Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2141/06.1 BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/06/2017
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
QUESTÃO ESTRITAMENTE DESPORTIVA
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
CONTRAINTERESSADO
PRECLUSÃO DO CONHECIMENTO DE EXCEÇÕES DILATÓRIAS
Sumário:I. O pressuposto processual da legitimidade para interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo encontra-se previsto no artigo 141.º do CPTA, o qual prevê dois critérios para a sua aferição, a saber: (i) quem tenha ficado vencido na decisão proferida (n.º 1) e (ii) quem seja direta e efetivamente prejudicado pela decisão proferida (n.º 4).

II. A distinção entre os dois critérios opera em relação a quem figure na ação como parte principal e por que não é parte ou intervém apenas como parte acessória.

III. O disposto no n.º 1, concretizado na sua densificação nos n.ºs 2 e 3, aplica-se a quem seja parte principal, abrangendo o autor, a entidade demandada e os contrainteressados.

IV. O disposto no n.º 4, aplica-se a quem não é parte na causa ou seja apenas parte acessória.

V. Sendo a ora Recorrente contrainteressada, tem o estatuto de parte, defendendo na causa um interesse igual ou paralelo ao das entidades demandadas, pelo que a lei reconhece-lhe legitimidade processual para interpor recurso da sentença na parte em que decaiu ou ficou vencida.

VI. Esta realidade não se altera pela circunstância de as entidades demandadas não terem recorrido, por essa atitude processual não obstar, limitar ou sequer condicionar, o estatuto das demais partes no processo, sendo os respetivos poderes e deveres equivalentes e não se prejudicarem reciprocamente.

VII. Estando em causa apurar se o recurso aos tribunais administrativos como forma de impugnar o ato de recusa de inscrição de jogador profissional de futebol por parte de órgão desportivo constitui uma infração, sancionada com a descida de divisão do clube, exige que se conheça das condições de acesso à justiça e aos tribunais para a composição dos diferendos de natureza desportiva, assim como os limites da reserva de jurisdição das instâncias jurisdicionais desportivas, importando o seu enquadramento à luz da noção de questão estritamente desportiva.

VIII. A Lei de Bases do Desporto prevê, por um lado, a regra geral de impugnabilidade, nos termos gerais de direito, dos atos administrativos praticados pelos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício de poderes públicos (artigo 46.º), mas, por outro, uma exceção à regra da impugnabilidade, por não serem suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes da ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas (n.º 1 do artigo 47.º).

IX. Na delimitação do enquadramento normativo aplicável ao litígio importa atender ao direito de fonte legal, mas também ao direito privativo das instâncias desportivas, enquanto conjunto de normas emanadas e aplicáveis no universo das organizações desportivas.

X. Atenta a multiplicidade de fontes de direito aplicável, de fonte legal, mas também regulamentar desportiva, e considerando a concessão de poderes públicos às federações desportivas através da atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, é de recusar a submissão da atuação dos órgãos federativos a um quadro normativo exclusivo de direito privado, baseado na sua natureza jurídica de associação privada.

XI. Quando no exercício dos poderes públicos, a atuação dos órgãos federativos traduz-se na prática de atos administrativos ou na aprovação de regulamentos administrativos, cuja impugnação está atribuída constitucionalmente à jurisdição administrativa, cabendo a competência material aos tribunais administrativos, segundo o n.º 3 do artigo 212.º e o n.º 4 do artigo 268.º, ambos da Constituição, e os artigos 1.º e 4.º do ETAF.

XII. O facto que está na origem da aplicação da sanção disciplinar desportiva, traduzido na apresentação pelo clube de um processo cautelar junto dos tribunais administrativos, contra o ato de recusa de inscrição e registo de um jogador como profissional de futebol ao serviço de um clube, é um ato que se situa antes ou a montante da competição, tendo como consequência ou por efeito a impossibilidade do jogador participar na competição desportiva.

XIII. Não se pode falar em atuação que decorra ou imane da qualidade de jogador ou sequer da sua participação em competição desportiva, pois foi vedado o acesso do jogador à própria participação na competição, não sendo possível subsumir a atuação do clube desportivo em recorrer aos tribunais, à violação das regras do jogo ou próprias da competição desportiva.

XIV. Não existindo infração à ética desportiva, decorrente de atos de dopagem, violência ou corrupção, nem estando em causa uma questão técnica ou que possa ser considerada uma decorrência da participação na competição, não está integrada no conceito de questão estritamente desportiva.

XV. Para efeitos de determinação do conceito de questão estritamente desportiva não releva a aplicação de qualquer regulamento desportivo, mas apenas os regulamentos relativos à organização das provas e da competição.

XVI. Deve considerar-se questões estritamente desportivas as questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, que são aquelas que surjam no decurso da prova ou durante a competição, estando, por isso, relacionadas com o seu desenvolvimento, quer do ponto de vista técnico, quer disciplinar, delas se excluindo as ofensas constitucionais e legais destinadas a proteger valores e interesses estranhos ao fenómeno desportivo, como no caso da afetação de direitos indisponíveis ou de direitos, liberdades e garantias.

XVII. Excluído o enquadramento da situação factual no conceito de questão estritamente desportiva, está afastada a reserva da jurisdição desportiva, vigorando a regra geral de recurso às instâncias jurisdicionais estaduais, fora das instâncias desportivas, para dirimir o litígio gerado pelo ato de recusa de inscrição de um jogador de futebol profissional, pois salvo no tocante às questões configuradas como estritamente desportivas, não decorre da lei ou dos regulamentos desportivos um monopólio da auto-justiça ou da justiça privada desportiva.

XVIII. O ordenamento jurídico consagra um sistema de justiça desportiva híbrido ou mitigado, que tanto prevê a jurisdição das instâncias próprias desportivas, como admite o recurso aos tribunais estaduais, consoante a natureza do litígio.

XIX. As questões prévias, traduzidas em exceções dilatórias ou em nulidades processuais, que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo, e as que tenham sido decididas não podem vir a ser reapreciadas, nos termos do n.º 2 do artigo 88.º do CPTA, pelo que, não pode ser suscitada em recurso matéria de exceção cujo momento de alegação é a fase dos articulados e a de decisão, o despacho-saneador.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Os B…………. Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 25/05/2016, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada pelo G… ………. Clube contra a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a contrainteressada, Os B………….., ……………….., SAD, julgou a ação procedente, declarando a nulidade do ato impugnado, consubstanciado no Acórdão de 22/08/2006, do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, que aplicou a sanção de descida de divisão ao G………………… Clube, na época desportiva de 2006/2007, por prática de infração consistente no recurso aos tribunais, nos termos do n.º 1 do artigo 63.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.


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A Federação Portuguesa de Futebol veio (a fls. 2513 – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores) informar que renuncia ao recurso da decisão proferida.

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Formula a aqui Recorrente, Os B…………., Sociedade ………………… SAD, nas respetivas alegações (cfr. fls. 2544 e segs.), as seguintes conclusões que se reproduzem:

1.ª A CRP prevê a possibilidade de «auto-justiça» ou «justiças privadas», ou seja, a possibilidade da composição não jurisdicional de litígios, isto é, fora dos tribunais (cf. artigo 202.º/4).

2.ª O ato impugnado não afeta nem viola a garantia constitucional nem qualquer direito fundamental de acesso aos tribunais na medida em que se encontra inserido na reserva de jurisdição das instâncias desportivas.

3.ª Tendo sido nesse contexto que a Comissão Disciplinar da LPFP e posteriormente o Conselho de Justiça da FPF apreciaram e deliberaram sobre a matéria sub judice.

4.ª Como associação de direito privado, a vida social interna da Liga não se distingue da vida associativa de qualquer outra associação, seja ela uma coletividade de bairro, seja uma qualquer associação de representatividade nacional.

5.ª Isto é: trata-se de matéria regulada exclusivamente por normas de direito privado e, prima facie, pelos estatutos da agremiação.

6.ª Sempre que as decisões ou deliberações dos órgãos jurisdicionais das federações desportivas incidam sobre questões de natureza técnica ou disciplinar que se traduzam em violação das leis do jogo, dos regulamentos ou das regras de organização das provas – a lei afirma o princípio de que tais decisões ou deliberações são insuscetíveis de recurso fora das instâncias desportivas.

7.ª É, pois, inequívoco que o legislador quis subtrair à apreciação de entidades estranhas às instâncias desportivas as questões de natureza disciplinar, apenas ressalvando aquelas que consubstanciem infração à ética desportiva nos domínios da dopagem, corrupção e violência.

8.ª Ao ressalvar a inimpugnabilidade judicial as decisões disciplinares sobre questões de ética desportiva relativas a dopagem, corrupção e violência, o legislador mais não fez do que tipificar, no âmbito disciplinar, os casos excecionais em que está em causa o exercício de poderes públicos.

9.ª Por sua vez, a Lei de Bases do Desporto (LBD) - Lei n.º 30/2004, de 21.7 -, em vigor à data dos factos, através do seu artigo 46°, vem estabelecer, sem novidade, o princípio geral de acesso aos tribunais para a resolução dos conflitos desportivos.

10.ª Contudo, sob a reserva de que só são impugnáveis contenciosamente as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo.

11.ª E, no seguimento da solução da Lei anterior, o artigo 47.º/1 da LBD afirma que não são suscetíveis de impugnação fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.

12.ª Sendo que o artigo 47.º/2, da LBD precisa que questões estritamente desportivas “[são] aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis de jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas”.

13.ª Acresce que, na parte final daquele preceito, por via da novel referência às “questões de facto e de direito emergentes dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas”, estabelece-se um alargamento da esfera de reserva absoluta da jurisdição desportiva - sendo esse, aliás, o entendimento da Doutrina que sobre a matéria se tem debruçado.

14.ª Desta forma, restringiu-se ainda mais a possibilidade de acesso aos tribunais em matéria desportiva, traduzindo, por isso, a letra do artigo com fidelidade o propósito do legislador.

15.ª Trazendo para o âmbito da “reserva de jurisdição” as regras de organização das respetivas provas e, ainda, acrescentamos nós, os regulamentos.

16.ª Assim, considerar que “o ato de inscrição de um jogador, ou de recusa dessa inscrição, escapa da densidade máxima desportiva ou às infrações às regras do jogo” é fazer tábua rasa não só do conteúdo do previsto no artigo 47.º/2, LBD mas também do facto de o indeferimento da pretensão do Recorrido por parte da Liga se ter prendido com uma questão técnica: o jogador que o Clube queria ver inscrito na competição profissional havia sido amador na época anterior.

17.ª Tal questão consiste numa questão estritamente desportiva.

18.ª Trata-se assim de um dos erros de julgamento de que padece a Sentença ora recorrida, ao limitar-se a incluir a questão atinente às “leis do jogo” (onde se opera o confronto desportivo) nas matérias previstas no artigo 47.º/ 2, da LBD.

19.ª Por outro lado, não se alcança o entendimento com base no qual os regulamentos e regras de organização das respetivas provas incluem, por exemplo, a nomeação dos árbitros mas não a definição de quais os jogadores que devem estar inscritos e, nesta medida, participarem na Primeira Liga.

20.ª É, assim, inconstitucional, por violação do disposto no artigo 202.º/4, da CRP, a interpretação dos arts. 46º e 47.º/1 e 2 da Lei de Bases do Desporto, e bem assim do 63.º/1 do Regulamento de Disciplina da LPFP, perfilhada na sentença recorrida, de que a negação da possibilidade de inscrição, na Liga Profissional, de um jogador contratado para prestar os seus serviços enquanto jogador profissional de futebol não está abrangida pela proibição de submissão e não fica sujeita à sanção prevista nos feridos preceitos.

21.ª Acresce serem inimpugnáveis por falta de definitividade e, em consequência, lesividade.

22.ª O artigo 46.º da LBD, quando dispõe que “as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo são impugnáveis”, implica necessariamente que a impugnabilidade dessas decisões e deliberações só se verifica quando se estejam esgotados os meios internos (do associativismo desportivo) de impugnação administrativa.

23.ª Ambos os atos cuja suspensão o G.... ........... procurou obter através de processo cautelar estavam sujeitos a impugnação administrativa necessária perante o Conselho de Justiça da FPF.

24.ª Porém o G…….. não impugnou graciosamente qualquer dos atos cuja suspensão pretendeu obter nos tribunais comuns, isto não obstante estar perante in casu de recursos administrativos necessários.

25.ª Daí que ambos os atos suspendendos fossem, em qualquer caso, inimpugnáveis por falta de lesividade, porquanto não foram, internamente, esgotados até à exaustão os meios de impugnação.

26.ª Assim, o Acórdão do Conselho de Justiça da FPF, impugnado na presente ação e declarado nulo pela sentença recorrida, não padece de qualquer vício que afete a sua validade, com todas as legais consequências daí emergentes.”.

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida.


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O ora Recorrido, G….. …………. Clube notificado apresentou contra-alegações (cfr. fls. 2599 e segs.), formulando as seguintes conclusões:

I. O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 25.05.2016, a qual julgou procedente a Acção Administrativa Especial instaurada pelo Autor, ora Recorrido, declarando nulo o Acto Administrativo Impugnado, consubstanciado no Acórdão de 22.08.2006, do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, que aplicou a pena disciplinar de descida de divisão ao Autor/Recorrido, na época desportiva 2006/2007.

II. Trata-se de Recurso Jurisdicional que causa a maior perplexidade e estranheza, já que, nos presentes autos, e após prolação de Sentença, as Entidades Demandadas (Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Federação Portuguesa de Futebol) renunciaram à interposição de Recurso Jurisdicional. A renúncia à interposição de Recurso Jurisdicional por parte da Federação Portuguesa de Futebol demonstra e atesta que a Entidade Administrativa que foi Autora do Acto Administrativo Impugnado reconheceu e conformou-se com a declaração de ilegalidade do seu Acto Administrativo, ilegalidade, essa, consubstanciada em nulidade.

III. Nessa medida, e desde logo, levanta-se uma Questão Prévia de (i)legitimidade da Recorrente para interposição de Recurso Jurisdicional, Recorrente essa que é Contra-Interessada, ilegitimidade que se funda na manifesta aceitação, pela Autora do Acto Administrativo Impugnado, da decisão de ilegalidade que recaiu sobre o Acto Administrativo por si proferido e prática de actos e operações materiais para seu início de execução – sob a forma de discussão e decisão para alargamento do quadro competitivo, de modo a incluir o G.... ........... Futebol Clube.

IV. Nesse sentido e perante tal início de execução, a procura de revisão da sentença deixa de ter utilidade material e jurídica, passando a Recorrente, caso o queira, a ter de se debruçar sobre os concretos actos de execução, pois que, sendo os termos da execução uma prerrogativa da Entidade Demandada, poderá essa pronunciar-se e questionar o excesso de execução, existindo.

V. Mas a ilegitimidade do Contra-Interessado, ora Recorrente, assenta ainda num outro pressuposto, que, pese embora possa ser apreciado de forma autónoma, se entrecruza com aquele que acabámos de expor. Vejamos.

VI. A regra geral em matéria de legitimidade para a interposição de qualquer Recurso no Contencioso Administrativo é a prevista no artigo 141.º, n.º 1, do CPTA, no qual se estatui que “Pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido e o Ministério Público, se a decisão tiver sido proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais.”. A lei utiliza a expressão “vencido”, no sentido de parte afectada ou prejudicada pela decisão.

VII. Como se constata, o critério legal essencial para aferir da (i)legitimidade para a interposição de um Recurso Jurisdicional é o de saber se a decisão de que se recorre afecta directa e efectivamente o Recorrente, isto é, se dela resulta um prejuízo que directa e efectivamente se repercuta na sua esfera jurídica, não bastando, por isso, que a decisão seja desfavorável ao Recorrente.

VIII. Com o que, independentemente de o Recorrente – Contra-Interessado na 1.ª instância – ser considerado como Parte Principal ou Parte Acessória, é necessário, para que detenha legitimidade activa para a interposição de Recurso Jurisdicional, que a Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa lhe cause um prejuízo directo, imediato, actual e efectivo, conforme decidido pelo STJ em 23.11.2005, no âmbito do Processo n.º 05B3713.

IX. Neste sentido, vejam-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: Acórdão proferido em 16.03.2006, no âmbito do Processo n.º 01197/05, onde se decidiu que: “II - Fica vencido aquele que actual, directa e efectivamente fica prejudicado pelo decisão recorrida. (destacado nosso); Acórdão proferido em 01.03.2011, no âmbito do Processo n.º 0416/10, onde se decidiu que: III – Parte vencida é aquela a quem a decisão causa prejuízo. IV - Nos termos do art.º141, n.º 1, do CPTA fica vencido aquele que actual, directa e efectivamente fica prejudicado pela decisão recorrida.” (destacado nosso); Acórdão proferido em 13.07.2011, no âmbito do Processo n.º 0430/11, onde se decidiu que: “I - Nos termos do artigo 141 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tem legitimidade para o recurso de uma decisão jurisdicional quem nela tenha ficado vencido. II - Para efeitos dessa disposição legal, parte vencida é aquela a quem a decisão causa prejuízo.” (destacado nosso).

X. O interesse em recorrer e, consequentemente, a legitimidade ad recursum, ao contrário do que é característico da legitimidade processual, não assenta numa relação da Parte com o objecto da causa, mas antes nas consequências que uma decisão pode produzir na esfera jurídica de um sujeito: este sujeito pode recorrer se a decisão lhe for prejudicial, isto é, uma Parte pode recorrer se for objectivamente afectada pela decisão.

XI. Ora, in casu, não decorre da Sentença do Tribunal de 1.ª instância qualquer prejuízo – directo ou indirecto, imediato ou mediato, actual ou futuro, efectivo ou não – para o Recorrente, já que este nem indirectamente é prejudicado com essa decisão, o que significa que o Recorrente não tem qualquer interesse (jurídico) em que a decisão do pleito lhe seja favorável, e, por conseguinte, encontra-se destituído de legitimidade activa para a interposição do Recurso Jurisdicional.

