Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:276/17.4BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:COIMAS
URBANISMO
IMPUGNAÇÃO
COMPETÊNCIA MATERIAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I – De entre as alterações produzidas pelo DL n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) revisto passou a incluir, entre o elenco da competência material da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos da nova redação da alínea l) do nº 1 do seu artigo 4º, a apreciação das “…impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”.
II – Por efeito do expressamente previsto no nº 5 do artigo 15º do DL n.º 214-G/2015, de 2 de outubro a alteração efetuada àquela l) do nº 1 do artigo 4º do ETAF entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2016.
III - Se à data em que o recurso de contra-ordenação foi submetido em juízo pelo MINISTÉRIO PÚBLICO já havia entrado em vigor a nova redação da alínea l) do nº 1 do artigo 4º do ETAF revisto, a competência para o decidir pertencia já aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO


O MINISTÉRIO PÚBLICO inconformado com a decisão de 27/11/2017 da Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, no âmbito do presente Recurso de contra-ordenação atinente à aplicação de coima a L… (devidamente identificado nos autos) decidida no âmbito do Processo de Contra-ordenação nº … da Câmara Municipal de Sintra, julgou aquele Tribunal materialmente incompetente para o conhecer, dela interpõe o presente recurso, pugnando pela sua revogação e sua substituição por decisão que determine o prosseguimento dos autos naquele Tribunal.
Nas suas alegações formula o recorrente as seguintes conclusões nos seguintes termos:
I. O Ministério Público vem interpor recurso da decisão proferida nos presentes autos de contra-ordenação, por o tribunal a quo ter julgado verificada a excepção de incompetência absoluta do tribunal e, em consequência, ter ordenado que após o trânsito em julgado da decisão se remetessem os autos para o Tribunal de Conflitos.

II. O Tribunal de Conflitos, já decidiu, pelo menos por duas vezes situações jurídicas similares, fixando que o momento a ter em conta para a fixação da competência, era a introdução em Juízo pelo M.P., do recurso jurisdicional, interposto pelo arguido, valendo tal acto como acusação.

III. Sendo este momento o do início da instância jurisdicional e como tal o facto relevante para aferir qual o tribunal materialmente competente.

IV. Tudo exposto, deverá a presente sentença ser revogada por a interpretação dada na presente sentença violar o disposto nas disposições combinadas nos arts. art.º 4º, n.º 1, al. 1) do ETAF, na redacção decorrente do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro, artt.38º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26.8, art. 259º nº 1, do CPC e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos neste TAF de Sintra.


Não foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente Ministério Público as conclusões de recurso, é trazida em recurso a questão essencial de saber foi, ou não, correto o entendimento, feito pelo Tribunal a quo, de que à situação presente não se aplicava ainda a regra estabelecida na nova redação da alínea l) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, resultante da revisão operada pelo DL n.º 214-G/2015, nos termos da qual os tribunais administrativos e fiscais passaram a ser competentes para apreciar e decidir as impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

Na decisão recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
A) Por decisão do Presidente da Câmara Municipal de Sintra de 4 de Janeiro de 2016, o Recorrente foi condenado no pagamento de uma coima no valor de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros), pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 4.º, n.º 2, alínea c), e 98.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Março – cfr. documento de fls. 38 a 40 do processo físico, que se dá por reproduzido;

B) Por correio registado de 29 de Abril de 2016, o Recorrente apresentou junto da Câmara Municipal de Sintra o recurso de impugnação judicial da decisão de aplicação da coima identificada no parágrafo anterior, dirigido ao Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Instância Central – 1.ª Secção Criminal – cfr. documento de fls. 53 a 74 do processo físico, que se dá por reproduzido;

C) Por ofício de 10 de Agosto de 2016, que deu entrada nos serviços do Ministério Público de Sintra em 18 de Agosto de 2016, a Câmara Municipal de Sintra enviou ao Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra o recurso de impugnação judicial identificado no parágrafo anterior e o respectivo processo de contra-ordenação – cfr. documento de fls. 6 do processo físico, que se dá por reproduzido;

