Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:179/13.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRS, NÃO RESIDENTE, MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS
Sumário:Às mais-valias imobiliárias obtidas por um não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no artigo 72.º do Código do IRS, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2 do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo, por desconformidade com o artigo 63.º do TFUE.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 179/13.1BELRS

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por M… e D…, contra a liquidação de IRS do ano de 2011.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:
I. Os contribuintes, M… e D…, com NIF 2… e 2… respectivamente, vêm impugnar o acto indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de IRS relativo ao ano de 2011, alegando fundamentalmente que o acto é ilegal por, sendo ambos não residentes em território nacional, terem sido tributados em sede de mais-valias, à taxa autónoma de 25%, nos termos do art.º 72º do CIRS, sendo o saldo englobado na sua totalidade, quando, o deveriam ter sido na mesma proporção para os residentes (50%), ao abrigo do art.º 43º, nº 2 do CIRS.
II. Por sentença datada de 29.04.2016, ora recorrida, veio a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, conceder provimento à impugnação apresentada em 50% e, consequentemente, anular parcialmente o acto de liquidação impugnado por entender que a tributação nestes termos é atentatória da liberdade de circulação do movimento de capitais.
III. No decorrer do ano de 2011, os impugnantes, alienaram 20% da quota que detinham do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 4…, fracção …, da freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, pelo montante de €76.000,00 (que havia sido adquirido por €38.370,00), tendo apresentado a declaração Mod. 3 de IRS em 17-05-2012, donde constava apenas o anexo G, referindo ainda que a sua residência era em França.
IV. A entrega da referida declaração produziu a liquidação nº 2… no valor de €8.936,90 a favor do Estado.
V. A liquidação foi efectuada com base na declaração entregue pelos SP e uma vez que se trata de mais-valias auferidas por “não residente” em território português, foram tributados à taxa autónoma de 25%, nos termos do art.º 72º, nº 1 do CIRS, sendo que o saldo da mais valia foi englobado pela sua totalidade (art.º 43º nº 2 do CIRS a contrario).
VI. No caso concreto, tanto em sede de reclamação graciosa como em sede de impugnação judicial, os impugnantes, apenas invocam a anulação da liquidação em virtude de não lhes ser aplicado o mesmo regime fiscal que se aplica aos residentes.
VII. Porém, dispõe o art.º 72º, nº 8 do CIRS que os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.os 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. E que, para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
VIII. Em momento algum, os SP formularam a pretensão de serem tributados segundo o regime fiscal igual aos residentes em território nacional, declarando a totalidade dos seus rendimentos (os auferidos em Portugal e no estrangeiro), apenas referem que deviam ser tributados ao abrigo do nº 2 do art.º 43º tal como o são os residentes.
IX. Ao ser como pretendem os contribuintes, e como julgou o tribunal a quo, os não residentes comunitários, em regra, acabariam por ser, a final, discriminados positivamente em relação aos residentes no que à tributação das mais-valias imobiliárias respeita, pois que acabam por beneficiar igualmente da limitação à tributação constante no artigo 43º, nº2 do CIRS, mas a taxa de imposto que lhes é aplicável é a de 25%, prevista no nº 1 do art.º 72º do CIRS (redacção à data dos factos), e não a que de acordo com a tabela do art.º 68º seria aplicável no caso de tais rendimentos serem auferidos por residentes em Portugal, isto, não obstante aquela não poder ser uma conclusão imediata atento estar dependente do valor de rendimentos tributáveis do sujeito passivo.
X. Aliás, o legislador, por via da Lei 67º-A/2007 de 31 de Dezembro, procurou obviar a esse tratamento de favor dos não residentes comunitários, ou do espaço económico europeu, que obtivessem em Portugal mais-valias imobiliárias, permitindo – lhes a opção pela tributação desses rendimentos em condições similares às aplicáveis aos residentes em Portugal (cfr. O aditamento ao art.º 72º do CIRS dos seus números 7 e 8, actuais 9 e 10).
XI. Neste sentido, s.m.o., não andou bem o tribunal a quo, quando anulou parcialmente a liquidação ora sindicada, pois tal correcção matemática não pode ser feita de forma tão “despida”, uma vez que para o contribuinte usufruir desta forma de tributação também tinha que declarar todos os seus rendimentos, cumprindo-se o disposto nos nºs 7 e 8 do art.º 72º do CIRS, o que optou por não fazer e/ou requerer.
XII. Posto o acima alegado, é ainda de referir que não se vislumbra nenhuma conduta ilegal imputável à AT, pelo que não pode vir a mesma condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que agiu na estrita aplicação da lei.
XIII. Pelo que, o douto Tribunal a quo, ao ter decidido da forma como decidiu, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, violando o consagrado no artigo 43º, nº2 e 72º do CIRS.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, assim se fazendo a costumada justiça


