Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 13496/16 |
Secção: | CA- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 07/14/2016 |
Relator: | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Descritores: | OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA; ÓNUS DA PROVA; UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PELO STA |
Sumário: | i) Os acórdãos tirados em sede de recurso para uniformização de jurisprudência não gozam de força vinculativa a não ser no âmbito do processo em que são proferidos. Ainda assim, o sistema tem ínsito, por efeito da força persuasiva de tais arestos, que a decisão proferida se deva projectar nos futuros julgamentos a efectuar pelas Instâncias, pela conjugação de diversos factores: a solenidade do julgamento (Pleno da Secção), a qualidade dos seus protagonistas e a valia da fundamentação. Donde, a solução uniformizadora acaba por impor-se às polémicas jurisprudenciais que as precedem e que assim se procuram prevenir; é o que sucede no âmbito acção administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa (o acórdão de 16.06.2016 do Supremo Tribunal Administrativo, proc. n.º 201/16). ii) Na acção administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos arts. 9.º, al. a) e 10.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional. iii) Não revela a inexistência de ligação efectiva do interessado à comunidade nacional portuguesa, a circunstância de o mesmo, de nacionalidade guineense, apenas ter como referenciada a sua residência em Portugal, na residência de sua mãe, nem o facto de o seu pai, também, de nacionalidade guineense com quem o Recorrido alegadamente vivia, ter falecido em 2006 na Guiné. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório A Digníssima Magistrada do Ministério Público junto do TAC de Lisboa veio interpor recurso jurisdicional da sentença daquele tribunal que julgou improcedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, por si intentada contra Feliciano ………………..(Recorrido), maior, de nacionalidade guineense. As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: 1 - À luz do artigo 4.º , n.º 1, e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, as acções de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa devem ser consideradas como acções de simples apreciação negativa, pois que são destinadas à demonstração (e consequente declaração judicial) da inexistência de ligação à comunidade nacional, II - Consequentemente, e de harmonia com o disposto no artigo 343.º , nº 1, do Código Civil, a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga competia ao recorrido. III - Acrescendo, ainda, que pelo facto se estarmos face a uma acção que é consequência de uma pretensão inicialmente formulada junto da Conservatória dos Registos Centrais pelo interessado em obter a nacionalidade portuguesa, sempre lhe caberia, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos de tal pretensão. IV - A redacção do artigo 2.º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, foi mantida pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, assim continuando o (a) estrangeiro(a) filho de nacional português a poder adquirir, em determinadas circunstâncias, a nacionalidade portuguesa. V - Todavia, enquanto o artigo 9.º, na sua redacção anterior, estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente, a "não comprovação pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional", na sua redacção actual estabelece o mesmo normativo que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros factores, a "inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional". VI - Estatuindo o nº 1 do artigo 57.º do D.L. 237-A/2006, de 14 de Dezembro, que "Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo anterior" (destaque e sublinhado meus), VII - Face ao comando ínsito no artigo 343 .º , nº 1, do Código Civil, como ainda - estando em causa uma acção que resulta de uma pretensão por ele próprio formulada junto da Conservatória dos Registos Centrais - pelas regras gerais do ónus da prova, não pode o Recorrido eximir-se a tal pronúncia. VIII - A mera indicação, no requerimento/declaração de aquisição de nacionalidade subscrito por Mandatário, da morada em Portugal da sua progenitora e o facto de o seu pai de nacionalidade guineense com quem o Recorrido vivia, ter falecido em 2006 na Guiné, não são factos suficientes para se entender que o mesmo já possuí os requisitos necessários - ligação efectiva à comunidade portuguesa - para adquirir a nacionalidade, tanto mais que não contestou, nem juntou quaisquer provas documentais ou outras da sua ligação