D) Em 16 de Setembro de 2016, a Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste determinou a remessa dos autos à distribuição na Instância Criminal Local da Comarca de Lisboa Oeste – Pequena Criminalidades, para aí tramitarem como recurso de contra-ordenação, dando como integralmente reproduzida a decisão administrativa impugnada, fazendo-a valer como acusação para estes efeitos – cfr. documento de fls. 85 do processo físico, que se dá por reproduzido.



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B – De direito
Pela decisão recorrida a Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou aquele Tribunal materialmente incompetente para o conhecer do presente recurso de contra-ordenação, decisão que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«Considerando que:
a) Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea l), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante, “ETAF”), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, «compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a: impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo»;
b) A norma citada na alínea anterior entrou em vigor em 1 de Setembro de 2016 (cfr. artigo 15.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro);
c) Até então, a competência para decidir as impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que aplicassem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo pertencia aos tribunais judiciais (cfr. artigo 130.º, n.º 2, alínea d), e n.º 4, alínea b), da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro);
d) Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do ETAF e do artigo 38.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente;
e) Em sentido paralelo dispõe o artigo 38.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, ressalvando apenas os casos expressamente previstos na lei que confiram relevância às modificações de facto posteriores ao momento da propositura da acção, bem como as hipóteses de modificações de direito que conduzam à supressão do órgão a que a causa estava afecta ou de atribuição de competência para o conhecimento da causa a esse órgão (a quem a causa estava afecta) que dela carecia inicialmente;
f) Na impugnação judicial de decisão de aplicação de coima, o momento da propositura da causa corresponde ao momento de interposição de recurso, já que é neste momento que é praticado o acto processual que inicia a fase jurisdicional do processo, do mesmo modo que uma acção declarativa é considerada proposta na data da apresentação em juízo da petição inicial;
g) A conclusão extraída na alínea anterior não é contrariada pela circunstância de, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, do RIMOS, o recurso de contra-ordenação dever ser apresentado fisicamente junto da autoridade administrativa que praticou a decisão impugnada, da mesma forma que um recurso de uma decisão jurisdicional é fisicamente apresentado junto do tribunal recorrido;
h) O Recorrente apresentou o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação de coima em causa nos autos em 29 de Abril de 2016 (cfr. parágrafo B) do probatório acima);
Cumpre concluir que o recurso de impugnação foi interposto quando ainda não se encontrava em vigor a norma da alínea l), do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, e que, em consequência, este Tribunal é materialmente incompetente para decidir o presente litígio.»

