Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:433/07.1BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:01/16/2020
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRESUNÇÃO DA TITULARIDADE DO DIREITO
CULPA PRESUMIDA; ILISÃO DA PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário:I. Caso decorra da factualidade assente a posse dos autores sobre veículo automóvel, presume-se a titularidade do seu direito de propriedade sobre o bem, atento o disposto no artigo 1268.º, n.º 1, do Código Civil.
II. A regra geral em sede de responsabilidade civil é de que incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, como sucede nas situações previstas no artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil.
III. Trata-se de presunção aplicável à responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas por facto ilícito de gestão pública, cabendo apenas ao autor demonstrar a realidade dos factos causais que lhe servem de base, o dano e o respetivo nexo de causalidade entre o facto e o dano, para que opere a presunção.
IV. A presunção pode ser ilidida pelo réu, mediante a prova de factos que excluam a sua culpa ao nível do cumprimento do dever de diligência e de prevenção do dano potencial para terceiros.
V. Mostrando-se provado que a ré procede à fiscalização do local em que ocorreu o acidente, e que essa fiscalização é permanente, ou seja, contínua, ininterrupta, é de concluir que demonstrou que nenhuma culpa lhe podia ser assacada ao nível da vigilância da estrada em questão, ou seja, que a sua conduta se caracteriza pela diligência que em abstrato lhe era exigível.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

J….. intentou ação administrativa comum contra a E..................., S.A., na qual pede a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 9.900, a título de indemnização determinada por responsabilidade extracontratual por danos causados no exercício da atividade administrativa.
Alega, em síntese, que no dia 20 de março de 2006, cerca das 14h10, na estrada A23, ao Km 16, no Entroncamento, a sua filha teve um acidente com um veículo de sua propriedade, devido a um lençol de água que cobria toda a faixa de rodagem, sem que existisse qualquer sinalização da existência de lençóis de água e a sua existência apenas se pode dever ao deficiente escoamento das águas e ao mau estado da conservação da estrada, a cargo da entidade demandada.
Citada, a entidade demandada apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação, alegando, em síntese, que o local onde se terá dado o acidente caracteriza-se por ser uma reta com inclinação, o que não permite a acumulação de água sobre o pavimento, o escoamento das águas é facilitado e permitido pela configuração, conceção e natureza da estrada, a conservação e a limpeza dos órgãos de drenagem são executadas de forma permanente e a obviar qualquer entupimento, pelo que não teve qualquer culpa no acidente; na altura do acidente chovia copiosamente, apresentando o piso a água que naturalmente dele escoa, o suficiente para produzir o “aqua-planning”, atenta a velocidade a que seguia o veículo, o veículo não tinha o valor comercial referido, nem o autor sofreu qualquer prejuízo pela privação do mesmo.

