Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03865/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/18/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
PRESSUPOSTOS PARA MÉTODOS INDIRECTOS
ERRADA QUANTIFICAÇÃO
Sumário:I) -O recurso a métodos indiciários para a determinação do imposto é uma faculdade que assiste ao Fisco, com a margem de livre apreciação conferida pelos art.ºs 82º e ss do CIVA e 87º e ss da LGT quando haja razões fundadas para concluir que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável nas situações que estão que estão expressamente tipificadas no CIRC e que assumem um carácter excepcional.

II) -Tem por isso a AF de demonstrar, sem margens para dúvidas, a existência de erros, omissões ou inexactidões na contabilidade da impugnante, já que a previsão daqueles normativos aponta para a necessidade de recorrer a presunções ou estimativas por carência de elementos que permitam apurar claramente o imposto, procedendo à rectificação de declarações ou à correcção oficiosa.

III) - Tendo a AT adoptado o recurso a métodos indiciários para determinar o lucro tributável do contribuinte, compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

IV) -Em tal situação, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, é exigível a este a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados.

V) -O contribuinte não demonstra o erro na quantificação do lucro tributável se não consegue provar, como alegou, que um dos pressupostos factuais utilizados excede o realmente verificado e, pelo contrário, a prova apresentada confirma o acerto desse facto que até lhe é favorável.

VI) -Para determinação da matéria colectável por estimativas ou presunções podem ser utilizados quaisquer meios, designadamente as margens de lucro brutas de custo do sector, Índices de rentabilidade, etc., na falta de outros elementos colocados à disposição da AF e directamente recolhidos da actividade do contribuinte.

VII) -Não se verifica a errada quantificação do apuramento do imposto por métodos indirectos, quando o critério utilizado pela AT se revela adequado e apto para esse fim e o contribuinte não logra provar, no caso, qualquer erro ou excesso nessa quantificação;
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:
1. – A..., veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Sintra que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios no montante global de 49.652,27€ que lhe foram efectuadas com referência aos anos de 2002 a 2004, concluindo assim as suas alegações (ordenadas numericamente por nossa iniciativa):
“1ª -Ficou claro, pois, a excessiva quantificação do IVA impugnado, por virtude da excessiva e impraticável taxa de 114,18%,
2ª -Claro ficou, salvo melhor opinião, que aquela margem média, comparada com as do Banco de Portugal, para o sector da actividade da ora recorrente, foi totalmente irrealista,
3ª -Ficou claro que aplicação da referida margem ao valor das compras e não do custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas determina igualmente uma tributação excessiva e uma duplicação de liquidação de imposto,
4ª -Com efeito a margem a ser aplicada sobre o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas, reforça ainda mais a questionada tributação excessiva,
5ª -Sem ter ficado demonstrado, na douta sentença, que, independentemente das invocadas anomalias nela apontadas em relação aos inventários, a citada margem média apurada (diga-se, de uma forma totalmente errada) pela Administração tributária era a aceitável e a possível, para a actividade exercida pela ora recorrente e que, as do Banco de Portugal, não serviam, sequer, para as descredibilizar.
6ª -Assim, parece não haver qualquer dúvida de que, a douta sentença, enfermará de erro de julgamento.
Nestes termos e nos demais de direito, pelos fundamentos expostos e com o sempre mui douto suprimento de V, Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a douta sentença recorrida e que seja substituída por outra que confirme os fundamentos ora invocados, assim se fazendo a costumada Justiça!”
Não houve contra -alegações.
Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos legais.
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2. -Na sentença fixou-se o seguinte probatório com base nos elementos junto aos autos:
“Factos Provados
A)Em 20.03.07 foram emitidas as notas de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios, efectuada nos termos do art° 82°, do CIVA, aos exercícios de 2002 a 2004, com base na matéria tributável fixada com recurso a métodos indiciários, a qual se fundamenta no relatório elaborado pela Fiscalização Tributária- cfr D.C. Modelo A, de fls 41 a 65, dos autos.
