Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:552/17.6BESNT
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:01/17/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IVA - SGPS
Sumário:I. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela holding às suas filiais.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzido por .................... – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, SA, das liquidações de adicionais de IVA e juros compensatórios do ano de 2014, resultantes de procedimento de inspecção.

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes Conclusões:
«1. A Douta Sentença interpreta a jurisprudência do TJUE no sentido de que a atividade da detenção e gestão de participações sociais desenvolvida pela Recorrida constitui uma atividade económica na aceção do artigo 9º da Diretiva IVA.
2. Por outras palavras, tratando-se de uma SGPS, no que concerne à atividade de detenção e gestão de participações sociais, a Douta Sentença entendem que a Recorrida constitui um Sujeito Passivo de IVA
3. Isto porque, a jurisprudência do TJUE tem vindo a considerar que as holdings que têm interferência direta ou indireta na gestão das suas participadas devem ser consideradas Sujeitos Passivos de IVA.
4. Ora, salvo o devido respeito por posição contrária, entende a Fazenda Pública que a Douta Sentença de que se recorre enferma de vício de violação de lei, na medida em procede a uma errada interpretação da norma jurídica aplicável, e, bem assim, da posição firmada pela jurisprudência do TJUE.
5. A Douta Sentença considera que tal interferência na gestão decorre das prestações de serviços efetuadas pela Recorrida às suas participadas.
6. No entanto, a interferência na gestão da qual depende a consideração de holding como sujeito passivo, implica a existência de transações em IVA, as quais têm que ser geradas pela atividade de detenção e gestão de participações sociais.
7. Daí que, a Jurisprudência e a doutrina consideram que os dividendos estão fora do conceito de atividade económica.
8. Ora, conforme vimos, não é isso que sucede no caso sub júdice, ou seja, as transações sujeitas a IVA efetuadas pela ora Recorrida não foram geradas pela atividade de detenção e gestão de participações sociais
9. Assim, defendemos que, in casu, a atividade de detenção e gestão de participações sociais não constitui uma atividade económica para efeitos de IVA.
10. Por conseguinte, a Sentença do Tribunal a quo é ilegal por violação do artigo 9º da Diretiva IVA e artigo 20º do CIVA,
11. Nesta conformidade, deverá a sentença recorrida ser revogada in tottum, e substituída por acórdão que analise cabalmente, de facto e de direito, as questões suscitadas, em cumprimento das normas legais em vigor, e se pronuncie sobre os pedidos formulados pela FP.
Requer-se “ doutamente” a este Venerando Tribunal que considere o presente recurso procedente.
É o que se alega e peticiona.»

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Em contra-alegações, a recorrida pugna pela confirmação do julgado sob recurso e formula as Conclusões seguintes:
«A recorrida é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, sendo a holding de um grupo empresarial e societário que actua na área da produção alimentar;
A recorrida, no estrito âmbito do seu objecto, gere as participações sociais de que é titular, gestão essa que consiste, não só na prestação directa de serviços às suas participadas (gestão, contabilidade, apoio logístico, apoio jurídico), como também estudos, análise e procura de novas áreas de negócio;
A recorrida, sempre no estrito âmbito do seu objecto, analisa os mercados, a situação das participadas e a necessidade, ou de novos investimentos, ou de desinvestimentos;
A recorrida cobra às suas participadas o preço dos serviços que lhes presta, incidindo IVA sobre tais serviços;
Para realizar as suas tarefas, a recorrida contrata, muitas vezes, serviços prestados a prestar por entidades terceiras, que realizam estudos e análises sobre o mercado, a situação do grupo e das participadas, a possibilidade de expandir a actividade do grupo;
Esses serviços que são prestados à recorrida estão sujeitos a IVA, pelo que ela suporta esse imposto;
Nos termos dos artºs 19º e 20º, do CIVA, a recorrida tem deduzido o imposto (IVA) suportado na aquisição desses serviços;
A AT considerou que uma parte significativa do IVA deduzido pela recorrida o tinha sido de modo indevido, o que deu origem às liquidações aqui impugnadas;
A AT invocou, para fundamentar a não dedução do imposto suportado pela recorrida, a natureza desta, isto é, o facto de ela ser uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, pelo que o IVA que incide sobre os serviços adquiridos para a realização de operações relacionadas com participações sociais, designadamente, aquisições, liquidações, alienações e operações de reestruturação não seria dedutível;
10ª Entendendo a AT que a actividade principal da recorrida - a gestão de participações sociais por si detidas - não é uma actividade económica;
11ª Esse entendimento viola, frontalmente, a correcta interpretação das normas nacionais e comunitárias sobre o direito à dedução pelas "holding(s)", interpretação essa feita em várias decisões do TJCE e do TJUE e, também, dos nossos Tribunais superiores;