Por sentença de 29/09/2008, o TAF de Leiria julgou a ação parcialmente procedente por provada e consequentemente condenou o réu a pagar ao autor indemnização a fixar em execução de sentença pelos danos patrimoniais sofridos.
Inconformada, a ré interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1. A decisão sobre a matéria de facto, é concomitante com a sentença e daí o recorrente não ter tido possibilidade de reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da sua motivação,
A sentença recorrida viola pois o disposto nos artigos 653° nº 4 e 5 e 694° do CPC
2. Referindo a sentença na Matéria de facto dada como não provada que "Não se provou que os órgãos de drenagem das aguas pluviais estivessem a funcionar de forma deficiente", há que concluir que o Autor não logrou provar a base da presunção da culpa que impendia sobre a Ré, nos termos do disposto no artigo 493°, nº 1 do C. Civil, que assim se mostra violado.
3. No seu art° 14° da contestação a Ré alegou que "Estando os órgãos de drenagem completamente limpos e desobstruídos, sem nada que impedisse o livre escoamento das aguas "e no art° 15° do mesmo articulado que "escoamento das águas que é facilitado e permitido pela configuração, concepção e natureza da estrada ( uma recta, com inclinação, pavimento e órgãos de drenagem ) ", matéria a que o Tribunal não respondeu, omitindo pronúncia que devia efectuar.
A sentença viola aqui, igualmente o disposto nos artigos 653°, nº 1, 2, 511°, n° 1, 513° e alínea d) do nº 1 do artº 668° do CPC.
4. Em resposta aos artigos 12°, 13°, 14° e 23º da p.i., e 26° e 27° da contestação, respondeu o Tribunal ( 3 ), dando como provado, na parte que aqui importa:
" 3 - Tinha chovido muito, e o piso estava cheio de agua, atravessando o mesmo, vindo do separador central...’
Tal resposta, tem de ser lida, com o sentido de que a água vinha " do lado " do separador da estrada, ou seja a água da chuva, que era muita, no seu movimento atravessava a estrada, do lado do separador central, para o outro lado, a berma. Este o sentido a reter da resposta e não outro.
Interpretar a resposta como a água da chuva, vinda do "interior "do separador central, nisso há excesso de pronúncia, pois isso não constitui matéria alegada pelo Autor e Ré, violando por aqui também a sentença o disposto nos artigos 511°, nº 1, 660º, nº 2 e alínea d), nº 1 do art° 668° tudo do CPC.
5. O documento, único documento de prova, que fundamenta a resposta (2) 123a matéria de facto impugnado pela Ré, é uma mera declaração de uma entidade ( EXPOFOR - Comércio e reparação de automóveis ), produzida em 10 de Julho de 2008, que não é, nem nunca foi dono ou proprietário do aludido veículo e por isso não o poderia vender.
Face à existência nos autos de certidão do registo automóvel na respectiva Conservatória, único que titula a propriedade e portanto, com força probatória superior, aquele outro documento, não o pode afastar e ilidir a presunção de propriedade que dele decorre.
Aquele documento, impugnado pela Ré, é uma mera declaração de pessoa que não é dono do veículo, e que não titula a sua propriedade, ao contrário da certidão da conservatória, sendo pois, a resposta a tal matéria em contradição com a prova produzida e por isso deve ser alterada, nos termos da alínea a) do n° 1 do artº 712° do CPC, violando a sentença, ainda o disposto nos artigos 369°, n° 1, 371°, 376°, 377°, 523°, 526º do C. Civil e 490º, nº 1 do CPC.
6. Ora como se disse, o Autor alegou que era ao Km 16 que estava o lençol de água, e o acidente ocorreu ao Km 15,9, ou seja, a água no pavimento está pelo menos 100 metros mais à frente do que o local do despiste, que conforme resposta 1 da matéria de facto ocorreu ao Km 15,9 "No dia 20 de Março de 2006, cerca das 14h10m, ocorreu um embate, na A23, ao Km 15,9
Não há assim, nexo de casualidade entre a água no pavimento (Km 16 ) e o local do acidente (Km 15,9) pelo que a sentença está em contradição com os seus fundamentos, sendo nula nos termos do artº 668º, nº 1 alínea c) e bem assim viola igualmente o disposto o artº 659°, nº 3, 488°, 489º, 490º e 3º A, entre outros do CPC.
7. Fundamenta a sentença como dela se transcreve igualmente da sua página 7 : " Tinha chovido muito e o piso estava cheio de água que escorria do separador central
Em lado algum, da petição ou da matéria de facto seleccionada, vem alegado que a água existente no pavimento "... escorria do separador central"
enfermando a decisão de excesso de pronúncia.
A sentença, é também por aqui nula, violando as disposições dos artigos 660º, nº 2, 664º, 665º, nº 2 alínea d) e c) do artigo 668º.
8. Ao contrário do que sustenta a douta sentença, considerando a estrada, e as condições atmosféricas, chuva, não se passou de uma situação normal, " de repente " para um " local que se encontrava cheio de água ".
A sentença, conclui, pois diferentemente da matéria provada e em oposição com os fundamentos, pelo que também por aqui, viola entre outros o artigo 659º e alínea b) e c) do CPC, entre outros.
9. Por outro lado, em lado algum da matéria provada se deu por assente que " a grande acumulação de água naquele local apenas se deveu ao mau funcionamento do sistema de drenagem da estrada
A sentença recorrida, também por aqui, está em contradição com os fundamentos, com a matéria provada, sendo igualmente nula, nos termos da alínea c) do artº 668º do CPC.
10. Ora vendo a condutora do veículo a água ao longe, como via e ela própria afirmou, não foi colhida de surpresa, e por isso, independentemente do local ser ou não uma auto-estrada, a condutora tinha que reduzir e moderar especialmente a velocidade como o impõe o art° 24, nº 1 e 25°, n° 1 alínea h) do Código da Estrada.
Não há pois qualquer nexo de causualidade entre o acidente e a água no pavimento, pois aquele ficou a dever-se à velocidade da condutora do 65-29-XI que violou o disposto no art° 24°, n° 1 e 25, n° 1 alínea h) do Código da Estrada.
11. Muito embora, tenha sido dado como provado ( 7) que "Não havia no local qualquer sinalização de aviso de formação de lençol de água " a verdade é que, como é referido na fundamentação à resposta da matéria de facto (3) a condutora do veículo diz " que a água se podia ver ao longe”.
Se via a água ao longe, estava avisada e devia efectuar uma prática de Condução consentânea, de forma a evitar o acidente e o disposto naqueles artigos 24°, n° 1 e 25° n° 1 alínea h) do C. Estrada.
Efectivamente a Autora assim não provou, a base da presunção de culpa que impendia sobre o recorrente estatuída no artigo 493°, n° 1 do CC, a presunção de culpa esta que não se repercute sobre o ónus da prova do nexo de causualidade (Pleno - Acord. de 27.04.99 e de 29.4.98, nos recursos 41712 e 36463).
12. Os elementos factuais dados como provados, nomeadamente a existência de muita água no pavimento da estrada, não são causa adequada à produção do acidente, nem permitem estabelecer a relação de causa/efeito, de ligação entre a lesão e o dano.
13. Como vem sendo decidido pelo STA, não há o dever de indemnizar por ausência de nexo causal entre o facto ilícito e o dano, quando se não possa concluir - como acontece no caso presente - em face das prova coligida, que o acidente não teria ocorrido se não fosse a existência daquela quantidade de água no pavimento.
14. A presunção de culpa não se repercute sobre o ónus da prova do nexo de causalidade, entendido como relação de causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (cfr. art° 563° do C. Civil).
15. A presunção de culpa estabelecida no artigo 493° n° 1 do C.C. é aplicável à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos culposos praticados no exercício de gestão pública. Neste caso, contudo, ao Autor lesado cabe, primeiramente, o ónus de alegação e prova da base de presunção, ou seja, da ocorrência de facto causal dos danos.
16. A sentença viola assim, entre outras, também as disposições do artigo 493º, na 1.563° do C.C.
17. Quanto aos danos, não se fez qualquer prova do valor do veículo, mas que impendia sobre o Autor e que não logrou efectuar, logo porque e necessariamente, não era o seu proprietário, e em conformidade deve ser alterada a resposta referida no ponto 2 dos factos provados. E, não tendo sido provados os danos, nem sendo proprietário do veículo, o Autor não pode ser assim indemnizado, pelo que a sentença viola os artigos 342°, 483º, 562º e seguintes e 1305º do C. C. e 659° e 668° al. c) do CPC, entre outros.”
O autor/recorrido apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1 - A douta sentença ora posta em crise não violou nenhum preceito legal.
2- Conforme consta da douta sentença, o recorrido era o proprietário do veículo, tendo-o na sua posse. Embora a inscrição não estivesse feita a seu favor, a aquisição do direito de propriedade do veículo automóvel deu-se com a celebração do contrato de compra e venda.
3- A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, sendo no momento da celebração do contrato de compra e venda do bem móvel, e não com o registo, que se verifica a aquisição do direito de propriedade, nos termos dos artigos 1317o, 408° e 409° do Código Civil.
4- No que respeita ao local da ocorrência do acidente, a recorrente refere que exerceu o contraditório tendo em conta que o acidente ocorreu no Km 16 e não no Km 15,9. Porém, na sua douta contestação, nos artigos 9º a 11º, a recorrente escreveu « o Referido acidente terá ocorrido ao Km 16 da A23, no Entroncamento, mais propriamente ao Km 15+900, local este (...).
5- Assim, todos os intervenientes processuais situaram o cenário entre o Km 15,900 e o Km 16. Pelo que, a recorrente desde a contestação até ao julgamento, exerceu o contraditório sobre aquele facto.
6- A recorrente alega que o local do acidente é uma recta com inclinação. Ficou manifestamente provado, após a inspecção ao local, que o embate verificou-se numa recta plana e sem inclinação.
7- A acumulação da água na faixa de rodagem é normal. Não é expectável para o condutor médio que, ao conduzir numa auto-estrada, se depare com a formação de aglomerados de água.
8- Impende sobre a recorrente uma presunção de culpa que a mesma não conseguiu afastar. Pois não logrou provar que actuou diligentemente, no que respeita à conservação e manutenção do bom estado da via.
9- Não se ter provado que os órgãos de drenagem das águas pluviais estivessem a funcionar de forma deficiente, não equivale a considerar-se que aqueles órgãos estavam a funcionar correctamente.
10- No auto de notícia, consta que « havia água acumulada na faixa de rodagem». E, da prova testemunhal, resulta que a água acumulada atravessava toda a estrada. O que não permitia ao condutor desviar-se.
11- Defende a recorrente que o Meritíssimo Juiz do Tribunal « a quo» extrapolou as questões suscitadas pelas partes ao apor na douta sentença que « a água escorria do separador central».
12- Decorre do art.° 514 n.°2 do Código de Processo Civil que « não carecem as alegações os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções». O facto da água correr do separador central, veio ao conhecimento do tribunal no exercício das suas funções, em especial da inspecção realizada no local.
13- « Os factos atestados por agente de autoridade ( Brigada de trânsito da G.N.R.), no exercício das suas funções e com base na sua percepção, relevam para a formação da convicção do julgador, ainda que não constem do “auto de participação” de acidente de viação elaborado após a ocorrência do evento»- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/11/2007.
14- Sobre o nexo causal entre o aglomerado da água e o acidente, cumpre referir que logo que os rodados dianteiros do veículo entraram na água, o carro entrou em despiste. Pelo que, não havendo quaisquer outros elementos, é forçoso concluir que foi a água acumulada no pavimento que deu casa ao acidente. Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25/01/2006.
15- Para reforçar a tese do recorrido, que a recorrente violou os seus deveres de vigilância, provou-se que não havia qualquer sinalização a alertar os utentes da A23, para a acumulação de água ao longo da via.
16- No mesmo dia do acidente constante dos presentes autos, houve mais acidentes na A23 e, em todos os autos de ocorrência, consta que havia acumulação de água na faixa de rodagem.
17- É indubitável que a recorrente actuou descurando os seus deveres.
18- A recorrente não logrou afastar a presunção da sua culpa.
19- A douta sentença posta em crise não violou nenhum preceito legal, devendo ser mantida na íntegra.”

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Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir:
- da nulidade da sentença recorrida;
- do erro de julgamento de facto da sentença recorrida;
- do erro de julgamento de direito da sentença recorrida, ao decidir pelo preenchimento dos pressupostos da responsabilidade da ré;

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“1. No dia 20 de Março de 2006, cerca das 14H10, ocorreu um embate, na A23, ao KM 15,9, no sentido Entroncamento –Abrantes, com um veículo de marca Ford, modelo Focus, com a matricula ….. , conduzido por M….., que seguia na sua mão de trânsito (resposta aos artigos 1 a 5º, 7º, 9º e 11º da PI – depoimento das testemunhas M….., que era a condutora do automóvel e que prestou depoimento credível, e A….., que assistiu ao acidente, uma vez que seguia na retaguarda do carro acidentado. Esta testemunha prestou depoimento credível, tendo respondido às várias questões de forma convincente para o Tribunal. Relevou ainda para a resposta a estes artigos a participação de acidente elaborada pela GNR);
2. O veículo era propriedade e estava na posse do Autor embora ainda não estivesse inscrito em seu nome (resposta ao artigo 6º da pi - doc. junto aos autos através de requerimento datado de 14 de Julho de 2008);
3. Tinha chovido muito, e o piso estava cheio de água, atravessando o mesmo vindo do separador central. A condutora circulava a 60/70Km hora (resposta aos artigos 12º, 13º 14º 23º da pi e 26º e 27º da contestação. A resposta a estes artigos baseou-se no depoimento da testemunha M….. e A….. que referiram estar a estrada cheia de água que se podia ver ao longe, havendo mesmo, segundo referiram um lençol de água. O Agente da GNR que foi ao local referiu expressamente, e por várias vezes, que não havia lençol de água mas que havia água acumulada e que a mesma atravessava a estrada vindo do separador central -Ver ainda Participação de acidente e esclarecimentos prestados no auto de inspecção ao local );
4. Quando os rodados dianteiros do automóvel entraram na água a condutora perdeu o controle do mesmo, tendo entrado na berma da direita e capotado (resposta aos artigos 15º a 18º da pi- depoimentos das testemunhas M….. e A…..);
5. Existem raids de protecção na zona do lado direito da estrada até ao KM 16 (auto de inspecção ao local e depoimento das testemunhas M….. e A….. e J…..);
6. O veículo ficou destruído, tendo sido adquirido por cerca de 15 mil Euros (resposta aos artigos 20º, 21º e 27º da pi- depoimento das testemunhas M….. e A….. e J….. e fotografias juntas aos autos (fls. 208) que foram identificadas pelas testemunhas como sendo o veículo acidentado);
7. Não havia no local qualquer sinalização de Aviso de formação de lençóis de água (resposta as artigos 22º);
8. No mesmo dia na A23 houve mais dois acidentes, ao Km 33,400 às 12H30 e ao KM 27,200 às 15H15, devido a despiste ( fls .80 e sgs);
9. A partir do acidente o dono do veículo teve de utilizar transportes públicos ou utilizar o apoio de amigos para se transportar (reposta aos artigos 28 a 30 da pi – depoimento da testemunha M…..);
10. O local onde se deu o embate, ao KM 15, 9, é uma recta plana começando a subir ligeiramente ao KM 16 (auto de inspecção ao local) não dispondo de deformação, (artigo 25º da pi e 11º 12º a 15º da contestação);
11. A estrada no local do embate é objecto de fiscalização permanente por parte das Estradas de Portugal, que dispõe de uma brigada permanente para o efeito ( depoimento das testemunhas J….. e J….. que procedem e têm a seu cargo a manutenção da referida estrada);
12. Na data do acidente estava a decorrer uma empreitada de limpeza na zona onde se deu o embate (depoimento das testemunhas J….. e J…..).
2.2 Matéria de facto dada como não provada.
Não se provou que os órgãos de drenagem das águas pluviais estivessem a funcionar de forma deficiente.”
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber se:
- se verifica a nulidade da sentença recorrida;
- se ocorre erro de julgamento de facto da sentença recorrida;
- se ocorre erro de julgamento de direito da sentença recorrida, ao decidir pelo preenchimento dos pressupostos da responsabilidade da ré;


a) da nulidade da sentença

Sustenta a recorrente:
- que na sentença se omite pronúncia sobre os factos vertidos nos artigos 14.º e 15.º da contestação;
- há que retirar do ponto 3 do probatório que a água da chuva vinha do lado do separador da estrada e não do seu interior, caso contrário ocorre excesso de pronúncia, por estar em causa matéria não alegada pelas partes;
- consta da fundamentação da sentença que a água existente no pavimento escorria do separador central, o que não foi alegado pelas partes, pelo que a sentença é nula, por excesso de pronúncia;
- inexiste nexo de casualidade entre a água no pavimento (Km 16) e o local do acidente (Km 15,9), pelo que a sentença é nula, por contradição entre os seus fundamentos;
- ao contrário do sustentado na sentença, não se passou de uma situação normal para um local que se encontrava cheio de água, nem se provou que a grande acumulação de água naquele local apenas se deveu ao mau funcionamento do sistema de drenagem da estrada, pelo que a sentença é nula, por contradição entre os seus fundamentos.

Segundo o artigo 668.º, n.º 1, al. d), do CPC (atual 615.º, na redação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Prevendo o CPTA no respetivo artigo 95.º, n.º 1, que “[a] sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.”
Daqui decorre que a omissão ou excesso de pronúncia da decisão judicial reportam-se às questões a resolver no litígio, não se confundindo com os argumentos apresentados pelas partes nos seus articulados.
A recorrente pretende ver omissão de pronúncia quanto a dois factos constantes da contestação, e excesso de pronúncia, na consideração de matéria não alegada pelas partes.
Como se assinala no acórdão do STJ de 23/03/2017 (proc. n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt), a decisão de facto integra-se na fundamentação da sentença e “os juízos probatórios parcelares que a consubstanciam podem, quando muito, padecer dos vícios de deficiência, obscuridade ou de contradição nos termos especificamente previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC. Por sua vez, a falta ou insuficiência da fundamentação da decisão sobre algum facto essencial constitui irregularidade suprível, mesmo oficiosamente, nos termos do citado artigo 662.º, nº 2, alínea d), e 3, alínea b). Nessa medida, em sede de decisão de facto, não se afigura, em princípio, aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC.
Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.”
Estamos, pois, no âmbito de eventuais erros de julgamento, não se verificando a invocada nulidade do acórdão recorrido, por omissão/excesso de pronúncia.

Uma palavra ainda quanto à nulidade então prevista no artigo 668.º, n.º 1, al. c), do CPC (atual 615.º, na redação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), oposição dos fundamentos com a decisão.
Como é comummente percebido, esta nulidade pressupõe um erro de raciocínio lógico, em que a decisão se mostra contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la, pressupondo que se atingiu conclusão de todo incompatível com as premissas em que o julgador assentou (cf., v.g., acórdão do STJ de 26/10/2010, proc. n.º 1874/05.4TCSNT.L1-7, disponível em http://www.dgsi.pt).
A argumentação da recorrente é meramente sustentada numa distinta perceção da factualidade, inexistindo aqui, à evidência, qualquer erro de raciocínio lógico, em que a conclusão a que se chegou seja de todo incompatível com as premissas em que assenta.
Poderá, eventualmente, estar em equação um erro de julgamento, que se apreciará adiante.
Certo é, que visto de qualquer prisma, entre os fundamentos (de facto e de direito) e a decisão sob recurso não se vislumbra qualquer contradição.
Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença.


b) do erro de julgamento de facto

Como nota prévia, nota-se que a primeira questão suscitada pela recorrente reporta-se a serem concomitantes a decisão sobre a matéria de facto e a sentença, pelo que o recorrente não teve possibilidade de reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da sua motivação, ocorrendo violação dos artigos 653.º, n.º 4, e n.º 5, e 694.º do CPC.
Trata-se, como é bom de ver, da invocação de nulidade processual por preterição de ato que a lei em vigor impunha, cf. artigo 201.º, n.º 1, do CPC (na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), nulidade esta que deveria ter sido arguida perante a primeira instância.
Como não o foi, mostra-se precludida a possibilidade de invocar, em sede de recurso, a falta da prática desse ato.
O que não impede que, nesta sede recursiva, sejam conhecidas tais deficiências, as quais são de conhecimento oficioso, cfr. artigo 712.º, n.º 4, do CPC (na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), no âmbito do recurso da decisão da matéria de facto que consta da sentença.

Sustenta a recorrente, em síntese, o seguinte:
- na sentença omite-se pronúncia sobre os factos vertidos nos artigos 14.º e 15.º da contestação;
- há que retirar do ponto 3 do probatório que a água da chuva vinha do lado do separador da estrada e não do interior deste, caso contrário ocorre excesso de pronúncia, por estar em causa matéria não alegada pelas partes;
- o ponto 2 do probatório assenta em documento impugnado pela ré, sendo contraditório com a prova produzida;
- inexiste nexo de casualidade entre a água no pavimento (Km 16) e o local do acidente (Km 15,9), pelo que a sentença é nula, por contradição entre os seus fundamentos;
- consta da fundamentação da sentença que a água existente no pavimento escorria do separador central, o que não foi alegado pelas partes, pelo que a sentença é nula, por excesso de pronúncia;
- ao contrário do sustentado na sentença, não se passou de uma situação normal para um local que se encontrava cheio de água, nem se provou que a grande acumulação de água naquele local apenas se deveu ao mau funcionamento do sistema de drenagem da estrada, pelo que a sentença é nula, por contradição entre os seus fundamentos.

O artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’, prevê o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Daqui decorre que, ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto.
Não se pode limitar a questionar a fundamentação da decisão de facto apresentada pelo julgador, mas sim a decisão sobre determinado facto.
Haverá que ter também presente que, de acordo com o artigo 607.º, n.º 5, do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; e esta livre apreciação apenas não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Por outro lado, é em função da definição do objeto do processo e das questões a resolver nos autos que deve ser apreciada a relevância da matéria fáctica alegada pelas partes. Assim, nem toda a matéria fáctica que se possa considerar provada deve ser levada, sem mais, ao probatório.

Quanto à factualidade constante dos artigos 14.º e 15.º da contestação (‘estando os órgãos de drenagem completamente limpos e desobstruídos, sem nada que impedisse o livre escoamento das águas’ e ‘escoamento das águas que é facilitado e permitido pela configuração, concepção e natureza da estrada, uma reta, com inclinação, pavimento e órgãos de drenagem’), não se vislumbra qualquer omissão por parte do Tribunal a quo.
Com efeito, constam do ponto 10 do probatório as características do local onde se deu o embate, aí se referenciando os pontos 11.º e 12.º a 15.º da contestação.
E consta da matéria de facto dada como não provada, que não se provou que os órgãos de drenagem das águas pluviais estivessem a funcionar de forma deficiente. O que vale igualmente por dizer que igualmente não se provou o seu contrário, relativamente ao funcionamento dos órgãos, conforme pretende a recorrente.

Quanto ao ponto 2 do probatório, diz a recorrente que assenta em documento que impugnou e é contraditório com a prova produzida.
É verdade que igualmente se encontra junta aos autos certidão da Conservatória do Registo Automóvel, que atesta a data dos registos de propriedade.
Contudo, decorre da matéria de facto dada como assente que o autor, já à data do acidente, era possuidor do veículo.
E de acordo com o disposto no artigo 1268.º, n.º 1, do CCiv, “[o] possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.”
Conforme assinalam Rui Pinto e Cláudia Trindade, “a presunção da titularidade do direito significa que quem tem a posse tem o direito correspondente”, e “o direito que se presume é o direito de propriedade e não outro direito real na medida em que aferir se a exteriorização do exercício de um direito (a posse) corresponde a um outro direito que não o direito de propriedade implica previamente determinar se a posse é ou não titulada” (Código Civil Anotado, volume II, 2017, p. 54).
Assente a posse dos autores sobre o veículo automóvel, presume-se a titularidade do seu direito de propriedade dos mesmos sobre o bem, atento o disposto no citado artigo 1268.º, n.º 1, pelo que tem de improceder a impugnação da decisão quanto ao facto vertido no ponto 2 do probatório.

Quanto ao entendimento a retirar do ponto 3 do probatório, trata-se de uma extrapolação que a recorrente retira do facto assente, não se vislumbrando que na sentença se tenha valorado algo mais do que o que daí consta.

Quanto à invocada inexistência de nexo de causalidade, está já em causa o julgamento de direito.

Improcede, pois, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.