No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, o DL n.º 214-G/2015, de 2 de outubro reviu o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código dos Contratos Públicos, o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, a Lei de Participação Procedimental e de Ação Popular, o Regime Jurídico da Tutela Administrativa, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e a Lei de Acesso à Informação sobre Ambiente.
De entre as alterações produzidas, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) passou a incluir entre o elenco da competência material da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos da nova redação da alínea l) do nº 1 do seu artigo 4º, a apreciação das “…impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”.
Sendo que por efeito do expressamente previsto no nº 5 do artigo 15º do DL n.º 214-G/2015, de 2 de outubro a alteração efetuada àquela l) do nº 1 do artigo 4º do ETAF entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2016.
Mas face às particularidades próprias do recurso de contra-ordenação surge a questão de saber qual a ocorrência (elemento processual) determinante para o efeito.
O Tribunal a quo entendeu ser o do momento em que foi apresentada a impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a coima.
Já o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO pugna, suportando-se nos acórdãos do Tribunal de Conflitos, que cita, que o facto relevante é a introdução em juízo pelo Ministério Público do recurso interposto pelo arguido, por ser o momento do início da instância jurisdicional.
O Tribunal dos Conflitos pronunciou-se em vários acórdãos no sentido de que é a data em que os autos de recurso de contra-ordenação são apresentados no tribunal que marca o momento em que a competência se fixa, em termos que só caso tal tenha sucedido após 01/09/2016 é que os tribunais da jurisdição administrativa são os competentes para o apreciar nos termos do disposto no artigo 4º nº 1 alínea l) do ETAF, na redação dada pelo DL n.º 214-G/2015.
Assim, se entendeu designadamente nos seguintes acórdãos do Tribunal de Conflitos, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jcon:
- acórdão de 01/06/2017, Proc. nº 05/17, em que se sumariou que «I - Após as alterações introduzidas ao ETAF pelo D.L. 214-G/2015 a jurisdição administrativa é a competente para conhecer da impugnação de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo (…)»;
- acórdão de 28/09/2017, Proc. nº 026/17, assim sumariado: «I - A fase judicial do processo de contra-ordenação não se inicia com a interposição do recurso de impugnação da decisão administrativa que aplica a coima, mas com a apresentação, pelo Ministério Público, dos autos ao juiz, caso em que aquela decisão se converte em acusação. II - Atento à nova redacção do art.º 4.º, n.º 1, al. l), do ETAF, que, nos termos do art.º 15.º, n.º 5, do DL n.º 214-G/2015, de 2/10, entrou em vigor em 1/9/2016, compete aos tribunais da jurisdição administrativa o conhecimento da impugnação judicial apresentada na Câmara Municipal em 22/8/2016 e remetida pelo MP ao tribunal em 16/9/2016»;
- acórdão de 28/09/2017, Proc. nº 24/17, assim sumariado: «I – A partir de 1/9/2016, e «ex vi» dos arts. 4º, n.º 1, al. l), do ETAF, e 15º, n.º 5, do DL n.º 214-G/2015, de 2/10, compete à jurisdição administrativa julgar as impugnações judiciais de actos aplicadores de coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo. II – O elemento de conexão relevante para se determinar, no tempo, essa competência «ratione materiae» consiste na data da apresentação em juízo, pelo MºPº, dos autos de contra-ordenação e do respectivo recurso»;
- acórdão de 20/12/2017, Proc. 28/17, assim sumariado: «O DL nº 214-G/2015, de 02.10, veio retirar aos tribunais da jurisdição comum a competência para o conhecimento de impugnação judicial relativa à aplicação de contra-ordenação urbanística nas situações em que o processo só entra em juízo após o dia 1 de Setembro de 2016»;
- acórdão de 11/01/2018, Proc. 27/17, assim sumariado: «O DL nº 214-G/2015, de 02.10, veio retirar aos tribunais da jurisdição comum a competência para o conhecimento de impugnação judicial relativa à aplicação de contra-ordenação urbanística nas situações em que o processo só entra em juízo após o dia 1 de Setembro de 2016»;