B) Da fixação referida em l, veio a impugnante reclamar para a Comissão de Revisão, nos termos do disposto no art° 91° da LGT, e não tendo havido acordo, foram elaborados os laudos dos peritos, tendo sido proferida decisão pelo D.F. de Lisboa em 16.02.07, de fixação da base tributável de imposto cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido. - cfr Pedido de Revisão, de fls 163 a 184, "Acta n°l 1/07", de fls 207 a 214 e Fixação da Matéria Tributável, de fls 215 a 225, do P.A. apenso.
C)Dá-se aqui por reproduzido o relatório da inspecção tributária, a que se refere a alínea A), da qual consta as correcções aos valores das operações sujeitas a imposto, com fundamento na consideração de que os inventários das existências físicas não são credíveis por os artigos comercializados de venda a retalho de peças de ouro e prata e de relógios não se encontrarem devidamente discriminados através da identificação dos artigos e da sua valorização, a falta de contabilização de compras efectuadas aos seus fornecedores, assim como na venda de mercadorias não foi possível identificar os adquirentes e referenciar devidamente os artigos comercializados, não permitindo a contabilidade verificar da conformidade dos artigos adquiridos com os artigos vendidos foi determinado o recurso a métodos indirectos, tendo-se efectuado o apuramento da margem média de comercialização praticada, por amostragem através de artigos expostos no estabelecimento - Cfr § II, pontos 5.1 e 5.3 do relatório e respectivos anexos, de fls 317 a 358 do P.A apenso aos autos.

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Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”
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3. - Atenta a ordem do julgamento estabelecida no artº 660º do CPC, aplicável ao recurso por força das disposições combinadas dos artºs. 713º nº 2 e 749º, ambos daquele Código, vemos que a questão sob recurso, suscitadas e delimitadas pelas conclusões da Recorrente, é de saber se no caso sub judice se verificam os pressupostos para a matéria tributável ser apurada por métodos indirectos e se ocorre erro ou excesso de quantificação dessa matéria apurada por tais métodos.
O Mº juiz «a quo» fundamentou a procedência em que, no essencial, compete à AF o ónus da prova da existência dos pressupostos de determinação indirecta daquela matéria, cabendo-lhe demonstrar a impossibilidade de comprovação directa e exacta com base nos elementos indispensáveis ao correcto apuramento da mesma e competindo ao impugnante a demonstração da sua errónea quantificação, tendo em conta os elementos que fundamentam um apuramento distinto do apurado pelos serviços tributários.
Na consideração de que tal impossibilidade de quantificação directa e exacta se verifica sempre que a AF detecte qualquer anomalia ou incorrecção da contabilidade que inviabilizem aquele apuramento, maxime as resultantes de erros e inexactidões na contabilização das operações, ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial do contribuinte, veio a concluir que face ao apurado em C), do probatório, resultava impossibilitada de efectuar a verificação do inventário das existências e da sua comparabilidade com as vendas por falta da necessária identificação das mercadorias em stock e comercializadas e indicação dos adquirentes, assim como a falta de valorização das mesmas e a falta de contabilização de compras por si efectuadas, concluiu-se pela inviabilidade de proceder àquele apuramento directo e exacto da matéria tributável.
E, no que tange ao critério quantificador, baseado na margem média de comercialização dos artigos expostos no estabelecimento posteriormente aplicada ao valor corrigido das compras de mercadorias nos respectivos anos, por falta de outros elementos que permitissem apurar os custos efectivamente suportados naqueles anos e na impossibilidade da utilização de outro critério de determinação, não merece qualquer censura aquele cálculo do valor das vendas de mercadorias, nos termos do disposto na alínea a), do n°1, do art° 90°, da LGT.
Contra o assim fundamentado e decidido se insurge a recorrente para quem a sentença enferma de erro de julgamento por ter ficado demonstrada a excessiva quantificação do IVA impugnado, por virtude da excessiva e impraticável taxa de 114,18% já que aquela margem média, comparada com as do Banco de Portugal, para o sector da actividade da ora recorrente, foi totalmente irrealista, correspondendo a aplicação daquela margem ao valor das compras e não do custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas a uma tributação excessiva e uma duplicação de liquidação de imposto.
