Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2128/09.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRC
AJUSTAMENTO POSITIVO
PROVA PREÇO EFETIVO ALIENAÇÃO
58.º A CIRC
129.º CIRC
Sumário:I- Da conjugação dos artigos 58.º A, e 129.º, ambos do CIRC, resulta que os alienantes e os adquirentes para efeitos de apuramento do lucro tributável devem optar por valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos (VPT) que serviram de base à liquidação do IMT, ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
II-Logo, sempre que nas transmissões onerosas o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para efeitos de determinação do correspondente lucro tributável. Isto, naturalmente, caso não tenha sido utilizado o procedimento contemplado no artigo 129.º do CIRC, ou tendo, o mesmo não tenha logrado provimento.
III-Na esfera jurídica do sujeito passivo alienante, deva ser efetuada uma correção fiscal positiva (acréscimo no Quadro 07-Campo 257) na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o VPT do imóvel e o valor constante do contrato.
IV-No âmbito do normativo 58.º A do CIRC optou-se por uma abordagem fiscal, na óptica do alienante, e por uma abordagem contabilística, na óptica do adquirente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

F….., SA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2004, no montante global de €16.697,07.

A Recorrente formula as conclusões que infra se reproduzem:

A)           O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que em 26.05.2018, e que julgou improcedente a Impugnação Judicial apresentada pela ora Recorrente, na sequência do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa também por si apresentada.

B)           A sentença em causa, para além de uma errónea valoração da prova produzida, leva a uma intolerável proscrição dos princípios do inquisitório, da primazia da materialidade subjacente, da justiça, e da verdade material.

C)           Com efeito, a Recorrente cumpriu todos os pressupostos substanciais e materiais para obter a tributação, em 50%, do saldo positivo entre as mais-valias fiscais e as menos valias fiscais relativamente ao imóvel em apreço foi de € 70.715,70 (setenta mil setecentos e quinze euros e setenta cêntimos).

D)          A mera não apresentação da correção na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão constitui requisito meramente formal que, como tal, não deverá levar ao indeferimento da pretensão da ora Recorrente.

E)           As restrições aos direitos dos contribuintes devem ser interpretadas de forma restritiva, sob pena de se colocarem em causa os mais elementares princípios do procedimento tributário.

F)           Termos em que deve a sentença sub judicio ser anulada em conformidade.

Nestes termos e nos mais de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, revogada a sentença recorrida e substituída por Acórdão que julgue a Impugnação Judicial apresentada procedente, com as demais consequências legais.


***

A Recorrida, devidamente notificada não apresentou contra-alegações.

***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, considero provados os seguintes factos:


A)

Em 19.11.2004, a Impugnante alienou a fração “CI” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Campolide, sob o artigo ….., pelo preço de €77.000,00;(Cfr. cópia da escritura pública a fls. 43 a 46).

B)

Em 06.04.2005, a Impugnante foi notificada da avaliação do imóvel identificado em A), nos termos do artigo 37.º do CIMI, nos termos da qual foi apurado o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de €130.350,00;(Cfr. fls. 55 dos autos).

C)

A Impugnante não requereu segunda avaliação do imóvel identificado em A);

(Não contestado).


D)

O pedido apresentado, ao abrigo do disposto no artigo 129.º do CIRC, relativamente ao imóvel referido em A), foi arquivado, conforme decisão datada de 12.09.2008;(Não contestado).

E)

Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º ….., datada de 08.10.2008, tiveram lugar as seguintes correções ao lucro tributável do IRC da Impugnante relativamente ao exercício de 2004:

«(…)

2. Correções meramente aritméticas.

2.1 (…) após avaliação, existe uma diferença positiva entre o valor constante do contrato e o valor patrimonial tributário do imóvel objeto de transmissão (…)

2.2 Assim sendo, por força do artigo 58.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) a diferença positiva de valores no montante de €53.350 concorre para a determinação do lucro tributável da sociedade no exercício de 2004, a menos que o sujeito passivo faça prova de que o preço efetivamente praticado na transmissão do imóvel foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (n.º 1 do artigo 129.º do CIRC).

2.3 Neste sentido, o sujeito apresentou um Pedido de Revisão, nos termos do n.º1 do artigo 129.º do CIRC, no qual suscita a apreciação do valor patrimonial tributário do imóvel. No entanto, o mesmo foi arquivado por falta de formalismos legais para a sua admissão, por despacho proferido, em 2008-09-12, pelo Diretor de Finanças de Lisboa, com as consequências jurídico-tributárias previstas no n.º 4 do artigo 129.º do CIRC.