- acórdão de 11/01/2018, Proc. nº 45/17, assim sumariado: «I - A fase judicial do processo de contra-ordenação não se inicia com a interposição do recurso de impugnação da decisão administrativa que aplica a coima, mas com a apresentação pelo Ministério Público dos autos ao juiz, caso em que aquela decisão se converte em acusação. II – Atendendo à nova redação do artigo 4º, nº 1, alínea i) do ETAF, que, nos termos do artigo 15º, nº 5 do DL 214-G/15, de 2/10, entrou em vigor em 01.09.2016, compete aos tribunais da jurisdição administrativa o conhecimento da impugnação judicial apresentada na câmara municipal em 04.08.2016, e remetida pelo Ministério Público ao tribunal em 21.10.2016»;
- acórdão de 08/02/2018, Proc. nº 66/17, assim sumariado: «I - A partir de 1/9/2016, e «ex vi» dos arts, 4º, n.º 1, al. l), do ETAF, e 15º, n.º 5, do DL n.º 214-G/2015, de 2/10, compete à jurisdição administrativa julgar as impugnações judiciais de atos aplicadores de coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo. II - O elemento de conexão relevante para se determinar, no tempo, essa competência «ratione materiae» consiste na data da apresentação em juízo, pelo MºPº, dos autos de contra-ordenação e do respetivo recurso».
A respeito da questão em dissídio o acórdão do Tribunal de Conflitos de 11/01/2018, Proc. 27/17, explicitou o seguinte, que aqui importa recuperar, e que se passa a citar: «(…) Todavia, o legislador do DL n.º 214-G/2015 nada disse quanto ao elemento de conexão operatório na fixação da competência material. Esse silêncio propicia um desencontro de opiniões – e os subsequentes conflitos – de modo que não surpreenderá que aquela data de 1/9/2016 surja futuramente reportada às datas de acontecimentos diversos e, «maxime», às seguintes: à da infracção, à do acto sancionatório, à do recurso de impugnação, à da entrada do recurso nos serviços do MºPº (art. 62º do DL n.º 433/82) ou, por último, à da apresentação, pelo MºPº, do processo de contra-ordenação (e do respetivo recurso) no tribunal que o julgará. E, «in casu», reparamos que os tribunais donde emana o conflito adoptaram duas dessas cinco possibilidades, pois o TAF perfilhou a terceira e o tribunal judicial a quinta.
Busquemos, pois, o elemento decisivo para, face à sucessão da competência no tempo, se ativar o art. 4º, n.º 1, al. l), do ETAF. «Ante omnia», é de assinalar a irrelevância da data da infração. Esta importa quando se visa determinar a competência dos tribunais em matéria penal (art. 32º, n.º 9, da CRP). Mas isso corresponde a uma das «garantias do processo criminal» («vide» a epígrafe desse art. 32º), não se justificando que essa específica cautela se estenda aos processos de contra-ordenação – cujos arguidos recebem, no n.º 10 do mesmo artigo, uma tutela mais ténue. Também não se vê por que motivo a competência material «in judicio» – para julgar os recursos interpostos nos processos de contra-ordenação – haveria de se reportar à data do ato punitivo ou à da interposição do recurso que o atacasse. Com efeito, a emissão da pronúncia sancionatória e o oferecimento do recurso ocorrem no âmbito da Administração; e não existe qualquer norma ou princípio jurídico donde flua uma vinculação da competência do tribunal a esses acontecimentos prévios. Assim, as considerações de ordem prática que o Sr. Juiz do TAF emitiu em abono da sua tese, embora equilibradas, não corporizam um critério que, por si só, resolva o assunto. Em geral, o art. 38º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26/8) dispõe que a competência dos tribunais se fixa no momento em que a ação se propõe; e o art. 5º do ETAF diz basicamente o mesmo. Ora, nas causas regidas pelo processo civil (que abrangem as previstas no CPTA), o momento da propositura da causa está bem marcado: é o da entrada da petição na secretaria (art. 259º, n.º 1, do CPC) – facto iniciador da instância e que fixa, quase sempre irreversivelmente, a competência do tribunal. Esta regra – a de que a competência só verdadeiramente se determina, estabelece ou fixa com a entrada do feito em juízo – é corrente entre nós. E corresponde, aliás, à solução tradicional – «ubi acceptum est semel judicium, ibi et finem accipere debet».

