Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:638/09.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:06/08/2017
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPOSTO SOBRE PRODUTOS PETROLÍFEROS
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
Sumário:I.Prevista no artigo 125º do CPPT e na alínea d) do artigo 615º nº 1 do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o constante do artigo 608º nº 2 do CPC segundo o qual «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
II.A sentença que tendo julgado intempestiva a impugnação judicial, ao
não apreciar as questões suscitadas na petição inicial não é nula por omissão de pronúncia.
III.O prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo de caducidade e tem natureza substantiva e conforme se estabelece no artigo 20º do CPPT não se suspende nas férias judiciais, como acontece com os prazos processuais, mas se o seu termo ocorrer nesse período transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, como preceitua a alínea e) do artigo 279º do Código Civil.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
E..., LDA. veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE CASTELO BRANCO que, julgando verificada a caducidade do direito de acção, absolveu a Fazenda Pública da instância.

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. Nos presentes autos, em causa está uma inspeção, efetuada pela Delegação Aduaneira da ..., ao combustível colorido ou gasóleo agrícola vendido pela Impugnante, ora Recorrente, durante os anos de 2006, 2007, 2008 e 2009.
B. O fundamento para as correções promovidas pela Entidade Administrativa é que, para aqueles diferenciais de combustível, não foi encontrado registo no terminal POS e, consequentemente, presumiu que todo esse diferencial de combustível foi vendido a que não era beneficiário.
C. Em termos centrais, é modesto entendimento da Recorrente que, por um lado, houve violação de direitos fundamentais seus, no âmbito do procedimento de inspeção, que levam á nulidade de todo este procedimento;
D. Designadamente, que se verificou a violação da audiência dos interessados regulada no art.º 60.º da LGT,
E. E é, ainda, modesto entendimento da Recorrente que qualquer divergência, a existir, deve-se a questões técnicas do terminal POS, conforme oportunamente se comunicou aos Ex.mos Inspectores e referiu em sede de audiência prévia (que não foi atendida e foi expressamente desconsiderada pela Entidade Inspetiva, por entender que o prazo concedido, de dez dias, se contabilizava nos termos do artigo 279.º do Código Civil e não nos termos do disposto no CPA).
F. No presente Recurso, está em causa, em primeiro lugar, a sentença do Tribunal a quo que, na parte que aqui importará apreciar, considerou a impugnação como intempestiva.
G. Refere a sentença que estando provado nos autos que o prazo de pagamento voluntário do imposto ocorreu a 26 de Maio de 2009, o prazo de noventa dias para a impugnação ser tempestiva terminou ano decurso das férias judiciais, tendo-se transferido para o primeiro dia útil subsequente, ou seja, para o dia 01 de Setembro de 2009, pelo que tendo a Impugnação dado entrada a 23 de Setembro, verifica-se a caducidade da Impugnação da Liquidação
ORA,
H. Em termos de delimitação do Recurso, está em causa, em primeiro lugar e conforme atrás notado, a contabilização dos prazos processuais das Impugnações, no sentido de se questionar se estes se contabilizam nos termos do disposto no artigo 279.º do Código Civil, conforme refere a sentença ou se o prazo de impugnação é um prazo que deve ser contabilizado nos termos do disposto no Código Processo Civil.
I. Conforme referido, é modesto entendimento da Recorrente que estando em causa um prazo inferior a seis meses, atenta a natureza do próprio prazo, este deve ser contabilizado nos termos prescritos no Código Processo Civil, suspendendo-se, por isso, no decurso das férias judiciais, e não nos termos do disposto no artigo 279.º do CPC.
Não se desconhece que nos termos do disposto no artigo 2.º, alínea d) do CPPT, o disposto no Código Processo Civil é direito supletivo relativamente ao estatuído no CPPT e, de igual modo, não se desconhece que nos termos estatuídos no art. 20.º, n.º 1 do CPPT que os prazos do procedimento tributário contam-se nos termos do art. 279.º do Código Civil, o que implica que se trata de prazos seguidos.
K. No entanto, vem sendo entendido, quer em termos quer doutrinais quer Jurisprudenciais, que os prazos para a Impugnação, quando estes sejam inferiores a seis meses, como é o caso, são prazos judiciais, o que implica que se suspendem durante as férias judiciais
L. Neste sentido citou-se o Acórdão proferido pelo TCA, no âmbito do Processo 00760/06.5BEPNF, de29 de Novembro de 2007, disponível in www.dgsi.pt, no qual se refere o seguinte: “A impugnação dos actos administrativos deve ser, normalmente, intentada no prazo de 3 meses, aplicando-se na contagem do mesmo as regras do art. 144º do CPC face ao art. 58º nº2 b) e 3 do CPC, ou seja, suspende-se nas férias judiciais se inferior a 6 meses. Por força do número 3 do citado artigo 58º, a contagem desse prazo obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de acções, previstos no Código de Processo Civil. Quando abranja período em que decorram férias judiciais, deve o referido prazo de três meses ser convertido em 90 dias, para efeito da suspensão imposta pelo artigo 144º, números 1 e 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força do citado artigo 58º, número 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