2.4 Assim, podemos verificar que o sujeito passivo não acresceu ao resultado líquido do exercício o valor de € 53.350,00 (Q07-campo 257 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC), para determinação do lucro tributável nos termos do artigo 17.º do CIRC e n.º 2 e n.º 3, alínea a) do artigo 58.º-A do CIRC, pelo que foi elaborado o quadro demonstrativo da correção efetuada ao lucro tributável em sede de IRC, do exercício de 2004. (…)».(Cfr. fls. 62 e 63 dos autos).


F)

Em 04.12.2008, a Impugnante foi notificada da liquidação adicional ao IRC do exercício de 2004, n.º ….., de 26/11/2008, segundo a qual foi apurado o valor a pagar de €16.697,07;(Cfr. fls. 76 dos autos).

G)

Em 07.01.2009, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada em F), a qual foi instaurada sob o n.º ….., e foi indeferida por despacho datado de 16.10.2009;(Cfr. fls. 2 e 58 do processo de reclamação graciosa apenso).

H)

A decisão identificada em G), foi notificada à mandatária da Impugnante em 21.10.2009;(Cfr. aviso de receção assinado a fls. 65 do processo de reclamação graciosa apenso.).

I)

Em 22.09.2009 foi constituída hipoteca legal para garantia do processo de execução fiscal n.º …..respeitante a IRC de 2004.(Cfr. fls. 92 e 93 dos autos).

J)

A petição inicial da presente impugnação foi remetida, via fax, ao Tribunal Tributário de Lisboa, em 05.11.2009, onde foi registada com o número 115834; (Cfr. fls. 2 dos autos).

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão.”


***

Ficou consignado como motivação da matéria de facto que a mesma “resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”

***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

K) A sociedade “F….., SA”, apresentou, em 24 de maio de 2005, declaração de rendimentos Modelo 22, respeitante ao exercício de 2004, tendo inscrito no quadro 07, os seguintes valores:

Resultado Líquido do Exercício€890.842,76
Mais Valias Fiscais €555.946,12
Mais Valias Contabilísticas €1.113.906,10
Lucro Tributável€461.075,67

(cfr. fls. 47 a 53 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

L) Em resultado da apresentação da Declaração de Rendimentos Modelo 22, referida na alínea anterior, foi emitida demonstração de liquidação com o nº …..e com o seguinte teor:

(cfr. fls. 54 dos autos);

M) No âmbito do Relatório de Inspeção Tributária referido em E), consta, em termos de “Demonstração de Resultados e Apuramento do Lucro Tributável”, relativamente ao exercício de 2004, o seguinte descritivo:

 (cfr. fls. 56 a 64 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

N) O ato de liquidação adicional de IRC evidenciado em F), apresenta o seguinte teor:

(cfr. fls. 76 dos autos);


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente, contra a liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 2004, no montante de €16.697,07.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, em face de, por um lado, ter valorado erradamente a prova produzida nos autos, e, por outro lado, face ao recorte probatório dos autos, ter entendido que não há lugar à aplicação do artigo 45.º do CIRC.

Vejamos, então.

Ab initio, importa relevar que não obstante a Recorrente ter evidenciado nas suas alegações de recurso que a sentença contém uma fundamentação mínima e insuficiente, a verdade é que não retirou, de forma expressa, qualquer cominação para o efeito, mormente, em termos de nulidade, apenas mencionando, de forma genérica e não, devidamente, substanciada, “o que se alega para os devidos efeitos legais”.

De todo o modo, sempre se dirá que atentando no teor da decisão sindicada verifica-se que a mesma em nada padece de falta de fundamentação, quer de facto, quer de direito, bastando, para o efeito, atentar na fundamentação de facto, na qual elenca os factos tidos por pertinentes para a apreciação da lide, elencando os respetivos meios probatórios, cuja motivação particulariza, em separado, e bem assim na análise da questão decidenda, na qual delimita a questão, dirimindo-a à luz do recorte probatório dos autos e com a devida transposição para o regime jurídico vigente.

Feito este introito e abordagem inicial, atentemos, então, se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto valora erroneamente a prova produzida, sendo que o aludido entendimento determina uma violação dos princípios do inquisitório, da primazia da materialidade subjacente, da justiça, e da verdade material.