Os Recorridos, não apresentaram contra-alegações.
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito na medida em que entende a Recorrente que os Impugnantes para beneficiarem da tributação dos residentes em território nacional deveriam ter declarado a totalidade dos seus rendimentos, ou seja, os auferidos em Portugal e no estrangeiro, e por outro lado, a AT agiu no estrito cumprimento da lei, e nessa medida, não poderia ter sido condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, pelo que foram violados os artigos 43.º, n.º 2 e 72.º do CIRS.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


«DOS FACTOS PROVADOS
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
1) Pelo menos desde 2011 que os impugnantes têm residência fiscal em França (cfr. fls. 7, 21 e 23, do processo administrativo – reclamação graciosa).
2) Foi outorgada, a 04.02.2011, a escritura de compra e venda do prédio urbano sito na freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º 5…, na qual surgiu, como primeira outorgante, entre outros, a impugnante e na qual os primeiros outorgantes declararam vender aos segundos o mencionado prédio (cfr. facto que se extrai do documento constante de fls. 25, do processo administrativo – reclamação graciosa).
3) Os impugnantes, no anexo G da declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2011, declararam a alienação de quota-parte do prédio urbano sito na freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º 5…, referido em 2), constando da mencionada declaração designadamente o seguinte:
a) Data da realização: fevereiro de 2011;
b) Valor da realização: 76.000,00 Eur.;
c) Data da aquisição: outubro de 2009;
d) Valor da aquisição: 38.370,00 Eur.;
e) Despesas e encargos: 1.882,40 (cfr. fls. 7 e 8, do processo administrativo – reclamação graciosa).
4) Na sequência do mencionado em 3), foi emitida, pelos serviços da AT, em nome dos impugnantes, a liquidação de IRS n.º 2…, na qual foi considerado como rendimento coletável o de 35.747,60 Eur., calculando-se como imposto apurado relativo a tributações autónomas o de 8.936,90 Eur. (cfr. fls. 17, do processo administrativo – reclamação graciosa).
5) O valor mencionado em 4) foi pago a 16.08.2012 (cfr. fls. 21).
6) Através de documento que deu entrada a 03.09.2012 no serviço de finanças de Cascais 1, os impugnantes apresentaram reclamação graciosa da liquidação referida em 4), constando da mesma designadamente o seguinte:

“… [A]tento o princípio da aplicabilidade directa das normas comunitárias, bem como o primado do direito comunitário, a norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, ao excluir os não residentes, revela uma manifesta incompatibilidade com a norma contida no art.º 63.º [do TFUE] (…), pelo que em relação a estes deve ser apenas considerado 50% do seu valor.