É que, adita a recorrente, a margem a ser aplicada sobre o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas, reforça ainda mais a questionada tributação excessiva pois, sem ter ficado demonstrado que, independentemente das invocadas anomalias apontadas em relação aos inventários, a citada margem média apurada pela Administração tributária era a aceitável e a possível, para a actividade exercida pela ora recorrente e que, as do Banco de Portugal, não serviam, sequer, para as descredibilizar.
A EPGA defende o bem fundado da decisão recorrida na medida em que, apesar do que vem alegar nos autos em sede de recurso a recorrente não logrou demonstrar a veracidade dos argumentos que sustentam a sua pretensão, o que veio a determinar a aplicação pela AT dos métodos indiciários plenamente justificados no relatório da inspecção tributária, nada havendo a censurar nesta actuação da AT que cumpriu o preceituado nos art. 81° e 83° da LGT. Decorrendo a liquidação adicional do IVA da incapacidade da recorrente de fazer prova que pudesse justificar as graves irregularidades encontradas na respectiva contabilidade, (vide o n°1 do ponto IV do relatório da inspecção tributária reproduzido a fls. 86 e ss dos autos), nada há a censurar na interpretação destes factos levada a cabo na sentença recorrida.
Quid juris?
Conforme se vê do relatório de exame à escrita da impugnante e do procedimento de revisão e foi levado ao probatório, relativamente aos exercícios dos anos de 2002, 2003 e 2004 e à tributação em IVA, aqui em causa, a AF motivou-se, exclusivamente, de direito e de facto, para aplicar os métodos indirectos na impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, por via de inexistência ou insuficiência de elementos contabilísticos (fls. 69 e ss), invocando os artigos 87.°/b) e 88.°/a) da LGT.
Substanciando, no RIT e no procedimento de revisão em que se suportam as liquidações impugnadas, a AT refere os factos concretos que evidenciam a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável, mormente os que se especificam na al. C) do quadro fáctico-conclusivo da sentença, e que revelam que os artigos comercializados de venda a retalho de peças de ouro e prata e de relógios não se encontrarem devidamente discriminados através da identificação dos artigos e da sua valorização, a falta de contabilização de compras efectuadas aos seus fornecedores, assim como na venda de mercadorias não foi possível identificar os adquirentes e referenciar devidamente os artigos comercializados, não permitindo a contabilidade verificar da conformidade dos artigos adquiridos com os artigos vendidos.
Em termos gerais, para que a AF se encontre legitimada a lançar mão do método presuntivo no apuramento do valor tributável, não bastava que deparasse com anomalias e incorrecções na contabilidade dos contribuintes, era ainda indispensável que, cumulativamente, tais anomalias e incorrecções inviabilizassem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável condicionalismo que se impõe, face ao preceituado nos arts. 85°/1 e 87° e segs., da LGT.
Na verdade e como decorre do disposto no artº 75º da LGT, vigora o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, segundo o qual o mesmo era efectuado com base nos elementos indispensáveis fornecidos pelos contribuintes.
Caso estes tenham contabilidade organizada segundo a lei comercial ou fiscal, como reza o artº 75º da LGT, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos operados, excepto se se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.
Contudo, a AF tem o poder de controle e fiscalização das aludidas declarações, para a concretização do qual poderá recorrer as elementos da contabilidade do sujeito passivo ou de outros elementos disponíveis, fazendo a correcção das declarações e/ou efectuando liquidações oficiosas ou adicionais observando os prazo de caducidade, poderes que lhe estão legalmente conferidos pelo artº 75º nº2 e 87º e ss da LGT.
O recurso à avaliação indirecta para a determinação do imposto é uma faculdade que assiste ao Fisco, com a margem de livre apreciação conferida pelos art.ºs 82º e ss do CIVA e 87º e ss da LGT, quando haja razões fundadas para concluir que os valores registados e declarados referentes ao tributo, não correspondem à realidade das transmissões de bens efectuadas.
Instituem aqueles normativos o poder de a AF proceder à liquidação adicional, estabelecendo as condições do seu exercício, quais sejam:- figuração nas declarações dos sujeitos passivos de um imposto inferior ou de uma dedução superior aos devidos e demonstração, i. é, declaração externadora justificativa de tal facto.
Em suma: conjugando o disposto nos citados artigos, deve concluir-se que a AF poderá recorrer ao critério de apuramento do volume de negócios por estimativas ou presunções, dependendo unicamente dos seguintes condicionalismos:
a)- Externação de elementos por parte da AT que justifiquem que nas declarações apresentadas figura um imposto inferior ao devido e
b)- carência de elementos na escrita comercial ou discrepância da mesma com a realidade económica que permitam apurar claramente o imposto.
Ora, como veio de provar-se, as alterações aos valores declarados pela impugnante foram operadas a coberto de tais normativos, em virtude de se ter considerado que a escrita daquele não se encontrava devidamente organizada por forma a permitir um conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto. Assim, estaria justificado o recurso ao método presuntivo.
Na verdade, a impugnante estava obrigada a manter a sua contabilidade organizada de acordo com os princípios consagrados no POC e impostos pelo artº 44º do CIVA.
Ora, foi porque consideraram que tal não sucedia que os serviços competentes da AF efectuaram as liquidações oficiosas ora em crise.
Com efeito, como consta dos documentos que formalizaram o acto tributário, os actos impugnados foram motivados pelas irregularidades apontadas e de carácter contabilístico.
No probatório alicerçado nas informações oficiais prestadas pelos Serviços de Fiscalização Tributária e que serviu de fundamentação da fixação definitiva do imposto em causa, deu-se como assente que a determinação do imposto em falta foi efectuada no pressuposto de que a escrita da ora impugnante não reflectia a veracidade da sua actividade, ou seja, as liquidações em causa foram operadas com recurso ao método indirecto, actuado em sede de fiscalização à mesma.
De acordo com a norma ínsita no artº 87º b) da LGT «A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de…impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável de qualquer imposto», resultante das anomalias tipificadas no artº 88º da mesma Lei.
De todo o exposto decorre que é à AF que cabe a demonstração da verificação dos pressupostos que a legitimem a lançar mão do aludido método indirecto, ou seja, de que, ao que aqui nos importa, a contabilidade do contribuinte padece de anomalias que afectam a sua credibilidade, por forma a que se torne inviável a quantificação directa, imediata e exacta da matéria colectável. Só verificados estes pressupostos se transfere para o contribuinte o ónus de demonstrar que, ao invés do sustentado pela AF, aqueles pressupostos se não verificam, ou que, verificando-se, não permitem o apuramento dos valores encontrados.
Do relatório dos SFT constante do autos e cujo conteúdo foi levado ao probatório, emerge que no decurso da acção inspectiva a AF constatou existir as situações anormais que ficaram descritas, dentro de um critério de comprovação criterioso donde se constatam factos mais que justificativos de que a contabilidade da firma não merece fiabilidade e de que através dos seus elementos não é possível quantificar de forma certa e exacta a matéria tributável dos vários exercícios em causa.
Ora todas estas circunstâncias estão comprovadas nos autos.
Destarte e em concordância com o Mº Juiz «a quo», tem de concluir-se pela verificação, no caso presente, dos necessários pressupostos legais à tributação da recorrente por recurso a métodos indiciários.
Tendo a AF concluído que perante as situações descritas estava impossibilitada de efectuar um controlo claro e inequívoco dos valores em causa e do lucro tributável para efeitos de IVA justificava-se que lançasse mão do método indirecto de determinação da matéria tributável, porque impossibilitada de usar os meios de prova directa para cumprir com o seu poder dever de liquidar, impossibilidade criada pela recorrente pelo não cumprimento de obrigações a que estava adstrita.
Donde que os factos levados ao probatório e que o recorrente indica, tornaram necessária a aplicação dos métodos indiciários, resultando desses pontos para a Administração Fiscal a impossibilidade de utilizar os meios da empresa para fazer a quantificação directa e exacta no âmbito de uma contabilidade insegura, aqui e ali confusa e contraditória ou omissa. E, aqui chegados, o ónus da prova passou para o contribuinte (v. art. 342° do Código Civil).
Portanto, não infirmando estes fundamentos, ainda que tivesse total razão quanto aos restantes, sempre seria de manter a decisão de recurso à tributação indirecta feita, corrigida, claro está, quanto ao que, naqueles restantes, for conduta ilegal por parte da AF.
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A AF, como concluiu o Mº juiz, observou as exigências de fundamentação que rodeiam as decisões de tributação por métodos indirectos, previstas no artigo 77°, n° 4 da LGT, nos termos do qual "A decisão da tributação por métodos indirectos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base cientifica, ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável".
E concluiu que no relatório da Inspecção, como resulta de C) dos factos provados, foram cumpridas suficientemente as indicações de fundamentação legalmente exigidas ou seja, quanto à impossibilidade de comprovar e quantificar directamente a matéria tributável e quanto o ajustamento da matéria tributável aos indicadores objectivos da actividade da própria impugnante.
Ora, mostrando-se legitimado o recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria colectável da Impugnante, e que a Administração Tributária demonstrou, como lhe competia, a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos operando com um critério quantificador dos possíveis e credíveis porque adstrito aos elementos da contabilidade da impugnante, impendia sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
Concluindo-se que o recurso ao método indirecto estava justificado, impõe-se agora aferir se procede a questão do alegado erro ou excesso na quantificação da matéria tributável.
Ante omnia, por força do disposto no artigo 344.°/2 do Código Civil e artigo 74.°/3 da LGT, incumbia à impugnante o ónus de demonstrar que houve excesso de quantificação da matéria colectável, sendo que, emergindo dúvida ela resolve-se a favor da Administração Tributária.
E o certo é que decorre do RIT que a AT, na determinação da matéria tributável utilizou um critério objectivo e fundamentado que o recorrido, a nosso ver, não logrou, fundadamente, infirmar.
Saliente-se, no ponto que o que é importante é fazer o apuramento por métodos claros e objectivos, bem como seguros.
E, se assim é, como não pode deixar de ser, porque a contabilidade do contribuinte não merecia credibilidade e não existiam outros dados relevantes e seguros, nada mais seguro do que recorrer ao apuramento através da margem média de comercialização praticada, por amostragem através de artigos expostos no estabelecimento, o que vale por dizer, aos elementos da actividade desenvolvida pela impugnante.
É que não bastava pôr em dúvida a existência e quantificação do facto tributário, antes se tornando necessário provar factos que comprovassem a alegada errónea quantificação da matéria tributária.
Ora, face aos factos alegados pelas AT sobre a sua contabilidade, caberia à impugnante trazer, e não trouxe salvo melhor opinião, novos elementos, credíveis, nomeadamente prova documental, que pudesse abalar a decisão.
Enfim, a impugnante não logrou provar o excesso na quantificação da matéria colectável apurada por métodos indiciários.
De acordo com o Acórdão deste TCA de 03/02/04, tirado no Recurso nº785/03, a utilização de tal método presuntivo ou indiciário, traduz-se no recurso por banda da AT, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que servem de suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma.
Consequente e necessariamente tal conclusão não tem, na generalidade dos casos, de corresponder ao resultado de um raciocínio dedutivo, sustentado em elementos de facto concretos, mas tão só prováveis, justificando a utilização de parâmetros gerais comuns adequados àquele juízo valorativo que se impõe apurar.
Por outro lado, muito embora as situações que constituem os pressupostos que legitimam o recurso ao método indirecto de avaliação constituam as mais das vezes contra - ordenações fiscais/a aplicação de tais métodos não visa nunca a punição desses factos mas tão somente, nas palavras de Génova Galván, in La estimación indirecta, Tecnos, Madrid, 1985, «alcançar senão aquela certeza que o método directo atinge pelo menos atingir a máxima verosimilhança que seja possível alcançar no caso concreto através da utilização de inferências probabilísticas».
O recurso ao método indirecto está legitimado por força do princípio da capacidade contributiva que só se respeita fielmente quando se mede directamente a matéria tributável sendo por isso uma faculdade da AT no exercício do seu poder/dever de liquidar quando comprovadamente demonstre não poder por via directa alcançar o rendimento tributável.
