Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:572/19.6BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:
I. Verificando-se que a capacidade declarada (ou mesmo completamente não declarada) difere, considerando os limites legalmente previstos, da capacidade manifestada, cessa a presunção de veracidade das declarações do contribuinte.

II. Cabe ao sujeito passivo o ónus da prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

J….., A….. e E….. (doravante Recorrentes) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 17.07.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foram julgados improcedentes os recursos judiciais das decisões dos diretores de finanças de Portalegre e da Guarda de avaliação da matéria coletável, por métodos indiretos, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), referentes ao ano de 2015.

Nesse seguimento, os Recorrentes apresentaram alegações, nas quais concluíram nos seguintes termos:

“A) Entendeu o Tribunal que a referida exceção não se verifica, entendendo, porém, que: sendo solidária a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação tributária emergente da decisão recorrida, então basta que o presente recurso seja interposto por um dos sujeitos passivos, no caso o Recorrente J….., para estar assegurada a legitimidade processual.

B) Neste particular, não podemos concordar, atentas as eventuais consequências daí advenientes.

C) Com efeito, dispõe o nº 1 do artigo 66º do CIRS que os atos de fixação ou alteração previstos no artigo 65.º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respetiva fundamentação.

D) Como é sabido, as formalidades que a lei impõe em direito tributário são garantia da defesa e direito dos contribuintes, pelo que neste campo de direito que é gravoso para o cidadão, as formalidades devem-se ter sempre como essenciais, só sendo passíveis de degenerescência quando a lei expressamente o consagra.

E) O que não é, manifestamente, o caso, porquanto a lei obriga a que em matéria fixação ou alteração previstos no artigo 65º do CIRS, o atos sejam sempre notificados aos sujeitos passivos visados.

F) O artigo 268.º, n.º 3, da CRP, impõe à Administração “um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante comunicação oficial e formal”, dos actos administrativos que lhes respeitem”.

G) A Lei Fundamental Portuguesa pretendeu, pois, assegurar aos interessados um conhecimento pessoal, oficial e formal dos atos administrativos, estipulando que só com a comunicação aos interessados o ato produz efeitos em relação a eles – Cfr. artigos 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1 do CPPT.

H) Assim, considerando que nenhum ato foi notificado àquele sujeito passivo, o dever de notificar o destinatário dos atos, imposto pelo nº 3 do artigo 268º da CRP e n.º 1 do artigo 66º do CIRS, constituindo um instrumento de realização do princípio da tutela jurisdicional consagrado no subsequente nº 4 do artigo 268º da CRP, não foi cumprido,

I) Nesta medida, o sujeito passivo T….., destinatária do ato em causa, não teve efetivo e oportuno conhecimento do ato suscetível de afetar a sua esfera jurídica.

J) O que determina, nesta parte, a nulidade de todo o procedimento. E, consequentemente, da decisão final de fixação do rendimento tributável de IRS, referente ao ano de 2015, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

K) Como se referiu, em sede de recurso, os Recorrentes não concordam com a decisão do Sr. Diretor de Finanças, que lhes fixa o rendimento coletável de IRS relativamente ao exercício de 2015, com recurso a avaliação indireta, visto que não se verificam os condicionalismos legais previstos na alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT para esse fim, na medida em que não se mostram demonstrados os pressupostos da tributação por métodos indiretos, nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 87º e alínea d) do art.º 88º e 89º-A, todos da Lei Geral Tributária, se a AT não demonstra, nem sequer pondera as omissões.

L) Ao não concluir desta forma, a atuação da Administração Tributária (corroborada pela douta sentença) incorreu em violação do princípio da legalidade tributária e da tributação pelo rendimento real, na medida em que fixou à recorrente um conjunto de rendimentos que não correspondem àqueles que efetivamente auferiu no ano de 2015.

M) A determinação da matéria tributável pelo método indireto a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, pressupõe a violação dos deveres de cooperação dos sujeitos passivos com a administração e que dessa falta de colaboração derive a impossibilidade de comprovar, de forma direta e exata, a verdadeira situação tributária daqueles.

N) No caso concreto, os sujeitos passivos autorizaram a consulta das suas contas bancárias, bem como, em sede de audiência prévia, invocaram a origem dos montantes em questão.

O) Ora, do teor completo do Relatório de Inspeção constata-se que, em momento algum, a Administração Fiscal concretizou, quais foram os motivos que impossibilitaram a comprovação e quantificação direta da matéria tributável, e em que termos a contabilidade não fornecia os elementos e razões pelas quais não foram supridas pelos Recorrentes, ou mesmo se lhe foi dada essa oportunidade.

P) Concretamente, face à resposta, em sede de direito de audição, será que a AT analisou as contas bancárias dos sujeitos passivos, dos anteriores, ou só do ano de 2015?!.

Q) O recurso a presunções ou métodos indiretos só é legitimado quando não existirem elementos que permitam apurar diretamente o imposto, sendo patente a preocupação do legislador em objectivar as situações em que a matéria colectável pode ser fixada através dos denominados métodos indiretos e, portanto, o recurso a estes métodos depende da verificação dos respectivos pressupostos legais.

R) Compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74º, nº 3 da LGT). – cfr. nestes precisos termos veja-se o acórdão deste TCAN, de 27.11.2014, no processo nº 255/05.4 BEBRG.

S) Da leitura dos artigos 85º, 87º, 88º e 89º-A da LGT decorre de modo manifesto que os métodos indiretos só podem aplicar-se quando seja impossível proceder à determinação da matéria colectável de modo direto e exato, nomeadamente através de correções meramente aritméticas.

T) No presente caso concreto, parece-nos que a AT não enunciou e/ou externou os factos concretos e objectivos em que assentou a sua conclusão da impossibilidade de avaliar diretamente a matéria colectável, com base nos elementos fornecidos.

U) A AT teria de ter explicado clara e inequivocamente que a liquidação não podia assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, constatadas que fossem irregularidades e omissões detectadas.

V) A fundamentação formal do ato de liquidação satisfaz-se com a descrição, ainda que por remissão, do iter cognicitivo e valorativo que conduziu á prática do ato, em cumprimento ao art.º 125.º do CPA e ainda art.º 77.º da LGT.

W) A fundamentação pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, suficiente para sustentar formalmente a decisão administrativa.

X) É esta a jurisprudência reiterada e consolidada dos tribunais superiores nomeadamente dos acórdãos do STA n.º 060/10 de 06.10.2010, TCAN 00035/04 de 11.11.2004 e vasta jurisprudência aí citada e 0190/06.3 BEVIS de 16.10.2014.

Y) Estando em questão o recurso a métodos indiretos para a fixação da matéria tributável, terá a administração fiscal de demonstrar a verificação dos pressupostos para a sua aplicação. (art.º 87.º e 88.º da LGT).

Z) Atento ao supra exposto, a Administração não desmontou os pressupostos para aplicação dos métodos indiretos. A AT não se deve limitar à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável.

AA) Dito por outras palavras, a AT, para além de demonstrar, fundamentando, a necessidade de determinação pelos métodos indiretos da matéria tributável, ao nível dos seus pressupostos, tem ainda que fundamentar os critérios utilizados na quantificação do valor tributável. O que, objectiva e manifestamente, não aconteceu no caso concreto.

BB) A Administração Tributária tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar. Não conseguindo fazer essa prova, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela.

CC) Uma vez cumprido esse ónus, caberá, então, àquele a quem o método é oposto o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

DD) Esta é, pois, a solução que corresponde à regra geral contida no artigo 342.º do C. Civil, segundo a qual quem invoca um direito tem o ónus de prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos (Neste sentido veja-se o Acórdão deste TCAN de 23/02/2006, proferido no âmbito do processo n.º 00437/04).

EE) A presente decisão, colhendo os respectivos fundamentos no relatório de inspeção tributária e tendo por base matéria tributável fixada por métodos indiretos, padece claramente do vício de falta de fundamentação determinante da sua ilegalidade, o que deveria ter sido decidido na douta sentença sob recurso.

FF) Deste modo, reitera não se mostrarem verificados os pressupostos para a utilização de métodos indiretos, afirmando que o ato impugnado padece do mesmo vício de falta de fundamentação, em face da não invocação de concretos factos que constituam inexatidões das legalmente tipificadas para a utilização de métodos indiretos e que possam ter com a impossibilidade do apuramento da matéria tributável um adequado nexo causal, o que deveria ter levado a sentença a julgar procedente o recurso apresentado.

GG) O direito à fundamentação dos actos administrativos que afectem direitos e interesses legalmente protegidos é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, (v. neste sentido Ac.º do Tribunal Constitucional n.º 52/85, in DR, II Série de 13/04/85), pelo que sempre que um acto administrativo afecte direitos ou interesses legalmente protegidos do cidadão deve ser fundamentado (v. Ac.º do STA de 14/12/89, A.D. 341/680), quer haja ou não disposição legal a impor essa fundamentação (v. art.º 268º e 18º/1 da Constituição).

HH) Conforme resulta dos pontos D, L, M, N, V e W, ficou demonstrado que, em anos anteriores, os Recorrentes haviam efectuado suprimentos, enquanto sócios, nas sociedades comerciais por quotas, A….., LDA e P….., LDA.

II) Factualidade esta corroborada pela documentação junta, bem como pela prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

JJ) Quanto ao processo n.º 572/19.6BECTB, os movimentos somam a quantia de Euros. 164.114,80 (cento e sessenta e quatro mil, cento e catorze euros e oitenta cêntimos).

KK) E é o próprio relatório que evidencia a origem dos movimentos financeiros que permitiram ao Recorrente, J….., fazer suprimentos e/ou entradas de capital na sociedade G….., LDA.

LL) Além do mais, a testemunha, J….., cujo depoimento, conforme ata de julgamento de 18/06/2020, se encontra registado, em suporte digital, através do sistema de gravação do SITAF, e decorreu entre as 12:05 horas e as 12:21 horas, confirmou tal factualidade, tendo afirmado que o contribuinte havia efectuado suprimentos em anos anteriores àquelas sociedades e o pagamento dos mesmos, permitiu as entradas na sociedade G…...

MM) Ora, tal depoimento conjugado com a factualidade, já resultante do próprio relatório AT, constitui, em nosso entendimento, prova suficiente para a demonstração do que se alegou.

NN) Quanto ao Processo 573/19.4BECTB – A….., resulta do ponto L dos factos provados que: em anos anteriores o sujeito passivo havia efetuado suprimentos, enquanto sócio, na sociedade comercial por quotas P….., LDA.

OO) Sendo que, no dia 21/01/2015 a sociedade P….., Lda, efetuou três transferências, nos montantes de 34.064,96€, 36.426,69€ e de 66.987,65€, para a conta bancária do Recorrente, junto da Caixa Geral de Depósitos, com o n.º ….. [cf. doc. n.ºs 1 a 3 junto com o direito de audição, a fls. 16-verso, 17-frente e verso do PA apenso ] - Fato M dos factos provados.

PP) E No dia 10/03/2015 a sociedade P….., Lda, efetuou uma transferência, no montante de 56.203,81€, para a conta bancária do Recorrente, junto da Caixa Geral de Depósitos, com o n.º ….. [cf. doc. n.º 4 junto com o direito de audição, a fls. 18 do PA apenso- Fato N dos factos provados.

