Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:378/20.0BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:09/10/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
ALTERAÇÃO À LICENÇA DE OBRAS.
Sumário:I. Não pode o Tribunal na instância cautelar proferir qualquer pronúncia que produza os seus efeitos noutro processo, ainda que o presente processo seja dele dependente e instrumental, antes cabendo emitir a pronúncia de caducidade da providência cautelar decretada ou de extinção do processo cautelar, nos termos do disposto no artigo 123.º, n.º 1, a) do CPTA, se a ação principal não tiver sido instaurada dentro do prazo legal, nos termos previstos no artigo 58.º, n.º 1, b) do CPTA.

II. Tendo as Requerentes indicado expressamente que o processo cautelar depende de uma ação impugnatória que visa a declaração de nulidade de ato administrativo, sendo pedida a declaração de nulidade da deliberação impugnada, em consonância com os fundamentos de ilegalidade invocados, reconduzíveis ao regime de nulidade dos atos administrativos, estando em causa a alegação da violação de normas do Plano Diretor Municipal, nos termos do disposto no artigo 68.º do RJUE, não é possível concluir pela intempestividade da ação principal.

III. Mediante a emissão de informação técnica e de parecer camarários que suscitam desconformidades em relação à proposta urbanística requerida pela interessada, as quais fundamentaram a proposta de indeferimento, sem que exista qualquer alteração ou correção por parte da interessada ou a invocação das razões ou fundamentos por parte da edilidade que a levem a decidir em sentido contrário, não pode, sem mais, ser emitido ato de deferimento, sem a aparência da ilegalidade urbanística, consubstanciadora do requisito do fumus boni iuris.

IV. Verifica-se o requisito do periculum in mora decorrente quer do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, quer, sobretudo, da produção de prejuízos de difícil reparação, se a edificação da construção não for suspensa na sua execução.

V. Sendo de natureza equivalente os interesses defendidos pelas Requerentes e pela Contrainteressada, de conteúdo patrimonial, assume-se distintivo o interesse público traduzido na defesa da legalidade urbanística, determinante do juízo de prevalência da defesa do interesse público.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A Contrainteressada, T…………Unipessoal, Lda., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 28/05/2020, que no âmbito dos processos cautelares requeridos por X................., Unipessoal, Lda. e U……….., Lda., contra o Município de Alcobaça, decretou a providência requerida de suspensão de eficácia do ato de alteração à licença de obras de edificação, aprovada pela deliberação camarária de 11/11/2019, no âmbito do Processo n.º 01/2016/126.


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Formula a Contrainteressada, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1 – A sentença proferida é injusta e padece de vícios, nomeadamente erro de julgamento;

2 – A sentença errou pois não bastava as Recorridas invocarem a existência de eventual nulidade, era também necessário que, com probabilidade, se verificasse que o ato administrativo colocado em causa padecesse de vícios cominados com nulidade;

3 – Resulta de forma expressa das informações técnicas que sustentaram o ato camarário de 11 de Novembro de 2019, que o projeto da Recorrente cumpre o disposto nos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do PDM;

4 – A violação que as Recorridas alegam existir é de um pretenso “Loteamento da Falacha” que, conforme resulta da sentença, nunca existiu;

5 – O projeto da Recorrente cumpre a regra de alinhamentos prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo 48.º do Regulamento do PDM, que determina que devem ser respeitados os alinhamentos definidos pelas construções existentes;

6 – O projeto da Recorrente cumpre o limite de cércea máxima definido na alínea b) do n.º 4 do artigo 48.º do Regulamento do PDM, que determina que a cércea máxima é determinada pela cércea dominante no local;

7 – O cumprimento das regras definidas nos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do PDM está inclusivamente considerado assente pela sentença ora em crise, em 11. e 15. da fundamentação de facto;

8 – Resultando do processo administrativo que os pareceres técnicos que fundamentaram o ato camarário de 11/11/2019 não apontam para qualquer violação de regras definidas no Regulamento do PDM, e não tendo as Recorridos trazido aos autos qualquer elemento probatório que permita afirmar o contrário, não é possível defender ser provável existir qualquer violação do disposto nos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do PDM de Alcobaça;

9 – Não sendo provável a violação dos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do PDM, cai por terra a impugnação de atos nulos que as Recorridas pretendem fazer;

10 – Considerando a data da deliberação que as Recorridas colocam em crise nos presentes autos (11/11/2019), na data da apresentação das presentes providências (15 de Abril de 2020) estava já ultrapassado o prazo de três meses previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA, aplicável à impugnação de atos anuláveis;

11 – O direito de impugnar a deliberação camarária há muito tinha caducado na data em que as Recorridas requerem as presentes providências;

12 – Ao decidir de forma diversa a sentença ora em crise errou e violou o disposto nos artigos 333.º do CC e 89.º, n.º 3, do CPTA, pelo que deverá ser revogada e substituída por decisão que considere existir caducidade do direito de ação, julgando procedente esta excepção perentória que, nos termos do artigo 89.º n.º 3 do CPTA, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelas Recorridas, determinando-se, em consequência, a absolvição do pedido;

13 – A douta sentença errou também na apreciação que fez quanto à perspectiva de probabilidade de procedência da ação principal, nomeadamente quanto aos vícios imputados ao ato camarário datado de 11/11/2019;

14 – Ao contrário do que dispõe o artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, entendeu a Senhora Juiz a quo decretar a providência considerando, unicamente, pretensas desconformidades das informações técnicas proferidas no processo administrativo e não uma qualquer violação real das normas do Regulamento do PDM que poderia determinar a nulidade do ato administrativo colocado em causa pelas Recorridas;

15 – A sentença não poderia imputar ao ato camarário proferido em 11/11/2019 a violação do disposto nos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do PDM pois, conforme a mesma sentença faz constar na fundamentação de facto em 11. e 15., as informações técnicas expressamente referem que o projeto apresentado pela Recorrente cumpre as regras de alinhamentos e cércea contempladas no artigo 48.º, n.º 4, do Regulamento do PDM de Alcobaça;

16 – Cabia às Recorridas trazer aos autos elementos probatórios que permitissem colocar em causa os pareceres técnicos proferidos no processo administrativo, sendo certo que não o fizeram;

17 – A única pretensa violação concreta apontada pelas Recorridas é das regras do “Loteamento da Falacha”, que não existe, conforme se encontra assente em 22. da fundamentação de facto;

18 – Não existem nos autos quaisquer elementos probatórios que permitissem à Senhora Juiz a quo decidir pela existência de probabilidade séria de se verificar uma qualquer violação do disposto nos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do PDM de Alcobaça;

19 – Não pode ser cautelarmente negado à Recorrente o direito de edificar na sua propriedade privada, única e simplesmente por se entender que as informações técnicas não estarão completas;

20 – Se a Senhora Juiz a quo entendia que existiam desconformidades nas informações técnicas, exigia-se a realização de diligências de prova que clarificassem essa questão, nomeadamente através da inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente e pelo Município Recorrido;

21 – A Senhora Juiz a quo decidiu prescindir da produção de prova testemunhal sem consultar as partes, sendo certo que os autos não continham elementos suficientes para tomar a decisão que tomou;

22 – Não existe qualquer elemento probatório nos autos que permita afirmar ser provável que o projeto da Recorrente viole o disposto nos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do PDM, e, consequentemente, que as Recorridas viessem a obter provimento numa ação administrativa destinada a declarar a nulidade do ato administrativo colocado em crise;