12ª Assim, no chamado caso Cibo Participations, o TJCE considerou que os vários serviços adquiridos por uma holding, no quadro de uma tomada de participação numa filial, fazem parte das suas despesas gerais, pelo que elas terão, em princípio, um "nexo directo e imediato com o cm1junto da sua actividade económica", razão pela qual terá direito à dedução desse imposto;
13ª No mesmo sentido vai o acórdão do TJCE no chamado caso ABSKF, que veio considerar que quando a titular de uma participação financeira interfere, directa ou indirectamente, na gestão da sociedade em que tomou a participação, ela está a realizar uma actividade económica, sendo que operações, tais como a venda de participações, constitui um acto de gestão, razão pela qual "recusar o direito à dedução do IVA pago a montante por despesas de consultadoria ligadas a uma transmissão de acções, em razão da envolvência na gestão das sociedades cujas acções são cedidas" não é admissível;
14ª Sendo certo, que a recorrida detêm a totalidade ou a maioria das participadas a quem prestou serviços, "interferindo" na sua gestão, na medida em que tais participadas, com a recorrida, formam um verdadeiro grupo económico;
15ª Em decisão mais recente, que diz, aliás, respeito, a uma empresa portuguesa e à interpretação feita pela Administração Tributária Portuguesa, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio reforçar o entendimento jurisprudencial segundo o qual a gestão por uma holding de sociedades em que participa é uma actividade económica na acepção do artº 4°, nº 2 da Sexta Directiva (Processo C-496111, caso "Portugal Telecom SGPS");
16ª Assim sendo, diz-se no citado acórdão, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma concreta operação a montante e as operações a jusante, a holding tem direito à dedução do IVA;
17ª Aí, em tal aresto, se diz, de modo claro, expresso e inequívoco, que "a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações, constitui uma actividade económica na acepção do artº 4 nº 2 da Sexta Directiva, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas a IVA nos termos do artº 2º dessa directiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicas pela holding às suas filiais";
18ª Ora, é indiscutível que a recorrida efectuou serviços a favor das suas participadas, serviços de natureza administrativa, financeira, comercial e técnica, havendo, assim, da sua parte, uma actividade económica na acepção do artº 2° do CIVA e do artº 4°, nº 2 da Sexta Directiva;
19ª É, pois, errada a interpretação feita pela AT e a consequente correcção, ao não aceitar a dedução do IVA suportado pela recorrida, quando, como decorre da pacífica interpretação da jurisprudência europeia, os múltiplos serviços prestados às sociedades participadas constituem exercício directo de actividades económicas sujeitas a IVA, razão pela qual a recorrida tem direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços necessários a essa actividade económica;
20ª Acrescente-se, ainda, que em períodos tributários anteriores àquele que está em causa na presente impugnação, a AT, com os mesmos argumentos, também não aceitou a dedução de IVA, tendo o Tribunal Central Administrativo Sul -Processo nº 747/11.6BESNT, Acórdão de 11/5/2017 - julgado tais correcções como ilegais;
21ª E, como fundamento dessa decisão, o TCA Sul reafirmou que a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participação, constitui uma actividade económica;
22ª Ao invés do afirmado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, decorre dos pontos 9 e 10 do probatório, a existência de um conjunto de serviços prestados pela recorrida às suas participadas que, como é dito na sentença recorrida, demonstram a existência de uma actividade económica, consubstanciada na interferência directa nessas participadas;
23ª Ao contrário do defendido pela AT, não merece qualquer censura a utilização, pela recorrida, no âmbito da dedução do IVA, do método da percentagem ou do pro rata;
24ª É que a recorrida cumpriu a lei ao deduzir o IVA com a aplicação do método da percentagem ou do pro rata previsto, expressamente, no artº 23°, nº 1, b) e nºs 4 e 8 do CIVA;
25ª Acresce que o TJUE -Acórdão "Garantia+Minerva" , de 16/7/2015, Processos C- 108/ 14 e C/ 109/ 14 - firmou o entendimento segundo o qual a actividade das holding( s) que interferem na gestão das suas participadas - como é o caso da recorrida - é uma actividade económica, razão pela qual elas têm direito de dedução integral do IVA suportado montante ;
26ª Sendo certo, em qualquer caso, que o critério de dedução do IVA "horas/homem '' preconizado pela AT, não tem nenhuma base legal;
27ª Como afirmou o TCA Sul no Acórdão de 1115/2017 (Processo nº 747/ 11.6BESNT), referente à situação da recorrida, - "na falta de um regime legal cogente sobre a qual o método de dedução a adaptar e perante a contabilidade organizada do contribuinte, compete à AT o ónus de precisar e de demonstrar quais os custos e qual o imposto que não pode ser deduzido...";
28ª Sendo que a AT não observou esse ónus.