XII. Em nenhum momento do seu Recurso Jurisdicional o Recorrente demonstra – ou, sequer, alega – qual o prejuízo directo, imediato, actual e efectivo que para si resulta da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, nem, noutra perspectiva, demonstra qual a utilidade que lhe advirá da procedência do Recurso Jurisdicional. Porque não foi cumprido esse ónus de alegação e demonstração pelo Recorrente, não pode o seu Recurso Jurisdicional ser admitido, por total ausência de legitimidade do Recorrente, isto porque, como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, por intermédio de Acórdão proferido em 12.02.1981, no âmbito do Processo n.º 014329: “Não assegura a sua legitimidade para tal o simples interesse ou conveniência em conhecer a posição do Tribunal quanto ao Fundo ou mérito da questão la discutida, com vista a melhor organização ou melhor gestão do seu pessoal, uma vez tal interesse não e seguramente legítimo face a função jurisdicional traçada na Constituição (administrar justiça e não emitir pareceres);”.

XIII. Nesta senda, facto é que o Recorrente não é, por qualquer forma ou medida, prejudicado pela decisão do Tribunal de 1.ª instância, o que significa que o Recorrente não tem condições para recorrer, uma vez que se encontra destituído de legitimidade para o efeito, com o que não pode este Tribunal Central Administrativo Sul conhecer do Recurso Jurisdicional Interposto. Requer-se, por conseguinte, e como ponto preliminar, a apreciação da Questão Prévia de Ilegitimidade do Recorrente, com apoio nos dois fundamentos expostos.

XIV. Sem conceder, demonstrou-se nas presentes Contra-Alegações de Recurso Jurisdicional a improcedência dos três os fundamentos em que 50 assenta o Recurso Jurisdicional interposto, a saber: i) Alegado Erro de Julgamento da Sentença proferida pelo Tribunal a quo em virtude de esta “limitar-se a incluir a questão atinente às «leis do jogo» (onde opera o confronto desportivo) nas matérias previstas no artigo 47.º/2, da LBD” – 1.º Erro de Julgamento; ii) Alegado Erro de Julgamento da Sentença proferida pelo Tribunal a quo assente em “inconstitucional[idade], por violação do disposto no artigo 202.º/4, da CRP, a interpretação dos arts. 46º e 47.º/1 da Lei de Bases do Desporto, e bem assim do 63.º/1 do Regulamento da Disciplina da LPFP, perfilhada na sentença recorrida, de que a negação da possibilidade de inscrição, na Liga Profissional, de um jogador contratado para prestar os seus serviços enquanto jogador profissional de futebol não está abrangida pela proibição de submissão e não fica sujeita à sanção prevista nos feridos preceitos” – 2.º Erro de Julgamento; e iii) Alegado Erro de Julgamento da Sentença proferida pelo Tribunal a quo assente no entendimento de que os Actos de Recusa da Inscrição do Jogador M........... ............ ……… são “Inimpugnáveis por falta de definitividade e, em consequência, lesividade” – 3.º Erro de Julgamento (embora, como se verá, não estejamos aqui perante um verdadeiro e próprio Erro de Julgamento).

XV. Importa sublinhar que as questões que são trazidas pelo Recorrente já foram apreciadas por este Tribunal Central Administrativo Sul, encontrando-se, por conseguinte, bem discutidas e, por isso, sedimentadas no ordenamento jurídico. De facto, aquilo que é trazido pelo Recorrente como fundamento para o seu Recurso Jurisdicional já foi apreciado e decidido pelas instâncias superiores, precisamente no âmbito de um Processo em que as Partes eram as mesmas e o substrato factual e jurídico semelhantes ao presente. Falamos do Acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Sul, em 13.10.2011, no âmbito do Processo n.º 06925/10 – adiante junto como Documento n.º 1 –, onde as questões enunciadas pelo ora Recorrente foram apreciadas e decididas em sentido oposto ao que é propugnado pelo Recorrente.

XVI. Recordemos, então, e sem mais delongas, quanto à improcedência do que vem alegado pelo Recorrente sob o 1.º e 2.º Erro de Julgamento, que devem ser apreciados conjuntamente, face à sua interdependência e correlação.

XVII. Nos presentes autos esteve em causa a interpretação a dar à concatenação do disposto no n.º 1, do artigo 63.º, do Regulamento de Disciplina da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, com o previsto nos artigos 46.º e 47.º, da Lei de Bases do Desporto. Como demonstrou o Autor/Recorrido – e foi reconhecido pelo Tribunal a quo –, os actos de indeferimento da inscrição e registo de um jogador como profissional de futebol ao serviço de um clube, como o que está em causa nestes autos, não dizem respeito a infracções à ética desportiva, ou seja, à dopagem, à violência ou à corrupção, nem estamos perante questões de natureza técnica ou infracções disciplinares cometidas no decurso da competição.

XVIII. A não inscrição e o não registo de um atleta estão a montante da competição, ou seja, surgem num momento prévio a esta, e, por isso, os actos em causa não respeitam a qualquer tipo de sanção aplicável ao praticante desportivo numa dada competição, antes se destinaram a evitar o acesso à competição por parte do mesmo praticante. Nessa medida, e ao contrário do que pretende o Recorrente, não há que confundir actos de negação do direito a participar numa competição desportiva com questões disciplinares emergentes da decorrência da própria competição desportiva, não se devendo confundir tal tipo de actos com actos sobre “questões estritamente desportivas”.

XIX. A Constituição da República Portuguesa garante ao particular o direito fundamental de recorrer aos Tribunais para assegurar a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4), garantindo-se ao particular, enquanto administrado, o direito a impugnar judicialmente actos ou normas administrativas lesivas de interesses protegidos, ou, por outras palavras, o direito a sindicar judicialmente actuações da administração que se demonstrem lesivas para a esfera jurídica do particular. Está em causa o direito constitucional (verdadeiro direito, liberdade e garantia) de obter uma decisão sobre toda e qualquer questão juridicamente relevante, ou, dito de outra forma, o direito geral à protecção jurídica através dos Tribunais, na concretização de um princípio estruturante do Estado de Direito.

XX. No caso presente, houve uma inadmissível violação, por parte do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, de uma garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva, que é um direito de natureza análoga ao direito, liberdade e garantia do artigo 20.º, n.º 1.º, da Constituição da República Portuguesa, ele próprio em causa, como corolário do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa), implicando que essa garantia seja atingida no seu núcleo positivo, subtraindo-se ao seu escopo jurisdicional matéria que lhe era devida, pois que, ao arrepio dos comandos constitucionais, o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, torna impossível recorrer aos Tribunais para se apreciar actos que são materialmente administrativos e lesivos, em ambiência desportiva, por se considerarem “em matéria estritamente desportiva” e terem esta como uma área absolutamente excluída do controlo jurisdicional.

XXI. Ora, como ficou provado, o Acto Administrativo Impugnado tem como fundamento central ou principal o recurso do Autor/Recorrido aos Tribunais, concretamente por ter instaurado uma Providência Cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em virtude de lhe ter sido negada a possibilidade de inscrição, na Liga Profissional, de um jogador contratado (M........... ............ …………) para prestar os seus serviços enquanto jogador profissional de futebol (cfr. alínea MM) dos Factos Assentes)).

XXII. Assim, o Acórdão da Federação Portuguesa de Futebol, de 22.08.2006 – Acto Administrativo Impugnado –, que determinou a descida de divisão do Autor/Recorrido, configurou a questão da inscrição/recusa de inscrição na Liga Profissional do referido M........... ............ ……… como jogador profissional como integradora do conceito de “questões estritamente desportivas”. E foi com base nesse entendimento que o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol decidiu manter a decisão da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de aplicação da pena de descida de divisão ao Autor/Recorrido, fundada na prática de infracção disciplinar muito grave, consistente no recurso aos tribunais comuns sem a autorização da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol, prevista e punida pelos artigos 63.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e 60.º, dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol.

XXIII. Assim, o que esteve em causa nos presentes autos foi decidir se o recurso pelo Autor/Recorrido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sem a autorização da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol, para dirimir um litígio referente à decisão de indeferimento tomada por aquelas entidades do pedido de inscrição do referido M........... ……….. como jogador profissional, configura, ou não, uma infracção disciplinar, nos termos dos citados preceitos. E a solução a dar à referida questão passava por, previamente, decidir se o objecto do referido litígio que opôs o Autor/Recorrido às Entidades Demandadas quanto à recusa de inscrição do jogador M........... é configurável (ou não) como questão estritamente desportiva e assim se era ou não susceptível de recurso/impugnação fora das instâncias competentes na ordem desportiva.

XXIV. Ora, a este momento, importa recordar que sobre questão idêntica àquela que está em apreciação nos presentes autos foi já proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em Recurso, que foi objecto de julgamento ampliado, com fundamento no facto de estarem “pendentes na 1ª instância várias outras acções administrativas especiais envolvendo as mesmas partes, factos e decisões relativas às sucessivas sanções sofridas pelo Autor e Recorrido em consequência do recurso aos tribunais administrativos e que, se admitem possam vir a subir em recurso para este Tribunal, com o que uma definição de sentido e uniformidade jurisprudencial se reveste de manifesta conveniência ou necessidade.” – vide Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 13.10.2011, no âmbito do Processo n.º 06925/10.

XXV. Por outras palavras; a questão que o Recorrente procura trazer à apreciação deste Venerando Tribunal já foi apreciada e decidida – em julgamento ampliado – em sentido contrário ao entendimento propugnado pelo Recorrente, tratando-se de entendimento já sedimentado no ordenamento jurídico.

XXVI. Como decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul, por Acórdão proferido em 13.10.2011, no âmbito do Processo n.º 06925/10 – entendimento a que o Tribunal a quo aderiu –: “1.6. Deve dizer-se que não é inconstitucional a atribuição de competência aos Tribunais do Estado de questões surgidas no âmbito do desporto. Aceitando a constitucionalidade do excepcional art. 25º-2 da Lei 1/90, de 13 de Janeiro, na medida em que admite a “privatização” do julgamento de alguns litígios e, afastado um critério puramente normativo (normas de carácter disciplinar ou técnico) de delimitar essas questões (estritamente desportivas), torna-se necessário prosseguir e recortar, com precisão, quais são as controvérsias sobre a aplicação das leis do jogo e da organização das provas - pois são essas as questões cujo conhecimento é subtraído à jurisdição dos Tribunais do Estado, ou, como diz a lei, que «não são impugnáveis nem susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes da ordem desportiva».”.

XXVII. A problemática das questões estritamente desportivas, conexa com a competência jurisdicional do Estado, não é nova, tendo a Jurisprudência já se debruçado sobre esta problemática: cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 26.01.2006, no âmbito do Processo n.º 1270/05, bem como o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 15.10.2009, no âmbito do Processo n.º 527/09.

XXVIII. Como bem decidiu o Tribunal de 1.ª instância, por leis do jogo deve entender-se, pois, o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico-desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões, dos desportistas nas actividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.

XXIX. A regulamentação e a aplicação das leis do jogo são redutos de um poder próprio e originário das federações desportivas e dos seus agentes de regulação, de um poder que não lhes é delegado pelo Estado. O conceito legal indeterminado de questão estritamente desportiva encontra-se, 1.º, na natureza da norma sobre a qual surge a controvérsia que deve ser uma norma de “natureza técnica ou de carácter disciplinar”; 2.º, a estas normas devem reportar-se “as leis do jogo” ou aos “regulamentos e regras de organização das respectivas provas”.

XXX. Como bem decidiu o Tribunal de 1.ª instância, impõe-se uma interpretação restritiva deste conceito indeterminado, pois que o acesso aos Tribunais é uma garantia fundamental – artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa –, com particular e especial consagração no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

XXXI. Em suma, e como decidiu o Tribunal de 1.ª instância, uma questão é estritamente desportiva desde que: “a decisão em causa tenha por fundamento a aplicação de normas de natureza técnica ou disciplinar, respeitantes às “leis do jogo” (regras sobre o funcionamento da própria competição ou sobre a sua organização) e desde que tais normas não versem sobre direitos indisponíveis, não afectem direitos fundamentais, nem violem normas que protejam outro tipo de valores essenciais da vida em comunidade” (v. g., corrupção). Isto é, são questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo (onde se opera o confronto desportivo), bem como dos regulamentos e regras de organização das respectivas provas, como, por exemplo, a nomeação de árbitros.

XXXII. No caso sub iudice o Autor/Recorrido peticionou a declaração de nulidade ou anulação do Acto Administrativo praticado em 22.08.2006, pelo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, que julgou improcedente o Recurso interposto pelo mesmo da decisão proferida, em 01.08.2006 pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que lhe aplicou a pena disciplinar de descida de divisão, da I Liga para a II Liga de Honra, para a época desportiva 2006/2007. Como vimos, o fundamento para a aplicação da referida sanção disciplinar ao Autor/Recorrido foi o facto de o mesmo ter recorrido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no qual instaurou uma Providência Cautelar na sequência das decisões da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol, que haviam indeferido o pedido de inscrição do jogador M........... …………. como jogador com o estatuto de profissional, tendo formulado nesse processo cautelar o pedido de condenação provisória das Entidades Demandadas a admitir a inscrição do mesmo jogador.

XXXIII. Ou seja, o Autor/Recorrido foi punido por recorrer ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, para fazer valer os alegados direitos que defendeu terem sido lesados por decisões administrativas das Entidades Demandadas. Ora, como com assinalável acerto decidiu o Tribunal a quo, estes actos que indeferiram a inscrição do identificado jogador M........... como jogador profissional não respeitam a matérias atinentes às regras relativas a uma competição concreta, nem respeitam às “leis do jogo” ou à organização das provas desportivas.

XXXIV. O mesmo é dizer que a questão que foi submetida a julgamento no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga prende-se com a prática de actos jurídicos, que aplicam normas jurídicas e não normas técnico- desportivas subtraídas da jurisdição estatal ou dos tribunais do Estado, por respeitarem a matérias ou questões estritamente desportivas.

XXXV. Como bem decidiu o Tribunal a quo, trata-se, portanto, de uma situação que cai no âmbito do disposto no artigo 46.º, da Lei de Bases do Desporto, e não na excepção a que se reporta o artigo 47.º, n.º 1 e n.º 2 da mesma Lei, pois, como se concluiu, não estamos perante questões estritamente desportivas, mas perante Actos Administrativos, susceptíveis de impugnação contenciosa junto dos Tribunais estaduais, concretamente dos Tribunais Administrativos.

XXXVI. Como se demonstrou, a questão submetida à apreciação dos Tribunais Administrativos, relativa à inscrição do jogador M........... …………… com o estatuto de profissional, não se reconduz a uma questão estritamente desportiva, pelo que, pelas razões acima explicitadas, não pode deixar de ser judicialmente impugnável nos tribunais competentes, in casu, nos Tribunais Administrativos e como tal o recurso pelo Autor/Recorrido aos Tribunais, concretamente, a instauração de Providência Cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga não configura a prática de infracção disciplinar prevista e punida pelo artigo 63.º, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e artigo 60.º, dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol.

XXXVII. Assim, e como bem decidiu o Tribunal a quo, o Acórdão da Federação Portuguesa de Futebol que aplicou ao Autor/Recorrido a pena de descida de divisão (cfr. alínea MM) dos FA)), fundamentado no artigo 63.º, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e no artigo 60.º, dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol, violou a garantia constitucional do direito fundamental de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, prevista nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e legalmente prevista no artigo 46.º, da Lei de Bases do Desporto.

XXXVIII. As questões trazidas em Recurso Jurisdicional pelo Recorrente já foram tratadas de forma consistente pelas instâncias superiores, tendo sempre as mesmas sido julgadas absolutamente improcedentes, em entendimento que já se encontra sedimentado no ordenamento jurídico e que não oferece qualquer dúvida. Atento o exposto, é manifesta a improcedência o Recurso Jurisdicional interposto pelo Recorrente, com o que o mesmo não merece qualquer provimento.

XXXIX. Por sua vez, a invocação do 3.º Erro de Julgamento demonstra e atesta um absoluto desconhecimento do Processo por parte do Recorrente. Alega o Recorrente que os Actos Administrativos (de recusa da inscrição do jogador M........... ............ ……….) são Inimpugnáveis junto dos Tribunais, por ausência de definitividade.

XL. Ora, nos presentes autos, o único acto impugnável e impugnado é o Acórdão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, datado de 22.08.2006, proferido no processo de Recurso n.º 06, relativo ao processo disciplinar n.º 101-05/06. Tendo sido julgados inimpugnáveis os actos anteriores à decisão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, pois a presente Acção Administrativa – como decidido em sede de Despacho Saneador – destina-se apenas e tão só a apreciar a legalidade do indicado acto da Federação Portuguesa de Futebol, e, relativamente a esse, dúvidas algumas subsistem de que o mesmo é plenamente impugnável e o Recorrente não questiona que assim é.

XLI. Este segmento do Recurso Jurisdicional é absolutamente ininteligível, a que acresce a circunstância de não só nenhum Erro de Julgamento vir assacado à Sentença proferida pelo Tribunal a quo, e, bem assim, nenhuma relação ter o invocado pelo Recorrente com as circunstâncias do caso, já que este se encontra em alegação relacionada com Actos Administrativos objecto de um outro Processo distinto do presente.

XLII. Atento o exposto, o Recurso Jurisdicional interposto nada mais merece do que a absoluta improcedência.”.

Conclui pedindo que seja julgada procedente a questão prévia de ilegitimidade do Recorrente ou, caso assim não se entenda, a improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas no presente recurso jurisdicional resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento quanto à configuração da «questão estritamente desportiva», por inconstitucionalidade decorrente da violação do artigo 202.º, n.º 4 da Constituição, em relação à interpretação dos artigos 46.º e 47.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Bases do Desporto e o do artigo 63.º, n.º 1 do Regulamento de Disciplina da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, e

2. Erro de julgamento, por inimpugnabilidade da decisão impugnada, por falta de submissão a impugnação administrativa necessária perante o Conselho de Justiça da FPF, ou a sua inimpugnabilidade por falta de lesividade e de interesse processual na sua impugnação.