23 – Mal andou a sentença ora em crise visto que, com os elementos existentes nos autos, exigia-se a tomada de decisão contrária;

24 – As Recorridas não apresentaram nos autos qualquer elemento probatório que permitisse abalar as informações técnicas proferidas nos autos, sendo que todas se pronunciaram no sentido de a pretensão da Recorrente cumprir as regras de afastamentos e cércea previstos nos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do PDM de Alcobaça para o local;

25 – A pretensa deficiência das informações técnicas não fere de nulidade o ato administrativo colocado em crise;

26 – O decretamento das providências baseado simplesmente em pretensas desconformidades das informações técnicas proferidas no processo administrativo, e não em probabilidade séria, real, de violação de regras definidas no Regulamento do PDM de Alcobaça viola o disposto no artigo 120.º, n.º 1, do CPTA;

27 – A sentença ora em crise deve ser revogada e substituída por outra que considere que não resulta dos autos qualquer probabilidade séria de o projeto da Recorrente violar normas do Regulamento do PDM, pelo que, consequentemente, não existe também probabilidade séria de sucesso na ação administrativa destinada a declarar a nulidade do ato administrativo colocado em causa pelas Recorridas;

28 – Ao contrário do que consta da sentença ora em crise, não resulta dos autos qualquer situação de perigo, configurada em termos da inutilidade total ou parcial, resultante do decurso do tempo, da pronúncia a obter em sede de processo principal; 29 – Não existe fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, pois não resulta dos autos que o ato administrativo proferido em 11/11/2019 viole o disposto nos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do PDM de Alcobaça;

30 – Resulta do processo administrativo e dos documentos juntos pelas Recorridas com o requerimento inicial, que a fachada principal do imóvel que constitui a pretensão da Recorrente está situada na Rua…………, n.º 14 e é de 5,62m, nos termos definidos no artigo 5.º, alínea 13), do Regulamento do PDM de Alcobaça;

31– A pretensa violação da cércea do imóvel que é imputada pelas Recorridas não resultaria, em caso algum, da altura do mesmo na fachada principal, pelo que, nunca poderia o projeto da Recorrente violar o disposto no artigo 48.º a 50.º do Regulamento do PDM de Alcobaça;

32– Mesmo que se entendesse que os pareceres técnicos estariam incompletos (e não estão), tal “desconformidade” referida na sentença ora em crise não merece tutela cautelar, visto que não se conclui na sentença, nem podia, pela existência de qualquer evidência de violação, e muito menos de um loteamento que não existe;

33– Não se encontra provada nos autos a produção de prejuízos de difícil reparação, invocada pelas Recorridas;

34– Os valores avançados pelas Recorridas não são suportados por qualquer factualidade invocada ou por qualquer documento apresentado, nem mesmo pelo senso comum;

35– As Recorridas não fazem qualquer prova da valorização dos imóveis que alegam ser proprietárias, assim como não fazem qualquer prova do prejuízo, não concretizando, sequer, a conexão entre a pretensa violação que invocam (do loteamento que não existe) e o direito de propriedade que lhes assiste;

36– O decretamento das presentes providências somente é suscetível de causar prejuízo à Recorrente, que foi impedida de prosseguir a obra e de celebrar contratos-promessa de compra e venda para o imóvel;

37– Não se verifica a probabilidade séria (“fumus boni juris”), embora colhida a partir de análise sumária (“summaria cognitio”) e de um juízo de verosimilhança, de a ação principal que as Recorridas afirmam querer intentar vir a ser julgada procedente;

38– Não existe qualquer “Loteamento da Falacha” cujas regras as Recorridas alegam terem sido violadas;

39– Não resulta dos autos qualquer evidência, nem sequer sumária, de a deliberação camarária de 11/11/2019 violar o disposto nos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do PDM de Alcobaça;

40– Não existe fundado e suficiente receio de lesão grave e dificilmente reparável (“periculum in mora”) para as frações que as Recorridas alegam ser proprietárias, visto que um pretenso direito à paisagem sempre cederia perante os direitos à propriedade privada e ao exercício de atividade comercial da Recorrente;

41– O prejuízo para a Recorrente, resultante das presentes providências, excede claramente o dano que as Recorridas através delas alegam pretender evitar;

42 – Os trabalhos que a Recorrente estava a realizar cumprem o projeto aprovado e a licença emitida;

42 – Ao decidir de forma diversa a sentença ora em crise violou o disposto no artigo 120.º do CPTA, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que considere não se encontrarem preenchidos os requisitos necessários para o decretamento das providências, sendo desnecessária a tutela cautelar, e, consequentemente, rejeite as providências requeridas pelas Recorridas.”.


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As Requerentes, X................. e U……….., ora Recorridas, notificadas da interposição do recurso, apresentaram, cada uma por si, contra-alegações, em que concluíram, do mesmo modo, nos seguintes termos, que ora se reproduzem:

“I. Reporta-se a presente resposta ao recurso interposto pela ora Recorrente T................ – Unipessoal, Lda., da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a acção cautelar apresentada pela ora Recorrida, e, em consequência, determinou a suspensão de eficácia do acto de alteração à licença de obras de edificação, aprovada por deliberação de 11.11.2019, no âmbito do processo n.º 01/2016/126.

II. Assinala-se que o Réu Município de Alcobaça, autor do ato suspenso, não ter recorrido da sentença em apreço, conformando-se com a mesma, sendo que só a contra-interessada dela recorreu.

III. O fumus boni juris é apreciado na análise do mérito da providência cautelar, na medida em que constitui um dos seus pressupostos.

IV. Na apreciação da exceção de caducidade do direito de ação, o que releva é a causa de pedir e o pedido deduzidos, e, nesta matéria, como bem decidiu a sentença sob análise, a Recorrida aponta vícios ao ato suspendendo que são cominados com a nulidade.

V. Contrariamente ao que tenta alegar a Recorrente, os autos e o processo administrativo não demonstram que as regras definidas nos artigos 48.º, n.º 4, e 50.º, n.º 1, do PDM de Alcobaça sejam cumpridas pelo projeto de alterações da Recorrente, nem isso resulta dos pareceres e informações constantes do processo administrativo.

VI. Conforme resulta dos pontos 20 e 21 da matéria de facto provada, e está expressamente referido nas informações e pareceres emitidos pelo Município de Alcobaça, a edificação na zona da Falacha está condicionada pelos parâmetros definidos no documento orientador intitulado “Loteamento da Falacha – Urbanização dos Terrenos de St.º António + Condicionamentos para Construção”.

VII. Face a esses condicionamentos, concluiu a informação técnica de 15/05/2019 que: i) havendo duas cérceas distintas, uma que cumpre os parâmetros e outra que os excede, fica à consideração superior qual delas considerar; ii) a proposta não cumpre com as distâncias da construção ao alinhamento; iii) a proposta não cumpre com as distâncias da construção às extremas laterais.

VIII. Por sua vez, o Parecer de 17/05/2019 refere, relativamente à cércea, que «considero a proposta agora apresentada menos adequada ao local do que a proposta aprovada em sede do presente processo, no que respeita à cércea e à volumetria da edificação, e assim, ao impacto visual da mesma na envolvente.

