Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:154/10.8BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
DIVIDA NÃO TRIBUTÁRIA
NOTIFICAÇÕES
PRESUNÇÕES JUDICIAS
Sumário:I - No procedimento administrativo, a notificação visa dar conhecimento aos destinatários, o teor dos atos administrativos suscetíveis de afetar a sua esfera jurídica e, surge, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do artigo 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos atos que lhes digam respeito.
II - O uso de presunções não constitui um meio de prova propriamente dito, já que, como decorre do artigo 349º do Código Civil, estas consistem em ilação que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para firmar outos que lhe são desconhecidos (factos presumidos).
III - Não há um beneficiário “tipo” ou pré definido, da presunção judicial, face à sua inexistência prévia, ou seja, por não se encontrarem firmadas no panorama jurídico, resultando, pelo contrário, do juízo casuístico do julgador, elaborado de acordo com o caso concreto, que lhe é submetido e à prova produzida.
IV - No que respeita ao ónus da prova, o que vale para a presunção legal não serve para a presunção judicial, e isto porque no primeiro caso o ónus da prova é atribuído por lei, o que não acontece nos casos de presunção judicial, onde há uma desoneração do ónus (o que não se confunde com a sua inversão), o que se compreende porque, como dissemos, esta (presunção judicial) resulta do juízo que no caso concreto é feito pelo decisor face à prova e por conseguinte tem assento nessa mesma prova.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Sub-secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


1 – RELATÓRIO

A...., melhor identificado nos autos, veio deduzir OPOSIÇÃO judicial ao Processo de Execução Fiscal n.° 2887.…., instaurado no Serviço de Finanças de Santa Cruz (Madeira) para cobrança de dívida ao Instituto Regional de Emprego da Região Autónoma da Madeira, relativa a apoio financeiro para a criação de dois postos de trabalho.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por sentença de 04 de janeiro de 2018, julgou parcialmente procedente a oposição na parte que respeita a prescrição de juros de mora.

Inconformada, a oponente, A...., veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a oposição à execução fiscal sub judice parcialmente procedente, no que respeita à prescrição dos juros de mora vencidos antes de 28/04/2005, e improcedente no que concerne à legalidade da dívida exequenda, por entender o Tribunal a quo que a respetiva causa de pedir não consubstancia fundamento válido de oposição à execução fiscal.

No entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, e omissão de pronúncia na douta sentença recorrida, uma vez que:

a) o douto Tribunal a quo errou ao dar como assente (Facto n.° 5) que a Recorrente, em 22/08/2002, foi notificada do despacho final de devolução do apoio financeiro proferido em 05/08/2002 pelo Presidente do Conselho de Administração do Instituto Regional de Emprego da Região Autónoma da Madeira;

b) o douto Tribunal a quo errou ao considerar que era legalmente possível à Recorrente ter reagido contra o ato administrativo de devolução do apoio financeiro por via do recurso contencioso antes da citação da presente execução;

c) resulta dos autos que o referido despacho de 05/08/2002 (decisão final de devolução dos apoios financeiros) jamais foi notificado à ora Recorrente;

d) se provou que, em 22/08/2002, a Recorrente foi apenas notificada do ofício n.° 02778, de 20/08/2002 (conforme documento junto pelo Instituto de Emprego da Madeira aos autos em 19/10/2017 - Ref. SITAF 003926160 - fls 133 a 135 dos autos);

e) se comprovou que o ofício n.° 02778 recebido em 22/08/2002 é datado de 20/08/2002 e não constitui o despacho de 05/08/2002 transcrito no facto assente n.° 4;

f) ficou demonstrado que a Recorrente nunca foi notificada, nunca teve acesso nem nunca teve conhecimento desse despacho;

g) não resulta dos autos qualquer notificação ou missiva a notificar a Recorrente desse despacho, muito menos consta qualquer comprovativo de entrega ou receção do mesmo;

h) a Recorrente nunca teve a oportunidade de impugnar graciosa ou contenciosamente aquele ato administrativo, definidor da obrigação, antes da instauração da execução sub judice;

i) a falta de notificação do despacho de 05/08/2002 deveria ter conduzido à procedência da presente oposição à execução por inexigibilidade da dívida ou da obrigação, por omissão ou falta de notificação de um ato imposto por lei, constitucionalmente consagrado nos artigos 268.° n.°s 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa;