O Recorrido suscita, porém, nas contra-alegações, a seguinte questão prévia, cujo conhecimento precede o dos fundamentos do recurso:

3. Da ilegitimidade da Recorrente, por não ter ficado vencida.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) – Com data de 04.01.2006, o G…….. e M........... ............ …… ajustaram o acordo constante do instrumento de fls. 175 a 188 dos autos do processo cautelar apenso registado sob o n.º ……./06.3BELSB, intitulado “contrato de trabalho”, que aqui se considera integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:

PRIMEIRA: - O Clube primeiro outorgante, G.... ........... ……… admite o segundo outorgante na qualidade de jogador profissional de futebol;

(…)

QUARTA: - o presente contrato tem a duração determinada por via de:

a) – Prazo: Tendo início em 01 de Janeiro de 2006 e termo no final da época desportiva de 2009/2010; (…)” – Cfr. fls. 175-188 dos autos do processo cautelar apenso registado sob o n.º 2140/06.3BELSB (autos apensos);

B) – Com data de 04.01.2006, o G…… apresentou à FPF o instrumento de fls. 177 dos autos apensos, que aqui se considera integralmente reproduzido, pelo qual requereu a inscrição como jogador profissional, na categoria de sénior, de M........... ............ …………. – Cfr. fls. 175 a 188 dos autos apensos;

C) – Com data de 04.01.2006, a Associação de Futebol de Braga remeteu à FPF, o instrumento de fls. 192 a 198 dos autos apensos, que aqui se considera integralmente reproduzido, e do qual se extrai o seguinte:
“G.... ........... ……….. (…) pretende inscrever como profissional, o senhor M........... ............ ……….., para a época 2005/2006, no especial de 1 de Janeiro a 31 de Janeiro, no Campeonato Nacional da Super Liga, pelos factos e fundamentos seguintes:
1. O G.... ........... ………. pretende inscrever, para a época 2005/2006, o praticante desportivo profissional M........... …………...
2. Este praticante desportivo é de nacionalidade estrangeira e a única profissão que exerceu em Portugal sempre fora de Jogador Profissional de Futebol.
3. Como estrangeiro, a sua vinculação em território nacional, além do mais, fá-lo depender de um vínculo laboral que o faça demonstrar junto das entidades oficiais a sua ligação legal a país de acolhimento – Estado Português.
4. E como estrangeiro, esteve inscrito em vários clubes portugueses, tendo passado pelas escolas do ………………….., com contrato de formação desportiva, de seguida com contrato de trabalho de praticante desportivo profissional e posteriores transferências para clubes desportivos, como o ………….., …………. ……… e o ……...
5. Em virtude da desclassificação e suspensão do ………… ….. da Liga, o praticante desportivo rescindiu o seu contrato de trabalho e inscreveu-se ao serviço do ………….
6. A questão estatutária toca num ponto nuclear que é quanto a saber se o praticante desportivo é portador ou não de um estatuto de trabalho profissional, enquanto atleta, ou se, como estrangeiro e jogador de futebol de onze, a Federação Portuguesa de Futebol, o podia inscrever como Amador.
7. O G.... ........... Futebol Clube tem conhecimento de que o ...... o inscreveu como Amador, para efeitos desportivos.
8. A inscrição como amador mostra-se incompatível com a natureza jurídica de cidadão estrangeiro que obriga o cidadão para se manter em Portugal, terá de ter um estatuto de trabalhador profissional, ligado a uma empresa e ou Clube ou sociedade desportiva, e por outro terá, como condição e pressuposto, para laborar em Portugal ou em país da União Europeia, obrigatoriamente, um vínculo laboral com uma entidade empregadora, para garantir a subsistência alimentar e familiar (caso a tenha no país de acolhimento).
9. Em particular o que é que existe. Há um contrato de trabalho a termo, celebrado com o ...... e o praticante desportivo, válido por uma época desportiva, de 1 de Setembro de 2005 a 31 de Maio de 2006, com uma dada retribuição (ilegal) e com um momento extintivo que coincide com o termo da época desportiva.
10. Ora, este contrato é um verdadeiro contrato de trabalho desportivo profissional, as regras descritas e estipuladas, em tudo correspondendo ao regime jurídico do praticante desportivo profissional, em particular a fundamentação motivada da razão do contrato de trabalho, descrita na 2.ª parte da cláusula 5.ª, a natureza do próprio contrato a termo certo, a subordinação jurídica, o horário e a retribuição de trabalho e de diferente, apenas o “nomen juris” a ser fixado pelo intérprete, como se pretende.
11. Este contrato é o verdadeiro contrato de trabalho desportivo, manifestação de um negócio dissimulado, como forma de legalizar junto das entidades públicas (idict e segurança social) e torneado através de uma inscrição como amador, para satisfazer os interesses do clube contratante, que deveria ter sido sindicalizada pela federação, na altura da inscrição, como manifestação de um negócio simulado, sendo este negócio nulo, segundo o regime da lei civil, artigo 241.º do Código Civil e por interpretação do próprio regime estabelecido no Contrato Colectivo de Trabalho dos Praticantes Desportivos Profissionais, ao pretender combater os actos fraudulentos (alínea b) n.º 2 do artigo 41.º da Secção III do referido CCTJP): como decorre da rescisão do anterior contrato desportivo profissional.
12. A nulidade deste negócio torna válidos os efeitos jurídicos entretanto produzidos desde a data da celebração do contrato de trabalho a termo e consequente inscrição na federação como amador, extinguindo-se apenas os efeitos futuros ou seja a partir da resolução do contrato de trabalho com a entidade empregador, mantendo-se ainda os efeitos desportivos conquistados: como decorre do regime da nulidade do contrato estabelecido no Código do Contrato de Trabalho que se aplica segundo o regime subsidiário estabelecido no artigo 3.º da Lei n.º 28/98, que aprovou o regime do praticante desportivo profissional.
13. Considerando que o praticante desportivo, nos termos da Declaração de desvinculação assinada pelo jogador e pelo Clube, procedeu à revogação, por mútuo acordo, do seu contrato de trabalho desportivo, datada e assinada pelas partes contratantes, em 27 de Dezembro de 2005, cuja cópia se junta.
14. Além do mais, as condições regulamentares constituem verdadeiras restrições e limitações aos direitos sociais e laborais do praticante desportivo, em particular, pondo manifestamente em causa o princípio da liberdade de trabalho e da liberdade contratual, pelas razões expendidas, as quais sempre seriam, legal e constitucionalmente nulas e de nenhum efeito.
15. Do exposto resulta que, por efeito da validade do contrato dissimulado celebrado entre o ...... e o praticante desportivo M..........., o G.... ........... …pode, (como decorria da normalidade dos demais contratos de trabalho profissionais, constantes dos registos federativos e da liga profissional) ao abrigo do disposto nas Regras de Transferências e Inscrições de Jogadores Profissionais, inscrever, para a época desportiva 2005/2006, em particular, na época de Janeiro de 2006, em seu favor o praticante desportivo e utilizá-lo ainda nesta época como seu jogador profissional” – Cfr. fls. 175 a 188 e fls. 190 a 198 dos autos apensos;

D) – Por telecópia com data de 11.01.2006, a LPFP remeteu ao G…… o instrumento de fls. 190 dos autos apensos, que aqui se considera integralmente reproduzido, e do qual se extrai o seguinte:

“Com relação ao pedido de inscrição e registo do jogador M........... ............ , apresentado neste Departamento por esse Clube, resulta do requerimento subscrito por V. Exas. e dirigido à FPF (…) de que o atleta em causa esteve inscrito como jogador profissional na ……., tendo no início da corrente época desportiva se inscrito pelo ...... como jogador amador.

Neste quadro vimos, para os devidos efeitos regulamentares, comunicar que se considera que o pedido de inscrição em causa não se mostra como possível de ser deferido, pelo menos com efeitos relativos à presente época desportiva, atentas as condições e limitações, em matéria de amadorização/reprofissionalização, que decorrem do artigo n.º 3 do art.º 2.º do Regulamento para Inscrições e Transferências dos Praticantes Amadores (…)” – fls. 190 a 198 dos autos apensos;

E) – Por telecópia de 12.01.2006, a FPF remeteu ao Presidente da Associação de Futebol ……….., o instrumento de fls. fls. 199 a 201 dos autos apensos, que aqui se considera integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:
“(…) Com pedido de conhecimento ao V. filiado G.... ........... Futebol Clube, somos a informar que o requerimento para a inscrição, com o estatuto de profissional do jogador M........... ............, apresentado pelo V. filiado, foi objecto de ponderada análise, com especial incidência nas questões que o referido Clube levanta a saber:
1. O jogador é de nacionalidade estrangeira e a única profissão que exerceu em Portugal é a de jogador profissional;
2. O jogador inscreveu-se pelo ………….., para a época desportiva 2005/2006 com o estatuto de profissional;
3. Como o …………… não conseguiu participar no campeonato, o jogador acabou por ser inscrito pelo ...... com o estatuto de amador;
4. Por forma a preencher os requisitos de permanência em Portugal o jogador e o ...... celebraram o contrato de trabalho através do qual o jogador M........... ............ se obriga a desempenhar funções de contínuo;
5. O contrato celebrado é um verdadeiro contrato desportivo, pois as regras escritas e estipuladas, são em tudo idênticas ao regime jurídico do praticante desportivo, nomeadamente o horário e a retribuição de trabalho;
6. O contrato celebrado é um negócio simulado;
7. O negócio é nulo.
Ora, o contrato de trabalho desportivo está sujeito a regime especial previsto por Lei e carece de registo na Federação e/ou Liga Profissional, não sendo elementos suficientes para caracterizar o contrato de trabalho desportivo a mera existência de horário de trabalho e remuneração. Na verdade, o contrato de trabalho desportivo identifica-se, essencialmente, pelo seu objecto, isto é, a prestação de actividade desportiva, o que, objectivamente, não está previsto no contrato que o V. clube filiado anexa, o qual tem por objecto o desempenho de funções de contínuo.
Por outro lado, ao inscrever-se, na presente época, com o estatuto de amador ficou o atleta sujeito às regras previstas no Regulamento para a Inscrição e Transferência dos Praticantes Amadores.
O referido Regulamento expressamente prevê que: “O jogador que tenha mudado de Classe de profissional para amador, terá de permanecer pelo menos uma época como amador, (…)”
(…)
Acresce que esta Federação não tem legitimidade para considerar nulo e sem efeito o registo efectuado (o de amador) com base na argumentação de que tal registo está subjacente a um contrato simulado. Na verdade, esta é uma competência dos tribunais e das demais entidades judiciais. Com efeito, se se verificou, na celebração do acordo/contrato que deu origem ao registo desportivo, a prática de qualquer acto ilícito deve a parte lesada accionar os meios judiciais tendentes à protecção do seu direito.
Cabe-nos referir por último que a norma prevista no n.º 3 do artigo 2.º do Regulamento para a Inscrição e Transferências dos Praticantes Amadores tem sido objecto de aplicação corrente, inclusivamente na presente época desportiva e faz parte das normas que regulam o universo jurídico do contrato de trabalho desportivo que os clubes e jogadores contratantes têm, nos termos da lei geral, que conhecer, não lhes sendo oponível o desconhecimento. (…)” – fls. 199 a 201 dos autos do processo cautelar apenso;

F) – Em 16.01.2006, o G………. apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, requerimento inicial de providência cautelar contra a FPF e a LPFP, que correu termos sob o n.º…./06.5BEBRG, na qual formulou o pedido de condenação provisória dos Requeridos “a receber nos seus Serviços Administrativos, o processo a apresentar pelo G.... ........... …………….., relativo à inscrição e licenciamento, na época desportiva 2005/2006, dentro do 2.º período da Abertura de Inscrições Regulamentares, iniciado em 1 de Janeiro de 2006 até ao dia 31 de Janeiro de 2006, referente ao praticante desportivo M........... ............, com a inscrição federativa n.º 767433, a fim de poder integrar a equipa e participar no Campeonato Nacional de Futebol, no primeiro jogo oficial, da jornada da semana imediatamente a seguir à prolacção desta decisão judicial” – Cfr. fls. 80 a 126 do processo disciplinar n.º 102-05/06 apenso;

G) – Com data de 18.01.2006, foi expedido ofício pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, dirigido à LPFP e recepcionado pela mesma em 19.01.2006, para “no prazo de dez dias, findos cinco de dilação, deduzir oposição, querendo ao requerido pelo G.... ........... ……….; M........... ............ …….. nos autos de PROVIDÊNCIA CAUTELAR acima referenciados, conforme tudo melhor consta do duplicado da petição (…)” – Cfr. fls. 77 do processo disciplinar n.º 102-05/06 apenso;

H) – Por sentença de 08.03.2006, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga homologou a desistência de instância no processo n.º…/06.5BEBRG, requerida pelo Mandatário do G……….– Cfr. fls. 85 e 86 do processo disciplinar n.º 101-05/06 apenso;

I) – Em 31.01.2006, o Director Executivo da LPFP proferiu despacho que aqui se considera integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:
“a) À (…) LPFP, compete proceder ao registo desportivo de contratos de trabalho desportivos celebrados entre jogadores e Clubes/SAD’s, visando o licenciamento desportivo daqueles para participar em representação destes nas competições profissionais por si organizadas.
b) (…)
c) (…)
d) No passado dia 4 do corrente mês de Janeiro o G.... ........... Futebol Clube veio requerer, junto do Departamento de Registo de Contratos da Liga, o registo dum contrato de trabalho desportivo por si celebrado com o atleta M........... …………., destinado a vigorar no período de 01/01/2006 até ao termo da época desportiva de 2009/2010.
e) (…)
f) (…)
g) Na sequência do pedido de registo apresentado na LPFP pelo G.... ........... ………….., e da cópia do requerimento dirigido à FPF por este entregue instruindo o respectivo processo, veio a ser proferida decisão de não deferimento do pretendido registo que consta do Fax da LPFP com a ref.ª n.º 2730/33/05-06, de 11/01/2006, nessa data remetido ao G.... ........... F.C. (…);
h) Por outro lado, a FPF veio indeferir a pretensão formulada pelo G.... ........... Futebol Clube no requerimento que lhe apresentou e supra identificado (…);
i) Entretanto dia 19 do corrente mês de Janeiro, a LPFP foi notificada de um despacho proferido pelo Senhor Juiz nos autos do processo n.º …/06.5BEBRG, pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, onde figuram como Requerentes o G.... ........... ……. e o atleta M........... ............ …., no qual decide pelo indeferimento do decretamento provisório da providência cautelar por estes aí requerida, ao abrigo do artigo 131.º, n.º 1 do CPTA (…).
j) Posteriormente, na tarde do dia 27/01/2006, via fax, no âmbito de um processo em tudo similar e idêntico ao referido na alínea antecedente foi a LPFP notificada de um despacho proferido pela Senhora Juíza dos autos do processo n.º ../06.7BEPRT, pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, onde figura como Requerente o atleta M........... ............ ………, no qual se decreta provisoriamente as providências cautelares aí requeridas, ao abrigo do disposto no artigo 131.º, n.º 1 do CPTA, determinando-se aí “Notifique-se de imediato esta decisão às autoridades requeridas para cumprimento – suspensão de eficácia dos actos praticados pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e pela Federação Portuguesa de Futebol e de intimação para adopção de uma conduta – inscrição e registo do contrato de trabalho desportivo celebrado entre o G.... ........... …. e o jogador de futebol, M........... …….. na Liga Portuguesa de Futebol Profissional; e conceda-se às partes, nos termos do n.º 6 do artigo 131.º do CPTA, o prazo de 5 (cinco) dias para se pronunciarem sobre a possibilidade de levantamento, manutenção ou alteração da providência” (…).
k) (…)
l) (…)
(…) em cumprimento da decisão judicial que foi notificada a esta Liga pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (…) determina-se que o Departamento de Registo de Contratos da LPFP nesta data, dia 31 de Janeiro de 2006, proceda ao registo provisório do contrato apresentado a registo (…), registo provisório este sujeito à condição resolutiva do eventual levantamento da providência decretada no supra mencionado processo – cfr. fls. 30-33 processo disciplinar n.º 101-05/06 apenso;

J) – Em 03.03.2006, o Clube …………. SAD apresentou participação disciplinar contra o G….., a qual deu origem ao processo de inquérito n.º 12/05-06, que aqui se dá por integralmente reproduzida – Cfr. fls. 33 a 67 do processo disciplinar n.º 102- 05/06 apenso;

K) – Em 30.03.2006, no âmbito do processo de inquérito n.º 12/05-06, iniciado na sequência da participação disciplinar apresentada pelo Clube …….. SAD contra o G………, foi elaborado pelo respectivo instrutor “Relatório”, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:
“(…) Assunto: Eventual utilização irregular do jogador M........... ……. pelo G.... ........... FC no jogo n.º ….., “G.... ........... FC// V…… SAD, realizado em 05 de Fevereiro de 2006”.
(…)
Factos provados:
(…)
No dia 19.01.2006 a LPFP foi notificada de um Despacho proferido pelo Exmo. Senhor Juiz de Direito desse processo (autos com o n.º …/06.5BEBRG a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga), no qual se decidiu pelo indeferimento do decretamento provisório da providência cautelar por estes aí requerida ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPTA na petição apresentada (…)”.
Posteriormente na data de 27.01.2006, via Fax, no âmbito do processo n.º …./06.7BEPRT, pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, (…), foi a LPFP notificada da decisão da Exma. Senhora Juiz de Direito do processo decretando provisoriamente as providências cautelares requeridas, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPTA (…).
(…)
Durante o tempo que mediou a comunicação ao G.... ........... FC da inscrição do jogador M..........., ocorrida a 03 de Fevereiro de 2006 até à data da comunicação ao Clube do cancelamento da sua inscrição ocorrida a 03 de Março de 2006, o jogador poderia ser utilizado sob o manto da regularidade conferida pela decisão provisória nos termos do n.º 5 do artigo 32.º do RC LPFP e sempre sob o manto da decisão judicial a quem a LPFP, naturalmente, deve obediência.
Ora, os jogos em que o G.... ........... FC fez alinhar o jogador M........... ocorreram nas datas de 05, 12, 19 e 24 de Fevereiro de 2006 dentro, portanto, do período de vigência da inscrição provisória.
Pelo exposto, sem embargo de melhor e sempre douta opinião contrária, julgo ser de arquivar o presente Processo Disciplinar contra o G.... ........... FC assim se fazendo justiça” – Cfr. fls. 308 a 331 do processo disciplinar n.º 102-05/06 apenso;

L) – Por Acórdão de 31.03.2006, proferido no âmbito do processo de inquérito n.º 12-05/06, que aqui se considera integralmente reproduzido, a Comissão Disciplinar da LPFP decidiu o seguinte:

“Ao abrigo do disposto no artigo 186.º do Regulamento Disciplinar da L.P.F.P., por se concordar com a proposta formulada no relatório do Exmo. Senhor Instrutor de fls. dos autos, apropriamo-nos dos fundamentos de facto e de direito nele invocados.