M. E, decorrendo as férias judiciais entre os dias 31 de Julho e 01 de Setembro, e tendo o prazo de pagamento, que era de 15 dias terminado a 26 de Maio (atento a Notificação rececionada ou recebida pela Impugnante a 11 de Maio), é modesto entendimento da Recorrente que a Impugnação foi deduzida tempestivamente, terminando o prazo a 27 de Setembro.
N. E a ser como pugna a Recorrente, a sentença do Tribunal a quo merece os reparos que são referidos, devendo a mesma ser revogada nesta parte e, consequentemente, ser apreciado o mérito da impugnação.
O. No entanto, para além da questão da contabilização do prazo da impugnação, importa atender que conforme notado supra em termos de delimitação do Recurso, em sede de impugnação a Recorrente suscitou a nulidade de todo o processado após a notificação à ora Recorrente do Projeto de Relatório ou Decisão, porquanto considerou a Impugnante, ora Recorrente, mostrarem-se violados alguns dos princípios estruturantes e fundamentais do nosso ordenamento jurídico, designadamente o princípio da participação dos interessados na elaboração das decisões que lhes digam respeito
P. Ou seja, em sede de Impugnação foram suscitadas de forma expressa duas nulidades, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 102.º do CPPT, que refere serem invocáveis a todo o tempo!
Q. Suscitou, de forma expressa, não só a nulidade que advém daquela falta de participação, mas igualmente a nulidade que advém da falta de fundamentação.
R. No que respeita á primeira nulidade referida – falta de participação da Recorrente na elaboração da decisão - esta veio a ser considerava verificada no âmbito de outro processo que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que no processo 551/09.1BECTB procedeu à anulação dos processos de Contra ordenação (designadamente por violação daqueles direitos fundamentais dos Administrados).
S. No que respeita ás invocadas nulidades, refere a sentença recorrida que, não obstante vir invocada a nulidade derivada do ato de liquidação, o certo é que a impugnante invoca tal desvalor jurídico de forma genérica e vaga, sem concretizar em que medida os vícios que assaca ao ato gerariam tão forte desvalor!
ORA,
T. Com o necessário e devido respeito, que é muito e é devido, a Impugnante invocou, de forma e específica as nulidades em apreço, referenciou-as ao longo do articulado e concretizou-a nos artigos 83.º a 114.º da sua impugnação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
U. Conforme notado, subjacente á nulidade invocada – Nulidade de todo o processo de inspeção tributária – está não apenas a falta de fundamentação para que remete a sentença, mas igualmente a violação do princípio da audiência dos interessados regulada no art.º 60.º da LGT, que como vem sendo pacificamente aceite pelos nossos Tribunais Superiores, pressupõe, no essencial, o reconhecimento do direito de os interessados se pronunciarem sobre o objeto do procedimento antes da decisão final e assegurar que a Administração não tome nenhuma decisão sem ter dado ao interessado oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam a essa mesma decisão.
Em face daquela invocação e concretização, é modesto entendimento da Recorrente que também por esta razão e fundamento a Impugnação deveria ter sido apreciada quanto ao seu mérito e, contrariamente ao que refere a sentença de que se recorre, não poderia ser verificada e considerada a Caducidade, nos termos em que vem feitos pelo M.mo Juiz a quo.
W. Aliás, para além da invocada nulidade, traduzida na Ausência ou Vício da fundamentação legalmente exigida e na Preterição de outras formalidades legais, concretizadas, conforme notado, nos artigos 84.º a seguintes da Petição de Impugnação, haveria, ainda de se considerar a questão da constitucionalidade do quadro legal, em concreto do disposto no n ° 7 da Portaria 234/97 invocada nos artigos 114.º e seguintes.
X. O referido e ora colocado à consideração dos Ex.mos Desembargadores, leva a que a sentença de que se recorre deva ser revogada e considerada nula, atento, desde logo, ao disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil e 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, atento a que o M.mo Juiz a quo deixou de se pronunciar-se sobre questões que deveria ter apreciado ou acerca delas se pronunciou em violação das normas referenciadas.
Nestes termos,
E nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V Ex.as, que desde já se invoca, devem a ser recebidas as presentes Alegações e, após a sua normal tramitação, ser o Recurso interposto considerado procedente, revogando-se a sentença Recorrida, pois assim é de direito e se fará a
costumada JUSTIÇA!.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer a fls. 385/391 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que nada obsta.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
(i) saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia;
(ii) saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento ao considerar verificada a caducidade do direito de acção no que se refere à liquidação impugnada, implicando apurar se a causa de pedir da impugnação judicial é subsumível à declaração de nulidade, caso em que a impugnação judicial podia ser deduzida a todo o tempo.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se consignada, como relevante para a apreciação da questão prévia, a seguinte factualidade:
«a) A impugnante foi notificada da liquidação impugnada, cujo prazo de pagamento terminava a 26/05/2009 (cfr. doc. 1 junto com a pi a fls. 79, dos autos e por
confissão, fls. 455 [com referência à numeração SITAF]);
b) A PI relativa aos presentes autos foi remetida ao Serviço de Finanças de Oleiros a 23/09/2009 (cfr. ofício de fls. 446 e confissão, fls. 455 dos autos, com
referência à numeração SITAF]);».

Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
A redacção da al.a) do probatório não pode aceitar-se pelo seu teor conclusivo, uma vez que, a afirmação «cujo prazo de pagamento terminava a 26/05/2009» é sempre produto de um juízo assente em diversos dados de facto.
Consequentemente, decide-se alterar a al.a) do probatório, passando esta a ter a seguinte redacção:
a) Em 08.05.2009, foi enviada notificação de pagamento da liquidação endereçado em nome da impugnante, por carta registada com aviso de recepção, da qual consta designadamente o seguinte:
«Para os devidos efeitos, fica V,Exª notificado do despacho de 04/05/2009 da chefe da Delegação da ..., em que manda proceder à cobrança à posteriori do IEC em divida para pagar o montante de € 76.421,67€ ( setenta e seis mil, quatrocentos e vinte um euros e sessenta e sete cêntimos) a titulo de imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos e juros compensatórios, relativo à divida aduaneira objecto de registo de liquidação n.º ... de 2009/05/08, efectuado nos termos do art.º 10 do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) aprovado pelo Decreto Liei n.º566/99 de 22/12, conjugado com o nº7 do art.º59 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) aprovado pelo Decreto – Lei n.º 433/99 de 26/10.
O pagamento deverá ser efectuado no prazo de 15 dias a contar da data de recepção da presente notificação, nos termos do referido artigo do CIEC, conjugado com o n.º1 do art.º 85º do CPPT, findo o qual passarão a ser cobrados juros de mora (conforme art.º 44º da Lei Geral Tributária aprovada pelo Decreto – Lei n.º 398/98 de 17/12) procedendo-se à extracção de certidão de dívida para efeitos de cobrança coerciva nos termos legais ( n.º2 do art.º11º do CIEC conjugado com o n.º1 e n.º4 do art.º 88º do CPPT).
Junta se envia cópia do documento de liquidação (IL), do respectivo processo de cobrança à posteriori (CAP n.º ...)» (fls. 18 a 19 do processo administrativo tributário).

Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, a coberto do estatuído no artigo 662, nº.1, do CPC ex vi artigo 281º do CPPT ao probatório, a seguinte factualidade:
c) O aviso de recepção a que alude a al.a) do probatório foi assinado em 11.05.2009, por A.... (fls. 20 do processo administrativo tributário).

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B.DE DIREITO
DA PRETENSA NULIDADE DA SENTENÇA
A primeira questão resultante da delimitação do objecto do recurso incide, como já afirmamos, sobre a alegada existência de nulidade da sentença, por violação do nº 1, alínea d) do artigo 615º do CPC.

Fundamenta a recorrente tal nulidade no facto da sentença recorrida, não se pronunciar sobre as questões suscitadas na petição de impugnação - vício de forma por preterição do direito de audição prévia e a relativa à inconstitucionalidade do ponto n.º 7 da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril.

Apreciemos.

Prevista no artigo 125º do CPPT e na alínea d) do artigo 615º nº 1 do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o constante do artigo 608º nº 2 do CPC segundo o qual «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».

Por isso, só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado nº 2 do artigo 608° do CPC, ex vi do artigo 2° al.e) do CPPT.

Com efeito, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretas que haja sido chamado a resolver no quadro do litigio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

Á luz do que fica dito, é fácil de ver que a sentença sob recurso não enferma da nulidade que lhe é imputada.