QQ) Da mesma forma, a testemunha, J….., cujo depoimento, conforme ata de julgamento de 18/06/2020, se encontra registado, em suporte digital, através do sistema de gravação do SITAF, e decorreu entre as 12:05 horas e as 12:21 horas, confirmou tal factualidade, afirmou que o contribuinte havia efectuado suprimentos em anos anteriores àquela sociedade e o pagamento dos mesmos, permitiu as entradas na sociedade …...

RR) O mesmo foi corroborado pelo próprio Recorrente (neste sentido vejam-se as suas declarações registadas em suporte digital através do sistema de gravação do SITAF e decorreu entre as 11:49 horas e as 12:03 horas.

SS) Já quanto ao Processo 574/19.2BECTB – E….., resulta do ponto V dos factos provados que: em anos anteriores o sujeito passivo havia efetuado suprimentos, enquanto sócio, na sociedade comercial por quotas A….., LDA.

TT) Sendo que, juntou print dos movimentos de uma conta da Caixa Geral de Depósitos com o n.º ….., do qual consta uma transferência, no dia 05/02/2015, no montante de 259.185,90€ [cf. doc. n.º 1 junto com o direito de audição, a fls. 15 do PA apenso] – Facto W dos factos provados.

UU) A testemunha, J….., cujo depoimento, conforme ata de julgamento de 18/06/2020, se encontra registado, em suporte digital, através do sistema de gravação do SITAF, e decorreu entre as 12:05 horas e as 12:21 horas, confirmou tal factualidade, afirmou que o contribuinte havia efectuado suprimentos em anos anteriores àquela sociedade e o pagamento dos mesmos, permitiu as entradas na sociedade G…...

VV) O mesmo foi corroborado pelo próprio Recorrente, A….. (neste sentido vejam-se as suas declarações registadas em suporte digital através do sistema de gravação do SITAF e decorreu entre as 11:49 horas e as 12:03 horas.

WW) Dito isto, não se entende a conclusão do Tribunal a quo de que o depoimento de parte do Recorrente e da testemunha J….., não constituem prova suficiente para a demonstração da realidade ao alegado.

XX) Quando, na realidade, a documentação junta (Relatório Tributário, Documentos 1 a 3, juntos com o direito de audição, a fls 16v e 17 do PA apenso, e Documento n.º 4 junto com o direito de audição, a fls. 18 do PA apenso), conjugados com o depoimento da testemunhas e declarações de parte dos Recorrentes, JJ….. e A….., permitem afirmar exatamente o contrário.

YY) Situação mais flagrante, no que se refere, ao processo 572/19.6BECTB, uma vez que é do próprio Relatório que se extrai que existiram aqueles movimentos financeiros daquelas sociedades para a conta do Recorrente, J…...

ZZ) Salvo o devido respeito, face à factualidade dada como provada e melhor constante dos pontos D, L, M, N, V e W dos factos provados, conjugados com o depoimento da testemunha J….., cujo depoimento, conforme ata de julgamento de 18/06/2020, se encontra registado, em suporte digital, através do sistema de gravação do SITAF, e decorreu entre as 12:05 horas e as 12:21 horas e das declarações de parte de J….., cujas declarações, conforme ata de julgamento de 18/06/2020, se encontram registadas, em suporte digital através do sistema de gravação do SITAF e decorreu entre as 11:30 horas e as 11:47 horas e de A….., cujas declarações se encontram registadas, em suporte digital, através do sistema de gravação do SITAF e decorreu entre as 11:49 horas e as 12:03 horas, o Tribunal poderia dar como provados os factos 1), 2), 3) e 4) dos factos não provados.

AAA) O conjunto da documentação referida prova e titula os pagamentos efectuados por aquelas sociedades aos Recorrentes, os quais permitiram, depois, as entradas de capital na sociedade G…... A sentença recorrida, porém, apenas efetua sobre os mesmos um juízo de insuficiência.

BBB) A verdade é que a AT partiu da errada presunção de que não houve suprimentos daquelas sociedades, porém, não confirmou como deveria, em sede se direito de audição a entrada de tais valores na conta dos sócios, apesar dos contribuintes terem permitido o acesso às suas contas.

CCC) Os Recorrentes, ao contrário do que conclui a sentença, demonstraram a proveniência dos valores em causa. E o Tribunal não pode, em relação aos Recorrentes, atuar e/ou dizer o contrário.

DDD) Os Recorrentes, desde o primeiro momento, disponibilizaram toda a informação, permitiram o acesso às contas bancárias, deram todas a colaboração à Autoridade Tributária. E, conforme factualidade dada como provada, em sede de direito de audição, alegaram a proveniência e /ou origem dos valores.

EEE) Como se disse, os Recorrentes apresentaram prova documental válida e não impugnada quanto à sua genuidade e veracidade. Como se pode ler no acórdão da Relação de Lisboa, Processo 1612/2007-6, “a impugnação da genuinidade de documento particular faz-se nos termos previstos no artigo 544º do Código de Processo Civil mediante declaração da parte contra o qual é oferecido, não carecendo de qualquer decisão judicial subsequente”,

FFF) Impõem-se, assim, que o tribunal de recurso, no uso dos poderes que lhe são conferidos, não obstante os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação das provas, verifique a desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão quanto à matéria de facto, nomeadamente nos concretos pontos impugnados, na medida em que se constatam divergências manifestas.

GGG) A sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 65º e 66º n.º 1 do CIRS; artigo 125º do CPA; artigo 324º do C.Civil; artigo 36º n.º 1 do CPPT; artigos 74º n.º 3, 77º n.º 4 e 6, 85º, 87º n.º 1 alínea f), 88º, 89º-A da LGT e artigos 18º e 268º n.º 3 e 4 da CRP”.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Recorrida ou AT) apresentou contra-alegações, nas quais refere, em síntese, que não foram cumpridos os requisitos previstos no art.º 640.º do CPC e, no mais, que a sentença recorrida não padece de qualquer erro.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Há erro de julgamento, em virtude de a mulher do Recorrente J….. não ter sido notificada da decisão do procedimento?

c) Há erro de julgamento em virtude de não se encontrarem reunidos os pressupostos para lançar mão da avaliação por métodos indiretos?

d) Há erro de julgamento dado os atos recorridos padecerem de falta de fundamentação?

e) Há erro de julgamento dado ter ficado demonstrada a origem e o destino dos valores?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

Do Processo n.º 572/19.6BECTB

A) Durante o ano de 2019, o Recorrente J….. foi alvo de um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial, com incidência ao IRS do ano de 2015, levado a efeito pelos Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Guarda, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ….. [cf. fls. 3 do processo administrativo (PA) apenso].

B) Em 08/11/2019 foi elaborado projeto de correções e de decisão de fixação do rendimento tributável de IRS com recurso a avaliação indireta, cujo teor aqui se dá como reproduzido [cf. fls. 6 a 13 do PA apenso].

C) O Recorrente foi notificado do projeto mencionado na alínea anterior e para exercer o seu direito de audição, através do ofício n.º ….., de 11/11/2019 [cf. fls. 3 do PA apenso].

D) O Recorrente exerceu o seu direito de audição através de instrumento enviado em 28/11/2019, cujo teor aqui se dá como reproduzido e do qual se destaca o seguinte:

«(…)

11) É verdade que o sujeito passivo efetuou, efetivamente, no ano de 2015 suprimentos na G….. SA no indicado montante.

Porém,

12) Em anos anteriores o signatário havia efetuado suprimentos, enquanto sócio nas sociedades comerciais por quotas A….. LDª e P….. LDª., e

13) Estas sociedade e a sociedade anónima G….., S.A., como é do prefeito conhecimento desta Direção de Finanças, funciona em torno da mesma estrutura familiar.

14) Assim, no ano de 2015, tais sociedades, em conjunto e através de depósitos bancários efetuados na sua conta pessoal pagaram-lhe, por conta dos suprimento, o montante de Euros. 164.114,00 (cento e sessenta e quatro mil, cento e catorze euros), e foi esta a proveniência dos suprimentos realizados no ano de 2015 na G….. SA. (…)» [cf. fls. 22-verso a 27-verso do PA apenso]

E) Em 04/12/2019 foi elaborado o relatório final da inspeção tributária, cujo teor aqui se dá como reproduzido e do qual se destaca o seguinte teor:

«(…)

II.3. Outras situações

Enquadramento Fiscal

De acordo com a informação cadastral o sujeito passivo (B) J….., com o NIF (…) possui domicílio fiscal na Rua (…) ….., enquanto que o sujeito passivo (A) T….., com o NIF (…), apresenta o seu domicílio no Bairro (…) …... Porém, ambos os sujeitos passivos entregam a declaração de rendimentos modelo 3 – IRS, conjuntamente.
A informação cadastral demonstra ainda que em 2015 o sujeito passivo, J….., com o NIF (…), possui relações com as seguintes entidades:

Os sujeitos passivos não possuem declarações em falta em sede de IRS, apresentando um rendimento coletável no período em análise de € 27.277,23, conforme demonstra o quadro seguinte respeitante ao apuramento do rendimento coletável declarado por estes, em 2015:

(…)

IV – Motivo e Exposição dos Factos que implicam o Recurso a Métodos Indiretos

Na sequência do Procedimento de Inspeção n.º …..à sociedade G….., S.A., com o NIPC: (…), verificou-se que o Administrador / Acionista, com o NIF: (…), efetuou diversas entradas de capital “suprimentos de sócios” com base em transferências bancárias e/ou em espécie, por contrapartida da conta SNC: # 26.8.5.1 – Acionistas / Sócios, num total de € 166.979,14, conforme se apura através da consulta do extrato de conta # 26.8.5.1 de J….. pertencente à sociedade G….., SA, em anexo I (saldo final € 342.436,60 + saída € 30.000,00 – saldo inicial € 205.457,46 = € 166.979,14).

Ainda no exercício de 2015, procedeu à transferência dessa conta no valor de € 30.000,00 para a conta SNC: # 53.1.01 – Outros Instrumentos de Capital / Prestações suplementares.

Por sua vez, da análise à informação constante das aplicações informáticas da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), constata-se que o agregado do sujeito passivo objeto da presente ação de inspeção, declara um Rendimento Coletável no ano de 2015, num total de € 27.277,23.

De acordo a alínea f), n.º 1 do art. 87.º da LGT, há lugar a avaliação indireta da matéria coletável, quando o valor do acréscimo do património ou da despesa efetuada pelo sujeito passivo é simultaneamente superior a € 100.000,00 e, existe uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, relativamente ao mesmo período de tributação.

De notar que o Rendimento Declarado a que se refere a legislação citada, corresponde ao valor do Rendimento Coletável evidenciado na demonstração de liquidação de IRS, ou seja, à diferença entre o Rendimento Global e as Deduções Específicas.

Verificados ambos os requisitos previstas na alínea f) do n.º 1, do art.º 87.º da LGT, encontram-se reunidas as condições legais para a realização da avaliação indireta do rendimento coletável do ano 2015 para os sujeitos passivos (B) J….. (…) e o sujeito passivo (A) T….. (…), que, por força do disposto no n.º 11 do art.º 89-A a LGT, deverá ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias.