Assim, acorda-se em determinar o arquivamento dos autos.” – Cfr. fls. 333 do processo disciplinar n.º 102-05/06 apenso;

M) – Em 16.03.2006, a “Associação ……………. – O…” apresentou pedido de instauração de processo de inquérito contra o G……, tendo dado origem ao processo de inquérito n.º 13/05-06 - convertido no processo disciplinar n.º ……/06 -, nos termos do instrumento de fls. 4-5, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:

“(…) 5. não obstante o determinado no despacho atrás referido, impõe-se apurar, em nossa opinião, à luz dos regulamentos que regem as competições profissionais organizadas pela L.P.F.P., e ajuizar, com as correspondentes consequências regulamentares, da relevância disciplinar da utilização por parte do G.... ........... Futebol Clube de um jogador, sem que o mesmo reunisse as condições regulamentares para ser validamente inscrito e cuja inscrição, ainda que condicional, apenas foi alcançada por recurso à via judicial, não obstante o clube em causa saber, sem poder ignorar, que a sua pretensão não podia ser satisfeita à luz dos regulamentos desportivos a que adstrito. (…)” – Cfr. fls. 3 a 24 do processo disciplinar n.º 102-05/06 apenso;

N) – Com data de 11.05.2006, no processo de inquérito n.º 13/05-06, iniciado na sequência da participação disciplinar apresentada pela “Associação ………….. – O….” contra o G……foi elaborado pelo respectivo instrutor “Relatório”, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de que extrai o seguinte:
“(…) Duas questões distintas com a respectiva repercussão distinta no ordenamento jurídico se colocam em relação à denúncia efectuada e objecto do presente processo. A utilização supostamente irregular do jogador no jogo n.º ……., a cobro do registo provisório obtido através de recurso à via judicial e o próprio recurso à via judicial para obtenção do efeito do registo.
(…)
2.º Do recurso aos Tribunais Judiciais (…)
Pelo exposto, sem embargo de melhor e sempre douta opinião contrária, julgo ser de converter o Processo de Inquérito, em Processo Disciplinar, pela prática da infracção constante do artigo 63.º do Regulamento Disciplinar da LPFP contra o G.... ........... FC, arquivando-se o processo no que tange à suposta prática de infracção constante no artigo 60.º do Regulamento Disciplinar da LPFP” – Cfr. fls. 344 a 377 do processo disciplinar n.º 102-05/06 apenso;

O) – Por despacho de 16.05.2006, proferido no processo de inquérito n.º 13- 05/06, o Presidente da Comissão Disciplinar da LPFP determinou o seguinte: “Em função do antecedente relatório: extraia-se certidão para autuação como processo disciplinar, forma processual para a qual se converte o inquérito nesse segmento (…)”, o qual foi autuado como processo disciplinar n.º ……./06 – Cfr. fls. 379 e 379v do processo disciplinar n.º 102-05/06 apenso;

P) – Em 9.05.2006 “Os B……….” – Sociedade …………… S.A.D. dirigiu ao Presidente da Comissão Disciplinar da LPFP o instrumento constante a fls. 3 a 15 do processo disciplinar n.º …../06, através do qual participou disciplinarmente contra o G.... ........... Futebol Clube, dando origem ao processo disciplinar n.º ……./06, que aqui se considera integralmente reproduzido, e do qual se extrai o seguinte:

“(…) Termos em que,

Deve ser instaurado Processo Disciplinar ao G.... ........... Futebol Clube, com fundamento na violação do disposto no artº 63.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar da L.P.F.P., tendo em vista a punição deste Clube com a pena de baixa de divisão conforme preceituado naquela norma regulamentar.

Deve o mesmo Clube ser condenado na aludida pena de baixa de divisão, com os fundamentos mencionados, nos termos e com as consequências regulamentares.” – Cfr. fls. 3 a 15 do processo disciplinar n.º 101-05/06;

Q) – A fls. 34 do processo disciplinar n.º ……/06 foi lavrada cota assinada por L…. ………. P´ Comissão Disciplinar da LPFP, da qual consta: “Aos dez dias do mês de Maio de dois mil e seis, notifiquei telefonicamente o Sr. Instrutor, Dr. …….., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 179.º do Regulamento Disciplinar” – Cfr. fls. 34 do processo disciplinar n.º 101- 05/06;

R) – A fls. 35 do processo disciplinar n.º 101-05/06 foi lavrada “cota” assinada pelo Secretário da Comissão Disciplinar da LPFP, da qual consta: “Por seu despacho de 16 do corrente, o Sr. Presidente da Comissão Disciplinar determinou a apensação do Processo Disciplinar n.º …../05-06, aos presentes autos, nos termos do Art.º 177º do R.D. desta L.P.F.P.” – Cfr. fls. 35 do processo disciplinar n.º 101-05/06 apenso;

S) – Com data de 16.05.2006, no processo disciplinar n.º…../06 foi deduzida “Nota de Culpa” contra o GVFC, que aqui se considera integralmente reproduzida – Cfr. fls. 36-47 do processo disciplinar n.º 101-05/06;

T) – Em 18.05.2006, foi dado conhecimento ao G….. da “Nota de Culpa”/acusação deduzida contra si, no âmbito do processo disciplinar n.º …../06 – Cfr. fls. 48 e 49 do processo disciplinar n.º …../06;

U) – Em 25.05.2006, o G……. apresentou a sua resposta à Nota de Culpa referida em S), que aqui se considera integralmente reproduzida – Cfr. fls. 54-78 e 142-164 do processo disciplinar n.º ……./06;

V) – Em 18.07.2006, o G…… dirigiu ao Presidente da Comissão Disciplinar da LPFP o instrumento de fls. 822-829 que aqui se considera integralmente reproduzido, e do qual se extrai o seguinte:
“(…) Nestes termos, deve o incidente de suspeição ora deduzido ser julgado provado e procedente e em consequência serem os Drs. Juízes P….. …………. e F………… ………… destituídos de membros da CD da LPFP, com efeitos imediatos, não podendo participar na discussão, votação e decisão do processo em mérito, o que se invoca nos termos do disposto nos artigos 39.º e ss. do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 35.º, n.º 4 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração, aplicável por força do artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento Disciplinar da LPFP e também à luz do disposto nos artigos 91.º e 92.º do Código Disciplinar da FIFA.” – Cfr. fls. 822 a 829 do processo disciplinar n.º ………/06;

W) – Em 20.07.2006, o Conselho de Justiça da FPF, decidiu o seguinte:
“O G.... ........... Futebol Clube dirigiu ao Presidente da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional o incidente de suspeição de 2 Membros da aludida Comissão Disciplinar.
O Exmo. Presidente da Comissão Disciplinar da LPF (…), remeteu o expediente a este Conselho.
No entanto, a competência para decidir o incidente é do Presidente da Comissão Disciplinar da LPF. (…).” – Cfr. fls. 891 do processo disciplinar n.º ………./06;

X) – Em 27.07.2006, o G…………. apresentou o instrumento de fls. 920-924 do processo disciplinar n.º …………/06, dirigido à Comissão Disciplinar da LPFP, que aqui se considera integralmente reproduzido, pelo qual requereu que os autos aguardassem as decisões finais sobre as diligências pendentes – Cfr. fls. 920 a 924 do processo disciplinar n.º 101-05/06;

Y) – Em 31.07.2006, o G………. apresentou o instrumento de fls. 933 e 934 do processo disciplinar n.º ………./06, dirigido ao Presidente da Comissão Disciplinar da LPFP, que aqui se considera integralmente reproduzido, requerendo “que se digne acolher o supra exposto, abstendo-se de intervir no incidente suscitado de suspeição, declarando a falta de quorum da CD para as decisões a proferir sobre este incidente, com as legais consequências, dando sem efeito quaisquer diligências sobe este incidente, designadamente agendada para o dia 1 de Agosto de 2006” – Cfr. fls. 933 e 934 do processo disciplinar n.º ………./06;

Z) – Em 01.08.2006, no âmbito do processo disciplinar n.º 101-05/06, foi proferido despacho pelo Senhor Dr. P…………., que aqui se considera integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
“(…) O arguido veio a 18 de Julho deduzir no âmbito do Processo Disciplinar (PD) supra identificado um incidente de suspeição ao Relator dos presentes autos, assim como ao Exmo. Vogal da Comissão Disciplinar (CD).
(…)
O artigo 45.º, n.º 4 por remissão do artigo 50.º, n.º 1, ambos do CPA, prevê que quando o incidente de suspeição é relativo ao presidente, a decisão compete ao próprio órgão, sem intervenção daquele.
Conforme se referiu, o arguido suscitou igualmente incidente de suspeição ao Exmo. Vogal Dr. F………………….
Assim sendo, será competente para decidir os referidos pedidos de suspeição o terceiro Vogal em exercício de funções, Exmo. Senhor Dr. F…………………., ao qual deve ser aberta conclusão nos autos para este efeito” – Cfr. fls. 937 e 938 do processo disciplinar n.º 101-05/06;

AA) – Por ofício com o n.º 278/33/05/23/06-07, de 01.08.2006, pela LPFP foi dado conhecimento ao G………., via telecópia, com a hora de registo 15h48m, do despacho referido na alínea antecedente – Cfr. fls. 939-940 do processo disciplinar n.º ………/06;

BB) – Em 01.08.2006, pelas 15h45m e pelas 16h00, nas instalações da LPFP, foram lavrados dois “Auto de Declarações”, dos quais constam as declarações prestadas pelos membros da Comissão Disciplinar da LPFP, Dr. ……….. e Dr. …………….., respetivamente, que aqui se consideram integralmente reproduzidos – Cfr. fls. 946 a 951 do processo disciplinar n.º ………../06;

CC) – Em 01.08.2006, no processo disciplinar n.º 101-05/06, foi proferido despacho pelo Vogal da Comissão Disciplinar da LPFP, Dr. ………….., de indeferimento do incidente de suspeição deduzido pelo G………. contra o relator do processo disciplinar n.º ……/06, Dr. …… e contra o Vogal da Comissão Disciplinar, Dr. …………, que aqui se considera integralmente reproduzido – Cfr. fls. 952 a 957 do processo disciplinar n.º ………../06;

DD) – Por ofício com o n.º 277/33/05/23/06-07, de 01.08.2006, da LPFP foi dado conhecimento ao G……….., via telecópia, com a hora de registo 16h55m, do despacho identificado na alínea antecedente – Cfr. fls. 958 e 959 do processo disciplinar n.º ………./06;

EE) – Em 01.08.2006, no processo disciplinar n.º ………/06, foi proferido despacho pelo Presidente da Comissão Disciplinar, Dr. ……………., que aqui se considera integralmente reproduzido e do que se extrai o seguinte:
“O arguido G.... ........... Futebol Clube veio a 27 de Julho, requerer a esta Comissão Disciplinar (CD) para que não reúna “para apreciar, discutir e votar o denominado “caso M...........” e que os presentes autos aguardem “as decisões finais sobre as diligências supra identificadas”, ou seja para que não decida.
As diligências identificadas são de momento 5 (cinco), a saber e em síntese:
1.ª - Um esclarecimento ou reforma do Acórdão proferido pelo CJ da FPF em 20/07/2006, apresentado àquele órgão jurisdicional pelo G.... ........... F.C.;
2.ª - Incidente de suspeição deduzido em 26 de Julho pelo G.... ........... F.C. contra o Exmo. Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral (AG) da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP);
3.ª – Recurso interposto pelo G.... ........... F.C. a 27 de Julho dos actos e despachos proferidos pelo Exmo. Senhor Presidente de Mesa da AG da LPFP sobre a recomposição da CD;
4.ª – Incidente de suspeição deduzido pelo G.... ........... F.C. contra o relator do processo disciplinar em apreço; e
5.ª – Incidente de suspeição deduzido pelo G.... ........... F.C. contra o Exmo. Vogal da CD, Dr. …………………
No entanto, o requerente não invoca uma única norma jurídica em que se baseia para formular a sua pretensão.
Por outro lado, são conhecidas, por retratadas nos autos, as delongas que os presentes autos têm sofrido, nomeadamente pelo que poderá ser apelidado eufemisticamente como uso exaustivo de direitos, com as inerentes consequências.
Não decidir seria denegar justiça.
Assim, por ausência de fundamento legal, indefere-se o requerido. (…)” – Cfr. fls. 970 e 971 do processo disciplinar n.º …………/06;

FF) – Por ofício com o n.º 279/33/05/23/06-07, de 01.08.2006, da LPFP, foi dado conhecimento ao G………….., via telecópia, com a hora de registo 17h14m, do despacho identificado na alínea antecedente – Cfr. fls. 972 e 973 do processo instrutor;

GG) – Em 01.08.2006, no processo disciplinar n.º ………/06, foi proferido despacho pelo Presidente da Comissão Disciplinar da LPFP, Dr. ……………, que aqui se considera integralmente reproduzido e do que se extrai o seguinte:
“O arguido G.... ........... Futebol Clube veio agora requerer que o Presidente em exercício da Comissão Disciplinar (CD) se abstenha “de intervir no incidente suscitado de suspeição” e seja declarada “falta de quorum da CD para as decisões a proferir sobre este incidente”.
A primeira questão apresenta-se inútil (…).
A questão seguinte suscita previamente a dúvida se o arguido deduziu ou não o incidente de suspeição relativamente ao Exmo. Vogal, Dr. ………………..
(…)
Quanto à questão do quórum, haverá que cumprir o estipulado na lei, aplicando-se ao caso concreto o previsto no artigo 45.º, n.º 4 do Código de Procedimento Administrativo, sendo certo que aqui a decisão competirá ao único membro disponível, por não visado no incidente, agindo analogicamente como se de um órgão singular se tratasse. Doutra forma seria a paralisia dos órgãos, e, consequentemente, das instituições, o que certamente não se pretenderá.
Assim sendo, (…), devem os mesmos retomar a normalidade dos seus termos. (…)” – Cfr. fls. 978 do processo disciplinar n.º …………./06;

HH) – Por ofício com o n.º 287/33/05/23/06-07, de 01.08.2006, da LPFP, foi dado conhecimento ao G…………., via telecópia, com a hora de registo 17h18m, do despacho identificado na alínea antecedente – Cfr. fls. 979 e 980 do processo disciplinar n.º ………../06;

II) – Em 01.08.2006, o G……….. apresentou o instrumento de fls. 1061 a 1064 do processo instrutor, dirigido ao Presidente da Comissão Disciplinar da LPFP, recepcionado às 17h16m, no qual deduziu pedido de “suspeição contra o terceiro membro vogal da Comissão Disciplinar, Dr. ……………” – Cfr. fls. 1061 a 1064 do processo disciplinar n.º ……./06;

JJ) – Por Acórdão de 01.08.2006, proferido no âmbito do processo disciplinar n.º 101-05/06, que aqui se considera integralmente reproduzido, a Comissão Disciplinar da LPFP decidiu o seguinte:

“(…) Face ao exposto, acordam os membros da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e na procedência da acusação face à matéria de facto provada, em condenar o G.... ........... F.C. com a pena de baixa de divisão pela prática da infracção disciplinar muito grave – o ter recorrido a tribunais comuns –, em conformidade com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, do “Regulamento Disciplinar” da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, devendo assim e consequentemente disputar a Liga de Honra, na época 2006/2007.” – Cfr. fls. 984 a 1034 do processo disciplinar n.º ………../06;

KK) – Por ofício com o n.º 839/33/06-07, de 01.08.2006, da Comissão Disciplinar da LPFP, remetido via telecópia na mesma data, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi dado conhecimento ao G……………. da decisão identificada na alínea antecedente – Cfr. fls. 1035 a 1047 do processo disciplinar n.º …………/06;

LL) – Em 04.08.2006, o G………. interpôs recurso da decisão proferida pela Comissão Disciplinar da LPFP, de 01.08.2006, para o Conselho de Justiça da FPF, com os fundamentos constantes de fls. 1075 a 1259, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que veio a ser registado como processo de recurso n.º 6/CJ-06/07 – Cfr. fls. 1075 a 1259 do processo disciplinar n.º ………../06 e fls. 156-308 do processo de recurso n.º 6/CJ-06/07;

MM) – Em 22.08.2006, o Conselho de Justiça da FPF proferiu acórdão referente ao recurso referido na alínea antecedente, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:

“O G.... ........... Futebol Clube veio interpor recurso da decisão proferida pela Comissão Disciplinar da LPFP que lhe aplicou a pena de descida de divisão pela prática da infracção disciplinar muito grave consistente no recurso aos tribunais comuns p.p. pelo art.º 63.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar da L.P.F.

(…)

B - Subsunção dos Factos ao Direito:

I - Das alegações do recorrente verifica-se que o mesmo suscita questões que devem considerar-se prévias ao conhecimento do mérito do recurso porquanto a verificarem-se poderiam inquinar a decisão, tal como invoca a falta de um pressuposto processual relativo ao B......... - falta de interesse em agir. São elas as que se prendem com os a) da alegada renúncia dos membros da CD Srs. Juízes ………… e …………; b) actos praticados pelo Sr. Presidente da Assembleia Geral, c) reclamações apresentadas perante este Conselho de Justiça e respeitantes a Acórdão proferido por este Conselho nestes autos, d) os despachos proferidos pelo Sr. Relator do Processo Disciplinar, e) a decisão do incidente de suspeição por parte do terceiro membro da Comissão Disciplinar nomeado pelo Sr. Presidente da Assembleia Geral, f) a participação deste na votação do acórdão em crise e g) Falta de Interesse em Agir por parte do B..........