Pelo que deverá a Administração Fiscal reduzir em metade o valor do imposto a pagar pelos ora reclamantes, fixando-o em € 4.468,30 (…), pois a matéria colectável, no caso dos autos, é apenas de €17.873,30…” (cfr. fls. 13 a 16, do processo administrativo – reclamação graciosa).
7) Na sequência do referido em 6), foi autuado o procedimento de reclamação graciosa n.º 3… (cfr. fls. 2, do processo administrativo – reclamação graciosa).
8) No âmbito do procedimento mencionado em 7), após informação e despacho para efeitos de exercício do direito de audição por parte dos impugnantes, foi elaborada informação, na divisão de justiça administrativa da direção de finanças de Lisboa, datada de 28.12.2012, da qual consta designadamente o seguinte:
“…

(…)
«Imagem no original»

«Imagem no original»


…” (cfr. fls. 18 e 19, dos autos, e fls. 27 a 35, do processo administrativo – reclamação graciosa).
1) Na sequência do referido em 8), foi proferido, a 28.12.2012, despacho de indeferimento da reclamação mencionada em 6) (cfr. fls. 17, dos autos, e fls. 27, do processo administrativo – reclamação graciosa).
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DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.»
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Com base na matéria de facto supra, a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou a impugnação parcialmente procedente, anulando a liquidação na parte referente a 50% do rendimento auferido a título de mais-valias imobiliárias, e condenando a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios relativamente à parte anulada.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida na parte em que lhe é desfavorável, invocando erro de julgamento de facto e de direito na medida em que entende que os Impugnantes para beneficiarem da tributação dos residentes em território nacional deveriam ter declarado a totalidade dos seus rendimentos, ou seja, os auferidos em Portugal e no estrangeiro, e por outro lado, a AT agiu no estrito cumprimento da lei, e nessa medida, não poderia ter sido condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, pelo que foram violados os artigos 43.º, n.º 2 e 72.º do CIRS.
Apreciando.

Está em causa nos autos o regime de tributação em IRS das mais-valias imobiliárias obtidas em território português por parte de um Sujeito Passivo Não Residente em França.

Na verdade, no Código do IRS, as mais-valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, e o artigo 72.º , n.º 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território português. Enquanto que as mais-valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas considerados em 50 % do seu valor (nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS), para os não residentes, o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais-valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.

Ora, no acórdão Hollmann, C-443/06, de 11/10/2007, o Tribunal de Justiça (TJ) declarou que a fixação, pelo artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais-valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 56.º do CE (a que corresponde ao atual art. 63.º do TFUE), e que não era justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.

A sentença recorrida na sua fundamentação seguiu, e bem, esse acórdão.

Portanto, com base nessa jurisprudência, e ancorando-se de igual modo, no acórdão do Pleno do STA de 30/04/2013, proc. n.º 01374/12, que versão sobre questão idêntica, a sentença recorrida anulou a liquidação na parte correspondente a 50% das mais-valias apuradas.

O erro de julgamento sindicado pela Recorrente Fazenda Pública, e que importa aqui conhecer, entronca numa subquestão de direito, nomeadamente a de saber se o não exercício da opção pela tributação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias em condições similares aos residentes em Portugal (art. 72.º, n.º 7 e 8 do CIRS) obsta a que se considere desconforme com o direito da União, nomeadamente com o art. 63.º do TFUE (não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais), o disposto no art. 43.º, n.º 2 do CIRS.

Na verdade, com a Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (cf. art. 43.º da Lei de Orçamento de Estado de 2008), o legislador português aditou ao art. 72.º, do CIRS, o número 7 e 8 com o seguinte teor:
“7 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
8 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

Portanto, ao caso dos autos, que diz respeito a IRS de 2011, já se aplica esta nova redação introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (sublinhe-se que estes normativos, posteriormente, com a Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, passaram para o n.º 8 e 9.º do art. 72.º do CIRS, e atualmente correspondem aos n.ºs 14 e 15, do mesmo preceito legal, na redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março).

Nessa medida, levanta-se efetivamente a questão de saber se a desconformidade com o direito da União que resulta da aplicação do acórdão Hollmann, C-443/06, de 11/10/2007 se mantém com essa alteração legislativa, uma vez que os Impugnante não exerceram a opção prevista no n.º 7.

Contudo, essa questão também já foi tratada pelo acórdão do Pleno do STA, de 09/12/2020, processo n.º 075/20.6BALSB em sentido contrário ao que pugna a ora Recorrente Fazenda Pública. Efetivamente, nesse acórdão sumariou-se o seguinte:
“ (…) III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.
IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”. (destaques nossos).