E isto porque, se a Recorrente cumpriu todos os pressupostos substanciais e materiais para obter a tributação, em 50%, do saldo positivo entre as mais-valias fiscais e as menos valias fiscais relativamente ao imóvel, então a mera não apresentação da correção na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão constitui requisito meramente formal que, como tal, não deverá levar ao indeferimento da pretensão da ora Recorrente.

Mais aludindo que as restrições aos direitos dos contribuintes devem ser interpretadas de forma restritiva, sob pena de se colocarem em causa os mais elementares princípios do procedimento tributário.

O Tribunal a quo esteou o juízo de improcedência da seguinte forma:

“O que a Impugnante vem solicitar ao Tribunal, e já o tinha feito, em sede de reclamação graciosa, foi que o valor patrimonial tributário, porque superior ao preço efetivo, seja considerado para efeito do apuramento das mais e menos valias do exercício, à data previsto, no artigo 45.º do CIRC.

Vejamos se lhe assiste razão.

Sem prejuízo do regime de tributação das mais-valias em sede de IRC, e que ocorre em função do saldo (positivo) entre as mais e menos valias, e do seu reinvestimento, conceptualmente, a mais-valia na venda de um imóvel apura-se pela diferença (positiva) entre o valor de realização e o valor de aquisição.

Estes valores, por sua vez, são apurados nos termos do CIRC, designadamente, o valor de aquisição será objeto de correção monetária e ao valor de realização serão deduzidos os encargos legalmente admissíveis (por exemplo reintegrações e amortizações). Valores, esses, que previamente à sua declaração fiscal, resultam da contabilidade dos sujeitos passivos.

Assim, a eventual mais-valia obtida com a alienação do imóvel em causa nos presentes autos, terá sido apurada pela Impugnante na sua contabilidade, no exercício de 2004, partindo dos valores de aquisição e de realização, legalmente apurados, mas tendo por base o preço estipulado no contrato.

Por sua vez, a correção a que se refere o artigo 58.º-A do CIRC não é uma correção ao valor de realização do imóvel.

O que resulta do disposto no artigo 58.º-A do CIRC, designadamente na alínea a) do seu n.º 3 é, para o caso do alienante, «uma correção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato.».

Não se trata de uma correção ao valor de realização que tenha sido considerado no apuramento da mais-valia a integrar o saldo que venha a ser tributado.

Neste sentido, não assiste razão à Impugnante.

No entanto, como resulta dos autos, a Impugnante conformou-se com o valor patrimonial fixado para a fração “CI” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Campolide, sob o artigo ….., o qual, resulta ainda provado que foi superior ao preço declarado.

Não tendo a Impugnante feito a correção, imposta pela alínea a) do n.º 3 do artigo 58.º-A do CIRC, na declaração modelo 22 do exercício a que é imputável o proveito obtido com essa transmissão (2004), a correção vertida no Relatório da Inspeção Tributária, não padece de qualquer ilegalidade.

Neste conspecto, a liquidação subsequente a essa correção e, ora impugnada, deve manter-se na ordem jurídica da Impugnante, por não padecer das ilegalidades invocadas, o que determina a improcedência da impugnação.”

Vejamos, então.

Comecemos por convocar o regime jurídico vigente à data da prática dos factos tributários.

Dispunha o artigo 58º-A, do CIRC, sob a epígrafe de “Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, o seguinte:
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.
4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.
6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.”

De convocar, outrossim, o teor do artigo 129.º, do mesmo diploma legal, o qual relativamente ao procedimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, consagrava o seguinte:
“ 1 - O disposto no nº 2 do artigo 58º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o nº 3 do artigo 62º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objetivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no nº 1 deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no nº 2 do artigo 58º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 - O procedimento previsto no nº 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei.
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior.
7 - A impugnação judicial contra a liquidação do imposto relativo à transmissão de imóveis cujo lucro tributável tenha sido fixado nos termos do artigo 58º-A, ou se não houver lugar a liquidação do lucro tributável previsto no mesmo preceito legal, depende de prévia apresentação do pedido previsto no presente artigo, não havendo lugar a reclamação graciosa.
8 - A impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.”