A - Da alegada renúncia dos membros da CD Srs. Juízes ……… e ………….:

Como se vê das cartas de fls. 151 e ss e 154 e ss. dos presentes autos ambos os membros da Cd apresentaram "demissão" (sic),

Ora, não está demonstrado que tais demissões foram aceites. De resto, a figura da demissão não existe nos Estatutos nem nos Regulamentos da L.P.F.P. nem da F.P.F..

B - Actos Praticados pelo Sr. Presidente da Assembleia Geral:

O aqui recorrente, G.... ........... Futebol Clube, interpôs recurso dos actos praticados pelo Sr. Presidente da Assembleia Geral para este Conselho, o qual foi distribuído e já decidido - Recurso n.º 05; assim, a matéria constante das conclusões n.ºs 1 a 7 porque constituem objecto daquele recurso não serão aqui apreciadas.

Mas em abono da verdade, apenas se dirá que a tal recurso nunca foi atribuído efeito suspensivo!

Além disso, sempre se dirá que o incidente de suspeição deduzido contra o Sr. Presidente da Assembleia Geral da L. P. F. P. mesmo que fosse procedente não afecta as decisões tomadas pela Comissão Disciplinar - órgão jurisdicional da Liga Portuguesa de Futebol Profissional totalmente independente funcionalmente da Assembleia Geral da referida Liga e da qual não faz parte o Sr. Presidente da A. G-!

C - Reclamações apresentadas perante este Conselho de Justiça e respeitantes ao Acórdão por ele proferido nestes autos:

As reclamações apresentadas e a que o recorrente G.... ........... Futebol Clube se refere nos art.ºs 95°, 96°, 97° e 98° das suas alegações foram oportunamente apreciadas e decididas.

D - Despachos proferidos pelo Sr. Relator do Processo Disciplinar:

Após a entrada do incidente de suspeição contra os Srs. Juiz Desembargador ………… e Sr. Juiz ………… - em 18.07.2006 - o relator do processo - Sr. Juiz Desembargador …………., só proferiu o despacho de fls. 938.

Tal despacho não versa sobre nenhuma das questões suscitadas nos autos limitando-se a definir quem deve decidir os incidentes de suspeição que haviam sido deduzidos (v. Fls. 803 a 938) de harmonia com o disposto no art.º 46.º Cód. Proc. Penal. Somente após a decisão dos incidentes de suspeição o visado Sr. Juiz Desembargador ……………. teve intervenção nos autos na qualidade de relator apreciando e decidindo as diversas questões que estavam pendentes.

No dia 1 de Agosto de 2006 foi decidido o pedido do ora recorrente dirigido à Comissão Disciplinar da L.P.F.P. para que não conhecesse dos presentes autos enquanto não fossem consideradas as reclamações e o recurso que havia suscitado junto deste Conselho de Justiça, os incidentes de suspeição que havia deduzido contra os membros da Comissão Disciplinar e o incidente de suspeição deduzido contra o Sr. Presidente da Assembleia Geral da L. P. F. Este pedido foi indeferido cfr. fls. 970 e ss..

Mantemos, por com ele concordar, o fundamento constante do referido despacho.

Contudo sempre se dirá que, pela ordem da prática dos actos constantes dos autos verifica-se que quando foi proferido tal despacho já haviam sido decididos os pedidos de suspeição que o recorrente havia deduzido contra os membros da Comissão Disciplinar. Aliás, esta ordem cronológica é do conhecimento do recorrente que foi notificado via fax de ambas as decisões - a que decidiu os incidentes de suspeição e a que julgou improcedente o pedido de não decisão (suspensão) destes autos até decisão daqueles incidentes - vendo-se dos relatórios de envio dos ditos faxes que foram enviados a horas diferentes e pela ordem que se encontram nos autos – V. Fls. 952 e ss. (despacho) e notificações de fls. 959 a 962, 970 (despacho) e notificações de fls. 973 a 977.

Assim, quando foi proferido o acórdão de que agora se recorre já estavam decididos os incidentes de suspeição.

Não se verifica qualquer nulidade, improcedendo as conclusões n.ºs 13 a 15 do recorrente.

(…)

II -

a) A "Autorização" para recorrer aos tribunais "dada" pela FPF e pela LPFP:

O recorrente invoca, já sobre a questão do recurso aos tribunais comuns, que a FPF e a LPFP o autorizaram a intentar a acção interposta no Tribunal Administrativo de Braga.

No entender do recorrente o despacho da FPF com o teor: "Esta federação não tem legitimidade para considerar nulo e sem efeito o registo efectuado (o de amador) com base na argumentação de que tal registo está subjacente um contrato simulado. Na verdade, esta é uma competência dos tribunais e das demais entidades judiciais..." e a decisão da L. P. F. P. que subscreveu os mesmos fundamentos remeteram o recorrente e o jogador para os meios judiciais e autorizaram tal acção.

Salvo o devido respeito este entendimento é totalmente destituído de qualquer fundamento não encontrando qualquer correspondência na letra do referido despacho.

O despacho da Federação apenas constata uma realidade - só os tribunais são competentes para analisar e decidir se o contrato em causa é ou não simulado.

Para o efeito devia o interessado - o jogador e/ou o Clube intentar junto dos tribunais comuns a competente acção declarativa e uma vez julgada verificada a simulação e afastado o impedimento requerer a competente inscrição do jogador.

Ora, a acção que o recorrente intentou no Tribunal Administrativo não corresponde à acção adequada a conhecer e declarar para todos os efeitos legais a simulação de contrato - simulação esta que o recorrente defende ter ocorrido - e que deveria ter sido intentada contra o clube com quem o jogador celebrou o dito contrato.

Com tal acção o recorrente pretendeu revogar a decisão dos órgãos desportivos que indeferiu o pedido de inscrição do jogador M........... e não diligenciar pelo preenchimento dos requisitos necessários, neste caso afastamento do impedimento, para realização da referida inscrição do jogador como profissional de futebol.

Por outro lado só uma tentativa desesperada de justificar o injustificável interpreta do despacho da FPF acima transcrito uma autorização de demanda judicial.

Tal autorização não se encontra no despacho da FPF nem expressa nem tacitamente!!!

O despacho da Federação não determinou a acção judicial que o recorrente intentou. Aliás, nem se percebe este argumento já que o recorrente defende que nenhuma acção pretendeu intentar !!!

(…)

É do seguinte teor a Motivação de Direito do Acórdão recorrido:

«D – Motivação de direito (subsunção normativo – disciplinar)

O G………. ao ver ser-lhe negada a possibilidade de inscrever na Liga Profissional, um jogador contratado para prestar os seus serviços enquanto jogador profissional de futebol, entendeu submeter aos tribunais comuns (Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga) um pedido, sob forma cautelar, para inscrição desse jogador.

O jogador M........... ............ da Costa, e já não formalmente o Clube ora arguido, intentou uma outra acção idêntica noutro tribunal – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. Tal situação não reveste de particular interesse para os presentes autos, uma vez que o formalmente responsável pelo uso dos tribunais comuns, não é aqui arguido. Concluir-se-á que a única acção com relevância para este processo é a acção intentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga. A outra, do Porto, não teve formalmente o clube arguido como autor, mas apenas o jogador.

Para enquadramento da questão de fundo do processo disciplinar, importa atentar aos antecedentes que levaram o arguido à conduta tipificada como infracção.

O indeferimento da pretensão do Clube por parte da Liga prendeu-se com uma questão técnica. O jogador, que o Clube queria ver inscrito na competição profissional, havia sido amador na época anterior.

E havia sido amador na época anterior, segundo o alegado pelo jogador e pelo G.... ........... na sua acção, por ter sido assim inscrito pelo F. C. .......

É competência da LPFP o registo desportivo de contratos de trabalho desportivos celebrados entre jogadores de futebol e Clubes visando a participação dos mesmos nas competições organizadas pela mesma Liga, pese embora a homologação definitiva ser competência da FPF.

Estatui o “Regulamento de Competições” da LPFP, e ao que aos presentes autos interessa, que:

Artigo 31.º “1. …

2. A participação dos jogadores nas competições desportivas oficiais organizadas pela Liga depende de prévia inscrição e registo do contrato de trabalho desportivo na Liga PFP e FPF, através da Liga, os quais só serão concedidos desde que cumulativamente:

a) Estejam preenchidos todos os requisitos formais e regulamentares de inscrição;

b) Seja legítimo o vínculo em representação do Clube invocado no acto de inscrição, nomeadamente ao abrigo da legislação laboral, instrumentos de regulação colectiva de trabalho em vigor, regulamentação desportiva aplicável e, ainda, os acordos directamente celebrados entre a Liga PFP e o Sindicato Nacional de Jogadores Profissionais de Futebol, que definam regras que regulem ou condicionem a inscrição de jogadores profissionais”.

Artigo 32.º

“1. Os processos de inscrição e transferência de jogadores dos Clubes participantes nas competições de carácter profissional, bem como o registo de contratos de trabalho respectivos, eventuais alterações, modificações revogações e rescisões, deverão ser efectuados pela Liga, de acordo com as normas abaixo estabelecidas, e sujeitos à homologação e licenciamento definitivo da FPF.

2. A inscrição deve ser instruída com os seguintes documentos:

(…)

5. Depois de comprovar que o processo de inscrição não padece de vícios formais ou substanciais, a Liga deferirá provisoriamente a inscrição, remetendo o original do contrato para a FPF, para efeitos de homologação definitiva.

6. A falta de homologação pela FPF de processos de inscrição deferidos provisoriamente pela Liga determina, após notificação ao Clube, a suspensão automática da participação do jogador em competições oficiais, sendo o processo devolvido ao Clube para que este o reenvie à Liga, devidamente regularizado, no prazo máximo de vinte dias, sob pena de anulação definitiva. Cessa esta suspensão após Despacho do Director Executivo da Comissão Executiva da Liga.

(…)

8. A participação de jogadores em competições oficiais depende de comunicação da Liga do deferimento da inscrição.

(…)

12. A Liga divulgará, semanalmente, através de Comunicado Oficial, uma listagem dos pedidos de inscrição e registo de contratos que lhe tenham sido apresentados”.

Temos assim que, depois de comprovar que o processo de inscrição não padece de vícios formais ou substanciais, a Liga deferirá provisoriamente a inscrição, remetendo o original do contrato para a FPF, para efeitos de homologação definitiva (n.º 5 supra).

Para os efeitos regulamentares é, em última análise, à FPF que compete decidir e verificar da regularidade e conformidade regulamentar dos pedidos de registo dos contratos efectuados junto da LPF.

A Federação, a Liga antes, não concedeu o registo do contrato celebrado com M........... ……………… ao G.... ........... FC.

Para tal recusa atendeu-se ao disposto no artigo 2.º, n.º 3, do “Regulamento para Inscrições e Transferências dos Praticantes Amadores”, que expressamente consagra: “O Jogador que tenha mudado da Classe de profissional para Amador, terá de permanecer pelo menos uma época como amador, não contando para este efeito a época em que se verifique a mudança, salvo se a mesma se processar no início da época e antes do início de qualquer prova em que o jogador participar”.

Por outro lado, “O jogador que tenha passado a amador só poderá transferir-se para um Clube estrangeiro depois de decorrida uma época após a sua mudança de classe, não contando para este efeito a época em que se verificou a mudança, salvo se a mesma se processar no início dessa época, antes do início de qualquer prova em que o jogador possa participar”.

Descontente com essa recusa de inscrição o G.... ........... intentou uma acção judicial, sob a forma de Providência Cautelar, contra a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a Federação Portuguesa de Futebol e o ...... FC (antigo clube do atleta M........... ............) para obter aquele efeito que lhe fora negado pelas instâncias desportivas.

Antes da análise da questão nuclear que deu origem ao presente processo disciplinar, convirá fazer uma breve nota a questões suscitadas na defesa do arguido.

1.º Referiu o arguido G.... ........... FC que a acção intentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi contra a sua vontade (!).

O que emerge dos autos, e isso alcança-se pela prova documental, é uma procuração que constitui advogado como seu bastante procurador a quem confere “…os mais amplos poderes forenses em direito permitidos e ainda os especiais para outorgar o Requerimento dirigido à Federação Portuguesa de Futebol relativo à transferência do atleta M........... ............ …………… (…)”.

O causídico constituído não prestou declarações nos autos. A procuração encontra-se assinada por três dirigentes do arguido G.... ........... F.C., sendo perceptível a assinatura do seu Presidente.

Não obstante ter havido declarações no sentido oferecido pelo arguido, nomeadamente do seu Director Desportivo da altura, bem como do seu Secretário Técnico, o certo é que não houve revogação, e ela poderia ser realizada, da procuração nos autos que correram termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga. E seria possível apresentar prova, uma vez documental, dessa revogação.

Resulta do próprio arguido G.... ........... ……… em contestação, a confissão de que deu instruções para a competente desistência da instância. O que aconteceu após conhecimento da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

Ora, o próprio acto de desistir é um poder forense especial que o mandante outorga em favor do seu mandatário pelo que, quem dá instruções para desistir de uma acção, age como se de um mandante judicial se tratasse.

O mandatário, e só não o fez por isso, não detinha poderes especiais para desistir ou transigir a acção em nome e representação do constituinte, motivo pelo qual, tal como resulta da conclusão datada de 08.03.2006, o Meritíssimo Juiz dá conta dessa falta de poderes do mandatário para efectuar a desistência.

Uma vez que não estavam em causa direitos indisponíveis o Meritíssimo Juiz considerou a nulidade decorrente da falta de poderes do mandatário suprível nos termos do artigo 301.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

2.º Refere, também o arguido, a existência de uma eventual prescrição do procedimento disciplinar (…).

3.º Esta última questão acaba por, de alguma forma, responder e consumir a questão avançada pelo arguido na sua defesa, sobre uma pretensa presunção legal da inexistência de qualquer infracção disciplinar.

(…)


*

Chegados aqui retomemos a análise da questão reputada de nuclear nos presentes autos, a qual se centra em torno do recurso aos tribunais comuns por parte dos Clubes integrados na LPFP.

O arguido faz a sua interpretação do artigo 63.º do Regulamento Disciplinar e que merece ser vista, sem preocupação de particular análise crítica do “Parecer” que o arguido solicitou e juntou aos autos.

A instituição de uma Justiça Desportiva decorre do próprio ordenamento jurídico geral que estabelece os fundamentos da sua competência e do seu funcionamento, sempre tendo como objectivo a preservação do direito de cada um à prática desportiva, como decorre do próprio direito constitucional de acesso a essa prática, observado o respeito à disciplina e à organização no desporto formal.

O direito de punir é próprio do Estado, que através dos órgãos competentes e obedecidas as prescrições legais específicas, reprime atitudes antijurídicas.

O Direito Desportivo, o que decorre da organização legal positivada nas nossas normas, concedeu aos órgãos de Justiça Desportiva o poder de aplicar as sanções correspondentes às violações à disciplina e à organização do desporto.

No seio das Federações unidesportivas dotadas de utilidade pública desportiva em que se disputem competições desportivas reconhecidas como tendo natureza profissional, deve constituir-se, é a expressão utilizada pelo nosso legislador, uma Liga profissional, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira – artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho, Lei de Bases dos Sistema Desportivo (LBD).

A Liga Profissional ou entidade análoga é o órgão autónomo da federação para o desporto profissional, competindo-lhe nomeadamente entre várias outras atribuições, organizar as competições exercendo, relativamente aos seus associados, as funções de tutela, controlo e supervisão que forem estabelecidos na Lei, estatutos ou regulamentos, sendo competência das próprias Ligas profissionais a elaboração dos respectivos regulamentos de arbitragem e disciplina, que submetem a ratificação pela assembleia- geral da federação no seio da qual se insiram.

O legislador pretendeu dotar o desporto, a sua tutela e os seus órgãos jurisdicionais de uma autonomia própria.

E de facto pode-se, hoje, afirmar ser a actividade desportiva possuidora das suas próprias regras e regulamentação, por vezes exaustiva, além de, na sua estrutura interna, ter o garante de uma jurisdição própria (por originária do movimento associativo desportivo, distinta da estatal) a nível de cada uma das federações desportivas.

(…)

As questões que não forem essencialmente desportivas estão arredadas do âmbito do artigo 63.º da LPFP.

São questões estritamente desportivas, do ponto de vista legal e no âmbito do postulado pelo n.º 2 do artigo 47.º da LBD “aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas”.

(…)

Só, portanto, as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, envolvendo questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas – desde que não integradas na previsão do n.º 3 – estão sujeitas ao controlo privativo das instâncias competentes na ordem desportiva.

Impõe-se apurar para chegar a tal conclusão que se trata de uma infracção disciplinar cometida no decurso de uma competição e traduzindo o desrespeito pelas leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.

Em Portugal existe uma Liga Profissional no seio da respectiva federação desportiva. A atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva confere às federações desportivas a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes regulamentares, disciplinares e outros poderes de natureza pública – art.º 22.º/1, da Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho (LBD).

Relativamente às competições reconhecidas como de natureza profissional, os poderes de natureza pública que cabem à respectiva federação desportiva serão exercidos por uma liga profissional dos clubes participantes nessas competições profissionais – arts. 34.º/3 e 39.º/1/d), ambos do DL n.º 144/93, de 26 de Abril, na redacção dada pelo DL n.º 117/97, de 9 de Maio, sempre sob a tutela da federação desportiva em que se insere.

A FPF, enquanto instituição de utilidade pública desportiva, exerce em exclusividade poderes de natureza pública no âmbito de todas as competições de futebol; porém, quanto às competições de futebol de carácter profissional (os campeonatos da Liga Betandwin e Liga de Honra) esses poderes são exercidos pela LPFP enquanto órgão autónomo da FPF para o futebol profissional, e sob a tutela desta.

É à LPFP que cabe exercer, em relação ao seus associados, as funções de tutela e controlo disciplinar. As federações e consequentemente as ligas são entidades com poderes de auto-regulamentação, com respeito pela legalidade e do estado de direito, o que é legalmente aferido por entidade externa – PGR.

Todas as infracções às regras do jogo, bem como as infracções às normas desportivas em geral, são sindicáveis nas instâncias jurídicas desportivas mercê dos poderes disciplinares concedidos à LPF.

E serão sindicáveis nos tribunais judiciais as questões desportivas?