29ª Razões pelas quais as liquidações impugnadas são ilegais, razões pelas quais a douta sentença recorrida não merece qualquer censura.

Termos em que o recurso deduzido pela Fazenda Pública, deve ser julgado improcedente, como é de Justiça.»
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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.
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Com dispensa de vistos dos Exmos Desembargadores adjuntos, por haver jurisprudência firme a propósito da questão que cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Ora compulsando tais conclusões do recurso verifica-se que a única grande questão que importa aqui a apreciar consiste em saber se a sentença recorrida enferma, de erro de julgamento ao considerar que, no caso, a actividade de detenção e gestão de participações sociais não constitui uma actividade económica para efeitos de IVA.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«Com interesse para a decisão da causa, resultam provados os factos seguintes:
1. A Impugnante é uma sociedade gestora de participações sociais, com sede em território nacional e tem como actividade principal a gestão de participações sociais não financeiras a que corresponde o CAE 64202 (por acordo);
2. A Impugnante presta serviços técnicos de gestão e de administração às sociedades em que participa (acordo – cf. artigo 1.º da petição e artigo 32.º a 35.º da contestação; p. 18 do relatório de inspecção);
3. A Impugnante é sujeito passivo de IVA (por acordo);
4. A Impugnante liquidou IVA às sociedades participadas por serviços prestados entre Março e Dezembro de 2014, nos seguintes termos:
«[…]
"Texto integral no original; imagem”
"Texto integral no original; imagem”

(cf. Anexo 2 do relatório de inspecção, a fls. 65 e 66 do processo administrativo tributário; as sociedades indicadas como clientes/devedores são participadas da Impugnante, tal como resulta da globalidade do relatório de inspecção, em especial ponto B, §11 a fls. 45 do processo administrativo e ainda no ponto B.II a fls.49 e ponto C – operações activas, a fls. 51 do processo administrativo tributário);
5. A autoridade tributária realizou procedimento inspectivo, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016.......... de 07-07-2016, aos elementos contabilísticos e fiscais da Impugnante com referência ao período de Março a Dezembro de 2014 (cf. relatório de inspecção, fls. 38 do processo administrativo);
6. No procedimento inspectivo referido foi elaborado em 22-12-2016 o relatório de inspecção sobre o qual assentam as liquidações impugnadas e que consta no processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde se indicam as seguintes conclusões:
«[…]
I.4 Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção.
Em resultado do procedimento de inspeção externo de âmbito parcial (lVA), aos elementos contabilístico-fiscais da sociedade .................... Soe. Gestora Participações Sociais, SA (doravante .................... SGPS ou sujeito passivo), NIPC ..................., resultou uma correção em sede de IVA, no montante de global de 29.421,92 euros, nos termos que infra se descreve
[…]
Dedução Indevida de IVA - 29.421,92 euros.
Da análise aos documentos selecionados a partir das contas de IVA dedutível, verificou-se que a .................... SGPS adquire bens e/ou serviços que utiliza simultaneamente na atividade sujeita a IVA e na atividade não sujeita a IVA.