IX. Quanto às situações descritas nos pontos 7 e 8 da informação técnica da Unidade de Licenciamento, isto é, as distâncias da construção ao arruamento e extremas laterias – e não a cércea, como pretende fazer crer a Recorrente –, refere que a proposta agora apresentada segue os alinhamentos da proposta aprovada.

X. Não obstante, o parecer não contradiz os pontos 7 e 8 da informação técnica de 15/05/2019.

XI. Apesar das tentativas, por parte da Recorrente, de desvalorizar o documento intitulado “Loteamento da Falacha”, o próprio Município reconheceu, com valor confessório, que o mesmo era utilizado pelos serviços da Câmara como documento orientador na avaliação dos pedidos de edificação para aquela zona.

XII. Ora, a violação das cérceas máximas e a violação da distância de construção às extremas laterais consubstanciam violações do PDM de Alcobaça, isto é, em zonas de estrita vinculação da atuação administrativa ao PDM de Alcobaça [arts. 50.º, n.º 1 e 48.º, n.º 4, a) e b), do Regulamento do PDM].

XIII. Como resulta expressamente dos arts. 62º e segs. do requerimento cautelar, observa-se, desde logo, uma violação do PDM de Alcobaça, já que a “cércea dominante no local”, a que se reporta o art. 48.º, n.º 4, b), do PDM, não é respeitada pelo projeto-arquitetura alterações.

XIV. Na verdade, a alteração à licença fez subir a cércea, ignorando por completo as normas do plano e, no decurso do procedimento administrativo de alteração, está ausente qualquer comprovação da “cércea dominante no local” pelos serviços camarários, que pudesse justificar uma cércea de 8,39m, na fachada da edificação situada para a Rua………...

XV. Em face da inexistência de documento probatório que atesta o cumprimento da cércea dominante no local, não podem deixar de ser judicialmente acionáveis as Informações da Unidade Técnica e os Pareceres camarários que verteram nos atos instrutórios – como é habitual – as regras técnicas internas, de 21/02/1978, que fixam os condicionamentos para a construção na Falacha.

XVI. Logo, sendo a cércea dominante um requisito do plano – que tem materialização quantitativa –, não há dúvida de que esse critério do PDM foi violado e que, por conseguinte, o projeto foi aprovado em desconformidade com o PDM.

XVII. Tudo isto projeta a altura total da construção em relação ao projeto inicial, que é a dimensão vertical máxima da construção, medida a partir do ponto de cota média do terreno no alinhamento da fachada até ao ponto mais alto da construção.

XVIII. Altura essa ainda mais agravada pela alteração ao projeto inicial, já que cobertura inicialmente prevista era plana, mas por efeito da alteração modificou para cobertura inclinada em telho de borro vermelho.

XIX. Assim, é evidente que a deliberação camarária (“projeto de arquitetura- alterações”) e, em consequência, a alteração à licença de obras de edificação padecem de vícios de nulidade.

XX. O mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação à violação da distância de construção às extremas laterais [arts. 50.º, n.º 1 e 48.º, n.º 4, a), do Regulamento do PDM], em harmonia com o alegado no requerimento cautelar.

XXI. Ora, nos termos do artigo 68.º, a), do RJUE, são nulas as licenças, e respectivas deliberações de aprovação, que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território.

XXII. Nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do CPTA, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo, pelo que não se verifica qualquer caducidade do direito de ação da Recorrida.

XXIII. Sem conceder, a Recorrida só teve conhecimento efetivo da integralidade da deliberação a impugnar em 20/02/2020, quando, a seu pedido, lhe foi dada a conhecer a Informação Final do Diretor de Departamento de Ordenamento e Urbanismo, de 08/07/2019, para a qual remete e é parte integrante da deliberação em causa.

XXIV. Desta forma, o prazo de três meses legalmente previsto para impugnar a deliberação em causa, caso a mesma padecesse do vício de anulabilidade – o que não se admite – ainda estaria a decorrer à data da propositura da providência cautelar.

XXV. Assim, mesmo que estivéssemos perante uma deliberação anulável, não caducou o direito de ação da Recorrida.

XXVI. Quanto à questão do “fumus boni juris”, como bem decidiu o Tribunal a quo, face à informação e parecer técnicos emanados no processo, «competiria então ao Município especificar acerca do cumprimento dos critérios edificativos em vigor, superando as desconformidades apontadas nas informações precedentes.»

XXVII. A interpretação que a Recorrente faz da informação técnica e do parecer juntos ao processo não tem qualquer cabimento com a realidade, e não se coaduna com o facto de ter havido uma proposta inicial de indeferimento do projeto de alterações.

XXVIII. A informação técnica de 15/05/2019 e o parecer de 17/05/2019 referem, expressamente, que o projeto de alterações viola as normas do Regulamento do PDM.

XXIX. Assim, em consonância com o decidido pelo Tribunal recorrido, era aos requeridos que cabia o dever de demonstrar o cumprimento das condicionantes legais em vigor para a construção a licenciar, de forma a superar a proposta de indeferimento, o que não foi feito.

XXX. Nem isso resulta do ato suspendendo, que, como refere a sentença recorrida, «nenhuma referência faz ao cumprimento das limitações regulamentares em vigor, concretamente em relação à cércea da construção a licenciar, sequer por referência à “justificação apresentada pelo requerente”, para a qual remete, uma vez que desta nada consta quanto à cércea dominante.»

XXXI. Por esse motivo, como bem entendeu o Tribunal a quo, «não pode deixar de se reconhecer, na situação em apreço, uma séria probabilidade de procedência da acção principal de impugnação do acto de alteração da licença de construção, aprovado por deliberação de 11.11.2019.»

XXXII. Em todo o caso, face aos elementos constantes dos autos, é patente a desconformidade do projeto de alterações com as condicionantes legais previstas para o “Loteamento da Falacha”, que, como reconheceu expressamente o Município de Alcobaça, integra linhas orientadoras dos serviços camarários para a apreciação de projetos para aquela zona.

XXXIII. Ora, a alteração à licença, decidida na reunião camarária de 11/11/2019, viola as especificações constantes dos condicionamentos legais e regulamentares fixados para o Loteamento da Falacha, concretamente: (1) violação da cércea máxima (7,00m); (2) violação da distância da construção ao arruamento (5,00m); e (3) violação da distância da construção às extremas laterais (5,00m).

XXXIV.A desconformidade da obra a licenciar com estes condicionamentos, detectada e devidamente identificada na informação técnica de 15/05/2019 e no parecer de 17/05/2019, constitui fundamento de indeferimento do licenciamento, nos termos do art. 24.º, n.º 1, a), do RJUE, sem prejuízo da pronúncia em sede de audiência prévia.

XXXV. Em face do exposto, seria expectável que quer a pronúncia do requerente T................, em sede de audiência prévia (04/06/2019) quer a Informação final do Diretor de Departamento de Ordenamento e Urbanismo, Dr. C………….. (08/07/2019), superassem os obstáculos que vedavam a alteração à licença. Contudo, tal não sucedeu.

XXXVI. Sendo assim, persistem no ato final as mesmas ilegalidades imputadas à alteração da licença pelos atos instrutórios da própria Câmara Municipal de Alcobaça.