O artigo 63.º RD da LPFP diz, sob epígrafe “O recurso a tribunais comuns sem autorização da Liga e FPF” que:

Os Clubes que, salvo nos casos directa, expressa e legalmente previstos, submetam aos Tribunais a apreciação de questões contidas na regulamentação desportiva serão punidos com pena de baixa de divisão (…) não carece de autorização a interposição de acções judiciais destinadas a efectivar a responsabilidade por factos ilícitos culposamente praticados pela FPF, Liga, titulares dos seus órgãos ou funcionários”.

Este artigo deve ser conjugado com o nosso ordenamento jurídico, e do qual faz parte. Ao que directa e necessariamente contende com o preceito em análise, temos que o interpretar em conjugação com o vertido no artigo 47.º da LBD: “Não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas”.

E a Lei de Bases define como questões estritamente desportivas “aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente, as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas”.

O arguido é um clube de futebol que disputa uma competição de natureza profissional – Liga Betandwin – sendo associado da LPFP – artigo 7.º dos Estatuto da LPFP.

É direito do arguido, como associado da LPFP, que os órgãos da Liga cumpram os regulamentos internos – artigo 9.º alínea d) dos estatutos da LPFP.

E foi precisamente isso que a LPFP, através da sua direcção executiva, fez, ao aplicar um regulamento interno – “Regulamento para inscrições e Transferências dos praticantes amadores” e com fundamento no mesmo não aceitou o pedido de registo de um contrato de trabalho desportivo com o jogador M........... …………., pretensão essa formulada pelo arguido.

O arguido, na sua qualidade de associado da LPFP, deve ser conhecedor dos diversos regulamentos que regem o futebol profissional. O cumprimento desses regulamentos é uma obrigação dos associados da LPFP - artigo 10.º/1/a) dos estatutos da LPFP, assim como o acatamento das deliberações dos seus órgãos – artigo 10.º/1/h), dos estatutos da LPFP e artigo 11.º/c) do Regulamento Geral da LPFP.

Ao socorrer-se da jurisdição comum a fim de impugnar, designadamente, uma decisão de um Director da Comissão Executiva da LPFP, o arguido, para além de ter feito tábua rasa das sua obrigações, acabou por incorrer na alçada disciplinar, por atentar contra a autonomia e suficiência da jurisdição desportiva, conforme legalmente consagrado e atrás referido, com relevância no disposto no artigo 63.º do “Regulamento Disciplinar” da LPFP.

O arguido lançou mão da jurisdição comum, reagindo objectivamente contra os regulamentos a que se obrigou como associado da LPFP. Se discordava dos estatutos e regulamentos sempre poderia, nessa qualidade, pugnar em Assembleia-geral da LPFP pelas alterações que entendesse justificadas.

(…)

A Liga é uma associação que tem como um dos seus fins “… a gestão dos assuntos inerentes à organização e prática do futebol profissional e das suas competições” – artigo 5.º, n.º 1, alínea b) dos estatutos da LPFP, daí a natureza desportiva dos seus regulamentos, tal como o “Regulamento Disciplinar” e o “Regulamento para Inscrições e Transferências dos Praticantes Amadores”.

No caso em apreço não se encontra expressa e legalmente previsto que os Clubes possam submeter aos tribunais a apreciação de questões contidas na regulamentação desportiva. Assim, o arguido G.... ........... rompeu com as regras do jogo. Enquanto associado da Liga, o que implica direitos e deveres, foi usufruindo do legítimo gozo dos seus direitos até ao momento em que, por imposição de um regulamento a que sabe estar vinculado, foi contrariado numa sua pretensão. Decidiu então procurar fora da jurisdição desportiva, ou seja nos tribunais comuns, e mesmo antes de a ter esgotado, a satisfação de uma pretensão que viola o regulamentado. Com esta conduta o G.... ........... FC, objectivamente, viciou a legalidade exigível por todos e para com todos os competidores, que cumpriram com as regras estipuladas para a inscrição e transferência de jogadores. O arguido pretendeu um tratamento seguramente diferenciado, procurando assim subverter em seu benefício, o que seguramente não poderia consentir a outros.

(…).

Por último a ser possível a pretensão do arguido, sempre se dirá que só seriam contenciosamente impugnáveis “as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo”.

(…)

Ora, resulta que o arguido não se socorreu deste meio de impugnação graciosa dos actos suspendendos. (…)

A impugnabilidade dessas decisões e deliberações só se verifica quando estivessem esgotados os meios internos (do associativismo desportivo) de impugnação administrativa.

As decisões ou deliberações tomadas antes de esgotados esses meios internos de impugnação administrativa – como é o caso dos actos suspendendos dos autos – não seriam contenciosamente impugnáveis, por falta de lesividade e de interesse processual na sua impugnação contenciosa.

(…)

Em suma, o arguido não utilizou dos meios para efectuar a impugnação administrativa necessária perante o Conselho de Justiça da FPF.

Daí que aqueles actos seriam inimpugnáveis à luz do artigo 63.º do RD da LPFP e 46.º da LBD, porque não esgotados exaustivamente os meios internos de impugnação.

(…)


*

O Regulamento Disciplinar da LPFP considera como infracção muito grave, passível de uma sanção de descida de divisão, o recurso aos tribunais comuns sem autorização da Liga ou da Federação, infracção que se apurou o arguido ter cometido.

Sem necessidade de outros considerandos, entende-se que deve ser o arguido sancionado com a pena aplicável, ou seja passagem da Liga Betandwin para a Liga de Honra, tendo também em particular atenção a necessidade de prevenção geral e a defesa da regulamentação desportiva e da reserva de um espaço à justiça desportiva».


***

Sufraga-se inteiramente o assim decidido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 125.º, n.º 1 do Cód. Proc. Administrativo. (…)

IV – Decisão:

Face ao exposto, decide este Conselho de Justiça julgar improcedente por não provado o recurso interposto mantendo-se a decisão recorrida.

(…)” – cfr. fls. 1264 a 1336 do processo disciplinar n.º ………./06 e fls. 461-533 do processo de recurso n.º 06-2006/2007;

NN) – Em 22.08.2006 foi dado conhecimento ao Autor do acórdão referido na alínea antecedente – cfr. fls. 534-538 do processo de recurso n.º …………../2007;

OO) – Em 23.08.2006 foi apresentada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a petição inicial que deu origem ao presente processo – cfr. carimbo de fls. 3 dos autos.


*

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.

*

Motivação: A convicção que permitiu julgar provados os factos referidos assentou no teor dos documentos juntos aos autos da providência cautelar apensos, dos documentos constantes do processo disciplinar n.º ………../06, do processo disciplinar n.º 102-05/06 e do processo de recurso n.º …………/2007 apensos, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise das questões a decidir, nos termos enunciados, segundo a sua ordem lógica e de precedência de conhecimento.

1. Da ilegitimidade da Recorrente

Suscita o Recorrido, G.... ........... Futebol Clube, a questão prévia da ilegitimidade da Recorrente, Os B........., ……………….., SAD, para interpor o presente recurso jurisdicional, atenta a manifestação de vontade da Federação Portuguesa de Futebol em renunciar à interposição de recurso e aceitar a decisão recorrida.

Alega que a renúncia à interposição de recurso jurisdicional demonstra e atesta que a entidade administrativa, autora do ato impugnado, reconheceu e conformou-se com a declaração de ilegalidade da sua decisão, podendo dar início à execução da sentença.

Mais defende que a Recorrente não tem legitimidade para a interposição do recurso, em face do disposto no n.º 1 do artigo 141.º do CPTA, por não ter ficado vencida, no sentido de ser parte afetada ou prejudicada pela sentença.

Para aferir da legitimidade para a interposição de um recurso jurisdicional releva saber se a decisão de que se recorre afeta direta e efetivamente a Recorrente, isto é, se da decisão proferida resulta um prejuízo que direta e efetivamente se repercuta na sua esfera jurídica, não bastando, por isso, que a decisão seja desfavorável à Recorrente.

Vejamos.

1.1. O pressuposto processual da legitimidade para interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo encontra-se previsto no disposto do artigo 141.º do CPTA, o qual prevê nos seus vários números dois critérios distintos para a sua aferição, a saber:

(i) Quem tenha ficado vencido na decisão proferida (n.º 1);

(ii) Quem seja direta e efetivamente prejudicado pela decisão proferida (n.º 4).

Para efeitos de integração do conceito de vencido, os n.ºs 2 e 3 do citado artigo 141.º do CPTA, prevêm que se considera vencido, designadamente: (a.) o autor que, tendo invocado várias causas de invalidade contra o ato impugnado, tenha decaído em relação a alguma delas, na medida em que o reconhecimento pelo tribunal de recurso da existência dessa causa de invalidade impeça ou limite a possibilidade de renovação do ato anulado, (b.) no caso de não obstante o ato ter sido anulado com fundamento na verificação de diferentes causas de invalidade, se ter julgado a inexistência de uma das causas de invalidade invocadas, na medida em que o reconhecimento da inexistência dessa causa de invalidade dependa da possibilidade de o ato vir a ser renovado.

Na densificação do conceito de ficar prejudicado, exige-se um prejuízo direto e efetivo, sendo insuficiente a existência de um prejuízo indireto ou potencial.

1.2. A distinção entre os dois critérios de legitimidade ativa para recorrer opera, com relevo, a quem figure na ação como parte principal e por que não é parte ou intervém apenas como parte acessória.

O disposto no n.º 1, concretizado na sua densificação nos n.ºs 2 e 3, aplica-se a quem seja parte principal, ou seja, seja parte no respetivo processo, abrangendo o autor, a entidade demandada e os contrainteressados.

O disposto no n.º 4, como nele expressamente referido, aplica-se a quem não é parte na causa ou seja apenas parte acessória.

Neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4.ª ed, Almedina, pp. 1076 e segs..

1.3. A ora Recorrente figura na causa como contrainteressada, tendo sido indicada na petição inicial e sido demandada pelo Autor, G.... ........... Futebol Clube, pelo que tem o estatuto de parte no processo, defendendo na causa um interesse igual ou paralelo ao das entidades demandadas, Federação Portuguesa de Futebol e Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Atento o seu estatuto de parte na ação, a lei reconhece-lhe legitimidade processual para interpor recurso da sentença na parte em que decaiu ou ficou vencida, atenta a sua titularidade de um interesse contraposto ao do autor, por nessa parte a sentença lhe ser desfavorável ou lhe causar prejuízo.

Tendo a Recorrente sido demandada pelo Autor como contrainteressada e sido admitida na causa, foi porque se considerou poder ser diretamente prejudicada pelo provimento do processo impugnatório ou ter legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e poder ser identificada em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.

A este propósito remete-se para a matéria factual dada como assente nos autos, na sua alínea P), segundo a qual resulta ter a ora Recorrente, em 09/05/2006, dirigido ao Presidente da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional instrumento, através do qual participou disciplinarmente contra o G.... ........... Futebol Clube, alegando a violação do disposto no n.º 1 do artigo 63.º, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, pedindo a punição deste Clube com a pena de baixa de divisão, o que deu origem ao processo disciplinar n.º …………./06.

Nessa medida, está demonstrado que a ora Recorrente interveio junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, manifestando ter interesse na instauração do procedimento disciplinar e na respetiva punição, sendo identificada em função dos documentos contidos no processo administrativo.

Acresce resultar decidido no despacho-saneador, a propósito do conhecimento da exceção suscitada de ilegitimidade passiva, por falta de indicação de outros contrainteressados, o seguinte: “Estando em causa a decisão que determinou a baixa do GVFC à divisão de honra, o que acarretou a subida à 1ª liga do B........., inexiste qualquer outro contrainteressado, para além deste último.”.

O que significa que a Recorrente, Os B........., ………….., SAD, tem um interesse direto, pessoal e legítimo no desfecho da causa, já que a decisão recorrida a pode afetar nos seus direitos e interesses legalmente protegidos, em decorrência do ato que determinou a sua subida à 1.ª Liga de Futebol Profissional, como consequência do ato impugnado, que determinou a descida de divisão do G.... ........... Futebol Clube.

Para a aferição da sua legitimidade releva a sua qualidade de parte na ação, como contrainteressada, assim como o interesse manifestado na manutenção do ato impugnado, no respeitante às consequências que a decisão pode produzir na sua esfera jurídica, no sentido de a poder afetar ou ser prejudicial aos seus interesses.

O reconhecimento dessa sua qualidade de contrainteressada nos termos do disposto no artigo 57.º do CPTA, enquanto parte principal da causa, é o suficiente para se reconhecer a sua legitimidade para a interposição do recurso contra a sentença que concedeu provimento ao pedido impugnatório.

Por isso, a alegação do Recorrido de que a ora Recorrente não é, por qualquer forma ou medida, prejudicada pela decisão do Tribunal de 1.ª instância, não tendo condições para recorrer por estar destituída de legitimidade para o efeito, esbarra frontalmente com a sua qualidade de contrainteressada na ação, que lhe confere o estatuto de parte na causa.

No demais, não devem existir dúvidas quanto à atribuição do estatuto de parte a um contrainteressado nos termos do regime aprovado pelo CPTA, solução que se apresenta clarificada à luz da reforma do direito processual administrativo operada pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, pela sua consagração em letra de lei, como na alínea b), do nº 2 do artigo 78.º ou no regime inovatório previsto no artigo 78.º-A, entre outras disposições parcelares.

1.4. Esta realidade não se altera pela circunstância de uma das entidades demandadas na ação ter renunciado ao recurso e não ter recorrido.

Em rigor, ambas as entidades demandadas se conformaram com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, por nenhuma ter interposto recurso jurisdicional, o que significa que a aceitam nos seus termos.

Porém, tal atitude processual das entidades demandadas não obsta, nem limita ou sequer condiciona, o estatuto das demais partes no processo, porquanto os seus respetivos poderes e deveres são equivalentes e não se prejudicam reciprocamente.

Neste sentido, não pode proceder a questão prévia suscitada pelo Recorrido, reconhecendo-se legitimidade ativa à contrainteressada para interpor recurso jurisdicional contra a sentença proferida.


*

Importa agora conhecer dos fundamentos do recurso jurisdicional.

2. Erro de julgamento quanto à configuração da «questão estritamente desportiva», por inconstitucionalidade decorrente da violação do artigo 202.º, n.º 4 da Constituição, em relação à interpretação dos artigos 46.º e 47.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Bases do Desporto e o do artigo 63.º, n.º 1 do Regulamento de Disciplina da Liga Portuguesa de Futebol Profissional

Vem a Recorrente invocar o erro de julgamento contra a sentença recorrida no tocante à configuração da “questão estritamente desportiva”, por considerar que foi adotada uma interpretação inconstitucional, que viola o n.º 4 do artigo 202.º da Constituição, em relação à interpretação dos artigos 46.º e 47.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Bases do Desporto e o artigo 63.º, n.º 1 do Regulamento de Disciplina da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Segundo a alegação da Recorrente a Constituição prevê a existência de uma auto-justiça desportiva ou de uma justiça privada, mediante a possibilidade de resolução de litígios fora dos tribunais, o que determina que o ato impugnado não tenha violado a garantia constitucional ou qualquer direito fundamental de acesso aos tribunais, por existir uma reserva de jurisdição das instâncias desportivas.

Foi sob este enquadramento que a Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e depois o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, apreciaram e deliberaram sobre a matéria em causa.

Mais alega que está em causa a atividade associativa de uma associação de direito privado, regulada exclusivamente por normas de direito privado.

Sustenta que sempre que as decisões ou deliberações dos órgãos jurisdicionais das federações desportivas incidam sobre questões de natureza técnica ou disciplinar que se traduzam na violação das leis do jogo, dos regulamentos ou das regras de organização das provas, não é possível recorrer para além ou fora das instâncias desportivas.

Por isso, à luz do artigo 46.º da Lei de Bases do Desporto, aprovada pela Lei n.º 30/2004, de 21/07, que prevê o princípio geral de acesso aos tribunais para resolução dos conflitos desportivos só são impugnáveis contenciosamente as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo, não sendo suscetíveis de impugnação fora das instâncias desportivas as decisões sobre questões estritamente desportivas, que são as previstas nos termos do n.º 2 do artigo 47.º da Lei de Bases do Desporto, onde se incluem as questões relativas às regras de organização das provas e os seus regulamentos.

Neste sentido, defende a Recorrente que a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação do artigo 46.º e do n.º 2 do artigo 47.º da Lei de Bases do Desporto e do n.º 1 do artigo 63.º do Regulamento de Disciplina da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, em violação do n.º 4 do artigo 202.º da Constituição, ao julgar que a negação da possibilidade de inscrição, na Liga Profissional, de um jogador contratado para prestar os seus serviços enquanto jogador profissional de futebol, não está abrangida pela proibição de submissão do litígio aos tribunais estaduais, pelo que não fica sujeita à sanção prevista nos referidos preceitos.

Vejamos.

2.1. As questões colocadas pela Recorrente, sumariamente enunciadas, prendem-se inelutavelmente com o acesso à justiça e aos tribunais para a composição dos diferendos de origem e natureza desportiva e com os limites da reserva de jurisdição das instâncias jurisdicionais desportivas.

Está em causa saber se o litígio configurado em juízo, decorrente do ato de recusa da inscrição de um jogador de futebol profissional e da sua consequente impugnação contenciosa junto dos tribunais administrativos, que justificou a atuação das entidades desportivas de aplicação da sanção de descida de divisão do clube em causa, enquadra-se ou não no âmbito do que a lei considera ser uma questão estritamente desportiva e como tal, subtraída da competência jurisdicional dos tribunais estaduais, cabendo na reserva jurisdicional das instâncias desportivas.