V- Critério de Cálculo dos Valores Corrigidos com Recurso a Métodos Indiretos

(…)

2. – Conclusões obtidas no âmbito da Investigação das Contas Bancárias: n.º 11 do art. 89.º- A da LGT

Na sequência de autorização voluntária de acesso a informação e documentos bancários concedida, solicitou-se junto do Banco de Portugal, nos termos do Art.º 59 da Lei Geral Tributária (LGT), ofício n.º 30775 de 05-08-2019, informação sobre as instituições bancárias, sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, onde existam depósitos bancários e aplicações financeiras, de qualquer natureza, do titular e o sujeito passivo “J…..” com o NIF (…)
Em resposta ao pedido de colaboração acima identificada, que ocorreu em 09-08-2019, através de registo de entrada nestes serviços de inspeção n.º ….., o Banco de Portugal, comunicou e identificou as contas bancárias em que é titular ou cotitular ou que têm autorização para movimentar, indicando para o efeito os seguintes n.ºs de conta e identificação da respetiva instituição bancária, tendo sido solicitados os documentos bancários às mesmas:

A análise dos referiso elementos facultados pelos bancos contactados, permitiu concluir o seguinte:

A1) Entradas – Santander:

A conta n.º ….., evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, uma operação com mais relevância, que é uma transferência no montante de € 27.061,80 em 15-01-2015, da sociedade P….., lda, onde o Sr. J….. é sócio gerente.

A2) Entradas – CGD:

Para as contas n.º …..e …..relativas ao exercício de 2015 não foram enviados pela entidade bancária quaisquer extratos ou movimentos, concluindo-se através da análise dos extratos comunicados que, as referidas contas bancárias terão sido iniciadas no exercício de 2016.

A3) Entradas – EUROBIC/BIC:

A conta n.º ….., evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, três operações bancárias com mais relevância, no montante de € 18.996,00, e € 54.057,00 e € 64.000,00, respetivamente de, 05-02-2015 as duas primeiras e a terceira de 19-02-2015.

Neste sentido os dois primeiros montantes são transferências da sociedade P….., Lda, onde o Sr. J….. é sócio gerente e o terceiro montante aqui referido e da A….., Lda, onde o Sr. J….. é Gerente.

A4) Entradas – CGA:

A conta n.º ….., evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, não foram enviados pela entidade bancária quaisquer extratos ou movimentos, concluindo-se através da análise dos extratos comunicados que, as referidas contas bancárias terão sido iniciadas no exercício de 2016.

Conclusão – Entradas:

Nos casos em que se conhece a origem do capital que deu entrada nas contas bancárias do sujeito passivo, constatou-se que estas tinham como origem, transferências bancárias relacionadas com empresas ou sociedades onde o sujeito passivo possui cargos de gestão;

B1) Saídas – Santander:

A conta n.º ….., relativa ao exercício de 2015, evidencia do lado das saídas apenas despesas com caráter pessoal.

B2) Saídas – CGD:

Para as contas n.º ….. e …..realtivas ao exercício de 2015 não foram enviados pela entidade bancária quaisquer extratos ou movimentos, concluindo-se através da análise dos extratos comunicados que, as referodas contas bancárias terão sido iniciadas no exercício de 2016.

B3) Saídas – EUROBIC/BIC:

A conta n.º ….., evidencia do lado das saídas de capital no exercício de 2015, apenas despesas de caráter pessoal em todas as operações.

B4) Saídas – CGD:

A conta n.º ….., relativas ao exercício de 2015 não foram enviados pela entidade bancária quaisquer extratos ou movimentos, concluindo-se através da análise dos extratos comunicados que, as referidas contas bancárias terão sido iniciadas no exercício de 2016.

Conclusão – Saídas:

Os movimentos conhecidos respeitantes ao exercício de 2015 e relativos a saídas das contas pessoais do sujeito passivo respeitam sobretudo ao pagamento de despesas pessoais.

RESUMINDO:

Após investigação das contas bancárias para o exercício de 2015, procedimento este previsto no n.º 11 do art.º 89-A a LGT, não foi possível, comprovar a origem do capital de € 166.979,14 investido na sociedade “G….., SA com o NIPC (…)” sobretudo porque:

i. Do lado das Entradas: Não foi possível encontrar qualquer nexo de causalidade entre os montantes constantes na conta SNC: # 26.8.5.1, pertencente a J….. e as entradas de capital nas contas pessoais deste;

ii. Do lado das Saídas: A natureza dos valores das saídas de capital das contas pessoais do sujeito passivo em causa, apresentam caráter pessoal.

3. – Apuramento do Rendimento Coletável Fixado
Na sequência do que foi explanado no capítulo anterior, propõe-se a avaliação indireta do rendimento coletável dos sujeitos passivos (B) J….., com o NIF: (…), E o sujeito passivo (A) T….., com o NIF: (…), nos seguintes termos:

Portanto encontram-se reunidas as condições legais para, de acordo com o n.º 5 do artigo 89.º da LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável no montante de € 139.701,91, enquadrável como rendimento da categoria G – n.º 3 do artigo 9 do CIRS, ao qual será aplicada uma taxa especial do n.º 11 do artigo 72.º do CIRS, conforme quadro seguinte:

(…)

IX – Direito de audição

(…)

Relativamente à discrepância de valores que fundamentam a presente correção, alegando embora o sujeito passivo que a origem dos suprimentos, advêm de depósitos bancários realizados pelas sociedades, enquanto sócio, nas sociedades comerciais por quotas A….. LDª com o NIF (…) e P….. LDª. com o NIF (…), nas suas contas, através da análise efetuada às contas bancárias das quais é titular, não transparece qualquer transferência realizada para a sociedade “G….., S.A. – NIF (…), pelo que continua por explicar a proveniência do valor dos suprimentos dados a conhecer pela sociedade.

(…)

Conclusão:

Em face do exposto, na petição prévia apresentada, o sujeito passivo não justifica a proveniência dos rendimentos e os argumentos elencados no projeto de relatório, pelo que não deverão ser atendidos os argumentos invocados em sede de direito de audição.

Pelo que, somos de opinião que se devem manter os fundamentos e as propostas de correção, constantes do projeto de relatório. (…)» [cf. fls. 24 a 34 do PA apenso].

F) Sob o relatório da inspeção tributária recaiu parecer do Chefe de Equipa, datado de 04/12/2019, com o seguinte teor:

«Tal como fundamentado no Relatório de Inspeção Tributária, no direito de audição exercido, o sujeito passivo não comprova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património ou da despesa efetuada, tal como impõe o n.º 3 do artigo 89.ºA da Lei Geral Tributária.

Assim, do procedimento inspetivo realizado propõe-se a fixação do rendimento coletável de IRS, para o ano de 2015, no valor de € 166 979,14 sendo que:

- €27.277,23 correspondem ao rendimento liquido da categoria A de IRS, declarado pelo sujeito passivo e que não é objeto de correcção fiscal;

- €139 701,91 resultam da proposta de avaliação indireta do rendimento coletável em sede de IRS para o ano de 2015, nos termos da al. f) do n.º 1 do artigo 87º da LGT, considerando como rendimento tributável a enquadrar na categoria G (alínea d) do n.º 1 do artigo 9º do CIRS), estando este rendimento sujeito à taxa especial prevista no n.º 15 do artigo 72º do CIRS» [cf. fls. 24 do PA apenso].

G) Em 05/12/2019, o Diretor de Finanças de Portalegre proferiu despacho de sancionamento do relatório de inspeção e das correções propostas fixando o rendimento coletável de IRS do ano de 2015 no montante proposto pelo Chefe de Equipa [cf. fls. 24-verso do PA apenso].

H) O Recorrente foi notificado do relatório de inspeção tributária e da decisão de fixação do rendimento coletável do ano de 2015, através do ofício n.º ….., de 06/12/2019 [cf. fls. 21 e 23 do PA apenso].

Do Processo n.º 573/19.4BECTB

I) Durante o ano de 2019, o Recorrente A….. foi alvo de um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial, com incidência ao IRS do ano de 2015, levado a efeito pelos Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Guarda, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ….. [cf. fls. 3-verso do PA apenso]

J) Em 13/11/2019 foi elaborado projeto de correções e decisão de fixação do rendimento tributável de IRS com recurso a avaliação indireta, cujo teor aqui se dá como reproduzido [cf. fls. 5-verso a 14 do PA apenso].

K) O Recorrente foi notificado do projeto mencionado na alínea anterior e para exercer o seu direito de audição, através do ofício n.º ….., de 13/11/2019 [cf. fls. 4-verso do PA apenso].

L) O Recorrente exerceu o seu direito de audição através de instrumento enviado em 29/11/2019, cujo teor aqui se dá como reproduzido e do qual se destaca o seguinte:

«(…)

2) É verdade que o sujeito passivo efetou, efetivamente, no ano de 2015, suprimentos na G….., S.A., no indicado montante.

Porém,

3) Em anos anteriores o sujeito passivo havia efetuado suprimentos, enquanto sócio, na sociedade comercial por quotas P….. Ld.ª e,

4) Esta sociedade e a sociedade anónima G….., S.A., como é do perfeito conhecimento desta Direção de Finanças, funciona em torno da mesma estrutura familiar.

5) Assim, no ano de 2015, tal sociedade através de depósitos bancário efetuados na sua conta pessoal pagou-lhe, entre outros, por conta dos suprimentos, o montante de Euros. 193.683,11 (cento e noventa e três mil, seiscentos e oitenta e três euros e onze cêntimos), tendo sido esta a proveniência dos suprimentos realizados no ano de 2015, na sociedade G….., S.A., conforme Documentos n.ºs 1 a 4 que se juntam e cujo conteúdo damos por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais (…)» [cf. fls. 14-verso a 26 do PA apenso].

M) No dia 21/01/2015 a sociedade P….., Lda, efetuou três transferências, nos montantes de 34.064,96€, 36.426,69€ e de 66.987,65€, para a conta bancária do Recorrente, junto da Caixa Geral de Depósitos, com o n.º ….. [cf. doc. n.ºs 1 a 3 junto com o direito de audição, a fls. 16-verso, 17-frente e verso do PA apenso ].

N) No dia 10/03/2015 a sociedade P….., Lda, efetuou uma transferência, no montante de 56.203,81€, para a conta bancária do Recorrente, junto da Caixa Geral de Depósitos, com o n.º ….. [cf. doc. n.º 4 junto com o direito de audição, a fls. 18 do PA apenso].