XXXVII.Ora, segundo os artigos 50.º, n.º 1, e 48.º, n.º 4, do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Alcobaça (Espaços urbanos de nível II), no espaço urbano dos aglomerados de São Martinho do Porto, a cércea máxima é determinada pela “cércea dominante no local” – ex vi art. 48.º, n.º 4, b), do PDM.

XXXVIII. Neste sentido, o próprio Município definiu, para a “cércea dominante no local”, a que se reporta o art. 48.º, n.º 4, b), do PDM de Alcobaça, que a cércea máxima será de 7,00 m, como consta das Informações Técnicas e dos Pareceres emitidos no âmbito do procedimento em curso (n.º 1/2016/126).

XXXIX. Deste modo, a Câmara Municipal adotou regras específicas para a cércea dominante no local, pelo que a Câmara Municipal está vinculada à emissão de licenças de edificação segundo os mesmos critérios e os mesmos parâmetros (máximos) para todos os requerentes de licenças de edificação em lotes livres na zona da Falacha.

XL. Trata-se, em rigor, do efeito gerado pela autovinculação administrativa unilateral (PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, Almedina, Coimbra, 2003, p. 397), que exige a manutenção do mesmo paradigma decisório, sobretudo em matérias mais rígidas de ordenação urbanística como são os parâmetros urbanísticos.

XLI. Em rigor, neste domínio específico, a decisão da Câmara Municipal de Alcobaça encontra-se limitada porque existem planos urbanísticos que pormenorizam e concretizam os parâmetros permitidos para a zona (nesta linha de “autovinculação administrativa” por efeito de planos e de atos de gestão urbanística tem caminhado a jurisprudência do STA – cfr. o Acórdão do STA, de 11/03/2003, Proc. 042973, Relatora Fernanda Xavier).

XLII. Resulta claro que as “cérceas dominantes” integram o bloco regulamentar definido pelo próprio PDM de Alcobaça. De tal forma que a violação da cércea dominante configura uma violação do próprio PDM [arts. 50.º, n.º 1 e 48.º, n.º 4, b)].

XLIII. A desconformidade da obra a licenciar com as regras do PDM de Alcobaça relativas às cérceas dominantes gera, formal e substancialmente, um vício de violação da lei, traduzido na nulidade da alteração à licença (“projeto de arquitetura-alterações”) de obras de edificação, aprovada pela deliberação camarária de 11/11/2019, nos termos do art. 68.º, a), do RJUE.

XLIV. Mas a alteração à licença de obras de edificação está também viciada porque na deliberação camarária, de 11/11/2019, os Senhores Vereadores, C………… e C………., referiram que iriam votar o assunto em apreciação tendo presentes os esclarecimentos prestados pelo Diretor de Departamento de Ordenamento e Urbanismo, Dr. C………………..

XLV. Sucede, porém, que a Informação Final do Dr. C…………. é carente de fundamentação jurídica, induzindo os Vereadores da Câmara Municipal em erro manifesto de apreciação.

XLVI. Sem conceder, como resulta dos critérios uniformes da Câmara Municipal, vertidos na citada Informação Técnica da Unidade de Licenciamento para o procedimento de obras n.º 1/2016/126, “os condicionamentos do Loteamento da Falacha para a construção são: f) Distância da construção às extremas laterais: 5,00 m”.

XLVII. A violação desse condicionamento foi verificada e confirmada pela Unidade de Licenciamento da Câmara Municipal de Alcobaça, de acordo com a informação técnica de 15/05/2019.

XLVIII. Também aqui há um completo vazio na Informação final do Dr. C………...

XLIX. Ainda sem conceder, como resulta dos critérios uniformes da Câmara Municipal, vertidos na citada Informação Técnica da Unidade de Licenciamento para o procedimento de obras n.º 1/2016/126, “os condicionamentos do Loteamento da Falacha para a construção são: e) Distância da construção ao arruamento: 5,00 m”.

L. A violação desse condicionamento foi também verificada e confirmada pela Unidade de Licenciamento da Câmara Municipal de Alcobaça, de acordo com a informação técnica de 15/05/2019.

LI. As normas urbanísticas aplicáveis ao pedido de licenciamento da operação urbanística são as normas do PDM de Alcobaça, os instrumentos regulamentares vigentes e os condicionamentos fixados às moradias na Falacha definidos por autovinculação administrativa unilateral.

LII. Por violação desses instrumentos, é manifesta a nulidade da alteração à licença (“projeto de arquitetura-alterações”) de obras de edificação, aprovada por deliberação camarária, de 11 de novembro de 2019 [artigos 37.º, n.º 1, alínea a), e 50.º a 60.º do CPTA].

LIII. Assim, também por esta via se verifica a aparência de bom direito (artigo 120.º, n.º 1, do CPTA).

LIV. Por fim, face ao supra alegado, já está por demais demonstrado que a cércea prevista para o imóvel da Recorrente, nos termos do projeto de alterações, viola a cércea dominante no local.

LV. É manifesto que, caso se verifique a conclusão dos trabalhos de edificação, perante a procedência da ação principal, será, no mínimo, extremamente difícil repor a situação anterior, dado que será necessário proceder à demolição do edifício dos Recorrentes.

LVI. Sem conceder, o prosseguimento das obras acarretará, para a Recorrida, outros graves prejuízos de difícil reparação, na medida em que as unidades de alojamento de que é proprietária continuarão a ser sujeitas a uma grave depreciação económica do seu valor de mercado.

LVII. O valor de mercado da fração autónoma, dispondo da vista panorâmica sobre a baia de São Martinho do Porto, era de € 600 000,00 (seiscentos mil euros),

LVIII. Com a prossecução e conclusão da obra, e com a consequente anulação da vista, o preço de mercado da fração autónoma descerá para menos de € 300 000,00 (trezentos mil euros).

LIX. Para além de altamente desvalorizada, a Recorrida ficará, materialmente, impedida de alienar a fração em apreço, na medida em que, desprovida da vista panorâmica que a fazia destacar, deixará de ter potenciais interessados na sua aquisição.

LX. Outrossim, verificam-se outros prejuízos de difícil reparação, resultantes de uma atuação administrativa que torna extramente difícil a reposição da situação anterior à lesão, causando danos que, ainda que suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se mostrará sempre insuficiente.

LXI. Como salientam Mário Aroso de ALMEIDA/Carlos Alberto Fernandes CADILHA – Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2017, p. 972, do ponto de vista do periculum in mora, as providências devem ser “concedidas quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível em razão da mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de «difícil reparação» no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente”.

LXII. Logo, a única forma de evitar essa situação será impedindo, e sem aguardar pela decisão final da ação administrativa, a continuação e conclusão da obra de edificação em causa (processo n.º 01/2016/126).

LXIII. Quanto à ponderação dos interesses em jogo, bem esteve a sentença recorrida, ao considerar que «alinhados com os interesses privados dos requerentes, de natureza económica, subjazem os interesses de salvaguarda da legalidade e integridade urbanística, que, assim, se contrapõem aos interesses unicamente privados (de índole económico-financeira) da contra-interessada», face aos quais «não pode senão concluir-se pela superioridade dos danos que resultariam para aqueles interesses do não decretamento da providência, relativamente àqueles que a contra-interessada visa salvaguardar.»

LXIV. Em conclusão, não merece qualquer reparo a sentença ora recorrida, devendo improceder o presente recurso, na sua globalidade.”.