2.2. Enquadrando aquela que foi a decisão tomada pelas instâncias jurisdicionais desportivas, extrai-se do teor do acórdão da Federação Portuguesa de Futebol, datado de 22/08/2006, aqui ato administrativo impugnado, a que se refere a alínea MM) do probatório, o seguinte: “Ao socorrer-se da jurisdição comum a fim de impugnar, designadamente, uma decisão de um Director da Comissão Executiva da LPFP, o arguido, para além de ter feito tábua rasa das suas obrigações, acabou por incorrer na alçada disciplinar, por atentar contra a autonomia e suficiência da jurisdição desportiva, conforme legalmente consagrado e atrás referido, com relevância no disposto no artigo 63.º do “Regulamento Disciplinar” da LPFP. O arguido lançou mão da jurisdição comum, reagindo objectivamente contra os regulamentos a que se obrigou como associado da LPFP. Se discordava dos estatutos e regulamentos sempre poderia, nessa qualidade, pugnar em Assembleia-geral da LPFP pelas alterações que entendesse justificadas. (…) O Regulamento Disciplinar da LPFP considera como infracção muito grave, passível de uma sanção de descida de divisão, o recurso aos tribunais comuns sem autorização da Liga ou da Federação, infracção que se apurou o arguido ter cometido. Sem necessidade de outros considerandos, entende-se que deve ser o arguido sancionado com a pena aplicável, ou seja passagem da Liga Betandwin para a Liga de Honra, tendo também em particular atenção a necessidade de prevenção geral e a defesa da regulamentação desportiva e da reserva de um espaço à justiça desportiva.”.

Sob este enquadramento fáctico-jurídico, o ato impugnado, que determinou a descida de divisão do G.... ........... Futebol Clube, configurou a questão da inscrição e respetiva recusa de inscrição de jogador profissional na Liga Profissional como questão estritamente desportiva.

Foi nestes termos que o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) decidiu manter a decisão da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), de aplicação da pena de descida de divisão, fundada na prática de infração disciplinar muito grave, prevista e punida pelos artigos, 63.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da LPFP e 60.º dos Estatutos da FPF, traduzida no recurso aos tribunais judiciais, sem a autorização da LPFP e da FPF.

2.3. O Tribunal a quo conheceu da questão material controvertida, aferindo da legalidade do ato impugnado, de aplicação da sanção desportiva, que tem como fundamento central o recurso aos tribunais pelo Autor, G.... ........... Futebol Clube, que instaurou um processo cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em consequência de ter sido negada a possibilidade de inscrição na Liga Portuguesa de Futebol Profissional de um jogador contratado para ser jogador profissional de futebol.

A sentença recorrida enunciou a questão a decidir como estando em causa a interpretação a dar ao disposto no n.º 1 do artigo 63º do Regulamento de Disciplina da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, conjugado com o previsto nos artigos 46.º e 47.º da Lei de Bases do Desporto, tendo julgado no sentido da admissibilidade da competência jurisdicional dos tribunais estaduais, por excluir o diferendo desportivo da noção de questão estritamente desportiva.

Nesse sentido, se decidiu que o ato de indeferimento da inscrição e registo de um jogador como profissional de futebol ao serviço de um clube e respetiva reação contenciosa junto dos tribunais estaduais, não constitui uma infração à ética desportiva, ou seja, à dopagem, à violência ou à corrupção, assim como também não consiste numa questão de natureza técnica ou uma infração disciplinar cometida no decurso da competição.

Por isso, a sentença recorrida julgou a questão no sentido da admissibilidade da intervenção dos tribunais judiciais, recusando o enquadramento da questão submetida a juízo como estritamente desportiva, alicerçando o seu discurso fundamentador no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) n.º 06925/10, lavrado em 13/10/2011, sob julgamento ampliado do recurso, nos termos do disposto no artigo 148.º do CPTA, com a intervenção de todos os Juízes Desembargadores daquele Tribunal, por se ter revelado necessário ou conveniente assegurar a uniformidade da jurisprudência na matéria que constitui o seu objeto.

2.4. A questão essencial decidenda consiste, pois, em julgar se o recurso aos tribunais estaduais, como forma de reagir contra a recusa de inscrição de um jogador, sem a autorização da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol, ou seja, dirimir um litígio nos tribunais estaduais referente à decisão tomada por aquelas entidades de indeferimento do pedido de inscrição de um jogador como jogador profissional, configura ou não uma infração disciplinar, o que exige previamente determinar se essa recusa de inscrição constitui ou não uma questão estritamente desportiva, podendo ou não ser discutida e apreciada para além das instâncias jurisdicionais desportivas.

Tal como enunciada, a questão de direito mereceu já anteriores pronúncias pelos tribunais administrativos, de entre as quais, com relevo, o citado Acórdão do TCAS, tirado em julgamento ampliado, cujo discurso fundamentador foi seguido na sentença recorrida.

Donde o objeto do presente recurso não constituir uma questão recente no ordenamento jurídico, tendo sido já submetida aos tribunais para apreciação e decisão, sejam da jurisdição administrativa, seja com relevo para o conhecimento do presente fundamento do recurso, o Tribunal Constitucional.

E embora a atualidade tenha ditado importantes alterações na configuração do regime legal de acesso à justiça desportiva, como decorrência da criação e do funcionamento do Tribunal Arbitral do Desporto, pela Lei n.º 74/2013, de 06/09, e também por via da alteração do regime das impugnações administrativas no seio dos órgãos próprios das entidades desportivas, nos termos dos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 4.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 06/09, temos de nos socorrer do quadro legal vigente à data dos factos, segundo o princípio tempus regit actum, reportando-se os factos dos autos ao ano de 2006.

2.5. Importa, por isso, considerar o quadro legal à data vigente, por ser esse o aplicável.

Segundo o artigo 46.º da Lei n.º 30/2004, de 21/07, que aprovou a Lei de Bases do Desporto, previa-se: “Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo são impugnáveis, nos termos gerais de direito.”.

O artigo 47.º da referida Lei, com a epígrafe “Questões estritamente desportivas” previa:

1 – Não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.

2 – São questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.

3 – No número anterior não estão compreendidas as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção.”.

Dos dois citados preceitos prevê-se, por um lado, a regra geral de impugnabilidade, nos termos gerais de direito, dos atos administrativos praticados pelos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício de poderes públicos (artigo 46.º), mas, por outro, uma exceção à regra da impugnabilidade, por não serem suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes da ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas (n.º 1 do artigo 47.º).

Segundo os termos previstos no n.º 2 do artigo 47.º da Lei de Bases do Desporto, são questões estritamente desportivas “aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.”.

Exclui-se da noção de questão estritamente desportiva, sendo, consequentemente, admitida a sua impugnabilidade contenciosa nos tribunais estaduais, “as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção”, segundo o n.º 3 do citado artigo 47.º.

No que respeita ao Regime Jurídico das Federações Desportivas, importava à data o regime aprovado pelo D.L. n.º 144/93, de 26/04.

Segundo o seu artigo 7.º, sobre a atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva a uma federação desportiva, decorre a atribuição, “em exclusivo, da competência para o exercício, dentro do respetivo âmbito, de poderes de natureza pública, bem como a titularidade de direitos especialmente previstos na lei”.

Concretizando quais os poderes públicos conferidos através do estatuto de utilidade pública desportiva a uma federação desportiva, previa o artigo 8.º do citado D.L. n.º 144/93, o seguinte:

1 – Têm natureza pública os poderes das federações exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, que sejam conferidas pela lei para a realização obrigatória de finalidades compreendidas nas atribuições do Estado e envolvam, perante terceiros, o desempenho de prerrogativas de autoridade ou a prestação de apoios ou serviços legalmente determinados;

2 – Dos actos praticados pelos órgãos das federações dotadas de utilidade pública desportiva no exercício de poderes públicos cabe recurso contencioso para os tribunais administrativos”.

No que à delimitação do enquadramento normativo aplicável ao litígio em presença diz respeito, para além do direito de fonte legal, importa ainda o direito privativo das instâncias desportivas, enquanto conjunto de normas emanadas e aplicáveis no universo das organizações desportivas.

Releva o disposto no artigo 60.º dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol, o qual, incluído no seu Capítulo XIII, sob epígrafe “Renúncia à Jurisdição”, estipula o seguinte:

Um - É vedado aos sócios ordinários da Federação Portuguesa de Futebol e demais agentes desportivos submeter à apreciação dos tribunais comuns as decisões e deliberações dos órgãos sociais e restantes comissões organizadas no âmbito da Federação Portuguesa de Futebol sobre questões estritamente desportivas, ou que tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de disciplina desportiva. (…)”.

A citada disposição estatutária assumiu tradução no Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, no disposto do seu artigo 54.º, vigente à data dos factos, que estabelecia:

O Clube que, em violação de jurisdição prevista nos Estatutos da FPF, submeta aos tribunais, directamente ou por interposta pessoa, o julgamento de questões estritamente desportivas é punido com suspensão por 1 a 4 épocas desportivas e indemnização pelos danos a que der causa, incluindo as despesas judiciais e extrajudiciais”.

Foi com base neste artigo 54.º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, que prevê as consequências que advêm para o clube pela violação das regras previstas nos Estatutos da Federação, de entre as quais, o disposto no seu artigo 60.º, que foi aplicada a sanção para quem recorra a tribunal, sempre que esteja em causa o julgamento de questões de índole estritamente desportiva.

Por sua vez, o artigo 63.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, sob a epígrafe “O recurso a tribunais comuns sem autorização da Liga e F.P.F.”, inserido na Secção II, com a epígrafe “Das Faltas Específicas dos Clubes”, da Sub-secção 1, sob a epígrafe “Das Infracções Disciplinares Muito Graves”, estabelecia o seguinte:

1. Os Clubes que, salvo nos casos directa, expressa e legalmente previstos, submetam aos tribunais a apreciação de questões contidas na regulamentação desportiva serão punidos com pena de baixa de divisão.

2. Não carece de autorização a interposição de acções judiciais destinadas a efectivar a responsabilidade por factos ilícitos culposamente praticados pela F.P.F., Liga, titulares dos seus órgãos ou funcionários.”.

2.6. Exposto o quadro normativo aplicável, que se caracteriza por uma multiplicidade de fontes, tendo fonte legal, mas também regulamentar desportiva, pode de imediato negar-se razão à Recorrente quando invoca a submissão da atuação dos órgãos federativos a um quadro normativo exclusivo de direito privado, baseado na sua natureza jurídica de associação privada.

Encontra-se expressamente prevista a titularidade de poderes públicos pelas federações desportivas e, consequentemente, a submissão da sua atuação a normas e princípios gerais de direito administrativo, no quadro do direito público.

Por isso, quando no exercício dos poderes públicos, a atuação dos órgãos federativos é qualificada como a prática de atos administrativos ou a aprovação de regulamentos administrativos, cuja impugnação está atribuída constitucionalmente à jurisdição administrativa, cabendo a competência material aos tribunais administrativos, segundo o n.º 3 do artigo 212.º e nos termos do n.º 4 do artigo 268.º, ambos da Constituição, e dos artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02.

À luz deste regime, têm natureza pública os atos praticados pelas federações desportivas no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, em realização das finalidades compreendidas nas atribuições do Estado e que envolvam o exercício de prerrogativas de autoridade, como tal, submetidos ao Código do Procedimento Administrativo e às demais vinculações de direito público.

Por esse motivo, a sua atuação nos termos antecedentes é qualificada como a prática de atos e de regulamentos administrativos, cuja impugnação cabe na esfera de jurisdição dos tribunais administrativos.

Neste sentido e analisando a jurisprudência que foi sendo emanada dos tribunais administrativos a respeito da natureza pública das decisões disciplinares desportivas, cfr. Ana Celeste Carvalho, “O poder disciplinar federativo numa década de jurisprudência dos tribunais administrativos”, in O Desporto que os Tribunais Praticam, Coordenador: José Manuel Meirim, Coimbra Editora, 2014, pp. 460 e segs..

Sobre o tema da natureza dos poderes exercidos pelas federações desportivas, vide ainda, Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Colecção Teses, Almedina, 2005, pp. 835 e segs. e “A «soberania limitada» das federações desportivas”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 59, Set./Out. 2006, pp. 41 e segs.; Ana Celeste Carvalho “Justiça federativa e o Tribunal Arbitral do Desporto”, in IV Congresso do Direito do Desporto, Coordenação: Ricardo Costa e Nuno Barbosa, Almedina, 2015, pp. 31 e segs. e ainda “O Tribunal Arbitral do Desporto, os tribunais administrativos e os poderes do juiz”, in O Direito do Desporto em Perspetiva, Coordenação: Ana Celeste Carvalho, Almedina, Centro de Estudos Judiciários e Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P, 2015, pp. 23 e segs..

2.7. Perante este quadro normativo, impõe-se dilucidar a questão decidenda enunciada, que se prende com a interpretação a conferir ao direito de acesso à justiça, enquanto direito fundamental previsto no artigo 20.º da Constituição e concretizado no tocante à jurisdição administrativa no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, assim como nos termos legais previstos no artigo 46º.º da Lei de Bases do Desporto, em confronto com a reserva de jurisdição desportiva que é atribuída aos órgãos próprios desportivos, no âmbito do artigo 47.º da citada Lei, tendo por referência o conceito de questão estritamente desportiva, e em face da disposição do n.º 4 do artigo 202.º da Constituição invocada pela Recorrente, que admite a institucionalização de instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos pela lei.

Para tanto, importa analisar a factualidade alvo de aplicação da sanção desportiva, com vista ao seu enquadramento no conceito legal de questão estritamente desportiva.

O facto que está na origem da aplicação da sanção disciplinar desportiva, aqui ato impugnado e que foi declarado nulo pela sentença ora recorrida, traduz-se na apresentação pelo G.... ........... Futebol Clube de um processo cautelar junto dos tribunais administrativos, contra o ato de recusa de inscrição e registo de um jogador como profissional de futebol ao serviço de um clube.

Considerando que esse ato tem como efeito impedir o jogador de participar nas competições desportivas, é de entender que a recusa de inscrição e de registo se situam antes ou a montante da competição, tendo como consequência ou por efeito a impossibilidade do jogador em participar na competição desportiva.

Nesta medida não se vê como possível falar em atuação que decorra ou imane da qualidade de jogador ou sequer da sua participação em competição desportiva, pois no caso foi vedado o acesso do jogador à própria participação na competição.

Por isso, não é possível subsumir a atuação do clube desportivo em causa, o G.... ........... Futebol Clube, em recorrer aos tribunais, à violação das regras do jogo ou próprias da competição desportiva.

Tal como bem decidiu a sentença recorrida, a situação descrita não se subsume a qualquer infração à ética desportiva, decorrente de atos de dopagem, violência ou corrupção, nem tão pouco estamos perante uma questão de natureza técnica ou que possa ser considerada como uma decorrência da participação na competição.

Ao contrário do que defende a ora Recorrente, não se pode afirmar que do ato de negação do direito a participar numa competição desportiva possa emergir uma atuação decorrente da própria competição desportiva, sendo consequentemente errado configurar a atuação em causa nos autos, quer por via da atuação dos órgãos desportivos em recusar a inscrição do jogador de futebol, quer por via da atuação do clube em recorrer aos tribunais contra essa atuação, como integrada no conceito de questão estritamente desportiva.

Relembrando o que dispõe o já citado n.º 2 do artigo 47.º da Lei de Bases do Desporto, “São questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.”.

O caso descrito não é possível subsumir a qualquer dos indirizzos legais, pois não está em causa a aplicação de uma norma técnica, nem se pode falar em atuação cometida no decurso da competição, relacionada com a aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das provas desportivas.

Acentua a Recorrente a questão de atuação descrita se integrar ou decorrer da aplicação das normas regulamentares aplicáveis, mas também sem razão, pois não relevará para efeitos de determinação do conceito de questão estritamente desportiva a aplicação de qualquer regulamento desportivo, sendo relevante para este efeito apenas os regulamentos das provas ou das competições.

Esta interpretação é a que melhor se harmoniza com a letra da lei, mas também com o seu espírito, ao referir-se a infrações disciplinares cometidas no decurso da competição, a leis do jogo e a regulamentos e regras de organização das respetivas provas.

Quando a lei se refere a regulamentos, deverá entender-se que se está a referir a regulamentos relativos à organização das provas e da competição, pelo que outros quaisquer regulamentos desportivos não poderão cair no âmbito do conceito de questão estritamente desportiva.

De resto, como anteriormente decidido, no citado Acórdão do TCAS, n.º 06925/10, datado de 13/10/2011, tirado em formação alargada:

1. Uma questão é estritamente desportiva quando a situação em causa tenha por fundamento a aplicação de normas de natureza técnica ou disciplinar sobre a organização do jogo ou respeitantes às “leis do jogo” (regras sobre o funcionamento da própria competição) e desde que tais normas não versem sobre direitos indisponíveis, não afectem direitos fundamentais, nem violem normas que protejam outro tipo de valores essenciais da vida em comunidade.

2. Por leis do jogo deve entender-se o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico-desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões, dos desportistas nas actividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.”.

Mas já antes o Supremo Tribunal Administrativo (STA) havia decidido nesse sentido, desde o Acórdão de 13/11/1990, no recurso n.º 027407-T, ao admitir à submissão dos tribunais administrativos os atos praticados pelas federações desportivas, enquanto entidades de natureza privada, em prossecução de fins de interesse público ou sob prerrogativas de autoridade.

Entre outros, também no Acórdão do STA, de 07/06/2006, processo 0262/06, se decidiu:

I - Conforme o disposto no artigo 46 da Lei de Bases do Desporto (Lei nº 30/2004, de 21 de Julho), são impugnáveis nos termos gerais de direito, as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo.

II - Porém, nos termos do número 1 do artigo 47 da mesma Lei de Bases do Desporto, não susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.

III - Segundo o disposto no número 2 deste artigo 47, são questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.

IV - Por leis do jogo deve entender-se o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico-desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões, dos desportistas nas actividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.

V - Não constituem decisões sobre questões estritamente desportivas os actos de órgãos de uma federação desportiva, a que foi atribuído o estatuto de utilidade pública, pelos quais foi decidido o cancelamento de licença desportiva atribuída a determinado desportista, por alegada falta de requisitos para tal atribuição e determinada a respectiva suspensão preventiva, por incumprimento da ordem de entrega daquela licença e participação em competição sem autorização da autoridade desportiva nacional.

VI - Os actos referidos em 5 são impugnáveis perante os tribunais administrativos.”.

E ainda no Acórdão do STA, de 21/09/2019, processo n.º 0295/10, foi decidido:

I - Conforme o disposto no artigo 25º, 1 da Lei de Bases do Desporto (Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro), são impugnáveis nos termos gerais de direito, as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo.