c) do erro de julgamento de direito

Na sentença sob recurso foi apresentado o seguinte discurso fundamentador:
[N]o domínio da responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública é aplicável o regime de presunção de culpa do artigo 493º do CC, o que significa que ao lesado, ou seja, ao autor, no nosso caso concreto, incumbe o ónus da alegação e da prova dos factos que servem de base à presunção, não tendo que provar a culpa do lesante, antes incumbindo a este o ónus de ilisão da presunção ( Ac. do STA, de 06/03/2001, proc. 045160, Ac. do STA de 01-06-2000, proc. 046068 e Ac. do STA, de 11-04-2002, proc. 048442).
Encontra-se provado nos autos que no dia 20 de Março de 2006, se deu um despiste, cerca da 14H30, na A23, ao KM 15,9 no sentido Entroncamento – Abrantes. Tinha chovido muito e o piso estava cheio de água que escorria do separador central. Quando a condutora do veículo sinistrado entrou na água perdeu o controle do mesmo, entrou no lado direito e capotou.
Analisando os factos verificamos que o local onde se deu o despiste encontrava-se cheio de água situação que não se passava anteriormente. Ou seja, o veículo vinha na estrada que se encontrava em situação normal, mas de repente entrou num local que se encontrava cheio de água e despistou-se. Verifica-se assim que no local do embate escorria muita água situação que não se pode considerar normal dado que imediatamente antes não acontecia tal facto. Como se depreende o depoimento do militar da GNR, corroborado pelo depoimento da testemunha que seguia atrás do veículo sinistrado, havia grande quantidade de água a passar na estrada, o que se pode concluir que tal facto se deve a uma má drenagem da mesma.
Apesar de não se ter provado que os órgãos de drenagem estivessem a funcionar deficientemente, não se pode concluir que os mesmos estivessem nas condições ideais.
Ou seja, a grande acumulação de água naquele local apenas se deveu ao mau funcionamento do sistema de drenagem da estrada pelo que o Réu não procedeu de acordo com as regras a que estava obrigado nomeadamente no que respeita ao bom funcionamento dos sistemas em causa, violando assim o dever de cuidado e de segurança rodoviária que lhe está imposto por lei.
Na verdade a segurança rodoviária exige que as estradas sejam construídas e disponham de formas de drenagem que apesar da precipitação mais ou menos intensa que possa existir, não haja possibilidade de se formarem grandes quantidades de água no pavimento, potenciais causadores de acidentes. Se o sistema de drenagem de águas estivesse a funcionar perfeitamente, certamente que não haveria no local qualquer aglomerado de água.
No que se refere à velocidade que ao condutora do veículo circularia, verifica-se que a mesma circularia a cerca de 60/70 KM, o que numa auto-estrada não pode ser considerado como excessivo uma vez que a condutora vinha de uma situação normal, só tendo posteriormente entrado em local cheio de água.
Pelo exposto temos assim de concluir que houve uma actuação ilícita e culposa do Réu pela omissão de conservação dos sistemas de drenagem da via pública a que estava obrigada.
Tendo nós concluído pela ilicitude da actuação (omissiva) e culposa por parte do Réu, importa agora analisar se estão ou não preenchidos os outros pressupostos referidos anteriormente, ou seja, o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos produzidos. (…)
Ora, encontra-se provado que o condutor do veículo ao passar no aglomerado de água entrou em despiste para o seu lado direito (n. 4 dos factos provados) tendo capotado o que provocou diversos danos.
Ou seja, o acidente foi motivado pela entrada na aglomeração de água existente na faixa de rodagem, pelo que se encontra provado o nexo de causalidade.
Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações considero estarem verificados os pressupostos de culpa, ilicitude e nexo de causalidade e danos, pressupostos estes de que depende a obrigação de indemnizar, pelo que se conclui pela procedência da acção.
Ao que contrapõe a recorrente:
- não se provou a base da presunção de culpa que impendia sobre a ré, pois ficou por demonstrar que os órgãos de drenagem das águas pluviais estivessem a funcionar de forma deficiente;
- não está assente que a água existente no pavimento escorria do separador central;
- nem que se passou de uma situação normal para um local que se encontrava cheio de água, nem se provou que a grande acumulação de água naquele local apenas se deveu ao mau funcionamento do sistema de drenagem da estrada;
- inexiste nexo de casualidade entre a água no pavimento (Km 16) e o local do acidente (Km 15,9), ou entre o acidente e a água no pavimento, pois como a água se via ao longe, cabia à condutora moderar especialmente a velocidade, o que não fez e causou o acidente;
- o autor não fez prova de quaisquer danos, nem é proprietário do veículo, pelo que não pode ser indemnizado.

A responsabilidade das entidades públicas encontra-se prevista no artigo 22.º da CRP, onde se estatui que “[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”
Ao caso é aplicável o Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967, que regulava a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública, posteriormente revogado pela Lei n.º 67/ 2007, de 31 de dezembro.
A responsabilidade do Estado por facto ilícito assenta nos mesmos parâmetros do conceito civilístico da responsabilidade civil previsto nos artigos 483.º e ss. do Código Civil (CCiv), exigindo-se a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos legais:
- o facto;
- a ilicitude;
- a culpa;
- o dano;
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Verificados estes pressupostos, constitui-se na esfera do Estado a obrigação de indemnizar.
Veja-se que então previa o artigo 2.º, n.º 1, daquele Decreto-Lei n.º 48.051, que “[o] Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”