É verdade que a sentença não abordou as questões enunciadas pela recorrente, mas não era obrigada a tal, uma vez que considerou implicitamente, prejudicado o seu conhecimento, dada a procedência da excepção peremptória de caducidade do direito de acção.

A tal respeito, afirma o Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão 07.12.2011, proferido no processo n.º 0241/11: «A intempestividade do meio impugnatório implica a não pronúncia do tribunal sobre as questões suscitadas na petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, na medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início, razão pela qual não é nula por omissão de pronúncia a sentença que tendo julgado intempestiva a impugnação deduzida, não se pronunciou sobre a questão da caducidade do direito à liquidação(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

E, sendo assim como é, resta concluir pela improcedência da arguida nulidade.

DO MÉRITO DO RECURSO

Como se viu, a recorrente discordando da solução jurídica encontrada pela 1ª Instância relativa à questão da caducidade do direito à impugnação, vem atacar o decidido em duas frentes.

Em primeiro lugar, entende a recorrente que «[e]stando em causa um prazo inferior a seis meses, atenta a natureza do próprio prazo, este deve ser contabilizado nos termos prescritos no Código Processo Civil, suspendendo-se, por isso, no decurso das férias judiciais, e não nos termos do disposto no artigo 279.º do CPC[Conclusão I].

Em segundo lugar, tendo a impugnação judicial por objecto os vícios/ilegalidades «[a]lém da invocada nulidade, traduzida na Ausência ou Vício da fundamentação legalmente exigida e na Preterição de outras formalidades legais, concretizadas, conforme notado, nos artigos 84.º a seguintes da Petição de Impugnação, haveria, ainda de se considerar a questão da constitucionalidade do quadro legal, em concreto do disposto no n ° 7 da Portaria 234/97 invocada nos artigos 114.º e seguintes [Conclusão W] enquanto geradores de nulidade podia ser deduzida a todo o tempo (artigo 102.º n.º 3 do CPPT).

Desde já se adianta não assistir razão à recorrente.

Vejamos de perto as razões porque assim entendemos.

Constitui jurisprudência firme e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que o prazo de impugnação judicial por ser um prazo de natureza substantiva (não sendo, por isso, aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 145º do Código Processo Civil (CPC) na redacção aplicável), de caducidade e peremptório e que se conta nos termos do artigo 279º do Código Civil (CC), “ex vi” do artigo 20º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou seja de forma contínua, sem suspensões, designadamente, nos períodos de férias judiciais, apenas acontecendo que se o prazo terminar durante esse período (cfr. acórdãos de 3/5/00, 23/5/01, 30/5/01, 13/3/02, 14/1/04, 6/7/05 e 30/5/07, proferidos respectivamente nos processos n.º s 24.562, 25.778, 26.138, 28/02, 1208/03, 585/05 e 238/07).

Quer isto dizer que, contrariamente ao entendimento pugnado pela recorrente, o prazo para deduzir impugnação judicial não se suspende nas férias judiciais, como acontece com os prazos processuais, mas se o seu termo ocorrer nesse período transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, como preceitua a alínea e) do artigo 279º do Código Civil.

Depois, deve dizer-se que, não faz qualquer sentido, a convocação do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) efectuada pela recorrente. Com efeito, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.07.2015, proferido no processo n.º 0389/15: «[E]m primeiro lugar, cumpre referir que o CPPT rege os prazos para a impugnação judicial, e, por conseguinte, na ausência de lacuna legal nesta matéria, é totalmente deslocada a invocação das regras contidas no art. 58º do CPTA.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt.).

Avançando, comecemos por notar, que de acordo com o artigo 102°, n.º, 1, alínea a), do CPPT, (na redacção em vigor à data dos factos) o prazo para apresentação de impugnação é de 90 (noventa) dias, após o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

E este, por sua vez, a menos que se encontre regulado expressamente pelas leis tributárias, é de 30 dias após a notificação para o efeito (cfr. artigo 85 º, n.ºs 1 e 2, do CPPT).

No caso vertente, estando em causa um acto de liquidação do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) há que chamar à colação o artigo 10º do Código dos Impostos sobre o Consumo (redacção do Decreto – Lei n.º 566/99 de 22 de Dezembro) que sob a epígrafe «Liquidação Oficiosa» prescreve o seguinte:

«Na falta ou atraso de liquidação imputável ao sujeito passivo ou no caso de erro, omissão, falta ou qualquer outra irregularidade que prejudique a cobrança do imposto, a estância aduaneira competente liquidá-lo-á, notificando o sujeito passivo de que tem 15 dias para proceder ao pagamento do respectivo imposto.».