De igual modo, no Acórdão do STA, também de 09/12/2020, proc. n.º 064/20.0BALSB, sumariou-se o seguinte:
“I - Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.
II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

Ora, muito recentemente, em 2021, o TJ teve a oportunidade de se pronunciar especificamente sobre a interpretação do direito da União relacionada com a questão em causa nos autos, na sequência de um reenvio prejudicial, e o declarado pelo TJ é no mesmo sentido da jurisprudência do STA supra citada.

Na verdade, ao contrário do que defende a Recorrente Fazenda Pública, a opção prevista no art. 72.º do CIRS para residentes noutros Estados-Membros, não exclui o tratamento discriminatório que resulta da não aplicação do regime do art. 43.º, n.º 2 do CIRS, e nessa medida, não é de excluir a aplicação aos residentes noutro Estado-Membro do regime previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.

Trata-se do acórdão MK, C-388/19, de 18/03/2021, no qual o TJ entendeu que “O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”

Efetivamente o TJ na sua fundamentação constantes dos parágrafos 42 a 46 escreve o seguinte:

“42 Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.º , n.º 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, e outro que não o é.
43 Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
44 Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.º TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, EU:C:2010:148, n. o 52).
45 Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, EU:C:2010:148, n. o 53 e jurisprudência referida).
46 Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.º 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.” (destaques e sublinhados nossos).

Mais recentemente, e após a prolação do acórdão do TJ, veja-se, de o acórdão do STA de 12/05/2021, proc. n.º 01154/18.5BESNT, no qual se sumariou “Às mais-valias imobiliárias obtidas por um não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no artigo 72.º do Código do IRS, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2 do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo, por desconformidade com o artigo 63.º do TFUE.”.

Portanto, in casu, importa concluir que não assiste razão à Recorrente Fazenda Pública, pois a não opção pelos Impugnantes residentes noutro Estado membro da União Europeia (França), de acordo com o regime previsto no n.º 7 e n.º 8, do art. 72.º do CIRS, não exclui a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2 do mesmo Código, quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo, por desconformidade com o artigo 63.º do TFUE.

Por último, refira-se que, consequentemente, verifica-se o erro imputável aos serviços de que resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, e nessa medida, são devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1, do art. 43.º da LGT.

Na verdade, é reiterada a jurisprudência do TJ de que as autoridades administrativas (tal como os órgãos jurisdicionais nacionais) têm de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União “têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.º 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C-224/97, EU:C:1999:212, n. os 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n. o 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C-614/14, EU:C:2016:514, n. o 34)” – cf. acórdão BT Pension Scheme, C-628/15, de 14/09/2017.

Portanto, também a Administração Tributária enquanto autoridade administrativa se encontra vinculada a assegurar a aplicação do princípio do primado. Por outro lado, também os Estados-Membros têm a obrigação de controlar a aplicação do direito da União devendo inclusive sancionar o seu desrespeito, sendo que as sanções devem ser proporcionais e comparáveis às que se aplicam às violações do direito interno (v. Amsterdam Bulb, proc. n.º 50/76, de 02/02/1977, Deutsche Milchkontor, proc. 205 a 215/82, de 21/09/1983, Comissão v. Grécia, proc. n.º 68/88 de 21/09/1989, parágrafo 24, Hansen, C-326/88, de 10/07/1990, parágrafo 17).

Pelo exposto, verificam-se os pressupostos do art. 43.º, n.º 1, da LGT, tal como foi decidido em 1.ª instância, e nessa medida, também nesta parte improcedem os fundamentos do recurso.

Pelo exposto, a sentença recorrida deve ser confirmada, improcedendo todas as conclusões de recurso.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e, portanto, vencida no recurso a Recorrente, esta é responsável pelas custas.


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Às mais-valias imobiliárias obtidas por um não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no artigo 72.º do Código do IRS, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2 do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo, por desconformidade com o artigo 63.º do TFUE.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao recurso, confirmar-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.

D.n.
Lisboa, 10 de fevereiro de 2022.


Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)