O) Em 05/12/2019 foi elaborado o relatório final da inspeção tributária, cujo teor aqui se dá como reproduzido e do qual se destaca o seguinte teor:

«(…)

II.3. Outras situações

Enquadramento Fiscal

De acordo com a informação cadastral o sujeito passivo A….., com o NIF (…) possui domicilio fiscal no Bairro (…) …...
A informação cadastral demonstra que, em 2015, o sujeito passivo, A….., com o NIF (…), possui relações com as seguintes entidades:

O sujeito passivo não possui declarações em falta em sede de IRS, apresentando um rendimento coletável no periodo em análise de € 2.141,42, conforme demonstra o quadro seguinte respeitante ao apuramento do rendimento coletável declarado por este, em 2015:

(…)

IV – Motivo e Exposição dos Factos que implicam o Recurso a Métodos Indiretos

Na sequência do Procedimento de Inspeção n.º ….. à sociedade G….., S.A., com o NIPC: (…), verificou-se que o Sócio-Gerente / Acionista, A….., com o NIF: (…), efetuou diversas entradas de capital “suprimentos de sócios” com base em transferências bancárias e/ou em espécie, por contrapartida da conta SNC: # 26.8.5.1 – Sócios, num total de € 184.979,11, conforme se apura através da consulta do extrato de conta # 26.8.5.1 de J….. pertencente à sociedade G….., SA, em anexo I, (saldo final € 322.436,55 + saída € 30.000,00 – saldo inicial € 167.457,44 = € 184.979,11).

Ainda no exercício de 2015, procedeu à transferência dessa conta no valor de € 30.000,00 para a conta SNC: # 53.1.01 – Outros Instrumentos de Capital / Prestações suplementares.

Por sua vez, da análise à informação constante das aplicações informáticas da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), constata-se que o sujeito passivo objeto da presente ação de inspeção, declara um Rendimento Coletável no ano de 2015, num total de € 2.141,42.

De acordo a alínea f), n.º 1 do art. 87.º da LGT, há lugar a avaliação indireta da matéria coletável, quando o valor do acréscimo do património ou da despesa efetuada pelo sujeito passivo é simultaneamente superior a € 100.000,00 e, existe uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, relativamente ao mesmo período de tributação.

De notar que o Rendimento Declarado a que se refere a legislação citada, corresponde ao valor do Rendimento Coletável evidenciado na demonstração de liquidação de IRS, ou seja, à diferença entre o Rendimento Global e as Deduções Específicas.

Verificados ambos os requisitos previstos na alínea f) do n.º 1, do art.º 87.º da LGT, encontram-se reunidas as condições legais para a realização da avaliação indireta do rendimento coletável do ano 2015 para o sujeito passivo A….., com o NIF (…), que, por força do disposto no n.º 11 do art.º 89-A a LGT, deverá ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias.

V- Critérios de Cálculo dos Valores Corrigidos com Recurso a Métodos Indiretos

(…)

2. – Conclusões obtidas no âmbito da Investigação das Contas Bancárias: n.º 11 do art. 89.º- A da LGT

Na sequência de autorização voluntária de acesso a informação e documentos bancários concedida, solicitou-se junto do Banco de Portugal, nos termos do Art.º 59 da Lei Geral Tributária (LGT), ofício n.º 30 776 de 05-08-2019, informação sobre as instituições bancárias, sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, onde existam depósitos bancários e aplicações financeiras, de qualquer natureza, do titular e o sujeito passivo “A…..” com o NIF (…)
Em resposta ao pedido de colaboração acima identificada, que ocorreu em 09-08-2019, através de registo de entrada nestes serviços de inspeção n.º ….., o Banco de Portugal, comunicou e identificou as contas bancárias em que é titular ou cotitular ou que têm autorização para movimentar, indicando para o efeito os seguintes n.ºs de conta e identificação da respetiva instituição bancária, tendo sido solicitados os documentos bancários às mesmas:

A análise dos referidos elementos facultados pelos bancos contatados, permitiu concluir o seguinte:

A1) Entradas – Santander:

A conta n.º ….., evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, operações regulares, sem contudo, os montantes serem de elevada relevância.

Neste sentido os montantes são transferências da sociedade A….., Lda. e P….., Lda, onde o Sr. A….. é respetivamente, sócio e sócio gerente.

Por outro lado, verificámos transferências bancárias inconclusivas, isto é, têm como descritivo “Transf. A…..”.

A2) Entradas – Millenium:

A conta n.º ….., evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, operações bancárias com pouca relevância, tendo essas transferências como origem e descritivo “Transf. A…..”.

A3) Entradas – CGD:

A conta n.º ….., evidencia do lados das entradas de capital no exercício de 2015, operações bancárias regulares, sem contudo, os montantes serem de elevada relevância e as operações serem em número reduzido.

A4) Entradas – Montepio Geral:

A conta n.º ….., evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, operações bancárias regulares, sem contudo, os montantes serem de elevada relevância.

Neste sentido os montantes são transferências da sociedade A….., Lda e P….., Lda, onde o Sr. A….. é respetivamente, sócio e sócio gerente.

Por outro lado, verificámos transferências bancárias inconclusivas, isto é, têm como descritivo “Transf. A…..”.

A conta n.º …..tem carater de uma conta-poupança, evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, uma única operação no montante de € 30.000,00 em 06-11-2019.

A conta n.º …..tem carater de uma conta-poupança, não evidencia do lados das entradas de capital no exercício de 2015, qualquer movimento de acordo com informação prestada pela entidade bancária.

A conta n.º …..tem carater de uma conta-poupança, não evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, qualquer movimento de acordo com informação prestada pela entidade bancária.

A5) Entradas – Crédtio Agricola Costa Azul:

A conta n.º ….., não evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, qualquer movimento de acordo com informação prestada pela entidade bancária.

Conclusão – Entradas:

Nos casos em que se conhece a origem do capital que deu entrada nas contas bancárias do sujeito passivo, constatou-se que estas tinham como origem na sua maioria transferências bancárias inconclusivas, isto é, têm como descritivo “TRF CXDOL”, “TRF Caixa eBanking”, TRF CXDAPP”, “TRF A…..” “TRF P ….., Lda”, “TRF A ….., Lda” Ou então só “Transferência”

B1) Saídas – Santander:

A conta n.º ….., relativa ao exercício de 2015, evidencia do lado das saídas apenas despesas com caráter pessoal.

B2) Saídas – Millenium:

A conta n.º ….., relativa ao exercício de 2015, evidencia do lado das saídas apenas despesas com caráter pessoal.

B3) Entradas - CGD:

A contas n.º ….., relativa ao exercício de 2015, evidencia do lado das saídas apenas despesas com caráter pessoal.

B4) Saídas – Montepio Geral:

A conta n.º ….., evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, operações bancárias regulares, sem contudo, os montantes serem de elevada relevância, com exceção, de uma operação ocorrida em 06-11-2019 no montante de € 30.000,00, o qual, foi transferido para uma conta-poupança.

A conta n.º …..tem carater de uma conta poupança, não evidenciando do lado das saídas qualquer operação e/ou movimento no exercício de 2015.

A conta n.º …..tem carater de uma conta poupança, não evidenciando do lado das saídas qualquer operação e/ou movimento no exercício de 2015.

A conta n.º …..tem carater de uma conta poupança, não evidenciando do lado das saídas qualquer operação e/ou movimento no exercício de 2015.

B5) Saídas – Crédito Agrícola Costa Azul:

A conta n.º ….., não evidencia do lado das saídas de capital no exercício de 2015, qualquer movimento de acordo com informação prestada pela entidade bancária.

Conclusão – Saídas:

Os movimentos conhecidos respeitantes ao exercício de 2015 e relativos a saídas das contas pessoais do sujeito passivo respeitam sobretudo ao pagamento de despesas pessoais.

C) Entradas /Saídas /Conclusão conta n.º ….. da Caixa Geral de Depósitos

A conta n.º ….., evidencia do lado das entradas e saídas de capital no exercício de 2015, uma importância relevante em face da importância das operações bancárias e dos montantes movimentados, tendo para o efeito sido analisados os saldos iniciais e finais.

Dessa análise verificámos que a variação dos saldos é irrelevante, uma vez que iniciou com um saldo de € 1.027,27 e finalizou com um saldo de € 5.439,03, não se detetando deste modo, um incremento patrimonial liquido.

Nesta conta em particular foram analisados os movimentos de entradas e saídas, de uma forma agregada, uma vez que as entradas e saídas são subsequentes.

Assim, verificaram-se entradas de montantes avultados transferidos de outras contas e sáidas de montantes equivalentes, concluindo-se que esta conta serviu apenas de “veiculo” de passagem para outras contas, designadamente, para a conta da sociedade – G….., SA, onde foi detetado o enriquecimento patrimonial em análise.

RESUMINDO:

i. Do lado das Entradas: Não foi possível encontrar qualquer nexo de causalidade entre os montantes constantes na conta SNC: # 26.8.5.1, pertencente a A….. e as entradas de capital nas contas pessoais deste;

ii. Do lado das Saídas: A natureza dos valores das saídas de capital das contas pessoais do sujeito passivo em causa, apresentam caráter pessoal de uma forma geral, no entanto, verificaram-se algumas saídas para a sociedade – G….., SA. e ainda outras para contas bancárias inconclusivas, em especial na conta n.º …..da Caixa Geral de Depósitos.

3. – Apuramento do Rendimento Coletável Fixado
Na sequência do que foi explanado no capítulo anterior, propõe-se a avaliação indireta do rendimento coletável do sujeito passivo A….., com o NIF (…), nos seguintes termos:

Portanto encontram-se reunidas as condições legais para, de acordo com o n.º 5 do artigo 89.º da LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável no montante de € 182.837,69, enquadrável como rendimento da categoria G – n.º 3 do artigo 9 do CIRS, ao qual será aplicada uma taxa especial do n.º 11 do artigo 72.º do CIRS, conforme quadro seguinte:

(…)

IX – Direito de Audição

(…)

Em sede de audição prévia e relativamente à discrepância de valores que fundamenta a presente correção, alega o sujeito passivo que, a origem dos suprimentos feitos à sociedade G….., SA, advêm de depósitos bancários no montante de €193.683,11 realizados na sua conta pessoal pela sociedade P….., Lda., de que é também sócio. Junta para o efeito quatro documentos comprovativos de operações de transferência de valores para uma sua conta da Caixa Geral de Depósitos.

Não justifica, contudo, a origem e o verdadeiro circuito dos valores dados a conhecer e a forma cabal como vieram à titularidade do sujeito passivo.

Embora o contribuinte refira que os montantes em apreço advêm da restituição dos suprimentos antes efetuados à sociedade “P….. LDª. com o NIF (…), nem na contabilidade, nem nas contas bancárias analisadas, nem agora em sede de direito de audição, o contribuinte, consegue de alguma forma justificar documentalmente aquilo que alega.

Para além do mais, na sua relação com a Autoridade Tributária e Aduaneira, nunca tais valores transpareceram em qualquer declaração acessória e/ou fiscal entregue.

Conclusão:

Em face do exposto, na petição prévia apresentada, o sujeito passivo não justifica a proveniência dos rendimentos e os argumentos elencados no projeto de relatório, pelo que não deverão ser atendidos os argumentos invocados em sede de direito de audição.

Pelo que, somos de opinião que se devem manter os fundamentos e as propostas de correção, constantes do projeto de relatório. (…)» [cf. fls. 21 a 30-verso do PA apenso].

P) Sob o relatório de inspeção tributária recaiu parecer do Chefe de Equipa, datado de 05/12/2019, com o seguinte teor:

«Tal como fundamentado no Relatório de Inspeção Tributária, no direito de audição exercido, o sujeito passivo não comprova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património ou da despesa efetuada, tal como impõe o n.º 3 do artigo 89.ºA da Lei Geral Tributária.