Na medida em que estabelece uma fixidez irreversível da competência, a regra tem por primordial função tornar irrelevantes, no processo em curso, quaisquer modificações ulteriores da lei nesse campo. Todavia, e embora voltada para a prevenção dessas hipotéticas alterações futuras, não deixa a regra de acessoriamente dizer algo quanto ao momento relevante para se determinar o «terminus a quo» da competência. Se esta se estabelece ou fixa num momento objetivo – o da propositura da causa «in judicio» – devemos logicamente ligar o início dessa competência, tida pela regra como perdurável no tempo, à mesma ocasião; pois dificilmente se compreenderia que a competência de um tribunal antecedesse o evento escolhido pela lei para a sua fixação.
Portanto, no caso «sub specie» e em todos os similares, o facto jurídico relevante para se aferir se a competência «ratione materiae» incumbe à jurisdição comum ou à administrativa há-de ser a data da entrada do processo impugnatório no tribunal.
Mas há que resolver uma derradeira dúvida: se tal entrada é a ocorrida nos serviços do MºPº ou a que o MºPº subsequentemente promova – valendo esse seu acto «como acusação» – para afetar o processo à titularidade de um juiz.
Ora, esta segunda alternativa é a correta. Só com aquela iniciativa do MºPº, que vale como acusação, ocorre algo assimilável à propositura da ação ou da causa – e já sabemos que este acontecimento é encarado pelas leis de organização judiciária como o que decisivamente marca a competência do tribunal. Aliás, só então se iniciará a instância do recurso – conceito que, embora sem consagração legal, é usado por comodidade no foro e normalmente com o sentido de que tal instância só deveras se abre com a chegada dos autos ao tribunal «ad quem». Assim, o facto decisivo na resolução do presente conflito consiste no momento em que o MºPº apresentou ao Sr. Juiz da Instância Local Criminal de Sintra o processo e o recurso de contra-ordenação. E, ao afirmá-lo, mantemo-nos na linha de outro acórdão deste tribunal – que foi proferido em 1/6/2017, no Conflito n.º 5/2017 – em que se tomou um facto análogo como o determinante da competência. Consequentemente, o despacho emitido pelo Mm.º Juiz da Instância Local de Sintra está correto. Só em 16/9/2016 o MºPº desse foro tomou a iniciativa de apresentar o processo de contra-ordenação ao Sr. Juiz; só então, portanto, o processo judicial se iniciou. Mas, nessa data, a competência «ratione materiae» para julgar o pleito já fora transferida para a jurisdição administrativa – conforme acima vimos. Ao invés, o despacho do Mm.º Juiz do TAF de Sintra tem de ser suprimido, visto que a sua decisão de incompetência partiu de um elemento de conexão – a data da interposição do recurso, pela arguida, nos serviços camarários – que se revela inaplicável.” [( Disponível em www.dgsi.pt)] Em recente decisão proferida no conflito com o nº 38/17, relatada pelo Conselheiro São Pedro, e publicada no dia 7 de Dezembro de 2017, idêntica questão obteve a sequente fundamentação (sic): “A questão ora em causa tem vindo a ser apreciada neste Tribunal de Conflitos no sentido de ser relevante para aplicação da lei nova a data em que o processo é remetido pelo MP para distribuição.(…)
»
Não há motivo para dissentirmos daquele que tem sido o recente entendimento, reiterado e uniforme, do Tribunal de Conflitos sobre esta questão.
O que significa que na situação presente à data em que o recurso de contra-ordenação foi submetido em juízo pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, 16/09/2016 (vide D) probatório), a competência para o decidir pertencia já aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal ao abrigo da nova redação da alínea l) do nº 1 do artigo 4º do ETAF revisto, cuja entrada em vigor ocorreu em 01/09/2016, nos termos do artigo 5º nº 5 do DL. nº 214-G/2015.
Razão pela qual merece provimento o recurso, e julgando-se o Tribunal a quo o competente em razão da matéria para decidir o presente recurso de contra-ordenação, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí, nada mais obstando, prossiga os seus termos.
O que se decide.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional, e julgando-se o Tribunal a quo o competente em razão da matéria para decidir o presente recurso de contra-ordenação, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância, para que aí, nada mais obstando, prossiga os seus termos.

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Sem custas por dele estar isento o recorrente Ministério Público - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 4º nº 1 alínea a) do RCP.
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Notifique.
D.N.
Lisboa, 19 de abril de 2018



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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)




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Maria Cristina Gallego dos Santos




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Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho