Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07776/14
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2016
Relator:BARBARA TAVARES TELES
Descritores: TRIBUTAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO; CESSAÇÃO DE FUNÇÕES; CONDIÇÃO RESOLUTIVA
Sumário:1) A norma do art° 2°, nº 4 do CIRS, na redacção vigente em 2007, estabelecia uma delimitação negativa de incidência relativamente a indemnizações por extinção do contrato de trabalho ou por cessação do exercício de funções de membros dos órgãos sociais, com um limite máximo, condicionada a jusante por factos que determinavam a sua não aplicação, nomeadamente o facto de nos 24 meses seguintes ter sido criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade ou outra entidade que com ela estivesse em relação de domínio ou de grupo, independentemente da respectiva localização geográfica.
2) - Resultando do probatório que o recorrente iniciou funções de administrador, tendo cessado as mesmas em 21.09.2007, recebendo por tal facto uma indemnização e tendo, ainda nesse mesmo dia 21.09.2007, sido nomeado novamente administrador de sociedade do mesmo grupo e detida pela primeira tanto basta para concluir que se mostram preenchidos todos os pressupostos legais necessários para a aplicação das normas anti abuso constantes dos ns° 4 e 10 do artº 2 do CIRS.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
José …, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por si instaurada e visando a liquidação IRS, relativo ao ano 2007, no valor total de €90.511,53, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional.
O Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES

1a) A liquidação impugnada é ilegal por errada interpretação do art. 2°, n° 4 do C.IRS;

2a) A referida norma estabelece que, até um certo montante, as indemnizações recebidas por cessação de contrato de trabalho ou de funções de administrador, não são tributadas em IRS;

3a) O recorrente era funcionário da e, tendo cessado essas funções, foi indemnizado por esta entidade;

4a) No preenchimento da sua declaração de IRS, e na rigorosa aplicação do referido regime do n° 4 do art. 2° do CIRS, declarou, para efeitos de tributação, apenas a parte da indemnização que ultrapassava o limite estabelecido no art. 2°, n° 4 do C.IRS;

5a) Parece ser entendimento da Administração Tributária, que toda a indemnização recebida pelo recorrente está sujeita a IRS, na medida em que, após ter cessado as suas funções na , antes de decorridos 24 meses, assumiu funções na então , à época, entidade dominada pela referida ;

6a) Porém, o art. 2°, n° 4 do CIRS, estabelece como requisito para a não tributação das indemnizações, que no período de 24 meses não seja criado novo vínculo com a mesma entidade, isto é, com aquela em relação à qual tinha cessado o vínculo e tinha pago a inerente indemnização;

7a) O recorrente não criou um novo vínculo com a , pelo que não lhe é aplicável essa restrição à não tributação das indemnizações;

8a) O referido art. 2° do C.IRS, até ao ano de 2000, estabelecia como requisito para essa não tributação das indemnizações, a não criação de um novo vínculo, fosse com a mesma entidade, fosse com outra que com aquela estivesse em relação de domínio ou de grupo;

9a) A alteração à norma, em 2000, só reforça o entendimento de que a perda do regime da não tributação das indemnizações só tem lugar nos casos de constituição de novo vínculo com a mesma entidade;

10a) Parece também existir o entendimento subjacente à correcção efectuada e, portanto, à concomitante liquidação impugnada, de que o referido n° 4 do art. 2° tem que ser conjugado com o n° 10 do mesmo art. 2°, do C.IRS, interpretação essa sufragada pela sentença recorrida;

11a) Porém, o indicado n° 10 do art. 2° do C.IRS, estabelece que uma entidade em relação de domínio ou de grupo com a entidade patronal e que pague remunerações ao trabalhador desta, também é considerada, para efeitos de IRS, como entidade patronal;

12a) Trata-se, assim, claramente, de norma, que pretende tributar como rendimentos de trabalho, os quantitativos recebidos por um trabalhador de uma empresa, pagos, não por esta, mas por outra que com a primeira esteja em relação de domínio ou de grupo;

13a) A situação do recorrente nada tem a ver com essa previsão normativa, já que ele não recebeu qualquer quantitativo pago por entidade que não fosse a sua verdadeira entidade patronal;

14a) Por outro lado, na interpretação e aplicação do normativo em causa, não pode deixar de se ter em conta, como é referido pela Jurisprudência, que a limitação ao estabelecimento de novos vínculos, visa impedir conluius de modo a que o trabalhador receba falsas indemnizações, como modo de exclusão da tributação em IRS;

15a) Ora, a cessação do vínculo do recorrente com a , inseria-se no processo público e notório da separação da do Grupo , passando ela a ser uma entidade independente, como de facto aconteceu;

16a) Aliás, no acordo celebrado entre o recorrente e a , foi estabelecido que "cessavam todas as relações" do recorrente, não só com a , mas também "com todas as empresas directa ou indirectamente participadas" pela ;

17a) Na altura da celebração desse acordo, já se tinha iniciado o procedimento para a separação da do ''universo ", pelo que, como aconteceu, a deixou de ser participada pela ;

18a) Aliás, o recorrente foi administrador da durante um período inferior a 2 meses durante os quais aquela entidade ainda era detida pela ;

19a) A indemnização recebida pelo recorrente, até ao limite do quantitativo estatuído no art. 2°, n° 4 do C.IRS, não é, assim, legalmente tributada- aliás, tal tributação, em razão de uma relação de domínio que durou menos de dois meses, consubstancia uma violação do princípio da justiça.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida como é de Justiça.”


*
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
*
Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo que o recurso não merece provimento devendo, em consequência, a sentença recorrida ser mantida.
*
Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
*
Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
A questão suscitada pelo Recorrente consiste em apreciar se a sentença recorrida errou, quando perante os factos constantes dos autos, decidiu pela não exclusão de tributação no termos do art. 2º nº 4 e 10 do Código do IRS e em consequência pela improcedência da impugnação.

*
II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
“Compulsados os autos e analisada a prova documental encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito:
A. O Impugnante foi admitido ao serviço da sociedade , S.A., em 01/06/2000 [cf. fls. 45 do PAT em apenso].
B. A , S.A. integrava o “Grupo ”, sendo que a ..., SGPS, SA detinha, de forma indirecta uma participação de 100% do seu capital [acordo, e fls. 45 do PAT em apenso].
C. Em assembleia geral realizada em 27.04.2007, os accionistas da ..., SGPS, SA, deliberaram a realização de uma operação de spin off, através da qual esta sociedade deixaria de deter qualquer participação na ..., S.A., por via da atribuição gratuita aos seus accionistas da totalidade das acções ordinárias representativas do capital social desta e detidas por aquela [cf. fls. 28 e 29 dos autos].
D. Em 21.09.2007, o Impugnante e Representante da ..., SGPS, SA, assinaram o escrito denominado “Acordo” onde constava o seguinte [cf. fls. 31 e 32 dos autos]:
“Considerando que:

O Segundo Outorgante tem um contrato de Administração com a Primeira Outorgante.
É vontade mútua e recíproca da Partes, tendo em vista a cessação de todas as relações de colaboração do Segundo Outorgante com a ... SGPS mas também com todas as empresas directa ou indirectamente participadas pela ..., proceder de uma só vez, mediante um único pagamento, à regularização de todos os direitos que o Segundo Outorgante possa ter para com a ... SGPS ou quaisquer empresas do Grupo ....
É celebrado, livremente e de boa fé, o presente Acordo, nos termos das cláusulas seguintes:

Cláusula 1ª

Pelo presente, na sequência da rescisão do contrato de Administração do Segundo Outorgante com a ..., com efeitos a 21 de Setembro de 2007 a 1ª Outorgante atribuir-lhe-á a título de indemnização uma importância bruta de 204.077 euros, na qual se acham globalmente incluídos e liquidados todos os créditos do Segundo Outorgante para com a ... Comunicações ou qualquer empresa directa ou indirectamente participada pelo Grupo ….

Cláusula 2ª

O Segundo Outorgante confere à ... e quaisquer outras participadas do Grupo ..., inteira quitação de quaisquer obrigações ou responsabilidade para com ele, referentes a relações contratuais que o Segundo Outorgante tenha tido com aquelas sociedades, declarando nada mais ter delas a reclamar, seja a que título for e, consequentemente, consideram-se extintos todos e quaisquer vínculos, independentemente da sua natureza, que tenham existido entre o Segundo Outorgante e a ... ou qualquer participada do Grupo …. (…)”

E. A 21.09.2007, o impugnante cessou funções na ..., S.A., e na mesma data foi nomeado administrador da ..., SA [cf. fls. 45 do PAT em apenso].
F. A 07.11.2007, a ..., SGPS, SA, emitiu um comunicado público informando que havia concluído o processo de spin-off da ..., S.A., com a atribuição aos accionistas da ... da sua participação naquela sociedade [cf. fls. 29 e 30 dos autos].
G. O Impugnante declarou na sua declaração Modelo 3, do ano de 2007, um total de rendimentos por si auferidos no montante de €490.494,56, sendo €209.788,19 referentes à ..., S.A [cf. fls. 39 e 58 do PAT em apenso].
H. A ..., S.A declarou no seu Anexo J/Modelo 10 da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal do ano de 2007, o valor total de rendimentos pago ao Impugnante de €413.865,00 [cf. fls. 65 do PAT em apenso].
I. Através do ofício n.º 5169, de 30.07.2008, do Serviço de Finanças de …, remetido para a ..., S.A., foi aquela entidade notificada para prestar esclarecimento sobre os rendimentos pagos em 2007 ao impugnante, nomeadamente sobre se o montante de €204.077,00 correspondia a indemnização pela rescisão de contrato, não tributável [cf. fls. 43 do PAT em apenso].
J. Através de requerimento que deu entrada no Serviço de Finanças de …, a 22.08.2008, da ..., consta nomeadamente que [cf. fls. 45 do PAT em apenso]:
“Assunto: V/ oficio nº 5169 de 30.07.2008 Exmos. Senhores:

Acusamos a recepção do v/ oficio supra mencionado, relativo à declaração de rendimentos - modelo 10 - do ano de 2007, quanto às remunerações auferidas pelo contribuinte nº … José … junto desta empresa.

Confirmamos que o rendimento auferido no exercício de 2007 foi de Eur. 413.865,19 (quatrocentos treze mil oitocentos sessenta e cinco euros e dezanove cêntimos), o qual inclui o montante de Eur. 204.077,00 (duzentos e quatro mil setenta e sete euros) relativo a indemnização.

O ex-colaborador iniciou as suas funções nesta empresa em 01/06/2000, tendo cessado as mesmas em 21/09/2007, e, tendo em 21/09/2007 sido nomeado Administrador da ... …, SGPS, SA, contribuinte nº. ….

Ora à data da desvinculação, a ..., SA, contribuinte nº … era (é) detida indirectamente a 100% pela ...,SGPS,SA., contribuinte n.º …, a qual nessa data detinha uma percentagem superior a 50% da ...M. Tal relação accionista findou em 07/11/2007 com o 'spin off' efectuado pela ..., SGPS, SA, sobre as acções da ...M,SGPS,SA

Foi, pois, em consequência da interpretação do nº 4 do art.º 2° do CIRS, conjugado com o nº 10 do mesmo artigo, que a ...,SGPS, SA, não considerou na declaração modelo 10 enviada, qualquer valor abrangido pela isenção em IRS.

Desta forma aguardamos da parte desses serviços, a indicação sobre se a interpretação que fizemos da legislação está incorrecta, a qual é condição necessária para procedermos à substituição da declaração Modelo 10.

Na expectativa das vossas notícias e com total disponibilidade para qualquer esclarecimento adicional, apresentamos os nossos melhores cumprimentos”.

K. Através de ofício n.º 8465, do Serviço de Finanças de …, foi o Impugnante notificado para o exercício do direito de audição prévia no âmbito da intenção de ser efectuada a correcção aos valores inscritos na sua declaração Modelo 3 de 2007, decorrente da informação prestada pela ...-SGPS, SA e transcrita na alínea antecedente, passando o valor inscrito no Campo 401 do Quadro 04 do Anexo A da referida Modelo 3 de €490.494,96 para €694.571,96 [cf. fls. 33 dos autos].
L. Através de petição apresentada em 02.12.2008, o Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia [cf. fls. 53 a 56 do PAT em apenso]
M. Através do ofício n.º 2805, de 06.05.2009, do Serviço de Finanças de …, foi remetida resposta ao exercício de audição prévia identificado no ponto anterior, por remissão para a informação prestada pela Direcção de Serviços de IRS, notificando o impugnante para apresentar declaração de substituição à modelo 3 entregue para o exercício de 2007, caso contrário seria efectuada a correcção pelos serviços [cf. fls. 60 do PAT em apenso].
N. Por despacho de 06.10.2009 foi determinada a alteração dos rendimentos declarados pelo impugnante de €490.494,96 para €694.571,77 [cf. fls. 74 do PAT em apenso].
O. A 07.09.2009 foi emitida em nome do Impugnante a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios do ano de 2007 com o n.º …, e …, respectivamente, que originou a emissão de nota de compensação com saldo a pagar no montante de €90.511,53, com data limite de pagamento a 05.11.2009 [cf. fls. 22 dos autos e fls. 122 do PAT em apenso].
P. A presente impugnação judicial foi apresentada em 01.02.2010 [cf. fls. 3 dos autos].

Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.


*
Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas.
*

II.2. Do Direito

Importa agora saber se a sentença a quo incorreu em erro de julgamento ao ter julgado improcedente impugnação judicial deduzida da liquidação adicional de IRS de 2007, no entendimento de que, face ao que consta provado, a Administração Tributária fez uma correcta interpretação do estatuído no artigo 2º nºs 4 e 10 do CIRS, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, ao considerar tributável toda a indemnização recebida pelo ora Recorrente, por ter cessado funções como administrador da ..., SA.

Na decisão em análise considerou-se que, tendo o Impugnante, ora Recorrente, celebrado novo vínculo com entidade em relação de domínio ou de grupo com a ..., SA, a ..., SA, não se encontram reunidos os pressupostos para a exclusão de tributação, por força do disposto nos nºs 4 e 10 do artº 2º CIRS, na redacção vigente em 2007.

Contra o assim decidido invoca o Recorrente a seguinte argumentação, embora sem impugnar a matéria de facto:
- O Recorrente não criou um novo vínculo com a ..., SA, pelo que não lhe é aplicável essa restrição à não tributação das indemnizações;
- O referido art° 2° do CIRS, até ao ano de 2000, estabelecia como requisito para essa não tributação das indemnizações, a não criação de um novo vínculo, fosse com a mesma entidade, fosse com outra que com aquela estivesse em relação de domínio ou de grupo;
- A alteração à norma, em 2000, só reforça o entendimento de que a perda do regime da não tributação das indemnizações só tem lugar nos casos de constituição de novo vínculo com a mesma entidade;
- O indicado n° 10 do art° 2° do CIRS constitui norma, que pretende tributar como rendimentos de trabalho, os quantitativos recebidos por um trabalhador de uma empresa, pagos, não por esta, mas por outra que com a primeira esteja em relação de domínio ou de grupo;
- A situação do recorrente nada tem a ver com essa previsão normativa, já que ele não recebeu qualquer quantitativo pago por entidade que não fosse a sua verdadeira entidade patronal;
- A indemnização recebida pelo recorrente, até ao limite do quantitativo estatuído no art° 2°, n° 4 do CIRS, não é, assim, legalmente tributada — aliás, tal tributação, em razão de uma relação de domínio que durou menos de dois meses, consubstancia uma violação do princípio da justiça.

Posto isto, vejamos.
Dispunha o artigo 2°, n°s 1, 4 a 10 do CIRS, na redacção vigente em 2007, o seguinte:
“1 - Consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de:
a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;
b) Trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição de serviços ou outro de idêntica natureza, sob a autoridade e a direcção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito activo na relação jurídica dele resultante;
c) Exercício de função, serviço ou cargo públicos;
d) (...)
4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor, administrador ou gerente de pessoa colectiva, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação na parte que exceda o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade. (…)
10 - Para efeitos deste imposto, considera-se entidade patronal toda aquela que pague ou coloque à disposição remunerações que constituam rendimentos de trabalho dependente nos termos deste artigo, sendo a ela equiparada qualquer outra entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, independentemente da respectiva localização geográfica.”

Segundo a doutrina e a jurisprudência – veja-se o acórdão do STA 126/15 de 03/02/2016, onde se pode ler que: – “esta norma estabelece uma delimitação negativa de incidência relativamente a indemnizações por extinção do contrato de trabalho ou por cessação do exercício de funções de membros dos órgãos sociais, com um limite máximo, condicionada a jusante por factos que determinam a sua não aplicação, nomeadamente o facto de nos 24 meses seguintes ter sido criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade ou outra entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, independentemente da respectiva localização geográfica. O limite da não sujeição é o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, sendo o excedente tributado segundo as regras gerais.
(Cf., neste sentido, Manuel Faustino, Fiscalidade 13/14, pag. 5 e segs. e Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, 3ª ed. Almedina, pag. 54/55.)
Como sublinha Rui Duarte Morais, na obra citada, a intenção do legislador revela aqui uma dupla motivação: em primeiro lugar, atender ao facto de que o montante indemnizatório será necessário ao trabalhador para assegurar a sua subsistência durante o período de desemprego que, na maioria dos casos, se seguirá. Por outro lado, terá em conta que o recebimento de tal soma, em geral relativamente avultada, terá um efeito disparador sobre a taxa do imposto: o rendimento obtido nesse ano será excepcionalmente elevado, pelo que resultará tributado a taxas elevadas dada a progressividade do tributo. E porque esta não sujeição das indemnizações era susce...ível de fraude através da manipulação das formas jurídicas pelo contribuintes (rescisão de contratos por trabalhadores a troco de uma indemnização, não tributável, que depois passavam a ser prestadores de serviços da sua antiga entidade patronal, ou, por exemplo, despedimento, recebendo indemnização não tributável e posterior celebração de novo contrato com outra sociedade do mesmo grupo) o legislador introduziu cláusulas anti-abuso de que são exemplo as constantes do nº 4 e do nº 10 do artº 2.

Ora, no caso vertente resulta do probatório que o Recorrente iniciou funções de administrador na ... SA no dia 01/06/2000, tendo cessado as mesmas em 21/09/2007, recebendo por tal facto uma indemnização de 204.077,00€, tendo, ainda nesse mesmo dia 21.09.2007, sido nomeado administrador da ... SA.
Sendo que, nessa mesma data de 21.09.2007 a ..., SA era detida indirectamente a 100% pela ... SGPS, e esta relação accionista apenas findou em 07/11/2007 com o spin off efectuado pela ..., SGPS, SA sobre as acções da ...M, SGPS, SA, ou seja em data posterior à da celebração do novo contrato de trabalho com a ..., o que facilmente permite concluir que se estava, à data, perante uma relação de domínio ou de grupo entre ambas as sociedades (art. 486º do CSC), que, de resto, se manteve até 07.11.2007 – alineas E), e J) dos factos assentes.
Tanto basta para concluir, como bem se evidenciou na decisão recorrida, que tendo o Recorrente celebrado novo vínculo com entidade em relação de domínio ou de grupo se mostram preenchidos todos os pressupostos legais das normas anti abuso constantes dos nsº 4 e 10 do artº 2 do CIRS.
E que, por isso, ocorre uma situação que manifestamente não permite o funcionamento da norma de não sujeição de tributação, a tal não obstando o facto de posteriormente vir a cessar aquela relação de domínio entre as duas entidades empresariais.
Acresce que, o Recorrente alega, mas não demonstra em que termos é que, pelo facto da relação de domínio entre ambas as sociedades ter durado menos de dois meses, a tributação da totalidade da indemnização pela cessação de funções de administrador viola o princípio da justiça. Com efeito, vista a motivação da norma de delimitação negativa de incidência - salvaguardar alguma protecção ao trabalhador, garantindo a sua subsistência durante um previsível período indeterminado de desemprego - e confrontando o caso concreto dos autos - em que o Recorrente, no mesmo dia em que se desvincula da ... SA, é nomeado administrador da ... SA, detida indirectamente 100% pela primeira, recebendo uma indemnização - não se vislumbra como é que a tributação da totalidade dessa indemnização auferida pela cessação de funções viola os princípios da justiça e da equidade.
Estamos pois perante uma situação que não permite o funcionamento da norma de exclusão de tributação, por via da aplicação do disposto nos n.s 4 e 10 do artigo 2º do CIRS, por preenchimento integral dos pressupostos legais ai previstos, a saber, como supra se referiu: o Impugnante celebrou novo vínculo com entidade em relação de domínio ou de grupo com a ..., SGPS, SA no lapso de tempo ali previsto como condição resolutiva de exclusão de tributação.
Face a exposto andou bem a sentença recorrida e improcedem as alegações e conclusões de recurso.

*
II. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 13 de Julho de 2016.

__________________________
(Barbara Tavares Teles)

_________________________
(Joaquim Condesso)

_________________________
(Catarina Almeida e Sousa)