Tendo o sujeito passivo deduzido a totalidade do IVA dessas despesas sem que as mesmas tenham contribuído para a atividade sujeita a IVA ou que tenham sido refaturadas ou o correspondente IVA regularizado a favor do Estado, efetua-se agora uma correção ao IVA deduzido, na importância de 29.421,92 euros, nos termos do artigo 20.° (a contrário) e do artigo 23.°, ambos do CIVA, em virtude daquela importância respeitar a aquisições de bens e serviços:
(a) Utilizados exclusivamente na atividade não tributável, não sujeita a imposto sobre o valor acrescentado, em razão de ser conexa com operações excluídas do conceito de atividade económica, no montante de 14.994,51 euros, (vide ponto 11/);
(b) Utilizados indistinta ou simultaneamente em atividades que conferem, e outras que não conferem, direito à dedução do imposto suportado, no montante de 14.427,41 euros, (vide ponto 11/).
[…]»
(cf. relatório de inspecção, fls. 38 do processo administrativo);
7. O relatório contém o detalhe das facturas pagas pela Impugnante onde suportou IVA (anexo 2) e contém as facturas com IVA liquidado por serviços que prestou às participadas (anexo 2) e ainda a compilação das facturas com IVA que a autoridade tributária considerou não dedutível na sua totalidade (anexo 3), bem como aquele que apenas considerou ser dedutível parcialmente (anexos 4 e 5) – cf. anexos ao relatório a fls. 59 a 70;
8. Quanto às correcções efectuadas com fundamento na utilização exclusiva dos bens ou serviços na actividade de SGPS e que originou a correcção de 14.994,51 euros, o relatório de inspecção fundamenta as correcções no seguinte:
«(…)
• Apuramento do montante do imposto não dedutível relativamente aos bens e serviços de utilização exclusiva (SGPS)
Atendendo que a gestão de participações sociais não é uma actividade económica na aceção do n.º 2 do artigo 4º da Sexta Diretiva, como anteriormente mencionamos. No sentido de compreender-se o tratamento dado ao IVA no período decorrido entre março a dezembro de 2014 analisaram-se os documentos que suportam a aquisição de bens e serviços de utilização exclusiva à actividade de gestão de participações sociais apurando-se, o montante do imposto suportado, e por esta razão não dedutível.
Tal como já referido, no âmbito da sua actividade principal, o sujeito passivo realiza operações conexas com aquisições de participações financeiras concretizadas ou não, suportando gastos próprios do funcionamento de um SGPS, facto que implica a assunção de encargos com a emissão da certificação legal de contas, serviços de assessoria jurídica da sociedade, serviços de assessoria na aquisição de outras sociedades, remunerações, estudos de novas oportunidades de negócio, entre outros.
Na análise efectuada foram identificados encargos com a aquisição de serviços desta natureza (despesas relacionadas com a aquisição de participações financeiras concretizadas ou não, bem como serviços de consultadoria, estudos de novas oportunidades, estudos de implicações legais na aquisição/parceria), cujo respectivo imposto indevidamente, deduzido ascendeu a 14.994,51 euros (Anexo 3).
(…)»
(cf. relatório de inspecção a fls. 53/54 do processo administrativo tributário);
9. Entre as facturas constantes no anexo 2 do relatório, constam as facturas pagas pela Impugnante com IVA que esta considerou dedutível e que a autoridade tributária considerou não ser dedutível por respeitarem a aquisição de bens e serviços «de utilização exclusiva à actividade de gestão de participações sociais», e que são as seguintes:
«(…)
Anexo 2
IVA DEDUTÍVEL OBS – C 24 DP MARÇO A DEZEMBRO DE 2014
"Texto integral no original; imagem”
"Texto integral no original; imagem”

(cf. relatório de inspecção a fls. 61/64 do processo administrativo tributário);
10. No anexo 3 do relatório constam as facturas que respeitam a aquisição de bens ou serviços com IVA pago que, face ao detalhe e discriminação feita no anexo 2 referido no ponto anterior, a autoridade tributaria considerou não ser dedutível, e onde consta o seguinte:
«(…)
Anexo 3
IVA QUE FOI DEDUZIDO PELO SP – C 24 DP MARÇO A DEZEMBRO 2014 (ATIVIDADE SGPS)
"Texto integral no original; imagem”

(cf. relatório de inspecção a fls. 67 e 68 do processo administrativo tributário);
11. Quanto às correcções efectuadas com fundamento na utilização mista dos bens ou serviços, tanto na actividade de SGPS como em actividade que permite a dedução, e que originou a correcção de 14.427,41 euros, o relatório de inspecção fundamenta as correcções efectuadas no seguinte:
«(…)
Atendendo ao fim a que se destinam – comum às várias actividades desenvolvidas – é recomendável que o cálculo do IVA suportado, com a aquisição dos bens e serviços dessa natureza, se baseie na afectação real, ainda que com base em critérios ou chaves de repartição que permitam a dedução do imposto suportado na proporção da utilização destes bens e serviços na actividade tributada.