Ora, da conjugação dos preceitos legais supra evidenciados resulta que os alienantes e os adquirentes para efeitos de apuramento do lucro tributável devem optar por valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos (VPT) que serviram de base à liquidação do IMT ou, que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

Logo, sempre que nas transmissões onerosas o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para efeitos de determinação do correspondente lucro tributável. Isto, naturalmente, caso não tenha sido utilizado o procedimento contemplado no artigo 129.º do CIRC, ou tendo, o mesmo não tenha logrado provimento.

Daí que, na esfera jurídica do sujeito passivo alienante, deva ser efetuada uma correção fiscal positiva (acréscimo no Quadro 07-Campo 257) na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o VPT do imóvel e o valor constante do contrato.

Com efeito, o apuramento do lucro tributável é efetuado através de um registo extracontabilístico naquele quadro, não havendo lugar a qualquer assento contabilístico na Classe 7 do POC, e isto porquanto nos encontramos face a um proveito fiscal não evidenciado como proveito contabilístico[1].

Por seu turno, no sujeito passivo adquirente, à data, desde que se registasse contabilisticamente o imóvel pelo seu VPT, deveria tomar-se tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.

Na verdade, dir-se-á, que no “[a]rt.58.º A do CIRC optou-se por uma «abordagem fiscal», na óptica do alienante, e por uma abordagem contabilística, na óptica do adquirente (…)”[2].

Delimitado o regime jurídico, regressemos ao caso dos autos.

No caso vertente, decorre do acervo fático dos autos, o seguinte:

A 19 de novembro de 2004, a Recorrente procedeu à alienação da fração “CI” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Campolide, sob o artigo ….., pelo valor de €77.000,00, sendo que a 06 de abril de 2005, foi notificada da avaliação do imóvel, dele tendo resultado a determinação do VPT em €130.350,00, com o qual a mesma se conformou.

Mais dimana que, tendente a fazer prova do preço efetivo de venda, a Recorrente recorreu ao procedimento consignado no citado artigo 129.º do CIRC, o qual foi objeto de arquivamento, mediante decisão prolatada a 12 de setembro de 2008, por falta de cumprimento dos requisitos legais.

Não obstante, a Recorrente não procedeu ao acréscimo no referido campo 257, do quadro 07, da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, da diferença positiva entre o valor do VPT e do respetivo contrato, no caso, €53.350,00, razão pela qual a Administração Tributária no âmbito de uma ação inspetiva levada a efeito ao exercício de 2004, e para controlo da situação tributária da sociedade relativamente a factos tributários advenientes da transmissão de direitos reais sobre imóveis, realizou a competente correção ao lucro tributável em sede de IRC, no evidenciado valor, e que determinou a emissão do correspondente ato de liquidação.

Ora, atentando nas alegações de recurso dimana inequívoco que a Recorrente não contesta que deveria ter acrescido ao quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22, o valor resultante da diferença entre o VPT e o valor escriturado, in casu, o valor de €53.350,00, mas tão-só que, contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, a situação fática tem enquadramento no artigo 45.º do CIRC, face ao reinvestimento dos valores de realização, e nessa medida as mais valias apuradas são apenas consideradas em 50%.

Porém, assim o não entendemos. Senão vejamos.

Dispunha, à data, o citado artigo 45.º do CIRC, sob a epígrafe de “Reinvestimento dos valores de realização” o seguinte:
“1 - Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do ativo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do ativo imobilizado corpóreo afetos à exploração, com exceção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no nº 4 do artigo 58º.
2 - No caso de se verificar apenas o reinvestimento parcial do valor de realização, o disposto no número anterior é aplicado à parte proporcional da diferença entre as mais-valias e as menos-valias a que o mesmo se refere.
(…)
5 - Para efeitos do disposto nos n.os 1, 2 e 4, os contribuintes devem mencionar a intenção de efetuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea c) do nº 1 do artigo 109º do exercício da realização, comprovando na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efetuados.
6 - Não sendo concretizado, total ou parcialmente, o reinvestimento até ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização, considera-se como proveito ou ganho desse exercício, respetivamente, a diferença ou a parte proporcional da diferença prevista nos n.os 1 e 4 não incluída no lucro tributável, majorada em 15%.
7 - Não sendo mantidas na titularidade do adquirente, durante o período previsto na alínea b) do nº 4, as partes de capital em que se concretizou o reinvestimento, exceto se a transmissão ocorrer no âmbito de uma operação de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de ações a que se aplique o regime previsto no artigo 68º, é aplicável, no exercício da alienação, o disposto na parte final do número anterior, com as necessárias adaptações.”