Assim, do procedimento inspetivo realizado propõe-se a fixação do rendimento coletável de IRS, para o ano de 2015, no valor de €184.979,11sendo que:

- € 2.141,42 correspondem ao rendimento liquido da categoria A de IRS, declarado pelo sujeito passivo e que não é objeto de correção fiscal;

- €182.837,69 resultam da proposta de avaliação indireta do rendimento coletável em sede de IRS para o ano de 2015, nos termos da al. f) do n.º 1 do artigo 87º da LGT, considerando como rendimento tributável a enquadrar na categoria G (alínea d) do n.º 1 do artigo 9º do CIRS), estando este rendimento sujeito à taxa especial prevista no n.º 15 do artigo 72º do CIRS» [cf. 21 do PA apenso].

Q) Em 05/12/2019, a Diretora de Finanças da Guarda proferiu despacho de sancionamento do relatório de inspeção e das correções propostas fixando o rendimento coletável de IRS do ano de 2015 no montante proposto pelo Chefe de Equipa [cf. fls. 21 do PA apenso].

R) O Recorrente foi notificado do relatório de inspeção tributária e da decisão de fixação do rendimento coletável do ano de 2015, através do ofício n.º ….., de 06/12/2019 [cf. fls. 19 e 20 do PA apenso].

Do Processo n.º 574/19.2BECTB

S) Durante o ano de 2019, o Recorrente E….. foi alvo de um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial, com incidência ao IRS do ano de 2015, levado a efeito pelos Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Guarda, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ….. [cf. fls. 3 do PA apenso].

T) Em 11/11/2019 foi elaborado projeto de correções e de decisão de fixação do rendimento tributável de IRS com recurso a avaliação indireta, cujo teor aqui se dá como reproduzido [cf. fls. 5-verso a 12-verso do PA apenso].

U) O Recorrente foi notificado do projeto mencionado na alínea anterior e para exercer o seu direito de audição, através do ofício n.º ….., de 12/11/2019 [cf. fls. 4-verso do PA apenso]

V) O Recorrente exerceu o seu direito de audição através de instrumento enviado em 29/11/2019, cujo teor aqui se dá como reproduzido e do qual se destaca o seguinte:

«(…)

2) É verdade que o sujeito passivo efetou, efetivamente, no ano de 2015, suprimentos na G….., S.A., no indicado montante.

Porém,

3) Em anos anteriores o sujeito passivo havia efetuado suprimentos, enquanto sócio, na sociedade comercial por quotas A….., LDª e,

4) Esta sociedade e a sociedade anónima G….., S.A., como é do perfeito conhecimento desta Direção de Finanças, funciona em torno da mesma estrutura familiar.

5) Assim, no ano de 2015, tal sociedade através de depósitos bancário efetuados na sua conta do também sócio A….. e irmão do sujeito passivo, entre outros, o montante de Euros. 259.185,90 (duzentos e cinquenta e nove mil, cento e oitenta e cinco euros e noventa cêntimos), conforme Documento n.º 1 que se junta e cujo conteúdo damos por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, tendo sido essa a proveniência dos suprimentos realizados no ano de 2015, na sociedade G….., S.A., no valor de 166.979,14 (cento e sessenta e seis mil, novecentos e setenta e nove euros e catorze cêntimos) (…)» [cf. fls. 13 a 14-verso do PA apenso].

W) Com o direito de audição o Recorrente juntou um print dos movimentos de uma conta da Caixa Geral de Depósitos com o n.º ….., do qual consta uma transferência, no dia 05/02/2015, no montante de 259.185,90€ [cf. doc. n.º 1 junto com o direito de audição, a fls. 15 do PA apenso]

X) Em 05/12/2019 foi elaborado o relatório final da inspeção tributária, cujo teor aqui se dá como reproduzido e do qual se destaca o seguinte teor:

«(…)

II.3. Outras situações

Enquadramento Fiscal

De acordo com a informação cadastral o sujeito passivo E….., com o NIF (…) possuí domicílio Fiscal na Rua (…) …...
A informação cadastral demonstra que, em 2015, o sujeito passivo, E….., com o NIF (…), possui relações com as seguintes entidades:

O sujeito passivo não possui declarações em falta em sede de IRS, apresentando um rendimento colectável no periodo em análise de € 4.411,55, conforme demonstra o quadro seguinte respeitante ao apuramento do rendimento colectável declarado por este, em 2015:

(…)

IV – Motivo e Exposição dos Factos que implicam o Recurso a Métodos Indiretos

Na sequência do Procedimento de Inspeção n.º ….. à sociedade G….., S.A., com o NIPC: (…), verificou-se que o Sócio Acionista, E….., com o NIF: (…), efetuou diversas entradas de capital “suprimentos de sócios” com base em transferências bancárias e/ou em espécie, por contrapartida da conta SNC: # 26.8.5.1 – Sócios, num total de € 164.979,06, conforme se apura através da consulta do extrato de conta # 26.8.5.1 de E….. pertencente à sociedade G….., SA, em anexo I, (saldo final € 256.338,21 + saída € 30.000,00 – saldo inicial € 121.359,15 = € 164.979,06).

Ainda no exercício de 2015, procedeu à transferência dessa conta no valor de € 30.000,00 para a conta SNC: # 53.1.01 – Outros Instrumentos de Capital / Prestações suplementares.

Por sua vez, da análise à informação constante das aplicações informáticas da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), constata-se que o sujeito passivo objeto da presente ação de inspeção, declara um Rendimento Coletável no ano de 2015, num total de € 4.411,55.

De acordo a alínea f), n.º 1 do art. 87.º da LGT, há lugar a avaliação indireta da matéria coletável, quando o valor do acréscimo do património ou da despesa efetuada pelo sujeito passivo é simultaneamente superior a € 100.000,00 e, existe uma divergência não justificada com os rendimentos declarados, relativamente ao mesmo período de tributação.

De notar que o Rendimento Declarado a que se refere a legislação citada, corresponde ao valor do Rendimento Coletável evidenciado na demonstração de liquidação de IRS, ou seja, à diferença entre o Rendimento Global e as Deduções Específicas.

Verificados ambos os requisitos previstos na alínea f) do n.º 1, do art.º 87.º da LGT, encontram-se reunidas as condições legais para a realização da avaliação indireta do rendimento coletável do ano 2015 para o sujeito passivo E….., com o NIF (…), que, por força do disposto no n.º 11 do art.º 89-A a LGT, deverá ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias.

V- Critérios de Cálculo dos Valores Corrigidos com Recurso a Métodos Indiretos

(…)

2. – Conclusões obtidas no âmbito da Investigação das Contas Bancárias: n.º 11 do art. 89.º- A da LGT

Na sequência de autorização voluntária de acesso a informação e documentos bancários concedida, solicitou-se junto do Banco de Portugal, nos termos do Art.º 59 da Lei Geral Tributária (LGT), ofício n.º …..de 05-08-2019, informação sobre as instituições bancárias, sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, onde existam depósitos bancários e aplicações financeiras, de qualquer natureza, do titular e o sujeito passivo “E…..” com o NIF (…)
Em resposta ao pedido de colaboração acima identificada, que ocorreu em 09-08-2019, através de registo de entrada nestes serviços de inspeção n.º ….., o Banco de Portugal, comunicou e identificou as contas bancárias em que é titular ou cotitular ou que têm autorização para movimentar, indicando para o efeito os seguintes n.ºs de conta e identificação da respetiva instituição bancária, tendo sido solicitados os documentos bancários às mesmas:

A análise dos referidos elementos facultados pelos bancos contactados, permitiu concluir o seguinte:

A1) Entradas – Santander:

A conta n.º ….., não evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, qualquer movimento de acordo com informação prestada pela entidade bancária.

A2) Entradas – CGD:

A conta n.º ….., evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, uma operação bancária com mais relevância “TRF Caixa ebanking”, no montante de € 12.300,00 em 22-07-215.

A conta n.º ….., não evidencia do lado das entradas de capital no exercício de 2015, operações com relevância.

Conclusão – Entradas:

Nos casos em que se conhece a origem do capital que deu entrada nas contas bancárias do sujeito passivo, constatou-se que estas tinham como origem na sua maioria, transferências bancária inconclusivas, isto é, têm como descritivo “TRF CXDOL”, “TRF Caixa ebanking” ou “TRF CXDAPP.

B1) Saídas – Santander:

A conta n.º ….., não evidencia do lado das saídas de capital no exercício de 2015, qualquer movimento de acordo com informação prestada pela entidade bancária.

B2) Saídas – CGD:

A conta n.º ….., relativa ao exercício de 2015, evidencia do lado das saídas apenas despesas com caráter pessoal.

A conta n.º ….., relativa ao exercício de 2015, evidencia do lado das saídas apenas despesas com caráter pessoal.

Conclusão – Saídas:

Os movimentos conhecidos respeitantes ao exercício de 2015e relativos a saídas das contas pessoais do sujeito passivo respeitam sobretudo ao pagamento de despesas pessoais.

RESUMINDO:

Após investigação das contas bancárias para o exercício de 2015, procedimento este previsto no n.º 11 do art.º 89-A a LGT, não foi possível, comprovar a origem do capital de € 166.979,14 investido na sociedade “G….., SA com o NIPC (…)” sobretudo porque:

i. Do lado das Entradas: Não foi possível encontrar qualquer nexo de causalidade entre os montantes constantes na conta SNC: # 26.8.5.1, pertencente a E….. e as entradas de capital nas contas pessoais deste;

ii. Do lado das Saídas: A natureza dos valores das saídas de capital das contas pessoais do sujeito passivo em causa, apresentam caráter pessoal.

3. – Apuramento do Rendimento Coletável Fixado
Na sequência do que foi explanado no capítulo anterior, propõe-se a avaliação indireta do rendimento coletável do sujeito passivo E….., com o NIF (…), nos seguintes termos:

Portanto encontram-se reunidas as condições legais para, de acordo com o n.º 5 do artigo 89.º da LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável no montante de € 160.597,51, enquadrável como rendimento da categoria G – n.º 3 do artigo 9 do CIRS, ao qual será aplicada uma taxa especial do n.º 11 do artigo 72.º do CIRS, conforme quadro seguinte:

(…)

IX – Direito de Audição

(…)

Em sede de audição prévia e relativamente à discrepância de valores que fundamentam a presente correção, alega o sujeito passivo que, a origem dos suprimentos, advêm nomeadamente de um depósito bancário, efetuado “…na sua conta bancária do também sócio A….. com o NIF (…) no montante de € 259.185,90…” é de referir:

1º - Que relativamente ao montante acima referido e que consta do “… doc. 1” junto com o direito de audição, desconhece-se a titularidade da mesma, e a que título é feita esta transferência;

2º - Por outro lado, através da análise à conta bancária com o n.º …... Titulado por A….. com NIF (…), verificou-se a existência de um depósito bancário com a mesma data e montante, pelo que, tendo em conta o antes explicitado, o que transparece é que o valor em que escuda o sujeito passivo não é da sua titularidade, pelo que nunca poderia justificar a origem dos suprimentos em apreço.

3º - Para além do mais, quer nas contas bancárias tituladas pelo sujeito passivo analisadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quer nas declarações acessórias e fiscais entregues pelo mesmo à Autoridade Tributária e Aduaneira, nunca se consegue apurar a origem dos valores que podiam consubstanciar os suprimentos.

4.º – Por fim, relativamente ao valor antes analisado é também de salientar que o contribuinte não consegue de alguma forma justificar documentalmente a sua proveniência.

Conclusão:

Em face do exposto, na petição prévia apresentada, o sujeito passivo não justifica a proveniência dos rendimentos e os argumentos elencados no projeto de relatório, pelo que não deverão ser atendidos os argumentos invocados em sede de direito de audição.

Pelo que, somos de opinião que se devem manter os fundamentos e as propostas de correção, constantes do projeto de relatório. (…)» [cf. fls. 17-verso a 46 do PA apenso].

Y) Sob o relatório de inspeção recaiu parecer do Chefe de Equipa, datado de 05/12/2019, com o seguinte teor:

«Tal como fundamentado no Relatório de Inspeção Tributária, no direito de audição exercido, o sujeito passivo não comprova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património ou da despesa efetuada, tal como impõe o n.º 3 do artigo 89.ºA da Lei Geral Tributária.

Assim, do procedimento inspetivo realizado propõe-se a fixação do rendimento coletável de IRS, para o ano de 2015, no valor de € 164.979,06 sendo que:

- € 4.411,55 correspondem ao rendimento liquido da categoria A de IRS, declarado pelo sujeito passivo e que não é objeto de correção fiscal;

- € 160.567,51 resultam da proposta de avaliação indireta do rendimento coletável em sede de IRS para o ano de 2015, nos termos da al. f) do n.º 1 do artigo 87º da LGT, considerando como rendimento tributável a enquadrar na categoria G (alínea d) do n.º 1 do artigo 9º do CIRS), estando este rendimento sujeito à taxa especial prevista no n.º 15 do artigo 72º do CIRS» [cf. fls. 17-verso do PA apenso].

Z) Em 05/12/2019, a Diretora de Finanças da Guarda proferiu despacho de sancionamento do relatório de inspeção e das correções propostas fixando o rendimento coletável de IRS do ano de 2015 no montante proposto pelo Chefe de Equipa [cf. fls. 17-verso do PA apenso].

AA) O Recorrente foi notificado do relatório da inspeção tributária e da decisão de fixação do rendimento coletável do ano de 2015, através do ofício n.º ….., de 06/12/2019 [cf. fls. 16-frente e verso do PA apenso]”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão não se provou que:

1) Em anos anteriores a 2015, o Recorrente J….. efetuou suprimentos nas sociedades P….. Lda. e A….., Lda.;

2) Em anos anteriores a 2015, o Recorrente A….. efetuou suprimentos na sociedade P….. Lda.;

3) No ano de 2015, a sociedade A….., Lda. efectou uma transferência para a conta bancária do Recorrente E….., no valor de 259.185,90€

4) Em anos anteriores a 2015, o Recorrente E….. efetou suprimentos à sociedade A….., Lda.”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do Tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou nos documentos juntos aos respetivos processos administrativos apensos, conforme indicado em cada um desses factos.

Em relação ao facto não provado descrito em 1), o Tribunal considerou que a prova produzida foi manifestamente insuficiente. Desde logo, nenhuma prova documental foi produzida com vista a demonstrar que o Recorrente efetuou suprimentos nas sociedades P….. Lda. e A….., Lda., sendo certo que, para o efeito, bastaria ao Recorrente juntar aos autos documentos comprovativos dos registos contabilísticos dos suprimentos nas referidas sociedades e, bem assim, dos documentos comprovativos dos respetivos fluxos financeiros. Na ausência da junção aos autos dos referidos suportes documentais, o Tribunal considerou que o depoimento da testemunha J….., TOC das referidas sociedades, quer o depoimento de parte do Recorrente, não constituem prova suficiente para a demonstração da realidade do alegado.

Em relação ao facto não provado descrito em 2), o Tribunal considerou que a prova produzida foi manifestamente insuficiente. Desde logo, nenhuma prova documental foi produzida com vista a demonstrar que o Recorrente efetuou suprimentos na sociedade P….. Lda., sendo certo que, para o efeito, bastaria ao Recorrente juntar aos autos documentos comprovativos do registo contabilístico dos suprimentos na referida sociedade e, bem assim, dos documentos comprovativos dos respetivos fluxos financeiros. Na ausência da junção aos autos dos referidos suportes documentais, o Tribunal considerou que o depoimento da testemunha J….., TOC da referida sociedade, quer o depoimento de parte do Recorrente, não constituem prova suficiente para a demonstração da realidade do alegado.

Em relação ao facto não provado descrito em 3), o Tribunal considerou que a prova produzida foi manifestamente insuficiente. Desde logo, o documento a que se refere a alínea W) do probatório não permite identificar a titularidade da conta bancária que recebeu a transferência, nem permite identificar a entidade que a ordenou.

Em relação ao facto não provado descrito em 4), o Tribunal considerou que a prova produzida foi manifestamente insuficiente. Desde logo, nenhuma prova documental foi produzida com vista a demonstrar que o Recorrente efetuou suprimentos na sociedade A….., Lda, em anos anteriores a 2015, sendo certo que, para o efeito, bastaria ao Recorrente juntar aos autos documentos comprovativos do registo contabilístico dos suprimentos na referida sociedade e, bem assim, dos documentos comprovativos dos respetivos fluxos financeiros. Na ausência da junção dos referidos suportes documentais, o Tribunal considerou que o depoimento da testemunha J….., TOC da referida sociedade, não constitui prova suficiente para a demonstração da realidade do alegado”.

II.D. Da impugnação da matéria de facto

Entendem os Recorrentes, nas suas alegações de recurso, que errou o Tribunal a quo na decisão proferida quanto à matéria de facto, considerando, em síntese, que resultaram provados os factos ali considerados como não provados (cfr. ponto II.B. supra).

Vejamos então.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[1].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados[2].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que, ao contrário do que refere a Recorrida, os Recorrentes cumpriram global e minimamente com as exigências decorrentes do art.º 640.º do CPC e já mencionadas, motivo pelo qual se passará à apreciação da impugnação da matéria de facto efetuada, não havendo, pois, por que rejeitar o recurso nesta parte.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido.

Como referido supra, em II.B., o Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

1) Em anos anteriores a 2015, o Recorrente J….. efetuou suprimentos nas sociedades P….. Lda. e A….., Lda.;

2) Em anos anteriores a 2015, o Recorrente A….. efetuou suprimentos na sociedade P….. Lda.;

3) No ano de 2015, a sociedade A….., Lda. efectou uma transferência para a conta bancária do Recorrente E….., no valor de 259.185,90€

4) Em anos anteriores a 2015, o Recorrente E….. efetuou suprimentos à sociedade A….., Lda.

Consideram os Recorrentes, a este propósito, em suma, que, dos pontos D, L, M, N, V e W, ficou demonstrado que, atenta a prova documental (Relatório Tributário e exercício do direito de audição), em anos anteriores, haviam efetuado suprimentos, enquanto sócios, nas sociedades comerciais por quotas, A….., LDA (doravante …..) e P….., LDA (doravante P…..), sustentando a sua pretensão ainda na prova testemunhal produzida, concretamente no depoimento de J….., e, bem assim, nas declarações de parte prestadas.

Analisemos separadamente cada uma das situações, sempre se dizendo, desde já, que o ónus da prova quer de que as transferências ocorridas corresponderam ao reembolso de suprimentos, quer de que houve a transferência para o Recorrente E….., cabe aos Recorrentes (cfr. art.º 89.º-A, n.º 3, da LGT).

Quanto ao facto não provado 1) (Em anos anteriores a 2015, o Recorrente J….. efetuou suprimentos nas sociedades P….. Lda. e A….., Lda.), desde logo não se pode considerar, ao contrário do defendido pelos Recorrentes, que o mesmo resulte do facto D) (exercício do direito de audição por parte do Recorrente J….., em que de facto refere terem sido realizados tais suprimentos, mas não demonstra tal afirmação, não sendo suficiente a mera afirmação de que os terá realizado) nem, tão-pouco, do relatório de inspeção tributária (RIT) respetivo.

Com efeito, do exercício do direito de audição nada resulta, do ponto de vista probatório, que permita demonstrar que o Recorrente J….. efetuou suprimentos nas sociedades em causa (aliás, nada foi junto nesse sentido). Por outro lado, se é certo que a administração tributária (AT) detetou a existência de movimentos bancários, todos ocorridos em 2015, das contas da P….. e da A….. (transferências nos valores de 27.061,80 Eur., 18.996,00 Eur., 54.057,00 Eur. e 64.000,00 Eur.), o que se encontra cabalmente explanado no RIT, é também certo, tal como refere a AT, que não é aferível a que título foram feitas estas transferências nem foi feita qualquer prova a este propósito. Portanto, ao contrário do que referem os Recorrentes, do RIT não resulta que tenham sido feitos tais suprimentos.

Por outro lado, a prova testemunhal produzida e, bem assim, as declarações de parte prestadas foram vagas e com algumas hesitações, não obstante acabarem por referir, de forma pouco contextualizada, terem sido realizados os suprimentos. De todo o modo, isoladamente estes meios de prova não são passíveis de sustentar a convicção do Tribunal nos termos pretendidos pelos Recorrentes, dado tratar-se de factualidade onde a prova documental seria fundamental, sendo que a mesma, como já referido, foi claramente insuficiente.

Como tal, indefere-se o requerido quanto ao facto não provado 1).

No tocante ao facto não provado 2) (Em anos anteriores a 2015, o Recorrente A….. efetuou suprimentos na sociedade P….. Lda.), também do exercício do direito de audição não resulta provado que o Recorrente A….. tenha efetuado os suprimentos que alega ter feito. Aliás, os documentos juntos em sede de direito de audição consubstanciam-se em prints das transferências bancárias, a que respeitam o factos M) e N). O que daí não resulta, nem isso ficou provado, é que essas transferências bancárias tenham como motivo inerente o reembolso de suprimentos efetuados em momento anterior à P…... Quanto ao RIT, replica-se o que já foi mencionado relativamente ao Recorrente J…..: a AT identificou as transferências bancárias, mas não foi demonstrada perante si a origem respetiva, ou seja, não se sabe a que título foram feitas as referidas transferências.

No que respeita à prova testemunhal e por declarações de parte, remete-se para o já mencionado a propósito do facto não provado 1).

Logo, também nesta parte se indefere o requerido.

No que respeita aos factos não provados 3) e 4) (No ano de 2015, a sociedade A….., Lda. efectou uma transferência para a conta bancária do Recorrente E….., no valor de 259.185,90€ e Em anos anteriores a 2015, o Recorrente E….. efetuou suprimentos à sociedade A….., Lda.), tal como referido, aliás, pelo Tribunal a quo, desde logo, e quanto à transferência, a que se refere o documento n.º 1 junto com o direito de audição, não é minimamente demonstrada a sua origem. Ou seja, terá havido uma transferência, como se refere em W) do probatório, mas a sua origem é desconhecida e, bem assim, a própria titularidade da conta de destino. Também nesta parte nada resulta do RIT, porquanto as contas analisadas nada contêm em termos de movimentos expressivos, como melhor especificado no respetivo texto.

No tocante à prova testemunhal e por declarações de parte, remete-se para o já mencionado a propósito do facto não provado 1).

Assim sendo, indefere-se o requerido.

Em suma, indefere-se in totum o requerido em torno da alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da falta de notificação de T…..

Consideram os Recorrentes que o Tribunal a quo errou o seu julgamento, no conhecimento da matéria de exceção, na medida em que, em seu entender, não foram cumpridas todas as formalidades, do ponto de vista da notificação, relativas a T….., mulher do Recorrente J….., o que comporta a nulidade de todo o procedimento e, consequentemente, da decisão final de fixação do rendimento tributável de IRS referente ao ano de 2015.

Vejamos então.

Para a apreciação do alegado, cumpre, antes de mais, atentar na tramitação dos presentes autos.

Assim, e no que se refere aos autos n.º 572/19.6BECTB, surge nos mesmos como Recorrente J…...

Em sede de oposição ao recurso apresentado, pela AT foi suscitada a exceção da ilegitimidade ativa, por preterição do litisconsórcio necessário ativo, em virtude de não intervir nos autos T….., mulher do Recorrente J…...

O Recorrente veio responder à matéria de exceção, pugnando, desde logo, pela sua improcedência; apenas subsidiariamente refere, no mencionado articulado, que, no caso de o Tribunal a quo considerar procedente a matéria de exceção, requer a intervenção da sua mulher nos autos e, caso tal ocorra, invoca factualidade, nunca antes invocada, concretamente a falta de notificação a T….. da decisão final da fixação do rendimento tributável de IRS, referente ao ano de 2015.

A matéria de exceção suscitada foi apreciada pelo Tribunal a quo na sentença proferida, em sede de saneamento dos autos, tendo a mesma sido julgada improcedente, tal como defendia o Recorrente J…... Esta decisão, naturalmente e por consequência, implicou que tenha ficado prejudicado o alegado pelo Recorrente J….. a título subsidiário na resposta à exceção.

Como resulta do disposto no art.º 280.º, n.º 1, do CPPT, “[d]as decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido” (sublinhado nosso).

Portanto, a legitimidade recursiva depende de o recorrente ter ficado vencido, total ou parcialmente nos autos, sendo que, in casu, nesta concreta parte, temos de nos centrar apenas da decisão proferida sobre a matéria de exceção (que, em processo tributário, ocorre no momento da prolação da sentença, ou seja, em simultâneo com o conhecimento do mérito da ação, atenta a inexistência de fase de saneamento prévia).

Ora, in casu, o Recorrente J….. saiu vencedor no tocante ao conhecimento da matéria de exceção. Tendo saído vencedor nessa parte, o mesmo carece de legitimidade para dela recorrer, o que importa a rejeição do recurso nesta parte.

Sempre se acrescente, aliás, que o que parece resultar das alegações de recurso é que o Recorrente pretende que seja apreciada uma questão nova (concretamente a alegada falta de notificação a T….. da decisão proferida no procedimento), questão esta nunca suscitada na petição inicial (mas apenas, subsidiariamente, no tal requerimento de resposta à matéria de exceção), e que, não sendo de conhecimento oficioso, não pode ser conhecida pelo Tribunal ad quem.

Nos moldes em que vem, então, alegada trata-se de questão nova (ius novorum).

Com efeito, o processo civil português consagra o chamado princípio da preclusão, ao qual subjaz o ónus de alegação no momento oportuno dos factos essenciais[3], sem prejuízo, naturalmente, das questões que sejam de conhecimento oficioso ou supervenientes.

Por outro lado, consagrando o nosso ordenamento um modelo de recurso de reponderação[4], o Tribunal ad quem deve produzir novo julgamento sobre os factos alegados perante o Tribunal a quo. Este modelo de recurso não é um modelo puro, na medida em que, como já mencionado, podem ser apreciadas pelo Tribunal ad quem questões de conhecimento oficioso e pode ser admitida a junção de documentos, desde que supervenientes, cuja influência pode ditar alteração do julgamento de facto.

Neste seguimento, salvo as exceções a que já se fez menção, o Tribunal ad quem não se pode confrontar com questões novas, apenas devendo ser confrontado com questões que, em momento oportuno, foram discutidas pelas partes. “Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas”[5].

Esta conclusão não se altera pelo facto de o Recorrente invocar que a alegada irregularidade comporta a nulidade do procedimento (sendo que a nulidade é invocável a todo o tempo – cfr. art.º 162.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo - CPA). Com efeito, são circunscritos os casos que o nosso ordenamento considera suscetíveis de conduzir à nulidade (sendo, pois, que nos demais casos a sanção é de anulabilidade).

A este respeito, como resulta do art.º 161.º do CPA:

“1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

2 - São, designadamente, nulos:

a) Os atos viciados de usurpação de poder;

b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;

c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;

d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;

e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;

f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;

g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;

h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;

i) Os atos que ofendam os casos julgados;

j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;

k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;

l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido”.

Ora, uma alegada falta de notificação, ainda que pudesse ser, em abstrato, encarada como um vício do procedimento (veja-se que a regra é a de que a falta de notificação não atinge a validade do ato, mas tão só a sua inexigibilidade perante o destinatário), nunca comportaria a nulidade do procedimento, mas sim a sua anulabilidade.

Assim, e em suma, não tendo o Recorrente saído vencido face à decisão da matéria de exceção, o mesmo não detém legitimidade para vir, em sede de recurso, atacá-la. Por outro lado, a questão suscitada atinente à falta de notificação é uma questão nova, não podendo, nos termos já explanados, ser ora conhecida.

Como tal, rejeita-se o recurso nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, por falta de demonstração dos pressupostos de tributação por métodos indiretos

Consideram, por outro lado, os Recorrentes que errou o Tribunal a quo no seu julgamento, na medida em que não se encontram demonstrados os pressupostos da tributação por métodos indiretos, nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 87.º e alínea d) do art.º 88.º e do art.º 89.º-A, todos da Lei Geral Tributária (LGT).

Vejamos então.

Nos termos do art.º 81.º da LGT, a avaliação da matéria tributável efetuada pela AT pode ser feita direta ou indiretamente, sendo certo que a avaliação indireta tem caráter subsidiário da avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, do mesmo diploma) e apenas pode ser feita nos casos e condições expressamente previstos na lei.

Bem se compreende esta opção legislador, reflexo do respeito pelo princípio da capacidade contributiva, princípio esse basilar do nosso ordenamento jurídico-tributário e com assento na Lei Fundamental (cfr. art.º 104.º da Constituição da República Portuguesa - CRP).

Nos termos do art.º 87.º da LGT:

“1 - A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

(…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;

(…) d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;

(…) f) Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.

2 - No caso de verificação simultânea dos pressupostos de aplicação da alínea d) e da alínea f) do número anterior, a avaliação indireta deve ser efetuada nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 89.º-A”.

Consagrou, pois, o legislador o recurso à avaliação indireta nas situações em que a capacidade declarada (ou mesmo completamente não declarada) difere, considerando os limites legalmente previstos, da capacidade manifestada, configurando-se, assim, como situações de manifestações de fortuna e de acréscimos patrimoniais ou despesas efetuadas não justificados.

Neste caso, cessa a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, consagrada no art.º 75.º, n.º 1, da LGT, considerando que as manifestações de fortuna refletem níveis de rendimento desproporcionados face aos rendimentos declarados.

O regime concreto da avaliação indireta da matéria tributável em situações de manifestações de fortuna ou outros acréscimos patrimoniais não justificados está previsto no art.º 89.º-A da LGT, nos termos do qual:

“1 - Há lugar a avaliação indireta da matéria coletável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 30 %, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.

(…) 3 - Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada.

4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:

5 - Para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º:

a) Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação;

b) Os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efetuada;

c) Na determinação dos acréscimos patrimoniais, deve atender-se ao valor de aquisição e, sendo desconhecido, ao valor de mercado;

d) Consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.

(…) 11 - A avaliação indireta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respetivos períodos.”

Reunidos, pois, os pressupostos elencados no art.º 89.º-A da LGT, lido em consonância com o art.º 87.º, n.º 1, als. d) e/ou f), do mesmo diploma, considerados pelo legislador como manifestação de fortuna ou acréscimo patrimonial não justificado, cabe à AT despoletar um procedimento, sendo possível no seu âmbito ou a regularização da situação ou o esclarecimento da natureza dos valores em causa. Caso não se verifique nenhuma das situações mencionadas, procederá a AT à avaliação indireta atentos os elementos de que disponha. Naturalmente que estando nós no âmbito de aplicação de presunções, há sempre alguma compressão do princípio da tributação pelo rendimento real, que, aliás, a própria CRP admite (cfr. art.º 104.º da CRP).

O rendimento que se venha a apurar, por recurso a este método, é enquadrável na categoria G do IRS (incrementos patrimoniais), como decorre do art.º 9.º, n.º 1, al. d), do Código do IRS.

Atento o disposto no n.º 3 do já mencionado art.º 89.º-A da LGT, caberá ao sujeito passivo o ónus da prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada.

Assim, caberá, desde logo, ao sujeito passivo o ónus da prova da origem dos valores em causa, sendo certo que tal prova deve abarcar concretamente todos esses valores.

Portanto, e antes de mais, nestes casos não há lugar à aplicação do disposto no art.º 88.º da LGT, ao contrário do defendido pelos Recorrentes.

Com efeito, o mencionado art.º 88.º, como expressamente resulta do seu teor, aplica-se aos casos de avaliação da matéria indireta da matéria coletável previstos no art.º 87.º, n.º 1, al. b) (situações de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto), o que não ocorreu in casu. Logo, tudo o alegado a propósito do art.º 88.º da LGT carece de relevância, porque inaplicável na situação dos autos, quer em termos de pressupostos, quer em termos de quantificação (veja-se que, para efeitos de quantificação, o art.º 89.º-A dispõe de normas próprias, cujo respeito nunca foi posto em causa pelos Recorrentes, estando, aliás, claramente explanado nos RIT a forma como foi feito o cálculo, atentas as referidas normas).

Como referimos supra, as situações atinentes a manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados têm um regime e um procedimento próprios, face a outras situações de avaliação indireta da matéria coletável.

Veja-se que, apesar de os Recorrentes considerarem conclusivamente que não se verificam os condicionalismos legais do art.º 87.º, n.º 1, al. f), da LGT, a verdade é que os mesmos se verificam.

Concretizando, a mencionada disposição legal prevê que possa haver recurso a métodos indiretos quando haja “[a]créscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.

Ora, in casu:

a) Quanto ao Recorrente J…..:

a.1. Efetuou, em 2015, suprimentos, na sociedade G….. SA (doravante G…..), no montante total de 166.979,14 Eur.;

a.2. Declarou, para efeitos de IRS do ano de 2015, um rendimento coletável de 27.277,23 Eur.;

a.3. Logo, entre os rendimentos declarados e a despesa efetuada existe uma discrepância superior a 100.000,00 Eur., subsumindo-se a situação na al. f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT;

b) Quanto ao Recorrente A…..:

b.1. Efetuou, em 2015, suprimentos, na sociedade G….., no montante total de 184.979,11 Eur.;

b.2. Declarou, para efeitos de IRS do ano de 2015, um rendimento coletável de 2.141,42 Eur.;

b.3. Logo, entre os rendimentos declarados e a despesa efetuada existe uma discrepância superior a 100.000,00 Eur., subsumindo-se igualmente a situação na al. f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT;

c) Quanto ao Recorrente E…..:

c.1. Efetuou, em 2015, suprimentos, na sociedade G….., no montante total de 164.979,06 Eur.;

c.2. Declarou, para efeitos de IRS do ano de 2015, um rendimento coletável de 4.411,55 Eur.;

c.3. Portanto, também aqui entre os rendimentos declarados e a despesa efetuada existe uma discrepância superior a 100.000,00 Eur., subsumindo-se igualmente a situação na al. f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT.

Ou seja, e ao contrário do referido pelos Recorrentes, verificam-se os condicionalismos legais previstos no art.º 87.º, n.º 1, al. f), da LGT.

Não se alcança, por outro lado, que a determinação da matéria tributável, pelo método indireto a que alude a alínea f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT, pressuponha a violação dos deveres de cooperação dos sujeitos passivos com a AT e que dessa falta de colaboração derive a impossibilidade de comprovar, de forma direta e exata, a verdadeira situação tributária daqueles.

Com efeito, os pressupostos inerentes à alínea f) são objetivos e quantificáveis e centram-se, como já referido, na diferença entre os rendimentos declarados, de um lado, e o acréscimo de património ou despesa do outro. Ou seja, havendo objetivamente esta diferença, a AT está legitimada a desencadear o procedimento.

Isso não invalida, muito pelo contrário, até pressupõe, que, num segundo momento, o administrado, designadamente colaborando com a AT, demonstre a fonte das manifestações de fortuna. A esse respeito, há que atentar no n.º 3 do art.º 89.º-A da LGT, nos termos do qual “[v]erificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada”. Ou seja, o ónus da prova é do sujeito passivo. Da mesma forma, nos termos do n.º 11 do mesmo art.º 89.º-A “[a] avaliação indireta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respetivos períodos”. Portanto, não é pelo facto de os Recorrentes terem, designadamente, autorizado a consulta das suas contas bancárias que não se pode lançar mão do disposto no art.º 87.º, n.º 1, al. f), da LGT. Coisa diferente é saber se esses elementos permitiram justificar a despesa efetuada, questão de que nos ocuparemos infra.

Todos os argumentos esgrimidos pelos Recorrentes no sentido de que a AT não concretizou os motivos que impossibilitaram a comprovação e quantificação direta da matéria tributável e em que termos a contabilidade não fornecia os elementos e razões pelas quais não foram supridas pelos Recorrentes, ou mesmo se lhe foi dada essa oportunidade, carecem de pertinência, porquanto, repete-se, não está no âmbito da al. dos art.ºs 87.º, n.º 1, al. b) e 88.º, ambos da LGT, mas sim no âmbito do art.º 87.º, n.º 1, al. f), do mesmo diploma, que tem pressupostos específicos, já devidamente explanados supra.

Portanto, e em suma, nesta concreta forma de despoletar a avaliação através de métodos indiretos, é suficiente a demonstração, por parte da AT, das discrepâncias a que já nos referimos, não lhe sendo aplicável o art.º 88.º da LGT, em cujos pressupostos se centram em grande parte os argumentos dos Recorrentes e a que se refere, aliás, a jurisprudência a esse propósito citada.

Assim, reunidos que estão os pressupostos constantes da al. f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT, a AT encontrava-se legitimada a atuar como atuou, respeitando, pois, o princípio da legalidade. E, repita-se, é sempre possível, no âmbito do procedimento, ao administrado demonstrar que os rendimentos declarados correspondem aos rendimentos reais.

Como tal, não assiste nesta parte razão aos Recorrentes.

III.C. Do erro de julgamento por falta de fundamentação

Consideram, ainda, os Recorrentes que os atos em causa padecem de falta de fundamentação.

Vejamos então.

O dever de fundamentação dos atos tributários insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”[6], para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que os atos recorridos não padecem de tal vício, porquanto o itinerário cognoscitivo percorrido pela AT está perfeitamente definido, estando, desde logo, demonstrada a verificação dos pressupostos inerentes à al. f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT. Consta ainda dos RIT a análise dos elementos obtidos junto das instituições bancárias e dos elementos juntos em sede de direito de audição e, bem assim, os termos em que foram efetuados os cálculos tendentes à quantificação da correção, atentas as regras contidas no art.º 89.º-A da LGT. Coisa diferente é tal itinerário não conter os elementos que os Recorrentes entendem que lá deveriam constar, designadamente os inerentes ao disposto no art.º 88.º da LGT, que, como referimos (cfr. III.B., supra), não se aplica in casu.

Como tal, também nesta parte não assiste razão aos Recorrentes.

III.D. Do erro de julgamento, por ter ficado demonstrada a origem e o destino de valores

Consideram ainda os Recorrentes que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, na medida em que ficou demonstrada a origem e o destino dos valores em causa.

A apreciação desta questão apresenta franca conexão com a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (cfr. supra II.D.), na qual este Tribunal considerou não assistir razão aos Recorrentes.

Vejamos então.

Como já referido, foi, in casu, revelada uma desproporção superior a 100.000,00 Eur., nos termos já explanados. Assim, caberia aos Recorrentes, atento o disposto no n.º 3 do art.º 89.º-A da LGT, o ónus da prova de que é outra a fonte da despesa efetuada.

No caso, atentando nos RIT, como já referimos, foram feitos suprimentos pelos Recorrentes na G….., nos valores já mencionados.

Considerou o Tribunal a quo que, em face da prova produzida, não ficou demonstrado por parte de nenhum dos Recorrentes que correspondam à verdade os rendimentos declarados, sendo outra a fonte das despesas consubstanciadas nos suprimentos.

Vejamos se assim é, separadamente por Recorrente.

Começando pelo Recorrente J….., como referido supra, o mesmo efetuou suprimentos na G….. no valor de 166.979,14 Eur. e declarou, juntamente com a sua mulher, um rendimento coletável de 27.277,23 Eur., tudo por referência a 2015.

De acordo com o Recorrente, a fonte de tal valor radicou em suprimentos que fizera às sociedades A….. e P….. e que lhe terão sido reembolsados.

Na análise feita às contas bancárias do Recorrente, de facto foram detetados depósitos efetuados em 2015 nas suas contas pela A….. (64.000,00 Eur., para a conta …..) e pela P….. (27.061,80 Eur., para a conta n.º ….., e 18.996,00 Eur. e 54.057,00 Eur., para a conta …..), como resulta do RIT [cfr. facto E)].

Sucede, porém, que não resultou provado, por um lado, que a fonte destas transferências tenha sido o reembolso de suprimentos efetuados pelo Recorrente às sociedades que fizeram as mencionadas transferências, como decorre da factualidade não provada [facto não provado 1)].

Por outro lado, como refere o Tribunal a quo, a AT não detetou qualquer movimento de saída de valores das contas bancárias em causa para efeitos de realização dos suprimentos à G….. [cfr. facto E)], o que nunca foi posto em causa e nem foi sequer explicado pelo Recorrente.

Portanto, não ficou demonstrado, ao contrário do que era exigível, que as transferências em causa correspondiam a reembolsos de suprimentos feitos pelo Recorrente às sociedades A….. e P….. (existindo apenas transferências cuja justificação não se apurou) e que, ato consequente, ocorreu a posterior realização de suprimentos na G….. considerando tais reembolsos (o que não ficou igualmente demonstrado, não tendo sequer ficado demonstrada a saída de tais valores das contas bancárias do Recorrente).

Como tal, carece de razão o Recorrente J…...

Quanto ao Recorrente A….., o mesmo efetuou suprimentos na G….. no valor de 184.979,11 Eur. e declarou um rendimento coletável de 2.141,42 Eur., tudo por referência a 2015.

De acordo com o Recorrente, a fonte de tal valor radicaria em suprimentos que fizera à sociedade P….. e que lhe terão sido reembolsados [cfr. facto L)].

Na análise feita às contas bancárias do Recorrente, de facto foram detetadas transferências efetuadas em 2015 nas suas contas pela P….. (34.064,96 Eur., 36.426,69 Eur., de 66.987,65 Eur. e de 56.203,81 Eur.) – cfr. factos M) e N).

Sucede, porém, que também aqui não resultou provado que estas transferências correspondam ao reembolso de suprimentos efetuados pelo Recorrente à P….., como decorre da factualidade não provada [facto não provado 2)], não se sabendo, pois, a que título foram feitas as mencionadas transferências.

Portanto, não ficou demonstrado, ao contrário do que era exigível, que o fluxo financeiro em causa se consubstanciou em reembolsos de suprimentos ao Recorrente por parte da sociedade P….., não estando de forma cabal demonstrada a origem dos valores em causa.

Como tal, carece de razão o Recorrente A…...

No que respeita ao Recorrente E….., o mesmo efetuou suprimentos na G….. no valor de 164.979,06 Eur. e declarou um rendimento coletável de 4.411,55 Eur., tudo por referência a 2015.

De acordo com o Recorrente, a fonte de tal valor radicou em suprimentos que fizera à sociedade A….. e que lhe terão sido reembolsados [cfr. facto V)].

Sucede, porém, desde logo, que não ficou sequer provado que o documento de transferência mencionado em W) do probatório respeite a transferência da A….. para o Recorrente [cfr. facto não provado 3)], o que, por maioria de razão, impede sequer a demonstração de que se trataria de reembolsos de suprimentos. De todo o modo, resultou ainda não provado que o Recorrente tenha efetuado suprimentos à mencionada sociedade [cfr. facto não provado 4)].

Ademais, da própria análise feita pela AT às contas bancárias do Recorrente não resulta a existência de quaisquer transferências de montante relevante. Também do lado das saídas, nada foi detetado que permita evidenciar o fluxo financeiro em causa.

Assim, também não foi demonstrada que a origem dos valores radica em reembolso de suprimentos efetuados anteriormente.

Como tal, também não assiste razão ao Recorrente E…...

Refira-se, complementarmente, que cabia aos Recorrentes e não à AT a demonstração da existência de tais suprimentos e, bem assim, a prova de todo o circuito financeiro de forma cabal, para que fosse clara a origem dos valores e bem assim o seu destino, o que não ocorreu (sendo que, reitera-se, o facto de os Recorrentes afirmarem, em sede de exercício do direito de audição, que foram feitos tais suprimentos nada prova, e, da mesma forma, a documentação junta foi insuficiente, nos termos já explanados, carecendo pois de sustentação o alegado em termos de genuinidade ou veracidade dessa prova, que, nunca tendo sido posta em causa, não é suficiente para demonstrar o alegado).

Em suma, não assiste razão a nenhum dos Recorrentes, mantendo-se, pois, a decisão sob escrutínio.



IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pelos Recorrentes;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 30 de setembro de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(António Patkoczy)

(Mário Rebelo)


________________________________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[2] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[3] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 454.
[4] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 395, 396 e 460, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 106; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 119.
[5] António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 119 e 120.
[6] Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.