Considerando que a qualidade de holding mista que caracteriza a .................... SGPS, tal determina que a dedução do IVA suportado naqueles nos bens e serviços (de utilização mista), não seja integral, mas antes na medida da conexão de cada encargo com a actividade sujeita e que confere o direito à dedução, (…).
(…)
Tendo o sujeito passivo efectuado a dedução integral do imposto (IVA), torna-se necessário, agora, operacionalizar o método alternativo ao adotado por si (................... SGPS). Deste modo, em face dos elementos disponíveis e atentos à especificidade das operações, bem como ao tipo de sujeito passivo que está em causa, parece-nos que o critério utilizado para a afectação real, deverá ser o das “horas-homem”, na afectação real, atendendo a que a própria facturação do sujeito passivo às suas participadas se baseia neste critério.
De acordo com a informação facultada pela empresa, em 2014 a .................... SGPS empregou 17 colaboradores que trabalharam 29.635H (IES), sendo o critério “horas-homem” o critério utilizado para a determinação do montante não dedutível de IVA.
(…)
IVA dedutível relacionado com a actividade mista
Total do IVA suportado e deduzido pelo sujeito passivo na actividade mista 16.583,23 euros (anexos 4 e 5)
Valor do IVA dedutível (critério hora homem = 13%)2.155,82 euros Valor do IVA não dedutível relacionado com a actividade mista 14.427,41 euros (…)
(Cf. relatório de inspecção, a fls. 55/56 do processo administrativo tributário);
12. Constam ainda do relatório de inspecção os documentos que suportaram aquisições de bens e serviços qualificadas pela autoridade tributária como sendo de utilização mista e apenas dedutível parcialmente (cf. anexo 4 e 5 do relatório, a fls. 67 e 68 do processo administrativo tributário);
13. Em resultado da acção inspectiva e das correcções efectuadas foram emitidas liquidações adicionais de IVA, nos seguintes termos:
- Liquidação n.º 2017 ............, de 03-01-2017, com valor a pagar de €24.821,92
- Liquidação n.º 2017 ............, de 05-01-2017, com valor a pagar de €4.600,00
(cf. liquidações adicionais, juntas como documento n.º 1 com a petição inicial);
14. Foram ainda emitidas as liquidações de juros compensatórios, nos seguintes termos:
- Liquidação n.º 2017 ............, de 03-01-2017, com valor a pagar de €1.844,30
- Liquidação n.º 2017 ............, de 05-01-2017, com valor a pagar de €479,91
(cf. liquidações de juros compensatórios, juntas como documento n.º 1 com a petição inicial);
15. As liquidações adicionais de IVA e as liquidações dos juros compensatórios referidas nos pontos anteriores foram pagas em 13-02-2017 (cf. comprovativo de pagamentos ao Estado, juntos como documento n.º 2 com a petição inicial).
Motivação
A motivação do tribunal quanto aos factos provados assenta na prova documental constante dos autos, tendo em conta o teor dos documentos indicados em cada um dos pontos do probatório, bem como o teor global do relatório de inspecção e ainda, quanto aos factos provados por acordo, a posição assumida pelas partes nos respectivos articulados.».

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B.DO DIREITO
A Impugnante (.................... – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, SA) foi objecto de um procedimento de inspecção externo, mediante ordem de serviço nº OI2016.........., de natureza parcial ou univalente, ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), respeitante aos períodos - Março a Dezembro do ano de 2014.
No âmbito da análise efectuada, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) concluíram que a actividade principal da Impugnante (SGPS), enquanto gestora das participações sociais por si detidas, não é uma actividade económica, pelo que deduziu IVA indevidamente, respeitante a encargos com «[d]espesas relacionadas com a aquisição de participações financeiras concretizadas ou não, bem como serviços de consultadoria, estudos de novas oportunidades, estudos de implicações legais na aquisição/parceria», consequentemente emitiu as liquidações adicionais (contestadas nestes autos) com o fundamento na indevida dedução de IVA.
A sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a impugnação judicial procedente. Considerou, em síntese, que as correcções da autoridade tributária limitaram-se a assumir que a Impugnante exerce duas actividades distintas e segmentadas, sem ter em conta a jurisprudência europeia que admite o exercício de actividades económicas por parte de SGPS, desde que participem activamente na vida das participadas e não apenas que preste serviços tributados.
Entende a Fazenda Pública (doravante recorrente) que a actividade de detenção e gestão de participações sociais não constitui uma actividade económica para efeitos de IVA, razão pela qual, a sentença sob recurso é ilegal por violação do artigo 9º da Directiva IVA e artigo 20º do CIVA.
Posto isto, vejamos a sorte do recurso em apreciação.

Antecipa-se, sem dificuldade, que o Tribunal de Justiça tem sustentado, em jurisprudência constante, que o direito à dedução do IVA, conforme previsto nos artigos 167.o e seguintes da Directiva IVA, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que oneraram as operações efectuadas a montante. (v., neste sentido, por todos, acórdão de 21 de Março de 2018, Volkswagen AG/Finančné riaditeľstvo Slovenskej republiky, disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=200484&doclang=PT).
De harmonia com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro ) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.
Estabelece o artigo 4.º, n.º 1 do mesmo diploma que: «É permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação».
No que respeita, mais em particular, ao direito à dedução de uma sociedade holding, o Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou no sentido de que “ não é sujeito passivo do IVA, não tendo, portanto, direito à dedução nos termos do artigo 17.º da Sexta Directiva, uma sociedade holding cujo único objecto é a tomada de participações noutras empresas, não interferindo directa ou indirectamente, na gestão dessas empresas, sem prejuízo dos direitos que a referida sociedade holding tenha na sua qualidade accionista ou de sócio(acórdão do TJUE, de 20.06.1991, no caso Polysar In vestments Netherlands BV, processo n. º C-60/90, n.º 17; vid e, ainda, a título de exemplo, acórdãos do TJUE, de 14.11.2000, caso Floridienne SA e Berginvest SA, processo C-142/99, n.º 17; de 27.09.2001, caso S. R. Cibo Participations SA, processo C-16/00, n. º 18; e, de 06.09.2012, caso Portugal Telecom SGPS, SA, processo C-496/11, n.º 31).
E ainda no sentido de que «(…) a simples aquisição e detenção de obrigações, bem como a fruição de rendimentos delas resultantes, não devem ser consideradas como actividades económicas que conferem ao autor de tais operações a qualidade de sujeito passivo» (acórdão do TJUE, de 06.02.1997, no caso Harnas & Helm CV, processo n.º C-80/95, n.º 15; vide, ainda, a título de exemplo, acórdãos do TJUE, de 27.09.2001, caso Cibo Participations SA, processo C-16/00, n.º 18; de 29.10.2009, caso AB SFK, processo C-29/08, n.º 28; e, de 06.09.2012, caso Portugal Telecom SGPS, SA, processo C-496/11, n.º 31).
Todavia, o Tribunal de Justiçada da União Europeia adverte, porém, que a situação é diferente quando a participação for acompanhada de uma interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de accionista ou de sócio (v, nomeadamente, Acórdãos de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest, C-142/99, EU:C:2000:623, n.o 18; de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 20; de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom, C-496/11, EU:C:2012:557, n.o 33; e de 16 de julho de 2015, Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt, C-108/14 et C-109/14, EU:C:2015:496, n.o 20).
Nestes casos, o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou que « (…) a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma atividade económica na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA, na medida em que implique a realização de transações sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.o desta diretiva, tais como a prestação de serviços administrativos, contabilísticos, financeiros, comerciais, informáticos e técnicos pela sociedade holding às suas filiais (v., nomeadamente, Acórdãos de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest, C-142/99, EU:C:2000:623, n.o 19; de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, EU:C:2001:495, n.o 22; e de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom, C-496/11, EU:C:2012:557, n.o 34). 31.A este respeito, há que sublinhar que os exemplos de atividades que traduzem uma interferência da sociedade holding na gestão das suas filiais, que figuram na jurisprudência do Tribunal de Justiça, não constituem uma enumeração exaustiva. 32 . O conceito de «interferência de uma holding na gestão da sua filial» deve, portanto, ser entendido no sentido de que abrange todas as operações constitutivas de uma atividade económica, na aceção da Diretiva IVA, efetuadas pela holding em benefício da sua filial.(acórdão de 5 de julho de 2018,C-320/17, Marle Participations SARL/ Ministre de l’Économie et des Finance).