Ora, atentando no citado preceito legal e cotejando-o à luz do artigo 58.º A do CIRC e enquadrando-o com o objeto da ação inspetiva e o ato de liquidação impugnado, ter-se-á de concluir que o juízo de entendimento não pode lograr provimento.

E isto porque, encontramo-nos perante realidades díspares, não confundíveis e que não foram, como demonstraremos, infra, objeto de qualquer análise e subsequente correção.

Explicitemos, então, com o pormenor que se impõe, porque motivo assim o entendemos.

Comecemos por atentar no Relatório de Inspeção Tributária que fundamentou o ato de liquidação em contenda.

Ora, do teor do Relatório de Inspeção Tributária resulta que a AT se limitou, tão-só, a proceder à correção aritmética na esfera jurídica do alienante, correspondente ao acréscimo no quadro 07, da Declaração de Rendimentos Modelo 22, a que o mesmo estava, legalmente, vinculado e que incumpriu.

De forma a espelhar-se o supra expendido, atente-se nos excertos que, ora, transcrevemos:

No item intitulado correções meramente aritméticas, consta a seguinte evidência: “[a]pós avaliação, existe uma diferença positiva entre o valor constante do contrato e o valor patrimonial tributário do imóvel objeto de transmissão, como segue:

Artigo MatricialPreço de Venda

Declarado/escritura

Valor Patrimonial

Tributário

Diferença de Valores
…..77 000,00130 350,0053 350,00
Totais77 000,00130 350,0053 350,00

Explicitando, nessa medida, que: “por força do artigo 58.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) a diferença positiva de valores no montante de €53.350,00 concorre para a determinação do lucro tributável da sociedade no exercício de 2004, a menos que o sujeito passivo faça prova de que o preço efetivamente praticado na transmissão do imóvel foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (n.º 1 do artigo 129.º do CIRC).”

Retirando, depois, a devida consequência do facto supra evidenciado e do competente arquivamento do pedido de revisão elaborado ao abrigo do artigo 129.º do CIRC, no sentido de não tendo o sujeito passivo acrescido “[a]o resultado líquido do exercício o valor de € 53.350,00 (Q07-campo 257 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC), para determinação do lucro tributável nos termos do artigo 17.º do CIRC e n.º 2 e n.º 3, alínea a) do artigo 58.º-A do CIRC” ter-se-á de corrigir em conformidade.

Materializando, in fine, tal correção no quadro intitulado de “demonstração de resultados e apuramento do lucro tributável ano 2004”, onde resulta, de forma absolutamente clara, que o único valor objeto de acréscimo no quadro 07, foi o ajustamento positivo no montante de €53.350,00.

Com efeito, tendo por base a declaração de Rendimentos Modelo 22 de Rendimentos de IRC, apresentada pelo sujeito passivo, e o aludido quadro constante no Relatório Inspetivo, verifica-se que inexiste qualquer correção inerente às Mais Valias Fiscais (€555.946,12), e bem assim às Mais Valias Contabilísticas (€1.113.906,10), sendo, tão-só, alterado o lucro tributável declarado de €461.075,67 para €514.425,67, ou seja, em valor correspondente ao diferencial que ascende, como visto, a €53.350,00.

Mais importa ter presente que o ato de liquidação impugnado, reflete, nessa exata medida, o que foi determinado no respetivo Relatório Inspetivo.

Ora, face ao supra expendido resulta que a liquidação mais não representa que o reflexo do aludido ajustamento positivo, não tendo o Relatório Inspetivo incidido sobre qualquer alteração do cálculo das mais valias.

É certo que a Recorrente alega, na sua p.i, que o saldo positivo entre as mais e as menos valias relativamente ao imóvel em apreço foi de €70.715,70, e que esse montante só deveria ter sido tributado em €35.357,85.

Concluindo, para o efeito, que “[o] montante corrigido está abrangido pelo reinvestimento efectuado e, consequentemente, teria, também, que ser tributado em apenas 50%, à semelhança do que sucedeu com as restantes mais valias decorrentes da alienação de activo imobilizado corpóreo”.

Mas a verdade é que, como visto, a correção realizada, donde, o ato impugnado só reflete o aludido ajustamento positivo contemplado no artigo 58.º A do CIRC, não sendo realidades confundíveis o reinvestimento das mais valias, contemplado no artigo 45.º do CIRC. Com efeito, e na senda do evidenciado pelo Tribunal a quo, a correção a que se reporta o artigo 58.ºA do CIRC não é uma correção ao valor de realização do imóvel.