Pedem que não se conceda provimento ao recurso.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de que, em face dos direitos em presença, não está em causa matéria que envolva direitos fundamentais que determine e emissão de parecer.

*

O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

São as seguintes as questões a conhecer:

1. Erro de julgamento de direito no tocante à caducidade do direito de ação da ação principal;

2. Erro de julgamento de direito em relação ao requisito do fumus boni iuris;

3. Erro de julgamento de direito em relação ao requisito do periculum in mora;

4. Erro de julgamento de direito em relação ao juízo de ponderação de interesses.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A\ De facto

1. A primeira requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto social o aluguer de embarcações de recreio, nomeadamente iates, com ou sem tripulação, a administração de imóveis por conta de outrem e a prestação de serviços de alojamento mobilado para turistas, designadamente de alojamento local – cf. doc. 1 junto com o requerimento inicial (“RI”) do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

2. A segunda requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto social a mediação imobiliária, a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; a construção gestão e avaliação de imóveis, administração de condomínios e prestação de serviços conexos; a prestação de serviços de alojamento mobilado para turistas, designadamente de alojamento local – cf. doc. 1 junto com o requerimento inicial (“RI”) do processo n.º 379/20.8BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

3. A primeira e a segunda requerentes fazem parte do mesmo grupo empresarial, tendo o gerente M………….. em comum e partilhando a sede social – cf. doc. 1 junto com cada um dos RI, cujo teor se dá por reproduzido.

4. A primeira requerente é dona e legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao primeiro apartamento do tipo T-três, lado Poente, composto de cave para estacionamento, rés-do- chão, primeiro e segundo andares, com comunicação vertical entre pisos, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua ……., Lote 27, Falaxa, inscrita na matriz predial sob o artigo …….-A da freguesia de São Martinho do Porto e descrita na Conservatória do Registo de Alcobaça sob o n.º ……-A da mesma freguesia, encontrando- se a titularidade do mesmo registada a seu favor pela Ap. n.º ……. de 2019/12/20 – docs. 3 a 5 juntos com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

5. No âmbito do processo de obras n.º 01/2016/126, foi emitido “Alvará de Licenciamento de Obras de Construção n.° 166/2018, em nome de T................ – …., Unipessoal, Lda., contribuinte fiscal n.º ................, para o prédio sito na Rua…………., Lote 14, no lugar de Falacha, freguesia de S. Martinho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de Alcobaça, sob o n.º…….. Porto, e inscrito na Matriz Predial Urbana, sob o Artigo n°…………. Porto” – cf. doc. 8 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

6. Do alvará referido no ponto anterior mais consta que “[as] obras licenciadas por Despacho de 31/03/2017 (…) apresentam as seguintes características:

Tipo de Obras: Obras de Construção (habitação, muros e Piscina); Área Total de Construção: 681.00 m2;

Volumetria: 1.622,50 m3;

Área de implantação: 181,50 m2;

N.° pisos acima da cota de soleira: 2 e Sotão

N.° pisos abaixo da cota de soleira: 1

Uso: Habitação e Piscina - Cércea: 5,50 m

N.° de fogos: 1.

PRAZO DE VALIDADE DA LICENÇA

Inicio: 13/12/2018

Termo: 13/12/2019” – cf. doc. 8 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

7. Por mensagem de correio electrónico de 25.11.2019, os serviços do município requerido autorizaram a segunda requerente a consultar o processo de obras n.º 01/2016/126 – cf. doc. 9 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido e acordo.

8. Na consulta do processo, verificou-se a existência de um pedido de alteração ao projeto inicial, apresentado junto dos serviços do município requerido em 10.04.2019 – cf. docs. 10 e 11 juntos com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

9. No âmbito do mesmo procedimento, e concretamente em sede de apreciação do pedido de alteração, em 15.05.2019 foi emitida uma Informação Técnica pela Unidade de Licenciamento da Câmara Municipal de Alcobaça, assinada pela Arq.T……………., com o n.º de registo …….., referente à viabilidade da alteração ao projeto inicial de obras n.º 1/2016/126 – cf. doc. 12 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

10. Da informação técnica referida no ponto anterior consta, além do mais, o seguinte:

(…) 5. Confrontado o terreno em questão com as Cartas de Condicionantes e de Ordenamento do PDM, verifica-se que o terreno em apreço integra o Loteamento da Falacha, concretamente no Lote ….. em São Martinho do Porto.

Assim, os condicionamentos do Loteamento da Falacha para a construção são:

a) Uma vivenda ou moradia por Lote;

b) Ocupação a nível do rés-do-chão: 10% Mínima (da área do lote) 30% Máxima (da área do lote)

c) Ocupação com anexos: 5% máxima (da área do lote)

d) Cércea máxima: 7,00m

e) Distancia da construção ao arruamento: 5,00m

f) Distância da construção às extremas laterais: 5,00m

6. Por dúvidas no que respeito à cércea. tendo em conta que apresenta duas cérceas distintas, 5,62 m Rua…………….. e 8,39 m Rua…………., deixo à consideração superior a decisão de qual das cérceas se deverá considerar.

7. Verifica-se que a presente pretensão não cumpre com a alínea e) do ponto 5, contudo segue o alinhamento das moradias confinantes, pelo que remeto à consideração superior a decisão final sobre a esta matéria.

8. Verifica-se que a presente pretensão não cumpre com a alínea f) do ponto 5. (…)” – cf. doc. 12 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

11. Na sequência da informação referida no ponto anterior, em 17.05.2019 foi emitido parecer pelo Chefe da Unidade de Licenciamento da Câmara Municipal de Alcobaça com o seguinte teor:

Na sequência da informação técnica da Unidade de Licenciamento, datada de 15/05/2019, cumpre-me informar o seguinte:

Relativamente ao enquadramento urbanístico da pretensão, para além do exposto no ponto 6 da informação supracitada, considero a proposta apresentada menos adequada ao local do que a proposta aprovada em sede do presente processo, no que respeita à cércea e à volumetria da edificação, e assim, ao impacto visual da mesma na envolvente.

Quanto às situações descritas nos pontos 7 e 8 da informação técnica da Unidade de Licenciamento, verifica-se que a proposta agora apresentada segue os alinhamentos da proposta aprovada.

Assim, deixo à consideração superior uma decisão sobre a viabilidade da pretensão em apreço.” – cf. doc, 13 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

12. Em 22.05.2019 foi proferido despacho pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, no âmbito do processo n.º 01/2016/126, pelo qual se determinou:

Face às propostas de indeferimento constantes das informações supra, é de notificar o requerente que o Município de Alcobaça tem a intenção de indeferir a sua pretensão, pelo que lhe é concedido um prazo de 10 dias para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento. Deverá ainda o mesmo ser notificado de que caso não exerça esse mesmo direito dentro do prazo indicado, deverá considerar definitivamente indeferido ovseu pedido.” – cf. doc. 15 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

13. Por ofício datado de 22.05.2019, com o n.º 2466 e a referência 01/2016/126, subscrito pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, a contra-interessada T................ – Unipessoal, Lda. foi informada do seguinte:

(…) por meu despacho datado de 22 de maio do corrente ano, cumpre-me notificar V. Ex.ª para, no prazo de 10 (dez) dias úteis, contados a partir do dia seguinte ao da recepção da presente notificação, apresentar por escrito o que se lhe oferecer sobre a proposta de indeferimento que recaiu sobre o pedido referido em epígrafe. Tal proposta é fundamentada no parecer de que se anexa fotocópia.