Na sentença sob recurso, entendeu-se estarem verificados os referidos cinco pressupostos.
Vejamos se assim é.
De acordo com o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21/11/1967, são de considerar ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
Por outro lado, de acordo com o respetivo artigo 4.º, n.º 1, a culpa é apreciada nos termos do artigo 487.º, n.º 2, do CCiv, ou seja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Vale isto por dizer que se parte de uma conceção de culpa em abstrato, à semelhança do que sucede na lei civil, sem perder de vista as circunstâncias particulares do caso concreto, pela diligência que é exigível em abstrato a um titular de órgão, funcionário ou agente, e não segundo a diligência habitual do autor do dano (cf. Carlos Fernandes Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2008, págs. 162/163).
A regra geral em sede de responsabilidade civil é de que incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, conforme estatui o artigo 487.º, n.º 1, do CCiv.
É o que designadamente sucede nas situações previstas no artigo 493.º, n.º 1, do CCiv, onde se prevê que “[q]uem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”
Trata-se de presunção aplicável à responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas por facto ilícito de gestão pública, conforme constitui jurisprudência consensual do STA (vejam-se, v.g., os acórdãos do Pleno de 25/10/2000, proc. n.º nº 37.510, de 20/03/2002, proc. n.º 45.831, de 03/10/2002, proc. n.º 45.621, disponíveis em http://www.dgsi.pt).
Como se explica em acórdão do STA de 15/03/2005 (proc. n.º 036/04, disponível em http://www.dgsi.pt), esta presunção assenta num dado da experiência, segundo o qual boa parte dos danos provocados por coisas procedem de falta de adequada vigilância, na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra a extrema dificuldade de provar, neste tipo de casos, os factos negativos que consubstanciam a violação do dever objetivo de cuidado e na conveniência de estimular o cumprimento dos deveres de vigilância que recaem sobre o detentor da coisa.
A presunção de culpa ali estabelecida funciona, simultaneamente, como presunção de ilicitude, posto que, perante a ocorrência de danos, se presume ter existido incumprimento do dever de vigiar (cf., v.g., o acórdão do STJ de 02/03/2011, proc. n.º 1639/03.8 TBBNV.L1, disponível em http://www.dgsi.pt)
Daí que, nos referidos casos, apenas cabe ao autor demonstrar a realidade dos factos causais que lhe servem de base, o dano e o respetivo nexo de causalidade entre o facto e o dano, para que opere a presunção.
A presunção pode ser ilidida pelo réu, nos termos previstos nos artigos 342.º, 344.º, 349.º e 350.º do CCiv, mediante a prova de factos que demonstrem a ausência de culpa da sua parte ou que os danos sempre se teriam produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte, caso de força maior.
No caso dos autos, temos como assente:
- ter chovido muito e estar o piso cheio de água, atravessando o mesmo vindo do separador central;
- o veículo circulava a 60-70 km/hora e quando os respetivos rodados dianteiros entraram na água a condutora perdeu o controle do veículo, entrou na berma da direita e capotou;
- o veículo ficou destruído e tinha sido adquirido por cerca de 15 mil Euros;
- não existia no local sinalização de aviso de formação de lençóis de água;
- o local onde se deu o embate, ao km 15,9 da A23, é uma reta plana começando a subir ligeiramente ao km 16, não dispondo de deformação;
- a estrada no local do embate é objeto de fiscalização permanente por parte da ré, que dispõe de uma brigada permanente para o efeito;
- na data do acidente estava a decorrer uma empreitada de limpeza na zona onde se deu o embate.

Como decorre do exposto, a questão essencial era a de saber se a ré logrou excluir a sua culpa ao nível do cumprimento do dever de diligência e de prevenção do dano potencial para terceiros.
Ora, se o Tribunal deu como provado que a ré procede à fiscalização do local em que ocorreu o embate, e que essa fiscalização é permanente, ou seja, contínua, ininterrupta, ter-se-ia de concluir que demonstrou que nenhuma culpa lhe podia ser assacada ao nível da vigilância da estrada em questão, ou seja, que a sua conduta se caracteriza pela diligência que em abstrato lhe era exigível.
É que “as circunstâncias relevantes para se considerar ilidida a presunção de culpa não podem ser de tal ordem que, na prática, transformem a responsabilidade subjetiva que impende sobre o proprietário em responsabilidade objetiva ou pelo risco”, sendo certo que podem ocorrer “danos na esfera de terceiros sem que estes possam reclamar a indemnização dos sujeitos que têm o domínio do bem a que causal e naturalisticamente são imputados os danos. Mas tal constitui o resultado de uma opção legislativa que evitou alargar o âmbito da responsabilidade objetiva a situações, como a dos autos, conexas com riscos genéricos” (acórdão do STJ de 10/03/2016, proc. 7838/10.9TBCSC.S1, disponível em http://dgsi.pt).
Conclui-se, pois, que a ré logrou afastar a presunção de ilicitude e culpa estatuída no artigo 493.º, n.º 1, do CCiv, impondo-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e julgar improcedente a ação, com absolvição da ré do pedido.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e julgar improcedente a ação, com absolvição da ré do pedido.
Custas pelo recorrido.

Lisboa, 16 de janeiro de 2020

(Pedro Nuno Figueiredo)


(Ana Lameira)


(Cristina dos Santos)