É certo, outrossim, que a Recorrente defende, se bem interpretamos a sua posição, que o montante que a AT acresceu ao lucro tributável constitui uma mais valia que deve ser tratada como tal, designadamente ser tributada em apenas 50% do seu valor, nos termos do artigo 45.º do CIRC. Porém, face a todo o expendido anteriormente, esse juízo de entendimento não procede.

De sublinhar, neste particular, que por efeito direto do ajustamento positivo extracontabilístico não há lugar a qualquer assento contabilístico, sendo que tal registo pode apenas influenciar o lucro tributável da seguinte forma:
“[t]al registo tem uma influência no lucro tributável do IRC, e por conseguinte, poderá ter um efeito no cálculo da estimativa do IRC, nos seguintes termos:
-Se existir lucro tributável, e uma vez que é uma diferença permanente do exercício, aumentará a extensão das contas 86 e 241, não dando lugar a impostos diferidos, nos termos da Directriz Contabilística nº 28;
-Se existir prejuízo fiscal essa diferença contribuiu para a diminuição do seu valor, ou seja, os prejuízos a reportar(deduzir) nos termos do art. 47.º do CIRC serão reduzidos, o que poderá refletir-se no cálculo dos respectivos impostos diferidos caso a empresa contabilize os prejuízos fiscais como activo por imposto diferido[3].”  

Portanto, inversamente ao defendido pela Recorrente, o montante corrigido não está abrangido pelo reinvestimento efetuado, donde em nada tem de ser chamado à colação o citado artigo 45.º do CIRC.

Mais importa relevar que, contrariamente ao propugnado pela Recorrente, o Tribunal a quo, não indeferiu a pretensão por uma questão formal, mormente, pela falta de apresentação da declaração a espelhar esse ajustamento positivo.

Com efeito, o Tribunal a quo, indeferiu essa pretensão evidenciando, de forma, expressa que “[a] correção a que se refere o artigo 58.º A do CIRC não é uma correção ao valor de realização do imóvel”, explicitando, depois, que “não se trata de uma correção ao valor de realização que tenha sido considerado no apuramento da mais valia a integrar o saldo que venha a ser tributado”.

Pelo que, face ao supra aludido em nada pode relevar a alegação da violação do princípio da substância sobre a forma e bem assim da verdade material, porquanto a esteira de entendimento do Tribunal a quo não se fundou num juízo de valoração estritamente formal, donde, em nada foi preterida a substancialidade da operação em detrimento de uma questão eminente formal.

Não se vislumbrando, outrossim, face a todo o exposto, qualquer violação do princípio do inquisitório, porquanto o Tribunal a quo em nada convocou a falta de prova atinente à realidade fática dos autos e que permitisse inferir da necessidade de quaisquer outras diligências instrutórias para a descoberta da verdade material.

Assim, face a todo o expendido anteriormente, tendo a correção objeto dos presentes autos, consubstanciando-se na correção dimanante do artigo 58.º A do CIRC, por o VPT determinado se cifrar em valor superior ao escriturado, e por não ter sido feita prova de que o preço constante no contrato corresponde ao real, em nada releva o artigo 45.º do CIRC, donde, nenhuma ilegalidade lhe pode ser assacada, sendo, de resto e como visto, a correção visada uma decorrência do princípio da legalidade.

In fine, e ainda que a Recorrente não tenha devidamente substanciado a violação do princípio da justiça, importa relevar que não se vislumbra que a manutenção do ato impugnado implique a violação do aludido princípio, ou que denegue justiça, restringindo quaisquer direitos, porquanto, como visto a mesma é uma decorrência do artigo 58.º A do CIRC, tendo a Recorrente utilizado a faculdade atinente ao efeito, como visto, procedimento previsto no artigo 129.º do CIRC.

E por assim ser, improcede na íntegra o alegado pela Recorrente, devendo, por conseguinte, confirmar-se a decisão recorrida.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 25 de fevereiro de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] Vide, neste sentido, J. F. Cunha Guimarães, Valor Patrimonial Tributário “quo vadis?”, Revista dos TOC, junho de 2006, pp.34 a 45.
[2] Vide, J. F. Cunha Guimarães, ob. cit, p.35.
[3] Vide, J. F. Cunha Guimarães, ob. cit, pp.43 e 44.