Desde modo, dispondo a recorrente do prazo de 15 dias (cfr. artigo 10º do CIEC) para proceder ao pagamento do montante aposto na liquidação, contado desde a data de 11.05.2009, verifica-se, como bem refere a sentença, que à data da apresentação da petição de impugnação (23/09/2009) já havia decorrido o prazo de 90 dias contados nos termos supra ditos.

E, eis-nos chegados à terceira questão colocada no presente recurso, que consiste em saber se o invocado vício de forma por preterição de formalidade essencial (audiência prévia), acarreta a nulidade do acto impugnado, porque se assim for, a impugnação judicial pode ser apresentada a todo o tempo, acarretando a nulidade do acto impugnado ( cfr. artigo 102º, n.º3 do CPPT) .

Vejamos, então.

Os vícios do acto impugnado constituem fundamento, em regra, da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja essa forma de invalidade, nos termos do disposto no artigo 133º, nº 1, e 135º do Código do Processo Administrativo (CPA) - (na redacção aplicável).

A ocorrência de vícios no procedimento de liquidação, como a falta de audiência prévia, não gera a nulidade do subsequente tributo liquidado, mas tão só a sua anulação, não podendo por isso ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental em que a impugnação possa ser deduzida a todo o tempo (neste sentido, entre muitos outros: Acórdão do STA de 18.01.2006, proferido no processo n.º 901/05 e Acórdão deste TCA de 10.11.2009, proferido no processo 03019/09, ambos disponíveis no endereço www.dgsi.pt).

Ainda neste sentido, foi proferido o Acórdão do TCA Norte de 19.03.2009, proferido no processo n.º 00643/05.6BECBR, disponível no mesmo sítio da internet, que concluiu nos seguintes termos: « Efectivamente, em certos casos, reconhece-se que o direito de participação, sob a forma de direito de audição, se apresenta com uma natureza especial, que demanda que o seu incumprimento deva ser sancionado com o estigma da nulidade própria da violação do núcleo essencial dos direitos fundamentais [artigo 133º nº2 alínea d) CPA].

É o caso, cremos, do direito de audiência e de defesa em procedimentos contra-ordenacionais e quaisquer processos sancionatórios [ver artigo 32º nº10 da CRP] e nos processos disciplinares [ver artigo 269º nº3 da CRP]. Em tais casos, o direito de participação não deriva apenas do artigo 267º nº5 da CRP, mas surge como postulado da própria dignidade da pessoa humana, ou seja, como direito fundamental instrumental, tido como indispensável a uma realização concretizadora do direito fundamental material ou substantivo [ver, a propósito, Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 1991, páginas 197 e seguintes].

Fora destes casos de dita densificação material concretizadora, e daqueles em que a falta de audiência prévia está expressamente sancionada na lei ordinária com a nulidade, deverá, em princípio, corresponder-lhe a sanção da mera anulabilidade [artigo 135º do CPA](disponível no endereço www.dgsi.pt).

Finalmente, quando à invocada inconstitucionalidade do n.º7 da Portaria 234/97, na qual segundo a recorrente se fundou o acto de liquidação impugnado, não é geradora da sua nulidade, mas de um mero vício de violação de lei sujeito à regra geral da anulabilidade estabelecida no artigo 135º do CPA ( neste sentido vide: Acórdão do STA de 16.11.2011, proferido no processo n.º 0194/11, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Nesta conformidade, os vícios invocados na petição de impugnação, sendo susceptíveis de levar à anulação do acto de tributário de liquidação sindicado, não podem eles ser impugnados a todo o tempo, mas só no prazo previsto no artigo 102º, n.º1 do CPPT.

Improcede pois em toda a linha o presente recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.


IV. CONCLUSÕES
I.Prevista no artigo 125º do CPPT e na alínea d) do artigo 615º nº 1 do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o constante do artigo 608º nº 2 do CPC segundo o qual «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
II.A sentença que tendo julgado intempestiva a impugnação judicial, ao
não apreciar as questões suscitadas na petição inicial não é nula por omissão de pronúncia.
III.O prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo de caducidade e tem natureza substantiva e conforme se estabelece no artigo 20º do CPPT não se suspende nas férias judiciais, como acontece com os prazos processuais, mas se o seu termo ocorrer nesse período transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, como preceitua a alínea e) do artigo 279º do Código Civil.

V. DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Junho de 2017.



[Ana Pinhol]


[Jorge Cortês]


[Cristina Flora]