ilegalmente, para além dos 4 anos, os contratos já caducados com os mesmos sujeitos; o que, isso sim, comprometeria a sã concorrência.
Por isso, não se pode concluir, como a A, que não exista dano para o interesse público. Tal danosidade, como refere a Resolução, adviria da suspensão do procedimento concursal que impossibilita obtenção dos serviços, bem como condições mais vantajosas para o erário público, que compete à Administração como entidade adjudicante fixar. Não competindo aos concorrentes fixar ou impor à Administração/Estado o que deve ser mais vantajoso ou não para este, e, por essa via, portanto, os termos do concurso. Por outro lado, é plausível que mais de 500 entidades da administração e do sector empresarial público [tantas são] necessitem de ter ao seu dispor um novo acordo quadro para prestação de serviços de vigilância e segurança, sem efetuar a fragmentação dos procedimentos, com reflexos, na economia e na poupança públicos.
Embora, nem a A nem o R quantifiquem, em concreto, ainda que de forma aproximada os danos, de modo a permitir ao tribunal estabelecer uma comparação, ponderando os efeitos negativos decorrentes do indeferimento, na esfera patrimonial da Autora e os efeitos negativos decorrentes do deferimento das medidas, nas esferas do Réu e dos contra - interessados, e ainda o referido quanto à evidência da pretensão do processo principal, aspecto que não é de somenos importância, bem como as demais repercussões acima referidas, entendemos que deve prevalecer no caso o interesse público.
Por tudo o que vem de ser dito, deve julgar-se improcedente a presente providência cautelar, por não se verificarem os pressupostos do seu decretamento.”.
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Da tese da recorrente
Pugna a recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à ponderação dos interesses em jogo em caso de suspensão do procedimento, ao desconsiderar que os contratos celebrados ao abrigo do Acordo Quadro VS 2010 se mantêm em vigor durante os prazos de duração aí previstos, e ainda que estes ultrapassem a vigência de tal Acordo Quadro, podendo e devendo seguir os seus normais trâmites até à celebração dos correspondentes contratos, nada impedindo que estes sejam integralmente executados, pelo que a suspensão do procedimento não impediria a aquisição dos serviços nem determinaria um qualquer prolongamento ilegal de contratos caducados, e ao considerar necessário a celebração de um novo acordo quadro para assegurar a economia e poupança públicas por da celebração do acordo quadro visado pelo CLPQ AQ-VS-2013 decorrer um importante aumento do preço máximo que os co­contratantes podem propor nos procedimentos de aquisição de serviço a serem lançados ao abrigo daquele; e ainda por ter desconsiderado os interesses da recorrente pela circunstância de os danos da mesma serem ilíquidos, por o Tribunal estar obrigado a ponderar todos os danos, quer sejam líquidos quer sejam ilíquidos, e se assim que deve ter-se por verificados os pressupostos previstos no n.º 6 do Art.º 132º do CPTA para a adoção das providências cautelares requeridas por a improcedência do pedido cautelar formulado a título principal e posteriormente ampliado terá como consequência o prosseguimento do concurso sem a participação da Recorrente e a consequente não celebração do acordo-quadro com a mesma, ficando a mesma irreversivelmente impedida, com o início da sua vigência e durante 4 anos, de aceder ao mercado, sofrendo avultados prejuízos, resultantes da não prestação de serviços a um universo, de grande dimensão, de entidades públicas, vinculadas e voluntárias, e, por conseguinte, se ao decidir em sentido contrário, a sentença recorrida violou o disposto no n.º 6 do Art.º 132º do CPTA (vide conclusões LIII. a LXI. das alegações de recurso)
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Da análise e apreciação da questão
A presente questão, tal como vem colocada a este Tribunal pela recorrente (vide conclusões LIII. a LXI. das alegações de recurso) é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à ponderação dos interesses em jogo, com violação da 2ª parte do nº 6 do artigo 132º do CPTA por referência à requerida providência cautelar de suspensão do procedimento pré-contratual em causa. O que cumpre apreciar.
Sendo que concomitantemente, e em face do decidido supra (vide III-B.2.) no sentido de incorrer a sentença recorrida em nulidade por omissão de pronuncia (cfr. artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC), por não ter nela o Mmº Juiz do Tribunal a quo procedido à ponderação dos danos e prejuízos aos interesses em presença a que alude o artigo 132º nº 6 do CPTA por referência à concreta providência cautelar de qualificação provisória e admissão provisória requerida pela requerente a título principal, incumbe ainda, nos termos do artigo 149º do CPTA proceder a tal ponderação.
O que se fará com base na matéria de facto apurada nos autos, que se encontra fixada tal como vertida supra (vide III-A), atenta a decisão de rejeição do recurso quanto ao julgamento da matéria de facto (vide III-B.3.).
Vejamos, então.
De harmonia com a disposição inserta na segunda parte do nº 6 do artigo 132º do CPTA, a providência cautelar relativa a procedimento de formação de contrato depende do “juízo de probabilidade quanto a saber se, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adoção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adoção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de outras providências”.