Na senda do douto acórdão citado, para que assim não suceda, imperioso se torna que aquele a quem possa ser oposto o método em causa, faculte os elementos necessários e indispensáveis à decisão a tomar, de forma a que os resultados a que permitam chegar se mostrem reais, efectivos, concretos e credíveis, assim excluindo, necessariamente, a possibilidade da utilização de tais métodos.
Por outro lado, no caso de utilização de métodos indiciários, para que as extrapolações a que o mesmo venha a conduzir, se mostrem casuisticamente adequadas, bastará que se suportem na utilização de elementos obtidos segundo as regras da experiência, norteados pelos aludidos critérios de normalidade e de razoabilidade.
Caberá, então, àquele a quem o método em questão venha a ser oposto, e sendo caso disso, a demonstração que, no caso, a realidade é diversa do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras da experiência, nomeadamente porque os critérios que as nortearam, não se mostram razoáveis e/ou normais.
No caso em apreço, o recorrente vem imputar à liquidação impugnada o erro nos seus pressupostos de facto apurados por métodos indiciários, pelo que agora aqui em sede de recurso, também se encontra em causa a errada quantificação.
Nesta medida, o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do principio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação, embora hoje este ónus subjectivo de alegação se apresente mitigado por disposição expressa do art.º 264.° n.º s 2 e 3 do CPC, que introduziu o conhecimento oficioso de factos instrumentais e complementares.
A consequência do ónus de prova objectivo é que vem a... suportar as desvantagens da incerteza do facto de que não tenha logrado prova, por via das partes ou do tribunal, a parte a quem interesse a aplicação da norma de que ele for pressuposto... cfr. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina/1982, V-III, pág. 163.
Ora, entendemos que andou bem a AF, uma vez que a mesma parte de uma premissa correcta: de que a contabilidade da impugnante é incredível.
Destarte, como já se disse, a impugnante não devia limitar-se a alegar factos que pusessem em dúvida a existência e a quantificação do acto tributário, impondo-se-lhe cumprir o ónus probatório de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder - dever inquisitório, diligenciar também comprová-los - cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in CPPT, Comentado e Anotado, anotação 8. ao art.° 100°.
Volta a salientar-se que o apuramento da matéria tributável não está a ser efectuado directamente pela contabilidade do sujeito passivo, por falta de crédito desta, descredibilização que tanto vale para a contribuinte como para a AT, o que significa que a possível incerteza da quantificação da matéria colectável mais não é do que a normal consequência do próprio método presuntivo ou indiciário dessa quantificação, que lhe é inerente, surgindo como uma última ratio fisci para apuramento de uma matéria colectável que por culpa da contribuinte não foi apurada através da forma normal que é a sua escrita comerciai, mercê das deficiências que apresenta ou perante a sua falta pura e simples.
No caso, face aos elementos antes referidos, carreou a Administração Fiscal para os autos, dados certos e objectivos, baseados no relatório do exame à escrita.
Por sua vez, cabia à impugnante ter alegado e provado factos certos e concludentes que pusessem em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou aquele juízo de probabilidade elevado feito pela Administração Fiscal para prova do erro nessa quantificação por métodos indiciários. Na utilização de valores indiciários entende-se que a administração fiscal goza de uma margem de discricionariedade na sua quantificação, por ser ela que, pela sua continuada experiência e contacto com os operadores económicos, se encontra em melhor posição e com melhores dados para o efeito, e tendo em conta que se trata de valores necessariamente indicativos de médias generalizadas.
E por se tratar de uma margem de discricionariedade ela só pode ser jurisdicionalmente sindicável se inequivocamente, por si ou por elementos apresentados pelos interessados, se mostrar fora dos limites da razoabilidade.
Na verdade, o recorrido não trouxe qualquer dado concreto donde, para a situação em concreto, se pudesse concluir extravasados aqueles limites.