Explicando que: «(…) as operações relativas às acções, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos podem ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA. É esse nomeadamente o caso quando tais operações são efectuadas no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos ou para efectuar uma interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação.» (acórdãos TJUE, de 20.06.1996, caso Wellcome Trust Ldt, processo n.º C-155/94, n.º 35; e, de 29.10.2009, caso AB SFK, processo C-29/08, n.º 31) .
À luz desta orientação jurisprudencial, entendeu o Tribunal de Justiça da União Europeia que «(…) [é] certamente possível que as operações referidas no artigo 13.°, parte B, alínea d), ponto 5, da Sexta Directiva se incluam no âmbito de aplicação do IVA quando são efectuadas no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos para realizar uma interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação ou quando constituem o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável» (acórdãos do TJUE, de 06.02.1997, no caso Harnas & Helm CV, processo n.º C-80/95, n.º 16; e, de 29.10.2009, caso AB SFK, processo C-29/08, n.º 31).
Acresce dizer, que as referidas operações são actividades económicas, desde que se verifique alguma das seguintes hipóteses:
- a aquisição ou a detenção de participações seja acompanhada pela interferência, directa ou indirecta, na gestão das sociedades participadas, na medida em que tal implique a realização de operações sujeitas a IVA;
- a aquisição ou a detenção de participações seja efectuada no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos com vista à interferência, directa ou indirecta, na gestão das sociedades em que se verificou a tomada da participação;
ou,
- a aquisição ou a detenção de participações constituir o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável.
Afigura-se que, também no caso sub judicio, é de reiterar tal jurisprudência. Com efeito, resulta do probatório (e não impugnado) a recorrida exerce a actividade de gestão de participações sociais, prestando às participadas serviços técnicos de gestão, identificação de novas oportunidades de negócio, apoio nos processos de negociação, apoio na gestão e na tesouraria, serviços de planeamento e estratégias de mercados, apoio na gestão de recursos humanos e na área de compras e ainda serviços de controlo, manutenção preventiva e recuperação nos edifícios de escritório e fabris. (cfr. pontos 2,4 e 11 do probatório).
Por estes serviços, a recorrida cobrou feesde gestão e emitiu a respectiva factura com IVA liquidado (ponto 4 do probatório).
Decorre do que antecede que a recorrida não se limita a adquirir, deter e alienar participações sociais, tendo efectivamente uma interferência activa na gestão das sociedades em que participa.
Como se esclarece no Acórdão Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (entendimento que já vinha do acórdão Portugal Telecom, no ponto 37), «(…) o artigo 17.º, n.º 2 e 5, da Sexta Directiva [actual artigo 168.º da Directiva 2006/112 e corresponde aos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA] deve ser interpretado no sentido de que: os custos ligados à aquisição de participações nas suas filiais suportado por uma sociedade holding que participa na sua gestão e que, a esse título, exerce uma actividade económica devem ser considerados parte dos seus custos gerais e o IVA pago sobre estes custos deve, em princípio, ser integralmente deduzido, a menos que algumas operações económicas realizadas a jusante estejam isentas de IVA nos termos da Sexta Directiva, caso em que o direito a dedução só deve operar segundo as modalidades previstas no artigo 17.º, n.º 5 da Directiva» (ponto 33 do acórdão).
Por tais razões, tal como foi afirmado na sentença recorrida, assiste à recorrida o direito à dedução do IVA nos termos do artigo 20.º do CIVA, relativamente às prestações de serviços não questionadas em momento algum nos presentes autos.
Nada, pois, a censurar, à sentença sob recurso.
IV.CONCLUSÕES
I. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela holding às suas filiais.
V.DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2019.

[Ana Pinhol]

[Hélia Gameiro]

[Benjamim Barbosa]