Fica ainda notificada de que, caso não exerça esse mesmo direito dentro do prazo indicado, deverá considerar definitivamente indeferida a sua pretensão. (…)” – cf. doc. 14 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

14. Por documento datado de 07.06.2019, a contra-interessada apresentou junto dos serviços do réu “Resposta à audiência prévia” mediante a qual se pronuncia “sobre o projecto de decisão de indeferimento” referido no ponto anterior, solicitando, a final, “a revisão do projecto de decisão e o deferimento do (…) pedido de licenciamento” – cf. docs. 20 e 21 juntos com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

15. Em 08.07.2019, foi emitido pelo Director do Departamento de Ordenamento e Urbanismo da Câmara Municipal de Alcobaça parecer com o seguinte teor:

Considero o ponto 6 da resposta do requerente à proposta de indeferimento consistente com a realidade urbanística onde se insere o presente projecto de arquitectura. Por outro lado, o projecto cumpre os dois pisos acima da cota de soleira, sendo que os pisos em semi-cave acompanham o declive existente.

Neste sentido, propõe-se o deferimento, com base na justificação apresentada pelo requerente.” – cf. doc. 22 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

16. Em reunião ordinária da Câmara Municipal de Alcobaça de 11.11.2019, foi deliberado por unanimidade aprovar o proposto pelo Director do Departamento de Ordenamento e Gestão Urbanística na informação referida no ponto precedente – cf. doc. 22 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

17. Por missiva datada de 05.12.2019, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, a segunda requerente expôs junto do requerido o seguinte:

A ora Requerente é proprietária confinante do prédio urbano objecto do processo de obras n.º 01/2016/126.

No passado dia 27/11/2019, a Requerente, enquanto interessada, consultou o referido processo de obras, nos serviços técnicos da Câmara Municipal de Alcobaça.

Na consulta do processo, verificou a existência de um pedido de alteração ao projecto aprovado em 2016, apresentado em Abril de 2019. Na apreciação do pedido de alteração, foi elaborada uma informação técnica, datada de 15/05/2019, que refere que o projecto deve respeitar as condicionantes do Loteamento da Falacha,

Ainda, o técnico responsável pela informação deixa à consideração superior as questões seguintes:

a) Existindo duas cérceas distintas, qual delas se deve considerar;

b) O projecto não cumpre a distância da construção ao arruamento, apesar de seguir o alinhamento das moradias confinantes;

c) O projecto não cumpre a distância da construção às extremas laterais.

No seguimento da informação técnica, o Director do Departamento de Ordenamento e Gestão Urbanística emitiu parecer, datado de 17/05/2019, referindo que:

a) No que diz respeito à cércea, a proposta é menos adequada ao local, em comparação com a proposta já aprovada no âmbito do processo de obras;

b) Relativamente às distâncias, a proposta em análise segue o alinhamento da proposta já aprovada.

Por fim, deixa igualmente à consideração superior a viabilidade da alteração proposta.

No seguimento das informações técnicas antecedentes, foi proferido despacho de indeferimento da alteração, datado de 22/05/2019,

Que foi notificado aos interessados por carta datada de 22/05/2019, concedendo-lhes o prazo de 10 dias para se pronunciarem.

Os interessados não responderam ao indeferimento, conformando-se com o mesmo.

Sucede que, de forma manifestamente ilegal, a moradia em crise está a ser construída, e quase concluída, de acordo com o projecto que instruiu o pedido de alteração apresentado em Abril de 2019, e que foi indeferido pela Câmara Municipal de Alcobaça.

A construção em curso não cumpre o projecto de 2016, que foi aprovado pela Câmara Municipal de Alcobaça, e, consequentemente, não obedece à respectiva licença de construção.

A construção está, por isso, em desconformidade com o acto administrativo de controlo prévio que aprovou o respeito projecto de construção, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 102.º do RJEU.

Nesse pressuposto, deve a Câmara Municipal de Alcobaça proceder ao embargo da obra em apreço, nos termos da alínea a) do n.º 2 da mesma disposição legal e do art. 102.º-B, tendo em vista a reposição da legalidade urbanística, o que se requer.” – cf. doc. 16 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

18. Em resposta à exposição referida no ponto antecedente, por ofício datado de 17.12.2019, subscrito pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, o requerido informou a segunda requerente do seguinte:

«Relativamente à exposição referenciada, e em cumprimento do despacho do Presidente da Câmara Municipal, datado de 11 de dezembro do corrente ano, cumpre-me comunicar a V. Exa o teor da informação do Chefe da Divisão de Ordenamento e Licenciamento, conforme se transcreve:

“No seguimento duma reclamação apresentada sabre o processo de obras n° 01/2016/126, a Secção de Fiscalização deslocou-se ao local e, conforme consta da informação e do respectivo registo fotográfico obtido, verificou que a T................ —……, Unipessoal, Lda., titular do processo de obra supra identificado está a executar obras de construção, em desconformidade com o respetivo projeto uma operação urbanística sujeitas a prévio licenciamento (neste sentido ver al. c) do n° 4, e n° 5 do art 4º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação) sem que tenha obtido o respetivo alvará de licenciamento, por parte o Município de Alcobaça.

Face a esta situação quais deverão ser os procedimentos camarários a adoptar face ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação?

Da leitura da Subsecção III (Medidas de tutela da legalidade urbanística), da Secção V, do Capitulo III, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, proponho que sejam adoptados os seguintes procedimentos:

Deve ser instaurado um processo de contraordenação por violação do art 98 °, n° 1, al. b) e n° 3 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, devendo o processo de obras ser remetido à Secção de Fiscalização para esse efeito.

Além disso, uma vez que estamos perante um comportamento ilegal que está a ser executado, deverá ainda proceder-se ao embargo da mesma, ao abrigo da al. a) do n° 1 do art. 102°-B do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, que prevê que o Sr. Presidente da Câmara é competente para embargar obras de edificação, quando estejam a ser executadas sem a necessária licença ou comunicação prévia.

Deverá também esse embargo ser feito sem audiência prévia do interessado, ao abrigo da al. a) do n° 1 do art. 124° do novo Código de Procedimento Administrativo, visto este ser um claro caso de violação da legalidade urbanística, sendo por isso urgente que a mesma seja interrompida a fim de evitar o agravamento das irregularidades cometidas ou de tomar mais difícil a reposição dessa mesma legalidade. Mais deverão ser feitas a notificações ao responsável pela direcção técnica da obra, bem como ao titular do alvará de licença e a de quem se encontre a executar a obra no local, advertindo-os que qualquer destas notificações é suficiente para obrigar à suspensão dos trabalhos.

Deverá além disso comunicar-se a ordem de embargo à conservatória do registo predial e às entidades responsáveis pelos fornecimentos de energia eléctrica, gás e água às obras embargadas, de acordo com as normas constantes nos arts. 102° e 103°do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.

Destes procedimentos deve ser ainda dado conhecimento à reclamante. No entanto, quanto á exposição por ela apresentada, na qualidade de vizinha do prédio alvo do processo de obra n° 01/2016/126, que se confirma o mencionado pela mesma nos primeiros nove parágrafos (alíneas incluídas) da sua exposição.