j) se demonstrou que estamos perante a omissão de um acto imposto por lei, necessário para assegurar a eficácia do acto (falta de notificação do despacho de 05/08/2002), que constitui fundamento de oposição nos termos da alínea i) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT;

k) a falta de notificação em questão conduz à extinção da execução por inexigibilidade da dívida ou obrigação, que é a consequência da ineficácia do ato que a define;

l) esta falta de notificação do ato administrativo prévio, definidor da obrigação (despacho final de devolução do apoio financeiro de 05/08/2002), tornou a dívida ou obrigação sub judice inexigível em sede de execução, bem como, impediu que a Recorrente discutisse a legalidade da dívida ou obrigação em sede e momento próprio, antes da instauração da presente execução fiscal;

m) foi feita uma apreciação e valoração inapropriada e incorrecta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender da Recorrente, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à procedência da oposição à execução fiscal e extinção da mesma, nos termos das alíneas h) e i) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a douta sentença recorrida ser

revogada e, consequentemente, ser julgada totalmente procedente, por provada, a presente oposição à execução fiscal, com todas as legais consequências, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!»


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A Recorrida, Direção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, pronunciando-se nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem os autos submetidos à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice a questão a decidir consiste em saber se a sentença recorrida padece (i) de erro de julgamento em matéria de facto e de direito ao considerar que a recorrida validamente notificada para o reembolso da quantia exequenda ao Instituto de Emprego da Madeira, IP-RAM, face à comunicação que lhe foi endereçado, e (ii) de omissão de pronuncia.


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2 – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:


« 1. Por despacho do Diretor Regional dos Recursos Humanos da Região Autónoma da Madeira, datado de 31 de julho de 1997, foi atribuído à ora Oponente, na qualidade de promotora de uma iniciativa de criação de emprego (ILE) para criação de dois postos de trabalho, um apoio financeiro no montante de € 20.775,93 (6.925,31 € concedido sob a forma de subsídio não reembolsável e € 13.850,62 concedido sob a forma de empréstimo sem juros) - cfr. fls. 02 e 03 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Em 29 de outubro de 1997, a Oponente assinou termo de responsabilidade referente à atribuição do apoio financeiro mencionado no ponto antecedente, no qual se comprometeu, entre o mais, a:
- Amortizar o empréstimo em sessenta prestações mensais, tendo lugar a primeira depois de decorridos doze meses contados a partir da data da sua atribuição;
- Criar dois postos de trabalho, um pelo promotor da iniciativa e outro com recurso ao Centro Regional de Emprego;
- Manter e/ou substituir os postos de trabalho por outros nas mesmas condições com recurso ao Centro Regional de Emprego - cfr. fls. 03/verso a04/verso do PEF apenso e fls. 28 a 30 dos autos (suporte físico), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Por ofício n.° 02282, com o assunto "Notificação do Projecto de Decisão - Cobrança Coerciva Devolução de Apoio Financeiro", foi a Oponente notificada, em 15 de julho de 2002, nos seguintes termos:
"[...]
2 - Nos termos do Despacho de Concessão e do respectivo Termo de Responsabilidade, de 31 de Julho e de 29 de Outubro de 1997, ficou a empresária vinculada ao cumprimento das obrigações nele especificadas, designadamente a:
a) Manter e/ou substituir os postos de trabalho por outros nas mesmas condições com recurso ao Centro Regional de Emprego;
b) À devolução da totalidade da importância recebida, no caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas, sob pena da sua entrega, através de cobrança coerciva, pela competente Repartição de Finanças, nos termos do Decreto-Lei n.° 437/78, de 28 de Dezembro.
Conforme consta do seu processo V. Ex.a. não cumpriu o plano de amortização do empréstimo, distribuído por sessenta prestações mensais, com início em Novembro de 1998 e termo a Outubro de 2003.
Apenas pagou as seis primeiras prestações correspondentes aos meses de Novembro de 1998 a Abril de 1999, encontrando-se em falta desde o mês de Maio de 1999, o que perfaz nesta data trinta e sete prestações.
Acresce que assim sendo, não assegurou a manutenção do posto de trabalho pelo período mínimo de três anos, de acordo com o disposto no n.° 1, do artigo 14.°, do Despacho Normativo n.° 25/95, de 4 de Setembro.
3 - Face ao exposto, vimos informar de que caso a situação acima descrita não seja voluntariamente regularizada, através do pagamento das prestações em falta, referente ao apoio a devolução por cobrança coerciva da totalidade do montante concedido, acrescidos dos juros de mora.
Nos termos dos artigos n.°s 100.° e 101.° do Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de Novembro, com a redacção da dada pelo Decreto-Lei n.° 6/96, de 31 de Janeiro, vimos informar V. Ex.a que dispõe do prazo de 10 dias úteis, contados a partir do dia seguinte à data da recepção da presente notificação, para se pronunciar por escrito sobre o presente projecto de decisão, podendo solicitar quaisquer esclarecimentos e consultar o respectivo processo no Instituto Regional de Emprego [...]"- cfr. fls. 136 a 138 dos autos (suporte físico), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 05 de agosto de 2002, o Presidente do Conselho de Administração do Instituto Regional de Emprego da Região Autónoma da Madeira proferiu despacho para devolução do apoio financeiro referido em 1., com o seguinte teor:
"[...]
Nos termos do Despacho de Concessão e do respectivo Termo de Responsabilidade, de 31 de Julho e de 29 de Outubro de 1997, ficou a empresária vinculada ao cumprimento das obrigações nele especificadas, designadamente a:
a) Manter e/ou substituir os postos de trabalho por outros nas mesmas condições com recurso ao Centro Regional de Emprego;
b) À devolução da totalidade da importância recebida, no caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas, sob pena da sua entrega, através de cobrança coerciva, pela competente Repartição de Finanças, nos termos do Decreto-Lei n.° 437/78, de 28 de Dezembro.
Atendendo que a empresária não cumpriu o plano de amortizações do empréstimo, distribuído por sessenta prestações mensais, com início em Novembro de 1998 e termo em Outubro de 2003, tendo pago apenas as seis primeiras prestações correspondentes aos meses de Novembro de 1998 a Abril de 1999, encontrando-se em falta desde o mês de Maio de 1999, o que perfaz nesta data, trinta e nove prestações, é devido o reembolso imediato das verbas concedidas, de acordo com o disposto no n.° 2, do artigo 15.°, do Despacho Normativo n.° 25/95, de 4 de Setembro.
Considerando que apesar das diligências desenvolvidas pelo Instituto Regional de Emprego, no sentido do cumprimento voluntário das obrigações a que a beneficiária se comprometeu, não foram obtidos quaisquer resultados, tendo-se revelado infrutíferas todas as tentativas, com vista à regularização voluntária da dívida.
Cumprido que foi o disposto nos artigos 100.° e 101.°, do Código de Procedimento Administrativo, para efeitos de audiência prévia da interessada antes de ser tomada a presente decisão.
Determino, ao abrigo das competências que me foram delegadas [...] o vencimento imediato da dívida, acrescido dos juros de mora e a respectiva cobrança coerciva, por incumprimento injustificado das obrigações assumidas no respectivo Termo de Responsabilidade" -cfr. fls. 06 e 06/verso do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Por ofício n.° 02778, foi a Oponente notificada do despacho mencionado no ponto antecedente, em 22 de agosto de 2002 - cfr. fls. 133 a 135 dos autos (suporte físico).
6. Em 25 de fevereiro de 2003, foi instaurado no Serviço de Finanças de Santa Cruz o processo de execução fiscal n.° 2887…. contra a ora Oponente, para cobrança coerciva de € 19.599,14, correspondente ao capital em dívida no valor de € 20.775,93, referente ao apoio financeiro para a criação de dois postos referido em 1., acrescidos de juros de mora vencidos até 30 de setembro de 2002, inclusive, no montante de € 208,25 - cfr. fls. 01 a 08 do PEF a penso.
7. A Oponente foi citada, no dia 28 de abril de 2010, da penhora do prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 42…, fração C, da freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz para pagamento da quantia exequenda de € 19.599,14, em cobrança no processo de execução fiscal n.° 2887….. - cfr. fls. 19/verso a 21 do PEF apenso e fls. 25 e 26 dos autos (suporte físico).
8. A presente oposição foi apresentada no dia 28 de maio de 2010, junto do Serviço de Finanças de Santa Cruz - cfr. fls. 05 dos autos (suporte físico).

*
MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa.
*
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, conforme o especificado nos vários pontos da factualidade dada como provada, que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.
O Tribunal não valorou o depoimento de parte prestado pela Oponente, nem os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas, porquanto os mesmos recaíram sobre matéria de facto que não se mostra relevante para a solução a dar à causa, conforme se verá no ponto i) da apreciação jurídica.

De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a oposição por considerar prescritos os juros de mora dos juros vencidos antes de 28 de abril de 2005, com a, consequente, extinção da dívida nessa parte, mantendo a execução quanto ao restante.

Inconformada a oponente, A...., vem recorrer arguindo, erro de julgamento em matéria de facto e de direito e omissão de pronuncia.

Encetamos a apreciação do recurso que nos vem dirigido, dando nota da falta de precisão que emana dos argumentos recursivos quanto à invocada omissão de pronuncia, uma vez que a recorrente não logrou concretizar as questões omitidas pelo texto decisório.

Contudo, fazendo apelo aos artigos 125.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil (CPC) aqui aplicável ex vi da al. e) do artigo 2.º do CPPT, retiramos que a omissão de pronúncia integra causa de nulidade da sentença, ou, dito de outra forma, que constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronuncia do tribunal sobre questões que o juiz deva apreciar.

Sendo certo que as questões que o juiz deve conhecer são de dois tipos, nomeadmente: aquelas que foram alegadas pelas partes e as que sejam de conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do CPC).

Dito isto e lidas as alegações e conclusões de recurso denotamos, desde logo, que o alegado não tem enquadramento no âmbito da causa de nulidade invocada, desde logo porque, como se disse, a recorrente não logra especificar as questões que, em seu entender, o juiz deveria ter conhecido.

Na verdade, toda a argumentação do salvatério vem dirigida à questão da notificação do ato administrativo definidor da obrigação em execução e à respetiva prova de notificação, arguindo a recorrente que não teve conhecimento do referido despacho em virtude de o mesmo, não lhe ter sido notificado antes da citação.

Ora, neste contexto torna-se adequado realçar que a omissão de pronuncia não se confunde com o erro de julgamento da matéria de fato e de direito, conduzindo este, à revogação da sentença, e o primeiro à sua nulidade, por atentar contra as cânones próprios da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, a consequência é, como dissemos, a nulidade.

A falta ou incorreta apreciação da prova produzida, assim como a sua errada valorização, constitui erro de julgamento da matéria de facto, situação que de seguida passamos a apreciar.

Como temos vindo a assumir, acompanhando a jurisprudência deste Tribunal, no julgamento da matéria de facto o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, antes devendo selecionar apenas aquela que, atento o objeto do litigio, se mostra relevante para a decisão, identificando os factos que considera provados e os que dá por não provados (artigo 596.º n.º 1 e 607.º n.º 2 e 4 do CPC e 123.º n.º 2 do CPPT).

Aqui chegando regressamos às conclusões de recurso observando que ali se começa por alegar que o tribunal a quo errou ao dar como provado que a recorrente, foi notificada em 22/08/2002, do despacho final de devolução do apoio financeiro proferido em 05/08/2002 pelo Presidente do Conselho de Administração do Instituto Regional de Emprego da Região Autónoma da Madeira (facto 5 do probatório) – concl a)

E, bem assim, que “… errou ao considerar que era legalmente possível à recorrente ter reagido contra o ato administrativo de devolução do apoio financeiro por via do recurso contencioso antes da citação da presente execução” – concl b)

Adianta-se desde já que a recorrente não tem razão, mas vejamos porque assim o pensamos.

Como sabemos, no procedimento, a notificação visa dar conhecimento aos destinatários, o teor dos atos administrativos suscetíveis de afetar a sua esfera jurídica e, surge, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do artigo 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos atos que lhes digam respeito.

Impõe-se, por conseguinte, à administração o dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, de todo o teor dos atos por si praticados, que sejam suscetíveis de afetar a sua esfera jurídica, sendo que o legislador fez depender a eficácia dos atos que imponham deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, que causem prejuízos ou restrinjam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício, da respetiva notificação, independentemente da forma em que esta se concretize (artigo 160.º do CPA).

Os atos administrativos que imponham deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos aos administrados devem ser-lhes notificados e da respetiva notificação deve constar (i) o texto integral do ato administrativo, incluindo a respetiva fundamentação, quando deva existir (ii) a identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do ato e a data deste (iii) a indicação do órgão competente para apreciar a impugnação administrativa do ato e o respetivo prazo, no caso de o ato estar sujeito a impugnação administrativa necessária (artigo 114.º n.º 1 alínea b) e n.º 2 alíneas a) b) e c) do CPA)

Dito isto e regressando à situação, sub judice, vejamos se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal incorreu no erro de julgamento que lhe vem assacado.

Diz-se no ponto 5., da fundamentação de facto que a Oponente foi notificada em 22 de agosto de 2002, por ofício n.° 02…., do despacho proferido em 05 de agosto de 2002, pelo Presidente do Conselho de Administração do Instituto Regional de Emprego da Região Autónoma da Madeira .

Ora, em concreto a Impugnante não impugna este facto na sua totalidade, ou seja, não diz que não teve conhecimento do referido oficio, o que diz é que o despacho de 05/08/2002 (decisão final de devolução dos apoios financeiros) jamais lhe foi notificado e que, em 22/08/2002, apenas tomou conhecimento do ofício n.° 027…, de 20/08/2002 e diz ainda que este oficio não constitui o despacho transcrito no facto assente em 4., do probatórios.

E desta afirmação retira a conclusão de que “… nunca foi notificada, nunca teve acesso nem nunca teve conhecimento desse despacho”. – concl. c) a g).

Apesar de, em conceito, consigamos entender o pensamento explanado no salvatério, não o acompanhamos e não o fazemos, desde logo por constatarmos que o ofício n.° 02…, de 20/08/2002 foi remetido à sua alocutária, aqui, recorrente por carta registada com aviso de receção, que foi assinado pela própria (A....), e sendo verdade que o conteúdo deste oficio não contém o teor do despacho que constitui a decisão final determinante da devolução dos apoios financeiros, também é verdade que o mesmo refere na parte final que, “Junta: Despacho de vencimento da Divida”.

Consideramos que a alusão expressa ao envio do despacho constitui uma presunção de que o mesmo foi enviado à destinatária do ofício, por ela, assumidamente, recebido.

Não olvidamos que o uso de presunções não constitui um meio de prova propriamente dito, consistindo antes, como decorre do artigo 349º do Código Civil, em ilação que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para firmar outos que lhe são desconhecidos (factos presumidos).

Do ponto de vista juridico, as presunções, podem ser legais ou judiciais (artigo 350.º e 351.º do CC), sendo que estas últimas, só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme escoa da lei.

A este respeito diz-nos o acórdão do STA proferido em 02/03/2011 no Proc. nº 0944/10, que “[A]as presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).”

No mesmo sentido acolhemos, também. o aresto da 1.ª Secção do mesmo douto Tribunal proferido em 20/02/2014 no processo n.º 0979/13 (1) onde se diz que: “[É]é permitido ao julgador extrair ilações de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º C.Civil). As instâncias podem tirar, através das chamadas presunções judiciais, ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, completando-a e esclarecendo-a. Os factos comprovados podem ser trabalhados com base em regras racionais e de conhecimentos decorrentes da experiência comum de modo a revelarem outras vivências desconhecidas.
Mas essas deduções hão-de ser o desenvolvimento lógico e racional dos factos assentes. Já não é possível extraí-las de factos não provados, nem de factos não alegados, ou seja, de uma realidade processualmente não adquirida.”Daqui se conclui que não há um beneficiário “tipo” ou pré definido, da presunção judicial, porque estas não tem existência prévia, ou seja, não se encontra firmada, no panorama jurídico, pelo contrário, resulta do juízo casuístico do julgador, elaborado face ao caso concreto, que lhe é submetido e à prova produzida.

As presunções, definidas afastam do regime regra do ónus da prova.

Com efeito, a regra geral do ónus da prova é a de que, a quem invoca um direito que cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Porém, o que vale para a presunção legal não serve para a presunção judicial, e isto porque no primeiro caso o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece nos casos de presunção judicial, onde há uma desoneração do ónus (o que não se confunde com inversão do respetivo ónus (2), o que se compreende porque, como dissemos, esta (presunção judicial) resulta do juízo que no caso concreto é feito pelo decisor face à prova e portanto assenta nessa mesma prova.