II - Porém, nos termos do número 2 do artigo 25º da mesma Lei de Bases do Desporto, não susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.

III - Segundo o disposto no mesmo preceito, são questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.

IV - Por leis do jogo deve entender-se o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico - desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões, dos desportistas nas actividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.

V - Face à garantia constitucional do direito ao recurso contencioso de todos os actos administrativos lesivos, impõe-se uma interpretação restritiva do art. 25º, 1 da Lei 1/90, de modo a não se considerarem questões estritamente desportivas subtraídas à jurisdição do Estado, as decisões que ponham em causa direitos fundamentais, direitos indisponíveis ou bens jurídicos protegidos por outras normas jurídicas para além dos estritamente relacionados com a prática desportiva (corrupção, "dopagem", etc.).

VI - É questão estritamente desportiva a questão de saber se um jogador de "golf" violou as disposições sobre a comunicação do seu "handicap" nas competições em que participou, e donde resultou a aplicação de uma pena disciplinar de suspensão de seis meses.”.

Assim, em face do exposto, devem considerar-se questões estritamente desportivas as questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, que são aquelas que surjam no decurso da prova ou durante a competição, estando, por isso, relacionadas com o seu desenvolvimento, quer do ponto de vista técnico, quer disciplinar.

As questões de facto respeitam ao apuramento das concretas circunstâncias relativas à atuação concreta do jogador durante a prova; as questões de direito respeitam à aplicação das leis do jogo aos factos apurados.

Ambas têm com comum ocorrerem durante o jogo ou a competição, motivo pelo qual, por respeitarem intrinsecamente à própria competição, estão excluídas do controlo ou de fiscalização pelos tribunais.

No demais, como há muito realçado, ainda que a questão diga respeito à aplicação das leis do jogo ou próprias da competição desportiva, será de excluir da noção de questão estritamente desportiva todas as ofensas constitucionais e legais destinadas a proteger valores e interesses estranhos ao fenómeno desportivo – neste sentido Pais Borges, “Justiça Desportiva: que sentido e limites”, in Separata da Revista Desporto & Direito, n.º 13, pp. 32.

Neste sentido, será de excluir do conceito de questão estritamente desportiva qualquer questão que colida ou ponha em causa direitos indisponíveis ou direitos, liberdades e garantias, atenta a sua proteção constitucional, por quanto a eles dever prevalecer o direito de acesso à justiça e aos tribunais, enquanto direito fundamental previsto no artigo 20.º da Constituição.

Por isso, excluído o enquadramento da situação factual no conceito de questão estritamente desportiva, está afastada a reserva da jurisdição desportiva, antes vigorando a regra geral de possibilidade de recurso às instâncias jurisdicionais estaduais, fora das instâncias desportivas, para dirimir o litígio gerado pelo ato de recusa de inscrição de um jogador de futebol profissional.

Esta interpretação, que conduz ao resultado a que chegou a sentença recorrida, determina a insubsistência das razões invocadas pela Recorrente no presente recurso jurisdicional.

Isto porque, salvo no tocante às questões configuradas como estritamente desportivas, cujo enquadramento no caso dos autos está afastado, não decorre da lei ou dos regulamentos desportivos um monopólio da auto-justiça ou da justiça privada desportiva.

2.8. Tão pouco é possível extrair da norma constitucional invocada pela Recorrente, o disposto no n.º 2 do artigo 202.º, essa interpretação, não se verificando a inconstitucionalidade invocada pela Recorrente.

Foi erigido no ordenamento jurídico um sistema de justiça desportiva híbrido ou mitigado, que tanto prevê a jurisdição das instâncias próprias desportivas, como admite o recurso aos tribunais estaduais, consoante a natureza do litígio.

Não sendo posta em causa a possibilidade de resolução de litígios desportivos no seio dos próprios órgãos desportivos, enquanto forma de auto-regulação de litígios, admitida na Constituição e na Lei, não se encontra excluída a jurisdição dos tribunais administrativos para a resolução dos litígios que não se prendem com questões estritamente desportivas.

Esta é a regra que decorre do disposto no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, que assegura o acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, para além do que a lei fundamental prevê em matéria de acesso à justiça administrativa, no n.º 4 do artigo 268.º, prevendo, de entre o mais, a impugnação de quaisquer atos administrativos lesivos.

Por isso, no caso em apreço, estamos em pleno domínio da aplicação do disposto no artigo 46.º da Lei de Bases do Desporto, que prevê a impugnação, nos termos gerais de direito, das decisões de deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo.

No mesmo sentido, o decidiram os tribunais administrativos, seja o STA, seja o TCAS, não sendo inconstitucional a atribuição de competência aos tribunais do Estado, in casu, os tribunais administrativos, para a resolução de questões surgidas no âmbito do desporto, isto é, para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto.

Desde o citado Acórdão do STA, datado de 13/11/1990, para cá, os tribunais administrativos têm julgado questões desportivas.

Sobre a evolução da jurisprudência, cfr. ponto 1.6. do Acórdão do TCAS n.º 06925/10, de 13/10/2011.

Para além da jurisprudência citada neste aresto do TCAS, acresce a que, posteriormente foi proferida, como os Acórdãos do STA, n.ºs 0991/13, de 12/03/2015 (estatuto de utilidade pública desportiva); 0328/15, de 22/04/2015 (admissão da revista) e de 09/07/2015 (sanção de suspensão da atividade desportiva por 4 anos); do Pleno do STA, n.º 0239/14, de 26/02/2015, entre outros.

O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre questões emanadas do sistema desportivo, admitindo a impugnação de regulamentos emanados de federações desportivas nos tribunais administrativos, assim como se pronunciou sobre o âmbito da noção de questões estritamente desportivas – cfr. Acórdãos n.ºs 730/95 e 488/98.

Significa que nos termos do quadro constitucional e legal traçado, é de recusar que exista um monopólio do sistema de justiça desportiva, não se verificando a inconstitucionalidade invocada pela Recorrente.

Esta realidade não só é a que vigorava à data da prática dos factos, como permanece assim na atualidade, não obstante a criação de um tribunal especializado em matéria desportiva, o Tribunal Arbitral do Desporto.


*

Neste sentido, carece de fundamento o alegado nas conclusões 1.ª a 20.º do recurso jurisdicional, nenhuma censura devendo ser extraída da sentença recorrida, por ter procedido a um correto julgamento.

3. Erro de julgamento, por inimpugnabilidade da decisão impugnada, por falta de submissão a impugnação administrativa necessária perante o Conselho de Justiça da FPF, ou a sua inimpugnabilidade por falta de lesividade e de interesse processual na sua impugnação

Sustenta a Recorrente o erro de julgamento da sentença baseado na alegação de que não foram esgotadas as vias de impugnação administrativa previstas, configuradas como de utilização necessária ou obrigatória, retirando a definitividade ao ato impugnado e, em consequência, a falta do requisito processual da sua impugnabilidade contenciosa.

Se assim não se entender, alega a Recorrente a inimpugnabilidade do ato impugnado por falta de lesividade e de interesse processual do Autor na sua impugnação.

Porém, totalmente sem razão, estando em causa fundamento do recurso que desconsidera em absoluto o regime legal previsto no n.º 2 do artigo 88.º do CPTA, não podendo por esse motivo proceder.

Por outro lado, o presente fundamento do recurso olvida a decisão que sobre a matéria foi proferida no despacho-saneador, o qual se debruçou especificamente sobre a “inimpugnabilidade contenciosa de certos actos in judicio”, de entre os quais o ato ora impugnado, decidindo no sentido da sua impugnação contenciosa.

Quer se considere a alegação da Recorrente como a alegação de questão que é configurada como exceção dilatória, prevista na alínea i), do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, cuja procedência tem por efeito obstar ao conhecimento do mérito da ação e, consequentemente, ao seu normal prosseguimento, conduzindo à absolvição das entidades demandadas da instância, segundo o n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, mas agora suscitada no presente recurso jurisdicional, como parece decorrer da alegação da Recorrente, quer se interprete a alegação da Recorrente como pretendendo impugnar o despacho-saneador, o certo é que não se configura possível qualquer uma destas duas situações, nos termos em que a Recorrente vem a juízo.

Nos termos do citado n.º 2 do artigo 88.º do CPTA, cujo regime advém da redação originária do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22/02, as questões prévias, traduzidas em exceções dilatórias ou em nulidades processuais, que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo, e as que tenham sido decididas não podem vir a ser reapreciadas.

O Autor instaurou a presente ação administrativa de impugnação de ato administrativo, que obedece aos pressupostos processuais específicos da impugnabilidade do ato (artigo 51.º), da legitimidade (artigo 55.º) e do prazo (artigo 58.º), e ainda aos pressupostos processuais gerais, previstos no Capítulo II “Das partes” e do Capítulo III “Da competência”, do Título I “Parte Geral”, nos artigos 9.º a 22.º do CPTA.

A matéria alegada pela Recorrente no presente recurso traduz-se em suscitar a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato cuja impugnação foi pedida em juízo, enquanto pressuposto processual próprio e típico da ação administrativa de impugnação de ato administrativo, previsto no artigo 51.º do CPTA, em momento processualmente inadmissível, pois trata-se de questão que foi apreciada na fase de saneamento da causa e cujo momento processual preclude a sua apreciação ou reapreciação em fase posterior.

Além do mais, decorre da alegação da Recorrente que não está em causa a impugnação da exceção de inimpugnabilidade que foi apreciada e decidida no despacho-saneador, mas antes a invocação ad origine de matéria de exceção na fase de recurso jurisdicional, pois em nenhum momento vem alegar pretender impugnar o despacho-saneador.

O legislador disciplinou expressamente a matéria da invocação da matéria de exceção, limitando os termos da sua alegação a certo momento da tramitação da causa, vedando a possibilidade de ser invocada a todo o tempo.

Do mesmo modo, também foi limitado em termos de fase processual da causa, o momento até ao qual o juiz pode apreciar e decidir a matéria de exceção, precludindo a decisão sobre a matéria de exceção, ultrapassada que seja a fase de saneamento da causa.

Isto significa que a ora Recorrente vem invocar no presente recurso jurisdicional matéria que deve ser invocada na fase dos articulados e cujo momento processual de conhecimento é a fase de saneamento da causa.

Acresce que não está em causa a alegação de matéria que haja sido decidida na sentença recorrida para que sobre ela a ora Recorrente possa discordar e submeter a reapreciação no presente recurso.

Atenta a finalidade do recurso jurisdicional em submeter a reapreciação a decisão recorrida, desta não resulta o julgamento relativo ao requisito da impugnabilidade do ato ou à exceção de inimpugnabilidade, incidindo (apenas) sobre o mérito da causa.

Configura-se o recurso jurisdicional como o meio processual pelo qual se submete a decisão judicial a nova apreciação por outro tribunal, isto é, meios judiciais de refutar o acerto da decisão judicial, tendo por objeto quer a ilegalidade da decisão (erro de julgamento, de facto ou de direito), quer a sua nulidade (cfr. artigos 627.º e 615.º do CPC, correspondentes aos anteriores 676.º e 668.º, aqui aplicáveis ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA).

Sendo os recursos jurisdicionais meios de impugnação de decisões judiciais não devem ser utilizados como meio de julgamento de questões novas, que não tenham sido oportunamente invocadas ou objeto de decisão.

Nestes termos, não pode ser conhecido o presente fundamento do recurso, por o mesmo não se traduzir em questão que haja sido decidida na sentença recorrida, nem estar em causa um pedido de reapreciação do julgamento efetuado na decisão recorrida, antes tendo existido o conhecimento da matéria de exceção relativa à impugnabilidade do ato, na fase de saneamento da causa, no despacho-saneador, tendo aí se decidido expressamente a impugnabilidade do ato impugnado.

Não sendo impugnado o despacho-saneador e estando assentes as questões nele decididas, está em causa a alegação de fundamento de recurso inadmissível por se tratar de matéria de exceção pela contrainteressada, ora Recorrente, em momento processual inadmissível, por há muito ter decorrido a fase de saneamento da causa e se encontrar precludida a possibilidade de o juiz poder dela conhecer.

Assim, forçoso se impõe concluir pela improcedência do fundamento do recurso, improcedendo, por não provadas, as conclusões 21.ª a 26.ª do recurso.


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Pelo exposto, será de julgar improcedente o recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 663º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O pressuposto processual da legitimidade para interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo encontra-se previsto no artigo 141.º do CPTA, o qual prevê dois critérios para a sua aferição, a saber: (i) quem tenha ficado vencido na decisão proferida (n.º 1) e (ii) quem seja direta e efetivamente prejudicado pela decisão proferida (n.º 4).

II. A distinção entre os dois critérios opera em relação a quem figure na ação como parte principal e por que não é parte ou intervém apenas como parte acessória.

III. O disposto no n.º 1, concretizado na sua densificação nos n.ºs 2 e 3, aplica-se a quem seja parte principal, abrangendo o autor, a entidade demandada e os contrainteressados.

IV. O disposto no n.º 4, aplica-se a quem não é parte na causa ou seja apenas parte acessória.

V. Sendo a ora Recorrente contrainteressada, tem o estatuto de parte, defendendo na causa um interesse igual ou paralelo ao das entidades demandadas, pelo que a lei reconhece-lhe legitimidade processual para interpor recurso da sentença na parte em que decaiu ou ficou vencida.

VI. Esta realidade não se altera pela circunstância de as entidades demandadas não terem recorrido, por essa atitude processual não obstar, limitar ou sequer condicionar, o estatuto das demais partes no processo, sendo os respetivos poderes e deveres equivalentes e não se prejudicarem reciprocamente.

VII. Estando em causa apurar se o recurso aos tribunais administrativos como forma de impugnar o ato de recusa de inscrição de jogador profissional de futebol por parte de órgão desportivo constitui uma infração, sancionada com a descida de divisão do clube, exige que se conheça das condições de acesso à justiça e aos tribunais para a composição dos diferendos de natureza desportiva, assim como os limites da reserva de jurisdição das instâncias jurisdicionais desportivas, importando o seu enquadramento à luz da noção de questão estritamente desportiva.

VIII. A Lei de Bases do Desporto prevê, por um lado, a regra geral de impugnabilidade, nos termos gerais de direito, dos atos administrativos praticados pelos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício de poderes públicos (artigo 46.º), mas, por outro, uma exceção à regra da impugnabilidade, por não serem suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes da ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas (n.º 1 do artigo 47.º).

IX. Na delimitação do enquadramento normativo aplicável ao litígio importa atender ao direito de fonte legal, mas também ao direito privativo das instâncias desportivas, enquanto conjunto de normas emanadas e aplicáveis no universo das organizações desportivas.

X. Atenta a multiplicidade de fontes de direito aplicável, de fonte legal, mas também regulamentar desportiva, e considerando a concessão de poderes públicos às federações desportivas através da atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, é de recusar a submissão da atuação dos órgãos federativos a um quadro normativo exclusivo de direito privado, baseado na sua natureza jurídica de associação privada.

XI. Quando no exercício dos poderes públicos, a atuação dos órgãos federativos traduz-se na prática de atos administrativos ou na aprovação de regulamentos administrativos, cuja impugnação está atribuída constitucionalmente à jurisdição administrativa, cabendo a competência material aos tribunais administrativos, segundo o n.º 3 do artigo 212.º e o n.º 4 do artigo 268.º, ambos da Constituição, e os artigos 1.º e 4.º do ETAF.

XII. O facto que está na origem da aplicação da sanção disciplinar desportiva, traduzido na apresentação pelo clube de um processo cautelar junto dos tribunais administrativos, contra o ato de recusa de inscrição e registo de um jogador como profissional de futebol ao serviço de um clube, é um ato que se situa antes ou a montante da competição, tendo como consequência ou por efeito a impossibilidade do jogador participar na competição desportiva.

XIII. Não se pode falar em atuação que decorra ou imane da qualidade de jogador ou sequer da sua participação em competição desportiva, pois foi vedado o acesso do jogador à própria participação na competição, não sendo possível subsumir a atuação do clube desportivo em recorrer aos tribunais, à violação das regras do jogo ou próprias da competição desportiva.

XIV. Não existindo infração à ética desportiva, decorrente de atos de dopagem, violência ou corrupção, nem estando em causa uma questão técnica ou que possa ser considerada uma decorrência da participação na competição, não está integrada no conceito de questão estritamente desportiva.

XV. Para efeitos de determinação do conceito de questão estritamente desportiva não releva a aplicação de qualquer regulamento desportivo, mas apenas os regulamentos relativos à organização das provas e da competição.

XVI. Deve considerar-se questões estritamente desportivas as questões de facto e de direito emergentes das leis do jogo, que são aquelas que surjam no decurso da prova ou durante a competição, estando, por isso, relacionadas com o seu desenvolvimento, quer do ponto de vista técnico, quer disciplinar, delas se excluindo as ofensas constitucionais e legais destinadas a proteger valores e interesses estranhos ao fenómeno desportivo, como no caso da afetação de direitos indisponíveis ou de direitos, liberdades e garantias.

XVII. Excluído o enquadramento da situação factual no conceito de questão estritamente desportiva, está afastada a reserva da jurisdição desportiva, vigorando a regra geral de recurso às instâncias jurisdicionais estaduais, fora das instâncias desportivas, para dirimir o litígio gerado pelo ato de recusa de inscrição de um jogador de futebol profissional, pois salvo no tocante às questões configuradas como estritamente desportivas, não decorre da lei ou dos regulamentos desportivos um monopólio da auto-justiça ou da justiça privada desportiva.

XVIII. O ordenamento jurídico consagra um sistema de justiça desportiva híbrido ou mitigado, que tanto prevê a jurisdição das instâncias próprias desportivas, como admite o recurso aos tribunais estaduais, consoante a natureza do litígio.

XIX. As questões prévias, traduzidas em exceções dilatórias ou em nulidades processuais, que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo, e as que tenham sido decididas não podem vir a ser reapreciadas, nos termos do n.º 2 do artigo 88.º do CPTA, pelo que, não pode ser suscitada em recurso matéria de exceção cujo momento de alegação é a fase dos articulados e a de decisão, o despacho-saneador.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente – artigos 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC e 189.º, n.º 2 do CPTA.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)



(Pedro Marchão Marques)


(Helena Canelas)