Já no que respeita ao décimo parágrafo, e tendo em consideração o previsto nos ns° 5 e 6 do art. 113º do Código de Procedimento Administrativo, é de esclarecer a reclamante que não corresponde à realidade que a requerente se tenha conformado com o indeferimento do seu pedido de alteração ao projecto, uma vez que em 7 de Junho pp, a titular do processo veio entregar resposta à proposta de indeferimento do Município de Alcobaça.

Essa mesma resposta foi analisada pelo Departamento de Ordenamento e Gestão Urbanística, tendo merecido parecer favorável e sido remetido para decisão da reunião de Câmara.

Na reunião do passado dia 11 de Novembro último, foi o presente assunto apreciado, tendo a proposta de arquitectura de alteração ao projecto sido aprovada por unanimidade, estando a correr a respectiva tramitação para notificação à titular do processo, para posterior entrega dos projectos de especialidades respectivos.

Quanto aos remanescentes parágrafos, atenta a parte inicial da minha informação, creio que se poderão considerar os mesmos respondidos.‖ Mais se comunica que foi levantado pelos Serviços de Fiscalização em 13 de dezembro último o Auto de Notícia que se registou sob o n.° 11621/2019, tendo sido lavrado Auto de Embargo registado sob o n.° 11623/2019.» – cf. doc 17 junto com o RI do processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

19. Em 17.03.1963 foi requerida à Conservadora do Registo Predial de Alcobaça a desanexação de onze parcelas de um prédio rústico, “todas elas situadas à Falaxa, freguesia de São Martinho do Porto” – cf. doc. 3 junto com a oposição do requerido no processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido.

20. De documento intitulado “LOTEAMENTO DA FALACHA – URBANIZAÇÃO DOS TERRENOS DE ST.º ANTÓNIO + CONDICIONAMENTOS PARA CONSTRUÇÃO +”, datado de 21.02.1978 e presente nos arquivos da Câmara Municipal de Alcobaça, consta o seguinte:

“- UMA VIVENDA OU MORADIA POR LOTE

-OCUPAÇÃO A NÍVEL DE RÉS-DO-CHÃO: 10% MÍNIMA

DA ÁREA DO LOTE

30% MÁXIMA

- OCUPAÇÃO COM ANEXOS: 5% MÁXIMA

- CÉRCEA MÁXIMA: 7,00m

- DISTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO AO ARRUAMENTO: [ILEGÍVEL]

- DISTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO ÀS EXTREMAS LATERAIS: 5,00m

- EXCEPÇÃO AOS LOTES 2, 3, 4 POR TEREM MENOS METROS DE FRENTE.

-´´-

PARECER FAVORÁVEL DO ARQ. URBANISTA” – cf.doc. 4 junto com a oposição do requerido no processo n.º 378/20.0BELRA, cujo teor se dá por reproduzido e confissão [cf. 30.º, ix da oposição do requerido].

21. O documento referido no ponto anterior foi utilizado como documento orientador na avaliação dos pedidos de edificação apresentados junto da Câmara Municipal de Alcobaça – confissão [cf. 30.º, xiv da oposição do requerido].

22. Não há registo na Câmara Municipal de Alcobaça de qualquer operação urbanística de loteamento ou da aprovação de qualquer regulamento de loteamento para a localidade da Falacha – acordo.


*

Os factos elencados foram dados como provados com base no acordo das partes, apurado mediante a posição por si assumida nos respectivos articulados, bem como com base no teor dos documentos juntos aos autos, indicados por referência a cada concreto ponto da matéria.

Por seu turno, o acordo resultante da falta de impugnação dos factos ou a confissão expressa relevaram para que se desse como assente a factualidade assente em 21, 22, 7 e 20, quanto a estes dois últimos, apenas parcialmente, conforme também referido relativamente a cada ponto do elenco.

Nada mais se provou com relevo para a solução jurídica da causa.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa agora entrar na análise das questões colocadas para decisão, segundo a sua ordem prioritária e lógica de conhecimento.

1. Erro de julgamento de direito no tocante à caducidade do direito de ação da ação principal

Vem a Contrainteressada reagir contra a sentença recorrida, dirigindo-lhe o erro de julgamento, com o fundamento de, ao contrário do decidido, dever ser julgada procedente a exceção de caducidade do direito de ação principal, de que depende a presente providência.

Mas totalmente sem razão.

Sob uma formulação jurídica não inteiramente rigorosa, por não poder o Tribunal na presente instância cautelar proferir qualquer pronúncia que produza os seus efeitos noutro processo, ainda que o presente processo seja dele dependente e instrumental, compreende-se o efeito jurídico que a ora Recorrente pretende obter com o fundamento do recurso, quanto o de fazer extinguir o presente processo cautelar por falta de instauração da ação administrativa dentro do seu respetivo prazo legal.

Entende a Recorrente que por a ação administrativa de impugnação de ato administrativo não ter sido proposta dentro do prazo legal de três meses, nos termos previstos no artigo 58.º, n.º 1, b) do CPTA, verifica-se a caducidade do direito de ação, denominada na revisão ao CPTA, operada pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, de intempestividade da prática do ato processual, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 4, k) do CPTA.

No entanto, como a própria Recorrente admite na sua contra-alegação recursiva, as sociedades Requerentes do processo cautelar indicaram expressamente serem as respetivas instâncias cautelares dependentes de uma ação impugnatória que visa a declaração de nulidade de ato administrativo.

Do modo como as Requerentes configuraram o litígio, é pedida a declaração de nulidade da deliberação impugnada, emitida pela Câmara Municipal de Alcobaça, datada de 11/11/2019, que aprovou o pedido de alteração da licença de edificação, a que se refere o processo de obras particulares n.º 01/2016/126.

Por sua vez, os fundamentos de ilegalidade invocados pelas Requerentes contra a deliberação ora suspendenda reconduzem-se ao regime de nulidade dos atos administrativos, pois está em causa a alegação da violação de plano urbanístico, in casu, das normas do Plano Diretor Municipal de Alcobaça, nos termos do disposto no artigo 68.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo D.L. n.º 555/99, de 16/12.

O que se afigura bastante para poder assumir a correção do julgamento constante da sentença recorrida quanto a tal questão, no sentido de não se poder concluir pela intempestividade da ação principal de que dependem os autos cautelares, determinante da caducidade da providência decretada e da extinção do processo cautelar, nos termos do disposto no artigo 123.º, n.º 1, a) do CPTA.

Estando em causa um processo cautelar, o mesmo não tem por fito definir definitivamente o litígio no que se respeita à legalidade do ato impugnado, não emitindo qualquer pronúncia jurisdicional acerca do desvalor da deliberação suspendenda, por a mesma não ser impugnada na presente lide cautelar, apenas sendo pedida a sua suspensão de eficácia, ou seja, a paralisação provisória dos seus efeitos jurídicos.

Em consequência, não assiste razão à ora Recorrente ao invocar o erro de julgamento da sentença recorrida quanto a tal questão, não enfermando de violação do disposto nos artigos 333.º do CC e do artigo 89.º, n.º 3 do CPTA.

Termos em que será de negar provimento ao fundamento do recurso, por não provado.

