Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03613/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/09/2009
Relator:Rogério Martins
Descritores:ARRESTO; ART.º 136º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO; PERIGO DE DISSIPAÇÃO DAS GARANTIAS PATRIMONIAIS
Sumário:I - Justifica-se o arresto do único bem imóvel da requerida, uma sociedade com sede num “paraíso fiscal”, as Bahamas, perante o seguinte quadro factual: a requerida obteve rendimentos em Portugal provenientes da transmissão onerosa de imóveis e não cumpriu com as obrigações fiscais de designar nos termos previstos no na 1 e 2 do art. 118° do CIRC, uma pessoa singular ou colectiva, com residência, sede ou direcção efectiva em território nacional, para a representar perante a Administração Fiscal, relativamente às suas obrigações em sede de IRC; apresentar a declaração de inscrição no registo ou início, no prazo de 15 dias a contar da data em que o que originou o direito aos rendimentos sujeitos a IRC; apresentar a declaração periódica de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao exercício em que obteve os ganhos, no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão dos imóveis; apresentar a declaração anual de informação fiscal e contabilística, referente aos exercícios em que obteve rendimentos sujeitos a IRC.

II – Perante este quadro é de concluir, por ilação natural, que a requerida não pretende pagar o imposto devido pela transacção de imóveis e que facilmente venderá o único imóvel em seu nome, no caso concreto já insuficiente para pagar a dívida fiscal, como forma de alcançar esse objectivo.

III – Destinando-se as medidas cautelares, como o arresto, precisamente a prevenir situações de facto consumado, de desaparecimento de bens que permitam à Administração Fiscal cobrar os seus créditos, no caso como o dos autos em que a requerida tem sede em “paraíso fiscal”, para além de se justificar uma medida cautelar, não existe outra que se possa adoptar que não seja o arresto do único bem conhecido da requerida, pelo que a medida é necessária e proporcional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

A Fazenda Pública veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 21.09.2009, a fls. 100-105, pela qual julgado improcedente o arresto requerido contra a sociedade “A ..., S.A.”.

Invocou para tanto que a sentença recorrida incorreu em m errada aplicação do disposto nos art.ºs 136º e 214º, do Código de Procedimento e Processo Tributário, ao caso concreto.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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São as seguintes as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional.

1 - A providência cautelar de arresto, em consonância com o princípio constitucional de garantia do acesso aos tribunais (art. 20° da C.R.P.), traduz-se na tutela judicial da garantia patrimonial, quando o comportamento doloso ou negligente do devedor a possa pôr em causa.

2 - A autora, Fazenda Pública, alegou e provou estarem reunidos os pressupostos para que seja decretado o arresto para garantia dos créditos tributários.

3 - Decorre do exposto que decidindo-se como se decidiu, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 136° e art. 214° ambos do Código de Procedimento e Processo Tributário, ao não reconhecer a ocorrência das circunstâncias ali previstas, não tendo também procedido à devida apreciação dos factos alegados e sobejamente comprovados, nomeadamente quanto ao fundado receio da diminuição da garantia de cobrança do imposto em liquidação, bem como à insuficiência patrimonial do requerido, devendo a decisão recorrida ser revogada com as consequências legais.

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I – Foi dada como assente a seguinte matéria de facto, sem controvérsia nesta parte:

A. A requerida é uma sociedade com sede em Suite E - 2, Union Court Building, Elisabeth and Shirley Streets, Nassau, Bahamas.

B. Em cumprimento da OI200900597, com despacho de 2009/02/20, foi a ora requerida alvo de uma acção inspectiva.

C. No âmbito da acção inspectiva em sede de IRC ao exercício de 2007, verificou-se que a requerida obteve rendimentos em Portugal provenientes da transmissão onerosa de imóveis e não cumpriu com as seguintes obrigações fiscais:

i. Designar nos termos previstos no na 1 e 2 do art. 118° do CIRC, uma pessoa singular ou colectiva, com residência, sede ou direcção efectiva em território nacional, para a representar perante a Administração Fiscal, relativamente às suas obrigações em sede de IRC;
ii. Apresentar a declaração de inscrição no registo ou início, no prazo de 15 dias a contar da data em que o que originou o direito aos rendimentos sujeitos a IRC;
iii. Apresentar a declaração periódica de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao exercício em que obteve os ganhos, no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão dos imóveis;
iv. A apresentar a declaração anual de informação fiscal e contabilística, referente aos exercícios em que obteve rendimentos sujeitos a IRC.

D) Em resultado da acção inspectiva foi apurado em sede de IRC, o rendimento tributável no montante de €2.680.855,13, donde resultará o imposto em falta no valor de €765.586,12, em liquidação.

E) O património conhecido em Portugal da requerida é unicamente o prédio rústico sito no lugar de Brejos, freguesia e Concelho de Albufeira, inscrito na matriz sob o art.º 70 secção AU, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º 9908.
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II – O enquadramento jurídico:

Dispõe o n.º 1 do art.º 136º do Código de Procedimento e Processo Tributário:

“O representante da Fazenda Pública pode requerer arresto de bens do devedor de tributos ou do responsável solidário ou subsidiário quando ocorram, simultaneamente, as circunstâncias seguintes:
a) Haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis;
b) O tributo estar liquidado ou em fase de liquidação.”

Sobre a mesma matéria, estipula o n.º 1 do art.º 214º do Código de Procedimento e Processo Tributário:

“Havendo justo receio de insolvência ou de ocultação ou alienação de bens, pode o representante da Fazenda Pública junto do competente tribunal tributário requerer arresto em bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido, com aplicação do disposto pelo presente Código para o arresto no processo judicial tributário.”

No presente recurso jurisdicional apenas foi posto em causa a conclusão, tirada na sentença recorrida, de que a Fazenda Pública nem sequer alega factos integradores do fundado receio da diminuição de garantias de cobrança do correspondente crédito, que tem de ser apreciado objectivamente e não apenas na óptica do requerente.

Cabe efectivamente à Fazenda Pública alegar e provar, como um dos factos constitutivos do direito ao arresto, que há receio de diminuição de garantias do pagamento dos créditos tributários.

Sucede que no caso concreto esses factos foram invocados e provados, sendo que a diminuição da garantia de cobrança dos créditos, é uma conclusão que se retira dos factos provados, por ilação natural, pelas regras de experiência comum, como muito bem defende o Ministério Público neste Tribunal Central Administrativo Sul.

Como se reconhece na sentença recorrida, a Fazenda Pública alegou (e provou) um conjunto de factos que, por si, permitem concluir que a requerida se alheia do cumprimento das suas obrigações fiscais declarativas.

Mas permitem concluir mais:

Permitem concluir, por presunção natural ou judicial, que a requerida não pretende pagar o imposto devido pela venda de imóveis.

Na verdade a requerente: não designou uma pessoa singular ou colectiva, com residência, sede ou direcção efectiva em território nacional, para a representar perante a Administração Fiscal, relativamente às suas obrigações em sede de IRC; não apresentou a declaração de inscrição no registo ou início, no prazo de 15 dias a contar da data em que o que originou o direito aos rendimentos sujeitos a IRC; não apresentou a declaração periódica de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao exercício em que obteve os ganhos, no prazo de 30 dias a contar da data da transmissão dos imóveis; e, finalmente, não apresentou a declaração anual de informação fiscal e contabilística, referente aos exercícios em que obteve rendimentos sujeitos a IRC.

É de presumir, de acordo com as regras de experiência comum, que o passo seguinte é não pagar voluntariamente o imposto liquidado.

E perante a eventualidade de uma execução, sendo o seu propósito manifesto não pagar imposto, nada mais fácil do que ver-se livre do único bem que pode servir ao Fisco para satisfazer o seu crédito.

Isto sendo certo que a actividade da requerida que a obriga a pagar imposto é precisamente a venda de imóveis.

Não se pode, num caso como o presente, ficar à espera que a requerida venda todo o seu património conhecido, um único bem imóvel - já insuficiente para garantir a cobrança do imposto devido -, para só depois se concluir pela existência de perigo de dissipação das garantias patrimoniais.

As medidas cautelares, como o arresto, destinam-se precisamente a prevenir situações de facto consumado, de desaparecimento de bens que permitam à Administração Fiscal cobrar os seus créditos.

No presente caso acresce que a requerida não tem sede nem representação em Portugal e tem sede num conhecido “paraíso fiscal”.

Para além de se justificar uma medida cautelar, não existe outra que se possa adoptar que não seja o arresto do único bem conhecido da requerida, pelo que a medida é necessária e proporcional.

Como nos diz Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2006, II volume, páginas 976/977, no trecho citado pelo Ministério Público:

«Terá de haver um perigo logicamente justificado, uma probabilidade séria, com fundamentos objectivos baseados nas regras da experiência comum, de que os patrimónios dos titulares de bens que servem de garantia à cobrança de créditos tributários (devedor originário, responsável solidário e subsidiário) diminuam de valor a ponto de se tornarem insuficientes para cobrança dos créditos tributários. Nas hipóteses mais frequentes, tratar-se-á de situações em que, com base nas regras de experiência comum, seja de considerar provável que aqueles titulares de bens se preparem para criar uma situação em que seja inviável accionar os seus patrimónios para cobrança das dívidas, designadamente, ocultando-as ou transferindo-as para a titularidade de pessoas que não possam ser accionadas para efectivar essa cobrança.”

Considerações que assentam como uma luva de pelica à situação dos autos.

Termos em que se impõe concluir que procede o recurso e, consequentemente, deve ser revogada a sentença recorrida e ordenado o arresto requerido.

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Pelo exposto, os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

A) Revogam a sentença recorrida.

B) Ordenam o arresto requerido.

Custas na 1ºInstância pela requerida, sendo certo que não deve ser tributada em sede de recurso jurisdicional por não ter apresentado contra-alegações - art. 2.º, n.º 1, alínea g), do Código das Custas Judiciais.
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Lisboa, 9 de Dezembro de 2009


(Rogério Martins)

(Lucas Martins)

(Magda Geraldes)