Em suma na situação dos autos o Mmo. Juiz a quo, concluiu, e bem que por ofício n.° 027…, foi a Oponente notificada do despacho mencionado no ponto 4., dos factos assente. antecedente, em 22 de agosto de 2002 - cfr. fls. 133 a 135 dos autos (suporte físico)-, já que decorre das regras próprias da experiência e dos princípios da boa fé que o facto de se aludir, na parte final da notificação, à circunstância de que o despacho segue junto, corresponde ao que, de facto, aconteceu. Sendo certo ainda que se assim não fosse, ou seja que, não obstante a menção ter sido aposta, sem que o despacho fosse juntamente remetido, a destinatária da missiva deveria disso ter informado a remetente, situação que não alega ter feito.

Termos em que não pode agora a recorrente vir dizer que nunca teve conhecimento do referido despacho, nem a oportunidade de impugnar graciosa ou contenciosamente o ato administrativo, definidor da obrigação, antes da instauração da execução sub judice, como refere na conclusão h) do salvatério, já que ao contrário do que alega, está bastante bem explicitado no referido oficio o motivo pelo qual a divida lhe é exigida e bem assim a indicação de que o despacho lhe foi remetido.

Improcedem assim as conclusões de recurso que vimos de analisar.

Prosseguindo

A improcedência do pedido na parte que vimos de analisar implica a sua total improcedência, uma vez que com nas conclusões seguintes I) a m) a recorrente pretende que, face à pressuposta assunção da falta de notificação, se julgue extinta a executiva por inexigibilidade da dívida exequenda, o que como é bom de ver não pode verificar-se.
Neste ponto acompanhamos a sentença recorrida quando ali se diz que «[N]nos termos da alínea h) do n.° 1 do art. 204.° do CPPT, constitui fundamento de oposição à execução fiscal a "ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação."
Daqui se retira que existe uma verdadeira impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação (ou do ato administrativo) que deu origem à dívida exequenda quando a lei faculta meio de impugnação gracioso ou contencioso daquela liquidação (ou ato administrativo).
(…)
Ora, em 15 de julho de 2002, a Oponente foi notificada do projeto da decisão de devolução do apoio financeiro concedido, por incumprimento injustificado das obrigações assumidas no respetivo termo de responsabilidade, para efeitos do exercício de audição prévia [ponto 3. dos factos provados]. Por sua vez, no dia 05 de agosto de 2002, foi proferida decisão final de devolução dos apoios financeiros, a qual foi notificada à Oponente em 22 de agosto de 2002 [pontos 4. e 5. do probatório]. Assim sendo, era legalmente possível à Oponente reagir contra o ato administrativo de devolução do apoio financeiro por via do recurso contencioso de anulação regulado no antigo contencioso administrativo, em vigor à data dos factos (2002), nos termos do disposto nos artigos 24.° e seguintes da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de julho - meio judicial adequado para obter a anulação da dívida exequenda e respetivos juros de mora com fundamento em ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Destarte, "in casu" a lei facultava meio de impugnação contencioso próprio para sindicar a legalidade da dívida exequenda, razão pela qual não podia a Oponente lançar mão do fundamento ínsito na alínea h) do n.° 1 do art. 204.° do CPPT.
(…)» - fim de citação.

Termos em que, como ali, improcedem “in totum”, todos os argumentos recursivos, quer no que se reporta à legalidade e exigibilidade da divida exequenda, quer quanto à possibilidade de discutir a legalidade da divida em sede próprio, por as respetivas causas de pedir não consubstanciarem fundamentos válidos de oposição à execução fiscal.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida que assim de mantém na ordem jurídica.

Custas pela recorrente

Lisboa, 28 de abril de 2022


Hélia Gameiro Silva – Relatora

Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta

Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta

(Assinado digitalmente)


_____________________________
(1) Vide, no mesmo sentido o Acórdão do STJ, de 29/09/2016, proferido no processo nº 286/10.2TBLSB.P1.S1, onde re refere que «a presunção centra-se, pois, num juízo de indução ou de inferência extraído do facto base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência».
(2) Vide neste sentido o acórdão deste TCAS, proferido em 03/11/2009 no processo 03412/09