efectlva à comunidade portuguesa como lhe cabia, por força da inversão do ónus da prova. IX - Para adquirir a nacionalidade portuguesa, são necessários outros requisitos, nomeadamente a ligação efectiva à comunidade nacional, devendo verificar-se , para além de outras, uma forte e duradoura afinidade com a matriz dos portugueses, considerados estes como uma comunidade política e socialmente organizada - cfr., entre outros, o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 08/07/2004, no Proc. nº 870/2004 - 6 ª Secção. X - Ora, o facto de o Recorrido não possuir autorização de residência, que sempre seria emitida, uma vez que passaria a fazer parte do agregado familiar da sua mãe, adquirente da nacionalidade portuguesa é mais um indicador que o mesmo não se encontra em Portugal, ou seja, nem tão pouco é detentor de documentação exigida a um estrangeiro que estabeleça a sua residência em Portugal, o que por si só é demonstrativo da sua falta de identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional portuguesa. XI- Nem tão pouco se poderá atender a que a família constitui elo fundamental não só na vivência e na construção do carácter da pessoa humana , mas também na interiorização e sedimentação dos valores essências da vida em sociedade , no que revela com particular acuidade estando na presença de menores, uma vez que o Recorrido pelo menos até aos seus dezassete anos ter desde sempre residido na Guiné com o seu pai e vivido integrado naquela comunidade, longe da família materna e sem com ela contactar, pelo que neste caso esse "elo fundamental " que podia ser tido em conta como transmissor dos valores que são inerentes, essências e exclusivos dos portugueses, não se verifica, pelo contrário, neste caso a família foi o veículo transmissor dos costumes e valores inerentes ao povo guineense. XII - Ter o Requerido como referenciado a sua residência em Portugal, sem elementos comprovativos da sua efectiva residência ou outros factos a sugerir a sua ligação à comunidade nacional, nada justifica para o efeito pretendido, tanto mais que tratando-se de acção de simples apreciação ou declaração negativa, competia ao recorrente a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. Por tudo quanto vai dito e conforme melhor resulta dos autos, a douta decisão recorrida fez um inadequado julgamento, de facto e de direito, tendo violado as disposições legais e os princípios de direito contidos nos art. 9.º , al. a) da Lei nº 37/81, na redacção dada pela Lei nº 2/2006 de 17 de Abril e art. 56.º, nº 1, al. a) do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (DL n º 237 - N2006, de 14 de Dezembro) e art. 343.º, nº 1, do Código Civil, motivo pelo qual deve a mesma ser revogada, dando-se provimento ao recurso, com o que se fará Justiça . • O Recorrido não contra-alegou. • Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir. • I. 1. Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao ter considerado como não verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no art. 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade (inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional). • II. Fundamentação II.1. De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: 1– O requerido Feliciano ………………….., de nacionalidade guineense, tem nacionalidade guineense, é natural de Bissau, República da Guiné-Bissau, onde nasceu a 10.10.1993, e é filho de pais ao tempo do seu nascimento de nacionalidade guineense ( cfr. docºs. patentes nos autos, e admissão por acordo). 2– O pai do requerido faleceu em 08.04.2006 ( cfr. docºs. patentes nos autos, e admissão por acordo). 3– Em 12.10.2009, foi recebido na Conservatória dos Registos Centrais, subscrito por mandatário constituído pela mãe do requerido, à data de menoridade, e na qualidade de sua representante legal, declarou a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, pelo requerido, ao abrigo do artº. 2º/Lei 37/81, por ser filho de indivíduo que adquiriu a nacionalidade portuguesa, e com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais, o processo nº. 40854/09 ( cfr. docºs. patentes nos autos). 3– A mãe do requerido, reside na Rua ………., nº.24, r/c, dtº., …..-…., …... (cfr. docº. patente nos autos, e admissão por acordo). 4– O requerido tem como referenciado a sua residência em Portugal, na residência de sua mãe ( cfr. docºs. patentes nos autos). A convicção do Tribunal fundamentou-se na prova documental, supra identificada, e na admissão por acordo das partes. Nada mais logrou-se provar com interesse ou relevância para a decisão da presente causa, designadamente não logrou o M.P. – Ministério Público, provar que o requerido residiu sempre e reside na Guiné-Bissau; bem como não logrou provar que o mesmo não tenha ligação à comunidade portuguesa. • II.2. De direito Vem questionada no recurso a decisão da Mma. Juiz do TAC de Lisboa que julgou a presente acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa improcedente. Para assim decidir a sentença recorrida assentou, após descrição do regime legal em vigor e seus antecedentes, ao fim e ao cabo no seguinte discurso fundamentador: “(…) Em face da prova produzida, nos presentes autos, é de concluir-se, que no caso vertente, tem de se concluir que o requerido tem ligação efectiva à comunidade nacional, já que apesar de nascido em Bissau, Guiné-Bissau, o seu pai faleceu em 2006, ou seja, quando tinha 13 anos de idade, e nada foi provado pelo M.P. que o menor não esteja com a sua mãe residente em Portugal, e por isso, apesar de ter nascido na Guiné-Bissau, ao passar a viver com a sua mãe passou, necessariamente, a estabelecer laços com Portugal, e face à prova produzida e não contrariada pela prova do M.P., sobre quem recai o ónus da prova, tal como se mostra firmado na jurisprudência recente, temos de concluir que in casu verificam-se elos que corporizam um sentimento da sua pertença à comunidade nacional, de modo a poder afirmar-se que se é já, psicológica e sociologicamente, português.” É contra esta posição, alicerçada na posição sobre o ónus da prova adoptada pelo Tribunal a quo, que o Ministério Público se insurge pugnando pela inexistência de ligação à comunidade nacional, a qual o interessado e aqui Recorrido, não logrou provar. Podemos já adiantar que em face do recente acórdão uniformizador de jurisprudência, tirado no processo n.º 201/16, em 16.06.2016, a decisão recorrida terá que manter-se. (1)
Comece por se deixar estabelecido, em primeiro lugar, que a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo não vem sujeita a qualquer impugnação, pelo que o probatório fixado se tem que dar por devidamente estabilizado. Por outro lado, com especial aplicação no caso em apreço, o Supremo Tribunal Administrativo, proferiu o acórdão de 16.06.2016, proc. n.º 201/16, tirado em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, o qual tem a seguinte fundamentação, a qual nos permitimos transcrever na parte aqui relevante: “Insurge-se a recorrente contra o entendimento e julgamento firmado no acórdão recorrido, porquanto considera que o mesmo infringe o que resulta previsto nos arts. 342.º do CC, 03.º, 09.º e 10.º, da «LN», 56.º do DL n.º 237-A/2006, já que no âmbito da ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa o ónus de prova relativo à factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional impende sobre o «MP», enquanto demandante, e não sobre o ali demandado. Vejamos, fixando, previamente, o quadro normativo aplicável e, bem assim, aquilo que foi a sua evolução. XIV. Decorre do art. 342.º do CC, sob a epígrafe de «ónus da prova», que “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” [n.º 1], que “[a] prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” [n.º 2], sendo que “[e]m caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito” [n.º 3]. XV. Prevê-se, por seu turno, no n.º 1 do art. 03.º da «LN», relativo à «aquisição em caso de casamento ou união de facto», que “[o] estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio”. XVI. E no capítulo IV deste mesmo diploma, disciplinador da oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou da adoção, estipula-se no art. 09.º que “[c]onstituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: (…) a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional; (…) b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa; (…) c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro”, resultando do normativo seguinte, relativo ao «processo», que “[a] oposição é deduzida pelo Ministério Público no prazo de um ano a contar da data do facto de que dependa a aquisição da nacionalidade, em processo a instaurar nos termos do artigo 26.º” [n.º 1] e de que “[é] obrigatória para todas as autoridades a participação ao Ministério Público dos factos a que se refere o artigo anterior” [n.º 2]. XVII. Por último, preceitua-se no art. 56.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa [publicado em anexo ao DL n.º 237-A/2006, de 14.12 - diploma que, nomeadamente, veio aprovar o referido Regulamento na sequência da alteração à «LN» operada também em 2006 pela supra referida Lei Orgânica n.º 2/2006], sob a epígrafe de «fundamento, legitimidade e prazo» que “[o] Ministério Público promove nos tribunais administrativos e fiscais a ação judicial para efeito de oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, no prazo de um ano a contar da data do facto de que depende a aquisição da nacionalidade” [n.º 1] e que constitui “fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adoção: (…) a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional …” [n.º 2], sendo que, nos termos do art. 57.º do mesmo Regulamento, “[q]uem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior” [n.º 1], que “[p]ara efeitos do disposto no n.º 1, o interessado deve: (…) a) Apresentar certificados do registo criminal, emitidos pelos serviços competentes do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência; (…) b) Apresentar documentos que comprovem a natureza das funções públicas ou do serviço militar prestados a Estado estrangeiro, sendo caso disso” [n.º 3], que “[a] declaração é, ainda, instruída com certificado do registo criminal português sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do n.º 7 do artigo 37.º” [n.º 4], que “[s]empre que o conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser” [n.º 7] e que “[o] Ministério Público deve deduzir oposição nos tribunais administrativos e fiscais quando receba a participação prevista no número anterior” [n.º 8]. XVIII. Se é certo que este quadro legal, aplicável à situação em presença, não corresponde inteiramente àquilo que era a redação originária da Lei da Nacionalidade [inserta na Lei n.º 37/81, de 03.10], o mesmo constitui, todavia, uma clara e inequívoca alteração face àquilo que era a redação que havia sido introduzida pela Lei n.º 25/94, já que, mormente, no art. 09.º previa-se então que “[c]onstituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: (…) a) A não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional …” e ainda se estipulava no n.º 1 do art. 22.º do DL n.º 322/82, de 12.08 [na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 253/94, de 20.10 - diploma que continha o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e que, entretanto, veio a ser revogado pelo referido DL n.º 237-A/2006] que “[t]odo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve: (…) a) Comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efetiva à comunidade nacional; (…) b) Juntar certificados do registo criminal, passados pelos serviços competentes portugueses e do país de origem; (…) c) Ser ouvido, em auto, acerca da existência de quaisquer outros factos suscetíveis de fundamentarem a oposição legal a essa aquisição” [sublinhados e evidenciado nossos]. XIX. Presente o quadro jurídico a atender e cientes daquilo que foi a evolução do mesmo importa, então, passar ao conhecimento da questão objeto de divergência, questão essa que não é nova neste Supremo Tribunal e que motivou a emissão de várias pronúncias, aliás, em sentido uniforme. XX. Com efeito, uma vez confrontado com a questão o STA no seu acórdão de 19.06.2014 [Proc. n.º 0103/14 disponibilizado in: «www.dgsi.pt/jsta»] firmou entendimento, que vem sendo sucessivamente reiterado [cfr., nomeadamente, os Acs. de 28.05.2015 - Proc. n.º 01548/14, de 18.06.2015 - Proc. n.º 01053/14, 01.10.2015 - Proc. n.º 01409/14, de 01.10.2015 - Proc. n.º 0203/15, de 04.02.2016 - Proc. n.º 01374/15, de 25.02.2016 - Proc. n.º 01261/15, de 03.03.2016 - Proc. n.º 01480/15 todos consultáveis no mesmo sítio], de que no âmbito da ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa o ónus de prova relativo à factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional impende sobre o «MP» após a alteração produzida na «LN» pela Lei Orgânica n.º 2/2006. XXI. É àquele, pois, que incumbe alegar e provar que o requerente/pretendente da nacionalidade não tem qualquer ligação à comunidade portuguesa e é-o, porquanto, segundo se extrai da linha fundamentadora colhida, nomeadamente no acórdão de 19.06.2014 [Proc. n.º 0103/14], “o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, «garantindo o fator de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objetivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000», resolveu, uma vez mais, alterar a redação da mencionada norma com vista a que no, procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse «o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público. Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro» - Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 32/X”, termos em que a partir da entrada em vigor da referida lei orgânica “passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade «a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional» (nova redação da al. a) do art. 9.º) a qual tinha de ser provada pelo MP” e era “claro que à data em que a Recorrente manifestou a sua vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa vigorava a nova redação daquele art.º 9.º da Lei 37/81 e que, por força do que nela se dispunha, era ao MP que cabia provar que ela não tinha qualquer ligação efetiva à comunidade portuguesa”. XXII. Fê-lo ainda na consideração de que esta modalidade aquisição da nacionalidade [por efeito da vontade] “não se produz automaticamente com a simples reunião daqueles pressupostos já que essa pretensão pode ser contrariada pelo M.P. através da propositura de uma ação”, fundada, nomeadamente, na “ausência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado”, tanto mais que as normas aludidas visam “por um lado, promover o valor da unidade familiar e proteger essa unidade e, por outro, dotar o Estado Português de mecanismos legais destinados a evitar que cidadãos estrangeiros sem nenhuma ligação afetiva, cultural ou económica a Portugal ou cidadãos tidos por indesejáveis pudessem adquirir a nacionalidade portuguesa”, sendo que a “jurisdicionalização da oposição à aquisição derivada da nacionalidade teve, por sua vez, e igualmente, em vista permitir uma melhor e mais isenta ponderação dos interesses em jogo e a consequente salvaguarda dos interesses do pretendente à aquisição da nacionalidade, desde que legítimos, por não colidentes com os interesses do Estado” [cfr., neste mesmo entendimento, na jurisprudência, o Ac. do STJ de 15.12.2002 - Proc. n.º 02B3582 in: «www.dgsi.pt/jstj»; na doutrina, Rui Moura Ramos, in: Revista de Direito e Economia, Ano XII, págs. 273 e segs., em especial, págs. 283/288]. XXIII. Analisados, no que releva para a discussão, o quadro legal a atender e aquilo que foi a sua sucessiva evolução não descortinamos ou sequer vislumbramos razões que nos levem a afastar do entendimento que sobre a questão se mostra firmado pela jurisprudência acabada de enunciar deste Supremo, que assim se reafirma e reitera, no sentido de que, após a alteração produzida na «LN» pela Lei Orgânica n.º 2/2006, na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa o ónus de prova relativo à factualidade integradora da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional impende sobre o «MP». XXIV. Como referido a solução legal inserta no art. 03º da «LN» inspira-se ou radica na proteção do interesse da unidade familiar, sendo que o facto relevante para a aquisição da nacionalidade é a declaração de vontade do estrangeiro de que reúne condições para adquirir a nacionalidade portuguesa e já não a constância do casamento por mais de três anos visto este ser um mero pressuposto de facto necessário à potencialidade constitutiva da «declaração de aquisição da nacionalidade portuguesa» [cfr., nomeadamente, os citados Acs. do STA de 28.05.2015 - Proc. n.º 01548/14, de 01.10.2015 - Proc. n.º 01409/15, de 04.02.2016 - Proc. n.º 01374/15; Rui Manuel Moura Ramos in: “Do Direito Português da Nacionalidade” (1992), pág. 151]. XXV. Ocorre, porém, que o efeito da aquisição da nacionalidade não se produz sem mais pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere - a manifestação/declaração de vontade do interessado [cfr. art. 03.º da «LN»] - já que importa, também, que ocorra uma condição negativa, ou seja, de que não haja sido deduzida pelo MP ação administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela haja sido julgada improcedente [cfr. citado art. 09.º da «LN»], na certeza de que uma tal ação reveste de natureza constitutiva e na mesma o Estado Português, através do MP, exercita o direito potestativo de se opor àquela declaração de vontade [cfr., nomeadamente, os citados Acs. do STA de 18.06.2015 - Proc. n.º 01053/14, de 01.10.2015 - Proc. n.º 01409/15, de 04.02.2016 - Proc. n.º 01374/15]. XXVI. Nesta mesma linha de entendimento e de interpretação quanto às regras de ónus de prova se havia manifestado a doutrina [cfr., nomeadamente, Rui Manuel Moura Ramos em “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006 …” in: RLJ, Ano 136, págs. 211/213; Joaquim Gomes Canotilho em parecer sob o título “Uma compreensão constitucional e legalmente adequada dos direitos fundamentais à cidadania e à nacionalidade na ordem jurídica portuguesa”, datado de 25.10.2011 (págs. 17/18 do referido parecer) e junto aos presentes autos a fls. 142/172] e, mais recentemente, também o Tribunal Constitucional o veio sustentar no seu acórdão n.º 106/2016, de 24.02.2016 [Proc. n.º 757/13 disponível in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» e publicado no DR II Série, n.º 62, de 30.03.2016] donde, no que releva, se extrai o seguinte “[a] sua redação original estabelecia os seguintes fundamentos de oposição: a manifesta inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional; a prática de crime punível com pena maior, segundo a lei portuguesa; e o exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a estado estrangeiro. (…) Para a aferição destes fundamentos eram ouvidos em auto os respetivos requerentes sobre os factos suscetíveis de constituir fundamentos de oposição, não lhes cabendo, todavia, a respetiva comprovação. Tal seria substancialmente alterado pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto. Com efeito, esta lei, para além de estabelecer a necessidade de um período de três anos de casamento para que o cônjuge estrangeiro pudesse apresentar um pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, viria a introduzir uma alteração significativa neste regime ao estabelecer que cabia ao interessado comprovar (por meio documental, testemunhal ou outro) a existência de uma ligação efetiva à comunidade nacional, pois, se isso não sucedesse, a não comprovação era motivo para oposição. Em paralelo cabia também essa prova aos requerentes de naturalização. (…) A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, veio repor o regime de prova originário, invertendo o respetivo ónus. Cabe, desde então, ao Ministério Público, a comprovação dos factos suscetíveis de fundamentarem a oposição deduzida, incluindo a falta de ligação efetiva à comunidade nacional” [sublinhado nosso]. XXVII. Firmado que se mostra o entendimento quanto à questão jurídica objeto de divergência importa, então, centrar nossa atenção na aferição do acerto do julgamento feito pelo acórdão recorrido da situação jurídica sob apreciação. (…)” Isto para concluir: “Na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos arts. 9.º, al. a) e 10.º da Lei n.º 37/81, de 03 de outubro [Lei da Nacionalidade] na redação que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”. Ora, face aos elementos constantes dos autos e levados ao probatório, na ausência de outros, não poderá concluir-se que o Ministério Público tenha logrado demonstrar – provar – a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional por parte do ora Recorrido. (2) Pelo que, a oposição por si deduzida não poderá proceder, devendo confirmar-se a decisão recorrida. Razões pelas quais, na improcedência das conclusões de recurso, tem que ser negado ao mesmo, com a consequente manutenção da sentença recorrida. • III. Conclusões Sumariando: i) Na acção administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos arts. 9.º, al. a) e 10.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional. ii) Não revela a inexistência de ligação efectiva do interessado à comunidade nacional portuguesa, a circunstância de o mesmo, de nacionalidade guineense, apenas ter como referenciada a sua residência em Portugal, na residência de sua mãe, nem o facto de o seu pai, também, de nacionalidade guineense com quem o Recorrido alegadamente vivia, ter falecido em 2006 na Guiné. • IV. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Sem custas. Notifique. Remeta cópia do presente acórdão e da sentença recorrida à Secção Consular da Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau, a fim de promover, pelo meio tido por mais conveniente, o conhecimento do ora Recorrido. DN. Lisboa, 14 de Julho de 2016 ____________________________ Pedro Marchão Marques ____________________________ ____________________________ (1)Não sendo a doutrina que emana do citado acórdão do STA aquela que por nós sempre foi a seguida, certo é que a questão controvertida, atinente ao ónus da prova neste tipo de acção, se encontra agora decidida (art. 152.º, n.º 6, do CPTA). É sabido que os acórdãos tirados em sede de recurso para uniformização de jurisprudência não gozam de força vinculativa a não ser no âmbito do processo em que são proferidos. Ainda assim, o sistema tem ínsito, por efeito da força persuasiva de tais arestos, que a decisão proferida será projectada nos futuros julgamentos a efectuar pelas Instâncias, pela conjugação de diversos factores: a solenidade do julgamento (Pleno da Secção), a qualidade dos seus protagonistas e a valia da fundamentação. Pelo que a solução uniformizadora acaba por impor-se às polémicas jurisprudenciais que as precedem e que assim se procuram prevenir; é o que ora sucede. (2)À luz do citado acórdão uniformizador do STA, deverá entender-se que ao Ministério Publico caberá alegar nos autos factualidade concreta que permita suficientemente demonstrar a inexistência da legalmente injuntiva ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa. |