Temos assim que os requisitos previstos no artigo 132º nº 6, 2ª parte do CPTA, de cuja apreciação depende a concessão de providências cautelar relativas a procedimentos de formação de contratos (quanto não se verifique a situação prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, para que remete a primeira parte do nº 6 do artigo 132º do CPTA), assentam numa ponderação semelhante à que se encontra prevista no artigo 120º nº 2 do mesmo Código (dispositivo de acordo com o qual a adoção da providência ou das providências será recusada quando, “devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências).
Sendo, por conseguinte, de excluir, neste âmbito, os critérios decisórios definidos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 120º CPTA. Cuja aplicação é, ademais, afastada também de modo a assegurar a adequada transposição para a ordem jurídica interna das diretivas comunitárias 89/665/CEE e 92/13/CEE, usualmente denominadas de diretivas recursos ou diretivas meios contenciosos (concretamente do artigo 2º nº 1 alínea a) da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, na redação dada pela Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007).
Mas a ponderação a que alude a 2ª parte do nº 6 do artigo 132º do CPTA não se subsume, tal como aliás a prevista no nº 2 do artigo 120º, num sopesar do interesse público face ao interesse privado. O que está em conflito e deve ser ponderado para efeitos de saber se deve ou não ser decretada uma medida provisória são os resultados ou os prejuízos que podem resultar da concessão ou da recusa da concessão para os interesses envolvidos, quer públicos quer privados.
Temos que, assim, à luz do disposto na 2ª parte do nº 6 do artigo 132º do CPTA não cabe ponderar os valores ou interesses entre si, mas sim os danos ou prejuízos reais que num juízo de prognose relativa ao tempo previsível da duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da medida cautelar (vide, entre outros, a este respeito, José Carlos Vieira de Andrade, inA Justiça Administrativa (Lições)”, Almedina, Coimbra, 5ª Edição, Fevereiro 2004, pp. 329 a 331).
Relembremos ainda que o procedimento pré-contratual em causa foi lançado sob a forma de concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo-quadro visando a regulação da prestação (i) de serviços de consultadoria para a realização de estudos e planos de segurança; (ii) de serviços de vigilância e segurança humana; iii) serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes e (iv) de serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes. Acordo-quadro que compreende os seguintes lotes:
- Serviços de consultadoria: lote 1;
- Serviços de vigilância e segurança humana: lotes 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9;
- Serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes a recorrente apresentou candidatura: lotes 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17;
- Serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes: 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25.
Sendo o seguinte o âmbito geográfico de cada um daqueles lotes:
- a totalidade do território nacional: lotes 1, 9, 17 e 25;
- regiões definidas pelo Nível II das Unidades Territoriais para fins Estatísticos (NUTS II): lotes 2 a 8, 10 a 16 e 18 a 24.
Ressaltando do probatório que a recorrente candidatou-se aos lotes 2 a 6, 8, 9, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25, mas que apenas foi qualificada para os lotes 2 a 6, 9 e 25, não ficando qualificada no que tange aos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22 e 24, ao abrigo do disposto na alínea l) do nº 2 do artigo 184º do CCP, por o júri do concurso ter considerado que a recorrente não comprovou a sua capacidade técnica exigida no artigo 8º alínea b) do Programa do Concurso no que respeita a tais lotes («experiência em prestações de serviços semelhantes ao objeto do presente concurso na Região correspondente ao lote a que se candidata por um valor mínimo de € 100.000,00, a pelo menos um cliente institucional ou empresarial e desde que os serviços tenham sido contratados entre 1 de Janeiro de 2012 e 31 de Dezembro de 2012»), por o objeto das declarações por si apresentadas destinadas a tal efeito não corresponderem ao objeto dos lotes.
De harmonia com o disposto no artigo 251º do CCP acordo-quadro é “o contrato celebrado entre uma ou várias entidades adjudicantes e uma ou mais entidade, com vista a disciplinar relações contratuais futuras a estabelecer ao longo de um determinado período de tempo, mediante a fixação antecipada dos respetivos termos”. O objetivo do acordo-quadro é assim, à luz, aliás, das diretivas comunitárias nº 2004/17/CE (artigo 1º nº 4) e nº 2004/18/CE (artigo 1º nº 5) o de selecionar um determinado número de empresas que serão ulteriormente consultadas, quando surgir a necessidade de celebrar certos contratos, com vista a, em termos de concorrência entre elas, se proceder à respetiva adjudicação. Trata-se então de um acordo sobre contratos a celebrar ulteriormente, de um pré-contrato cujo objeto essencial reside na definição das modalidades de intervenção ulterior das partes em função do compromisso inicial, definindo, em certos parâmetros, o conteúdo dos contratos ulteriores (cfr. artigos 257º nº 2, 258º e 259º do CCP). Sendo certo que só podem celebrar os ulteriores contratos ao abrigo de um acordo-quadro as partes nesse mesmo acordo-quadro (cfr. artigo 257º nº 1 do CCP).
Ora na circunstância dos autos é de concluir, em face da factualidade dada como provada, e num juízo de prognose, que a suspensão do procedimento pré-contratual em curso até à decisão definitiva da ação principal causa danos superiores aos interesses públicos e provados em presença: o interesse da entidade adjudicante, em prosseguir o procedimento, com vista às posteriores adjudicações de serviços a efetuar nas melhores condições económico-financeiras, ao abrigo do acordo-quadro, no próximo período de 2 anos, para o qual o mesmo se encontra estabelecido, prorrogável por períodos de 1 ano até ao máximo de 4 anos (cfr. artigo 3º do Caderno de Encargos – vide III-A.5.), e o interesse das empresas contrainteressadas, que foram qualificadas para o mesmo (de entre as 15 que concorreram, nos termos elencados em 6. supra dos factos dados como provados – vide III-A), mormente para os lotes relativamente aos quais a recorrente não foi qualificada, em poderem apresentar propostas e prestarem os respetivos serviços em caso de adjudicação, obtendo, assim, o pagamento do correspondente preço. Sendo certo que na esfera da recorrente os efeitos negativos decorrentes da não suspensão do procedimento pré-contratual implicarão, apenas, pela manutenção dos efeitos da sua não qualificação nos identificados lotes, que esta não possa vir a apresentar propostas, quanto a eles, vendo assim impedida a possibilidade (eventual e incerta) de poder prestar os correspondentes serviços que lhe pudessem vir a ser adjudicados no período de vigência do acordo-quadro à luz dos respetivos critérios de adjudicação previstos no artigo 27º Programa do Concurso (o do preço mais baixo, para os lotes 1 e 10 a 17, e o da proposta economicamente mais vantajosa, para os lotes 2 a 9 e 18 a 25cfr. 3. da factualidade dada como provada – vide II-B.3 supra).
E é por tal razão, e com estes fundamentos, que deve manter-se a decisão recorrida na parte em que considerou não verificado o requisito previsto na 2ª parte do nº 6 do artigo 132º do CPTA, por referência ao pedido de suspensão do procedimento pré-contratual.
Mas será assim no que respeita ao pedido de decretação de providência cautelar de qualificação (provisória) da recorrente para os lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25, relativamente aos quais não foi qualificada?
A recorrente invocou na petição cautelar, a tal respeito, que se não for decretada a pretendida providência não poderá apresentar proposta relativamente a tais lotes nas condições concorrenciais que existem atualmente, por a partir de 29/05/2014, data limite para a apresentação das propostas pelas concorrentes qualificadas, passarem a ser conhecidos os preços propostos, inviabilizando a realização de nova fase de apresentação das propostas nas condições atualmente existentes, caso venha a obter ganho da causa principal (vide os artigos 224º a 232º do seu requerimento inicial), sustentando, em sede do presente recurso, que caso não seja decretada a providência se vê impossibilitada de aceder ao mercado durante o período de 4 anos, de vigência do acordo-quadro, sofrendo avultados prejuízos, resultantes da não prestação de serviços a um universo de grande dimensão.
Ora não se pode olvidar a finalidade da tutela cautelar, mormente no âmbito de procedimentos de formação de contratos, como é o caso, e os termos em que se encontram legalmente estabelecidos os respetivos critérios decisórios (cfr. nº 6 do artigo 132º do CPTA). De modo que só é de decretar a providência se for de considerar, num juízo de probabilidade, que os prejuízos que poderão resultar da sua não adoção forem superiores aos prejuízos que poderão resultar da sua adoção.
Na situação dos autos temos que a recusa da pretendida providência (consistente na qualificação provisória da recorrente para os lotes em causa), com manutenção dos efeitos da decisão do júri de não qualificação da recorrente para aqueles lotes, implicará com efeito, na esfera da recorrente, a sua impossibilidade de submeter propostas para adjudicação das respetivas prestações de serviços naqueles lotes enquanto não for definitivamente decidida a ação principal.
E que a decretação da providência, com a qualificação (provisória) da requerente, a recorrente poderá submeter a apreciação as suas propostas àqueles lotes contemporaneamente com as demais concorrentes admitidas.
Mas então qual é o efeito (útil) da decretação da medida cautelar de qualificação provisória no procedimento? Poderá a entidade pública adjudicar as prestações de serviços objeto dos lotes em causa às propostas mais vantajosas (de acordo com os critérios adjudicação previstos no Programa do Concurso) e celebrar respetivos contratos, iniciando-se a sua execução? Mormente à recorrente, se for o caso?
Não cremos. Sendo certo que a adjudicação e celebração dos respetivos contratos tem sempre efeitos concretos e reais, que não poderão ser apagados relativamente aos já produzidos, mormente no que tange à iniciada execução dos contratos.
Prosseguindo o procedimento, com a qualificação provisória da recorrente, caso as propostas da recorrente viessem a ser as mais vantajosas, os seus prejuízos só seriam salvaguardados com a efetiva adjudicação, a ela, de tais serviços. E, se o não forem, não haveria prejuízos dela a salvaguardar. Ora não é possível adjudicar provisoriamente nem celebrar provisoriamente os respetivos contratos, já que, como se disse, a adjudicação e celebração dos respetivos contratos tem sempre efeitos efetivos, mormente no que tange à execução dos contratos, que não poderão ser apagados relativamente aos já produzidos. Temos assim que a tutela dos prejuízos que a recorrente quer salvaguardar, nos termos por si pretendidos, até que seja definitivamente decidida a ação principal, implicaria sempre a paragem do procedimento (ainda que numa fase ulterior), impedindo a entidade pública de proceder à adjudicação e celebração dos contratos.
Pelo que valem aqui as mesmas razões que conduziram a concluir-se não haver causa justificativa, à luz do juízo de ponderação previsto na 2ª parte do nº 6 do artigo 132º do CPTA, para decretar a providência cautelar de suspensão do procedimento. Não sendo de concluir que os prejuízos que podem resultar da não adoção da providência requerida possam ser superiores aos decorrentes da sua concessão, não podendo ser evitados ou atenuados, uns ou outros, por outras providências cautelares.
E assim sendo, feita a ponderação dos danos e prejuízos aos interesses em presença a que alude a 2ª parte do nº 6 do artigo 132º do CPTA por referência à providência cautelar de qualificação provisória e admissão provisória concretamente requerida pela requerente a título principal, tem de considerar-se não verificados os pressupostos para a sua concessão.
O que se decide.
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E em face do decidido, não se verificando, no caso, as condições de que o nº 6 do artigo 132º do CPTA faz depender a possibilidade de ser decretada qualquer das providências cautelares concretamente requeridas pela recorrente, quer a formulada a título principal (qualificação provisória), quer a formulada título subsidiário (suspensão do procedimento), tem que manter-se, com os fundamentos vertidos supra, a decisão de improcedência do processo cautelar.
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6. Da questão de saber se na parte em que foi julgada improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento (conclusões LXII. a LXX. das alegações de recurso).
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Da decisão recorrida
Na sentença recorrida foi decidido pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, a que alude o artigo 128º nº 4 CPTA, que havia sido deduzido pela recorrente, o qual foi julgado improcedente.
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Da tese da recorrente
Pugna a recorrente que o Tribunal a quo errou ao julgar improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução, com violação do artigo 128º n.º 1 do CPTA, sustentando que a recorrida ESPAP, IP se limita na resolução fundamentada a efetuar considerações genéricas sem nunca alegar ou demonstrar quaisquer prejuízos concretos; que a resolução fundamentada não está sustentada nos efeitos que poderão ser causados pela paralisação do ato suspendendo (do procedimento), pois o que está em causa nestes autos não é a suspensão de eficácia de qualquer acordo quadro em vigor; que não foi a interposição do processo cautelar que determinou qualquer impossibilidade de execução de um acordo quadro que estivesse em vigor; que não foi també, a interposição do processo cautelar que, de alguma forma, atrasou o início do procedimento pré-contratual que lhe deu causa e que assim o Tribunal a quo deveria ter concluído pela improcedência das razões invocadas na resolução fundamentada em vez de atribuir relevância, como atribuiu, à inexistência de acordo quadro; que o tribunal a quo recebeu acriticamente as razões constante da Resolução fundamentada, quando as mesmas são manifestamente improcedentes como a Requerente demonstrou à saciedade com a documentação carreada para os presentes autos e que assim o Tribunal a quo devia ter concluído que o diferimento da execução não é gravemente prejudicial para o interesse público e decidido no sentido da procedência do incidente.
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Da análise e apreciação da questão
A Petição Inicial do presente processo cautelar deu entrada em juízo 22/05/2014. Nela a recorrente peticionou que fosse decretada providência cautelar consistente na qualificação provisória da S............ – SEGURANÇA, SA nos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25 e consequente admissão provisória a apresentar proposta nos identificados lotes, e subsidiariamente, a suspensão imediata do concurso em causa nos autos (o concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança, aberto por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia, de 16/11/2013, com o nº 2013/S 223-388456 e no Diário da República nº 222, 2ª série, parte L, de 15/11/2013, com o nº 5655/2013, em que é entidade adjudicante a ENTIDADE DE SERVIÇOS PARTILHADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, I.P. (ESPAP, IP)).
Sendo que na sua Petição Inicial requereu o decretamento provisório da providência, ao abrigo do artigo 131º do CPTA, o qual veio a ser indeferido por despacho de 23/05/2014 do Mmº Juiz do Tribunal a quo, em sede de despacho liminar, por conseguinte, antes da citação da entidade requerida para o processo cautelar, citação que ocorreu em 29/05/2014.
A entidade requerida remeteu ao Tribunal a quo em 12/06/2014 a Resolução Fundamentada (fls. 897 ss. dos autos) emitida na mesma data pelo Conselho Diretivo da ESPAP, IP..
Por requerimento remetido em 03/07/2014 (fls. 1533 ss.) a recorrente deduziu o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida a que alude o artigo 128º nº 4 do CPTA, suportando-se na circunstância de no procedimento ter sido, entretanto, em 02/07/2014, elaborado o Relatório Preliminar das propostas, defendendo, em suma, que as razões vertidas na resolução fundamentada são insuficientes para obstar à paragem do procedimento, concluindo pugnando dever ser «declarada a ineficácia do Relatório Preliminar emitido e de todos os atos procedimentais que se lhe seguirem», até ser proferida decisão no processo cautelar.
Pugna a recorrente, em suma, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução por dever ter concluído pela improcedência das razões invocadas na resolução fundamentada, e se assim ao ter concluído que o diferimento da execução não é gravemente prejudicial para o interesse público e decidido no sentido da improcedência do incidente violou a disposição do Art.º 128º n.º 1 do CPTA.
Antes do mais importa ater que à luz do disposto no artigo 128º nºs 1, 2 e 3 do CPTA a emissão de uma resolução fundamentada tem por escopo permitir que a entidade administrativa requerida num processo cautelar possa praticar atos após a notificação do requerimento cautelar em que a requerente pede a suspensão de eficácia de um ato. Sendo certo que, como é sabido, com a proibição (provisória) de execução do ato suspendendo decorrente da propositura do processo cautelar, prevista nos nºs 1 e 2 do artigo 128º do CPTA, visa-se assegurar a manutenção do efeito útil ao próprio processo cautelar no qual seja requerida a providência de suspensão de eficácia de ato administrativo, de molde a evitar que quando o julgador tome posição sobre aquele litígio essa sua decisão ainda faça sentido ou tenha utilidade à luz mormente dos direitos e interesses que o requerente queria ver acautelados.
Faltando a resolução fundamentada (emitida no prazo de 15 dias após a citação – cfr. nº 1 do artigo 128º do CPTA) considera-se indevida a execução do ato suspendendo (cfr. nº 3 do artigo 128º do CPTA). Tal como se considerada indevida quando o tribunal julgue improcedentes as razões em que se fundamenta a Resolução Fundamentada.
E com vista a salvaguardar os interesses do requerente de uma providência cautelar de suspensão de eficácia de ato, tutelados pela proibição (provisória) de execução prevista no artigo 128º nºs 1 e 2 do CPTA, o nº 4 do mesmo artigo dispõe que “o interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida”. Incidente que é processado nos próprios autos do processo cautelar e que é decidido após ouvidos os interessados no prazo de 5 dias (cfr. nºs 5 e 6 do artigo 128º do CPTA).
À luz dos dispositivos insertos no artigo 128º do CPTA, para decidir se os atos de execução de um ato administrativo objeto de um processo cautelar no qual seja requerida a sua suspensão de eficácia devem, ou não, ser considerados ineficazes o Tribunal deve verificar: (i) se a resolução fundamentada existe; (ii) se foi emitida dentro do prazo legal de 15 dias e
(
iii) se está fundamentada, no sentido de demonstrar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
A Administração tem que indicar na Resolução Fundamentada as razões que militam no sentido da existência de situação de urgência grave no prosseguimento da execução do ato administrativo suspendendo. Tal decisão é passível de ser sindicada contenciosamente pelos tribunais no âmbito do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, designadamente com fundamento no facto dos motivos aduzidos naquela Resolução não constituírem fundamentos legais ou legítimos abarcados pelo conceito legal enunciado no n.º 1 do art. 128.º do CPTA do diferimento da execução ser “gravemente prejudicial para o interesse público”.
E foi precisamente invocando que a Resolução Fundamentada emitida pela entidade requerida não cumpre este último desiderato (de que o não prosseguimento do procedimento concursal seria gravemente prejudicial para o interesse público) que a recorrente deduziu o incidente de declaração de ineficácia. Sustentando, agora, em sede do presente recurso, ter a decisão que o julgou improcedente incorrido em erro de julgamento, ao diferentemente ter entendido.
Tem sido reiterado o entendimento da jurisprudência, a este respeito, no sentido de que não basta que a entidade requerida se limite à invocação de que a execução do ato é útil ou mesmo necessária para o prosseguimento do interesse público, por a regra é a que determina a suspensão dos efeitos dum ato administrativo em decorrência da propositura dum procedimento cautelar de suspensão de eficácia e isso apesar de tal suspensão ser ou poder ser inconveniente para os objetivos que se visavam prosseguir com a emissão daquele ato, podendo, mesmo, a sua suspensão provisória ter consequências negativas ou aparentemente negativas para o interesse público. E que assim, só nas situações em que o diferimento dessa execução seja gravemente prejudicial para o referido interesse se mostra justificado, nos termos do artigo 128º nº 1 do CPTA, o afastamento da regra geral da proibição da execução do ato administrativo suspendendo prevista nos nºs 1 e 2 do artigo 128º. De molde que a emissão da Resolução Fundamentada deve ser reservada para as situações em que seja indispensável para dar resposta a situações de especial urgência, em que se verifique grave prejuízo para o interesse público com a imediata suspensão da execução do ato e que reclamam urgência naquele prosseguimento (vide, a este respeito, a título ilustrativo, o Acórdão deste TCA Sul de 14/10/2010, Proc. 05764/09, in www.dgsi.pt/jstcas e o Acórdão do TCA Norte de 14-02-2008, Proc. nº 01205/07.9BEVIS-A, in, www.dgsi.pt/jtcan).
Tendo presente o que foi dito, vejamos, se a recorrida decisão de improcedência do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida padece do apontado erro de julgamento.
Sendo certo que, acentue-se, é por referência à circunstância de ter sido requerida pela recorrente (ainda que a título subsidiário) a decretação de providência cautelar de suspensão do procedimento pré-contratual em causa, que assume relevância a emissão da Resolução Fundamentada, face ao disposto no artigo 128º nºs 1 e 2 do CPTA.
O incidente de declaração de ineficácia foi decidido pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo na sentença recorrida, proferida em 14/07/2014, o qual foi julgado improcedente, com a seguinte fundamentação, ali assim vertida, e que se passa a reproduzir:
Quanto ao incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida.
Em face da Resolução fundamentada e da prolação do Relatório do Júri, a Autora veio suscitar o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, nos termos do artigo 128-4, CPTA. Alega, em resumo, que, nos termos do artigo 128-3, CPTA, importa saber se as razões constantes da Resolução justificam a execução do acto administrativo por o deferimento da mesma ser gravemente prejudicial para o interesse público. E entende que não é prejudicial e que não colhe o fundamento, como acima se enunciou. Alega ainda que não colhe o alegado atraso na celebração de Acordo Quadro, pois o efeito “paralisante” não seria do artigo 128, CPTA, o Acordo Quadro não existe, e, tendo o procedimento para a sua celebração sido lançado tarde e muito lentamente a demora é imputável à própria ESPAP. Também alega que não há risco para o normal funcionamento das entidades compradoras vinculadas ao SNCP, e que todos os contratos celebrados antes de 14/04/2014 podem (e devem) ser executados durante a totalidade dos prazos nos mesmos estipulados (que podem ir até dois anos), não se comprometendo a aquisição dos serviços de vigilância e segurança. Ou seja, no entender da A, o Réu deve prolongar os anteriores contratos, com os anteriores sujeitos, e, portanto, beneficiar tais sujeitos não ficando desprovido dos Serviços. Entende que não colhe a alegada poupança para o erário, nem o alegado “agravamento” de condições existentes, nem o aumento substancial de preços. Em conclusão, alega que na resolução fundamentada o Réu se limita a aludir a pretensos efeitos da inexistência do acordo quadro, situação que não é gerada pelo artigo 128, do CPTA, nem emerge dos pedidos cautelares ou do processo principal, e que não se gera qualquer grave prejuízo para o interesse público.
Peticiona pois que seja declarada a ineficácia do Relatório Preliminar emitido e de todos os actos procedimentais que se lhe seguirem, até ser proferida decisão nestes autos cautelares. No entanto, entendemos que não assiste razão à requerente.
Considerando a presente decisão do processo cautelar e o sentido da mesma, de certo modo, o incidente de declaração de ineficácia ora suscitado fica prejudicado. Com efeito, a improcedência das providências cautelares requeridas implica a improcedência da pretensão de ineficácia. Daí que, não tendo sido feita a notificação oficiosa às contra-partes, nem a Autora, ao que vemos dos autos, tendo notificado as mesmas do pedido deste incidente, entendemos desnecessário mais delongas e, encontrando-se em condições de proferir decisão final, entendemos dispensar, como ora dispensamos, o contraditório.
Requerida a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, o juiz (ou relator) ouve os interessados no prazo de 5 dias, tomando de imediato a decisão [artigo 128-6, do CPTA]. Não se justificam outras diligências e fica dispensado o contraditório, pelo que, não tendo havido necessidade de decisão interlocutória do incidente e não obstante a decisão final que se seguirá adiante, adianta-se o seguinte.
Nos termos do artigo 128-3, do CPTA, «Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no nº 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta». Tendo sido apresentada a Resolução que reconhece que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público, nessa parte não pode dizer-se que a execução é “indevida”. Seria, assim, indevida a execução dos actos suspendendos, se, ainda assim, o tribunal entendesse que as razões que fundamentam a Resolução improcedem. Embora a regra seja a da proibição de executar o acto administrativo, como diz a epígrafe do artigo 128, do CPTA, a verdade é que a mesma cede passo à Resolução fundamentada, a fim de evitar que, mediante o diferimento da execução se prejudique gravemente o interesse público. Este artigo é compatível com o artigo 132, do CPTA, na medida em que a suspensão da eficácia é uma das providências que podem ser pedidas no âmbito desse artigo. Como nos dizem o MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e C. A. FERNANDES DADILHA, «(…)o regime d este artigo 128° não se reporta à tramitação do processo cautelar. Pressupõe a instauração de um processo desse tipo, mas a disciplina que ele introduz é inteiramente extra-judicial. Trata-se, pois, de um artigo que estabelece um regime inteiramente autónomo em relação à disciplina do processo cautelar, em si mesmo, e que, por isso, em nada contende (nem é prejudicado) pelo disposto no artigo 132°, designadamente 3 ». «(…) Ao abrigo da resolução fundamentada, a Administração vai poder executar o acto e poderá continuar a fazê-lo até ao momento em que o tribunal porventura julgue infundada a resolução, no âmbito de um eventual incidente (…) ».
As razões em que se apoia a Resolução, ao contrário do alegado pela A, são inteiramente válidas e pertinentes. A circunstância de uns terem beneficiado de ajuste directo e/ou de se pretender continuar, não implica que o ajuste directo continue a ser possível.
Refere a Resolução, entre o mais, que foi celebrado o acordo quadro de prestação de serviços de vigilância e segurança, em 15/04/2010, por dois anos, tendo sido renovado por dois períodos sucessivos de um ano cada, mas o referido acordo terminou o prazo de vigência máximo de 4 anos em 14/04/2014, pelo que, por ora, não existe qualquer acordo quadro de prestação de serviços de vigilância e segurança.
Tais serviços, refere, são de uso corrente, necessários por natureza ao normal e regular funcionamento da Administração, pelo que a suspensão dos efeitos do procedimento, tem reflexos extremamente negativos no funcionamento generalizado dos entes públicos. Alega ainda, entre o mais, que, das regras da experiência comum resulta que a suspensão do procedimento impossibilita as entidades adquirentes de obterem os referidos serviços, e em condições mais vantajosas, determinando a verificação de uma situação insustentável e intolerável, com evidentes reflexos na normal atividade do Estado (em sentido amplo).
Visa-se ainda a racionalização da despesa pública e a sua diminuição, referindo que entre 2008 e 2010 foram apurados €118,7 milhões de poupança confirmado pelo Tribunal de Contas no relatório 35/2011-2ª Secção (Proc.º 37/2011-AUDIT) in www.tc ontas.pt/; e que, entre 2011 e 2012, a poupança calculada ascende a €40 milhões. Acresce que as entidades compradoras vinculadas e voluntárias do SNCP (cerca de 1800 entidades pertencentes à administração direta do Estado e institutos públicos, às quais acresce mais de 500 entidades da administração autónoma e sector empresarial público) necessitam de ter ao seu dispor, a muito breve trecho, um novo acordo quadro para prestação de serviços de vigilância e segurança, sem efetuar a fragmentação dos procedimentos aquisitivos. Remata, por fim, que devem prevalecer os interesses públicos impondo-se reconhecer que o diferimento da execução do concurso é gravemente prejudicial para os interesses públicos. Embora formuladas num enquadramento geral, em nosso entender as razões invocadas pelo Réu, na Resolução em apreço, são perfeitamente respeitáveis e válidas. Ao tribunal não compete ajuizar sobre opções, conveniência ou oportunidade da actuação da Administração, mas apenas julgar do cumprimento das normas e princípios jurídicos que vinculam a Administração, por força do princípio da separação de poderes [artigos 2º da CRP e 3º-1, do CPTA]. Ou seja, o tribunal julga da procedência ou improcedência das razões que fundamentam a Resolução, mas não pode imiscuir-se nas opções de poupança, de política de escolha de concursos e determinação da sua oportunidade ou objecto. Ora, vistos os fundamentos da Resolução, este tribunal entende que a mesma se encontra fundamentada e que os seus fundamentos não são arbitrários, são razoáveis, e devem ser julgados válidos e procedentes. A isto acresce, como começamos por dizer, a improcedência adiante analisada. Pelo exposto, julga-se improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução, ora requerida.”
Ora, ainda que não seja objeto do presente recurso, tal como foi delimitado pela recorrente nas suas alegações, importa precisar que não fica prejudicada a apreciação do incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida (nem a sua eventual declaração) a circunstância de na mesma ocasião o Tribunal, em apreciação do mérito do pedido cautelar, o ter julgado improcedente os pedidos cautelares, nem tal circunstância é também motivo para dispensar o direito de contraditório previsto no nº 6 do artigo 128º do CPTA, como foi entendido na decisão recorrida.
Mas o Tribunal a quo veio, ainda assim, a pronunciar-se sobre o mérito do incidente de declaração de ineficácia, que indeferiu. E fê-lo, por considerar, em suma, que em face dos fundamentos da Resolução a mesma se encontra fundamentada e que os seus fundamentos não são arbitrários, mas razoáveis, e devem ser julgados válidos e procedentes.
E no caso, não há que julgar, com efeito, improcedentes as razões em que se fundamenta a Resolução Fundamentada. É que, datando o último acordo-quadro com vista à contratação de prestação de serviços de vigilância e segurança de 15/04/2010, e esgotado o seu período de vigência inicial (de 2 anos), e posteriores prorrogações (de 1 anos cada), num total de 4 anos, não sendo possível proceder a novas prorrogações, importa assegurar a continuidade do procedimento pré-contratual em causa, com vista às necessárias subsequentes contratações. Sendo que, como é referido na Resolução Fundamentada, nos termos do disposto no artigo 5º nº 4 do DL. nº 37/2007, de 19 de Fevereiro, diploma que criou a Agência Nacional de Compras Públicas, E. P. E., a que veio a suceder a ESPAP, IP (cfr. Decreto-Lei n.º 117-A/2012, de 14 de junho) a contratação centralizada de bens e serviços é obrigatória para as entidades compradoras vinculadas, sendo-lhes em principio proibida a adoção de procedimentos tendentes à contratação direta. De modo que são nulos, nos termos do nº 6 do artigo 5º daquele DL. nº 37/2007 Os contratos celebrados em violação de tal proibição.
E tal como é referido na Resolução Fundamentada o procedimento pré-contratual em causa tem como objeto a seleção de co-contratantes para o acordo-quadro que regulará a prestação de i) serviços de consultadoria para a realização de estudos e planos de segurança; ii) serviços de vigilância e segurança humana; iii) serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes e iv) serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes. Acordo-quadro que compreende os seguintes lotes:
- Serviços de consultadoria: lote 1;
- Serviços de vigilância e segurança humana: lotes 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9;
- Serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes a recorrente apresentou candidatura: lotes 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17;
- Serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes: 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25.
Sendo o seguinte o âmbito geográfico de cada um daqueles lotes:
- a totalidade do território nacional: lotes 1, 9, 17 e 25;
- regiões definidas pelo Nível II das Unidades Territoriais para fins Estatísticos (NUTS II): lotes 2 a 8, 10 a 16 e 18 a 24.
E neste contexto invoca a entidade requerida na Resolução Fundamentada, entre o demais, que «é altamente prejudicial para o interesse público, quer numa perspetiva financeira, quer numa perspetiva organizacional do Estado, que as entidades compradoras vinculadas e as unidades ministeriais de compras sejam obrigadas, por via da suspensão do concurso, a recorrer, or tempo indeterminado, a procedimentos pré-contratuais avulsos para aquisição dos aludidos serviços, que, por serem isolados, determinarão custos menos favoráveis para a Administração Pública, em comparação com aqueles que resultariam das aquisições ao abrigo do acordo quadro» (vide ponto 29. da Resolução Fundamentada); que «as entidades compradoras vinculadas e voluntárias do SNPC (atualmente cerca de 1800 entidades pertencentes à administração direta do Estado e institutos públicos, às quais acresce mais de 500 entidades da administração autónoma e sector empresarial público) necessitam de ter ao seu dispor, a muito breve trecho, um novo acordo quadro para procedimentos aquisitivos» (vide ponto 38. da Resolução Fundamentada); que o novo acordo-quadro «será fundamental para que as entidades públicas possam (…) adquirir serviços de vigilância indispensáveis para a manutenção de vários organismos da Administração Pública essenciais para o funcionamento do país» (vide ponto 41. da Resolução Fundamentada); que a suspensão do concurso põe em causa não só «a racionalização dos gastos do Estado e a obtenção de poupanças, desígnios subjacentes à criação da ESPAP, IP e à instituição do SNCP, mas também o cumprimento dos exigentes requisitos de consolidação orçamental a que o Estado Português se vinculou, por força dos compromissos comunitários assumidos e dos planos de contenção já aprovados, em função da atual conjuntura económica» (vide ponto 43. da Resolução Fundamentada), para concluir que o diferimento da execução do concurso é gravemente prejudicial para os interesses públicos em presença.
Decorre assim, do teor da Resolução Fundamentada motivação idónea e adequada que corporiza as razões apresentados para a emissão daquela Resolução. Razões essas que, aliadas e conjugadas com o contexto factual em que foi produzida, considerando a natureza do procedimento pré-contratual em causa e a sua finalidade (concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro, para a prestação de serviços de vigilância e segurança) e a índole da decisão do júri do concurso e a fase do procedimento a que respeita, decisão que, lembre-se, foi a de não qualificação da recorrente aos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22 e 24, tendo apenas sido qualificada para os lotes 2 a 6, 9 e 25, o que ademais, conduziu a que a recorrente formulasse no processo cautelar, a título principal, o pedido de decretação de providência cautelar da sua qualificação provisória nos identificados lotes e consequente admissão provisória a apresentar proposta quanto a eles, tendo apenas subsidiariamente requerido a decretação de providência cautelar de suspensão do concurso), permitem claramente sustentar a necessidade do prosseguimento do procedimento pré-contratual por ser gravemente prejudicial para o interesse público a sua suspensão, à luz do disposto na parte final do nº 1 do artigo 128º do CPTA.
Pelo que, deve manter-se, por tais fundamentos, a decisão de improcedência do incidente de declaração de ineficácia deduzido pela recorrente.
O que se decide. Improcedendo, por conseguinte, o recurso, também no que a esta decisão respeita.

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Aqui chegados, não decorrendo do decidido supra, quanto ao recurso interposto pela recorrente S............, a revogação da sentença recorrida quer no que tange à decisão de improcedência da pretensão cautelar, quer no que respeita à decisão de improcedência do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução, mantendo-se, por conseguinte, ainda que, em parte, com fundamentos distintos, quer a improcedência da pretensão cautelar, quer o incidente de declaração de ineficácia, fica prejudicado o conhecimento das questões invocadas pela Contrainteressada P…………. – Empresa de Segurança, SA nas suas contra-alegações, atenta a sua arguição subsidiária (ampliação subsidiária do objeto do recurso) – cfr. artigo 636º nºs 2 e 3 do CPC novo, ex vi do artigo 140º do CPTA – de que, assim, nos abstemos de conhecer.
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III. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, improcedendo, pelos fundamentos expostos, o pedido de decretação de providência cautelar bem como o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução.

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Custas a cargo da recorrente, em ambas as instâncias (sendo que nas mesmas na fixação da taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá, respetivamente, aos valores resultantes das tabelas II) e da I) secção B) anexas ao Regulamento Custas Processuais) - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 15 de Janeiro de 2015
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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)


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António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos



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Pedro José Marchão Marques

DECLARAÇÃO DE VOTO


Votei a decisão, entendendo, porém, que cumpriria conhecer prioritariamente da suscitada nulidade da sentença, sendo que a proceder tal vício, como afinal procedeu, se passaria à verificação da admissibilidade do conhecimento em substituição por este tribunal (art. 149.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA, que reproduz o regime do art. 665.º, n.º 2, do CPC), com prejuízo, designadamente, da apreciação do imputado erro de julgamento quanto à questão da (i)legitimidade processual, bem como da impugnação da matéria de facto (factualidade que, na sequência da anulação da sentença, seria a fixar por este TCAS ex nuovo). E, para tanto, caberia previamente dar cumprimento ao comando normativo ínsito no art. 149.º, n.º 5, do CPTA (aliás coincidente com a regra vigente no processo civil – art. 665.º, n.º 3, do CPC).

Lisboa, 15 de Janeiro de 2015


Pedro Marchão Marques