E, se é certo que nada obsta a que a Impugnante questione em sede de impugnação da liquidação dos tributos a fixação da matéria tributável com base em erro na quantificação, designadamente por erro quanto aos pressupostos de facto em que esta assentou, o que ficou dito permite concluir que também no que se refere à concreta quantificação da matéria colectável, não se vislumbra que a actuação da Administrarão Fiscal padeça de ilegalidade que invalide a liquidação impugnada.
É que, porque essa quantificação foi feita com recurso a métodos indiciários e ficando incólume a decisão de recorrer a esses métodos, é sobre o Contribuinte que recai o ónus de demonstrar o erro ou manifesto exagero desta quantificação (art. 100.º, n.º 3, do CPPT), não bastando que o mesmo crie dúvida sobre a quantificação do facto tributário. Dúvida sobre a quantificação existe sempre quando se recorre aos métodos indirectos.
Como salienta SALDANHA SANCHES, «o regime de dúvida razoável aplicado à prova indirecta levaria longe de mais, na medida em que a avaliação indirecta é sempre menos exacta da que é feita, nos termos legais, pelo contribuinte». Bem se compreende que assim seja, pois, como se expendeu no acórdão deste Tribunal de 22 de Maio de 2001, proferido no recurso com o n.º 4016/00, esta posição menos favorável do contribuinte compreende-se «porque a quantificação por presunção só a si lhe é imputável, pelo que o contribuinte, se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter uma contabilidade sã, que permitisse o controlo dos dados nela constante».
Se é pacífico que o recorrido podia em qualquer altura do procedimento demonstrar que houve erro na quantificação ou foi cometida qualquer ilegalidade ou preterição de formalidade que afectem a liquidação através de provas sérias e convincentes, não resta qualquer dúvida de que ele não ofereceu contraprova convincente.
Mas, como ficou fundamentado, os pressupostos legitimadores do recurso ao método presuntivo foram efectivamente comprovados o que, à míngua de contestação válida e credível, acarreta necessariamente a conclusão de que a AF ficou impossibilitada de calcular directamente a base tributável tanto mais que, como resulta da matéria de facto que foi dada como assente, o Recorrido não logrou provar sequer a existência de qualquer erro na quantificação efectuada por avaliação indirecta pois, sustentando embora que o critério deveria ter sido outro, toda a prova produzida indo no sentido de demonstrar que o valor adoptado pela AT é claro, justificado e razoável(1).
Sendo assim, e pelo mais que dos elementos de suporte dos actos impugnados resulta, não se apura, com base em matéria de prova produzida pela recorrente, que a quantificação da matéria tributável esteja errada, até porque não provaram aqueles outros elementos de facto melhores que conduzam a outra quantificação, tal como era seu ónus, em face do disposto no artigo 74°, n° 3 da LGT.
A impugnante não provou, como lhe competia, que os factos carreados pela Administração Fiscal no sentido de demonstrar aquela falta de fiabilidade dos elementos contabilísticos não eram verdadeiros.
Mais. Perante uma contabilidade que, manifestamente, não é fiável, não pode a impugnante pretender demonstrar que a quantificação lograda pela Administração Tributária está errada quando esta se baseou nessa mesma contabilidade e a impugnante esgrime com critérios à mesma extrínsecos.
Como bem se refere na sentença recorrida, se é certo que o controle jurisdicional da aplicação dos critérios técnicos nos actos de quantificação da matéria tributável, é uma imposição legal e constitucional - cfr nesse sentido J.Lopes de Sousa in "CPPT Anotado, Ed. 2002", págs 580 e 581, também não sofre dúvida de que à impugnante cabe demonstrar que houve o erro que assaca à concreta quantificação. E o que fez para tanto? Limitou-se a sustentar que o questionado apuramento padece de erro derivado, não só, da utilização de uma margem de comercialização que não tem em conta a rotação das mercadorias e a data da sua aquisição, mas também, da não consideração das diferentes rentabilidades dos produtos seleccionados.
Quanto aos aspectos mencionados é certo que o método de determinação da base tributável do imposto se fundou na obtenção de uma margem média de comercialização dos artigos expostos no estabelecimento posteriormente aplicada ao valor corrigido das compras de mercadorias nos respectivos anos. Ora, tal aplicação daquela margem média sobre o somatório das compras declaradas e das não contabilizadas, na medida em que se considerou tal valor das compras de mercadorias corrigido como custo das mercadorias vendidas e consumidas naqueles anos por falta de outros elementos que permitissem apurar os custos efectivamente suportados naqueles anos e na impossibilidade da utilização de outro critério de determinação, bem concluiu a sentença que não merece qualquer censura aquele cálculo do valor das vendas de mercadorias, nos termos do disposto na alínea a), do n°1, do art° 90°, da LGT.
É que a tributação através de métodos indiciários pressupõe, é inevitável e decorre da sua própria natureza, uma certa margem de falibilidade. Não é a mesma coisa que a determinação directa da matéria colectável.
Assim, porque não se trata de apuramento directo, é razoável e aceitável que a determinação das variáveis essenciais da tributação se façam através de amostragens representativas. Não se demonstrando, de modo claro e inequívoco, que os resultados obtidos são erróneos ou não se provando factos susceptíveis de fundar uma dúvida sobre tais resultados, deverá manter-se a tributação baseada em tais métodos indiciários.
Assim, a nosso ver, a recorrente acaba por se ater unicamente a aspectos que considera muito específicos dela própria desfocalizando a real situação, acima descrita, em que em que é claro que a quantificação directa da matéria colectável resulta inviável por razões que lhe são, em exclusivo, imputáveis quando é também certo que ela não demonstrou, com dados concretos, que os resultados a que chegou a Administração Fiscal se afaste, em medida desproporcionada, desrazoável e arbitrária da real medida das coisas.
Na verdade, a recorrente não trouxe qualquer dado concreto donde, para a situação em concreto, se pudesse concluir terem sido extravasados aqueles limites pois, extraindo-se do Relatório e das demais informações oficiais prestadas pela Administração fiscal que os valores considerados estão de acordo com o tipo de actividade desenvolvida pelo sujeito passivo porque dela retirados, falece razão à recorrente quando pretende que os critérios considerados se mostram aquém dos valores reais.
Improcedem assim, todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que nesse sentido decidiu.

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4. -Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em conformar a sentença recorrida e manter o acto impugnado.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 18/05/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)


1- Cfr. a este propósito o douto Acórdão deste TCA de 20/01/04 , tirado no Recurso nº 1137/03, em que se expende: “O que, pelos vistos, se pretende é que, pela eventual consideração de outros factores, se substitua por outro critério os critérios ou o critério utilizado pela Administração Fiscal, sem que nos convençamos que este se revela injustificado ou inadequado ao caso.
É que a simples circunstância de a Administração Fiscal, no procedimento de apuramento do valor tributável, ter optado pela utilização de tal ou de tal critério, em vez de por um outro qualquer, achado (mormente pelo impugnante, ora recorrido) mais adequado ao caso, não faz com que seja errado o critério efectivamente utilizado pela Administração Fiscal - pois a lei não mostra preferência por qualquer dos critérios que elenca, nem esses critérios são exclusivos ou taxativos.
Não demonstrado (como não está) que sejam errados os critérios seguidos pela Administração Fiscal, não importa provar que outro critério poderia ser adoptado que não fosse errado também.
Verificados os pressupostos de aplicação de métodos indiciários como meio de apuramento do valor tributável, realmente não está em causa saber se outro critério era o melhor para o caso. O importante, e decisivo, é que o critério utilizado pela Administração Fiscal seja claro, justificado e razoável - ainda que ele não produza certezas sobre o valor tributável.
As certezas e as dúvidas sobre o valor tributável em casos deste tipo são apenas as co-naturais ao próprio acto de apuramento de um valor por meio de métodos indiciários, onde o valor encontrado é sempre um valor probabilístico e não um valor absolutamente certo.
De resto, a impugnante, ora recorrida, só de si própria pode queixar-se quanto à existência da falta de certeza sobre os factos tributários - pois que, por insuficiência de elementos de que devia dispor, é que não foi possível que a liquidação impugnada tivesse sido operada com base nos valores tributáveis reais (rectius: declarados).”