2. Erro de julgamento de direito em relação ao requisito do fumus boni iuris

No tocante aos requisitos de decretamento da providência cautelar de suspensão judicial de eficácia, impugna a Recorrente a decisão tomada acerca do requisito do fumus boni iuris sob a alegação de que não é provável que se verifiquem as ilegalidades invocadas contra a deliberação suspendenda.

Sustenta que resulta de forma expressa das informações técnicas que sustentam o ato camarário que o projeto da Recorrente cumpre o disposto nos artigos 48.º e 50.º do Regulamento do Plano Diretor Municipal (RPDM) de Alcobaça e que o Loteamento da Falacha nunca existiu.

Invoca que o projeto da Recorrente cumpre a regra de alinhamentos prevista no artigo 48.º, n.º 4, a) do RPDM de Alcobaça, assim como cumpre o disposto na sua alínea b), respeitante à cércea máxima.

Mais alega que tal cumprimento é considerado assente nos pontos 11 e 15 do julgamento da matéria de facto.

Não é, por isso, provável, que o ato seja nulo, além de, segundo a Recorrente, as Recorridas não apresentaram elementos probatórios que permitissem pôr em causa os pareceres técnicos proferidos no processo administrativo.

Também para a Recorrente, se o Tribunal a quo entendia que existiam desconformidades nas informações técnicas, exigia-se a realização de diligências de prova que clarificassem a questão.

Vejamos.

Como anteriormente firmado a presente instância cautelar não tem por finalidade julgar a legalidade do ato suspendendo, antes aferir se é provável que o mesmo enferme das ilegalidades que lhe são dirigidas, de forma a apurar se é provável que a pretensão formulada ou a formular na ação principal, venha a ser julgada procedente.

Neste sentido, a pronúncia a emitir sobre a ilegalidade do ato suspendendo é apenas instrumental a apreciar da verificação do requisito de decretamento da providência cautelar, previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, necessariamente perfunctório, balizado pelo conhecimento sumário, de facto e de direito, que caracteriza o processo cautelar.

Por isso, não é exigível que o juiz cautelar conheça, quer de facto, quer de direito, como se de uma instância principal se tratasse, sob pena de um desvio das finalidades da instância cautelar.

Efetuado este enquadramento, não assiste razão à Recorrente ao invocar que tendo o Tribunal a quo dúvidas sobre o teor das informações técnicas, deveria ter promovido a abertura da fase de instrução e procedido à inquirição das testemunhas arroladas, pois não só não logra a Recorrente discordar do julgamento de facto da sentença recorrida ou sequer da sua fundamentação, como não logra invocar um qualquer erro de julgamento de facto à sentença recorrida.

O que está em causa é antes a interpretação dos factos julgados provados à luz das regras de direito, pelo que, uma questão de direito e não uma questão de facto que devesse ser submetida a meios de prova.

Por outro lado, ao contrário do alegado pela Recorrente no presente recurso, não se extrai dos pontos 11 e 15 do julgamento da matéria de facto qualquer juízo sobre a conformidade do projeto da ora Recorrente em relação à cércea e à volumetria da edificação.

O ponto 11 do julgamento da matéria de facto refere-se a um parecer emitido sobre a anterior informação técnica dos serviços, um e outro sustentando a proposta de indeferimento vertida no despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, dado como provado no ponto 12 do julgamento de facto da sentença recorrida; o ponto 15 do julgamento da matéria de facto respeita a um parecer emitido, o qual não se pronuncia expressamente sobre as questões da cércea e dos alinhamentos.

Por isso, afigura-se inteiramente correto o julgamento da sentença recorrida na parte em que afirma que o ato suspendendo não faz qualquer referência à “cércea dominante” ou ao cumprimento desse parâmetro, sequer por via das informações técnicas ou pareceres em que se sustenta.

Em face das questões técnicas levantadas na informação técnica constante do ponto 10 do julgamento da matéria de facto, impunha-se que a Entidade Requerida se pronunciasse expressamente sobre tais matérias, o que não ocorreu, deferindo, sem mais, a pretensão urbanística requerida.

Como consta da sentença recorrida: “Todavia, como se constata a partir do respectivo teor [cf. “15.” e “16.” dos factos provados], o acto suspendendo, mediante a aprovação do parecer do Director do Departamento de Ordenamento e Gestão Urbanística, nenhuma referência faz ao cumprimento das limitações regulamentares em vigor, concretamente em relação à cércea da construção a licenciar, sequer por referência à “justificação apresentada pelo requerente”, para a qual remete, uma vez que desta nada consta quanto à cércea dominante.

Vale tudo isto por dizer que o requerido não demonstrou nos autos o cumprimento das condicionantes legais em vigor para a construção a licenciar, motivo pelo qual não pode deixar de se reconhecer, na situação em apreço, uma séria probabilidade de procedência da acção principal de impugnação do acto de alteração da licença de construção, aprovado por deliberação de 11.11.2019.

Verifica-se, assim, em conclusão, o primeiro dos requisitos de que depende o decretamento das providências requeridas.”.

Mediante a invocação em informação técnica dos serviços de várias questões que deveriam conduzir ao indeferimento da pretensão urbanística requerida, como de resto se comprova pela emissão do ato datado de 22/05/2019, emitido pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, relativo à proposta de indeferimento e à notificação da ora Recorrente para se pronunciar em audiência prévia, exige-se à entidade administrativa que fundamente a sua posição, indicando as razões de facto e de direito que justificam uma mudança de entendimento.

Por outras palavras, não sendo apresentada qualquer alteração à pretensão urbanística requerida, mantendo-se a mesma tal como apreciada pelos serviços técnicos camarários, os quais concluíram por desconformidades, conduzindo à proposta de indeferimento, não se pode concluir, em face do exato teor do ato suspendendo, que o mesmo ao deferir a pretensão urbanística, sem prever qualquer condicionante ou antes ter existido qualquer alteração, respeite as prescrições legais e regulamentares aplicáveis no respeitante às várias questões suscitadas nos pareceres emitidos.

Por conseguinte, não enferma a sentença recorrida do erro de julgamento invocado a respeito do requisito do fumus boni iuris, sendo de manter o decidido.

3. Erro de julgamento de direito em relação ao requisito do periculum in mora

Vem ainda a Recorrente impugnar o julgamento da sentença recorrida respeitante ao requisito do periculum in mora, com o fundamento de que não existe qualquer situação de perigo, configurada em termos de inutilidade total ou parcial resultante do decurso do tempo, nem o receio da constituição de uma situação de facto consumado.

Novamente sem razão.

Para além dos interesses colocados no processo pelas Requerentes, que se alegam prejudicadas em consequência do ato suspendendo, por os imóveis de que são proprietárias passarem a ficar desprovidos das vistas panorâmicas sobre a baía de São Martinho do Porto, e que na hipótese de procedência da ação principal será extremamente difícil a reconstituição da situação anterior, releva sobremaneira e, de forma distintiva, a necessidade da tutela da legalidade urbanística, decorrente do dano que resulta da conclusão de uma obra de edificação potencialmente ilegal, na dimensão de constituir um dano de difícil reparação.

A aparência da ilegalidade urbanística determina que se afirme o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, por o não decretamento da providência requerida poder gerar uma situação de facto consumado, decorrente da conclusão da obra.

O que implica que seja de negar provimento ao fundamento do recurso, não enfermando a sentença recorrida do erro de julgamento que se mostra invocado.

4. Erro de julgamento de direito em relação ao juízo de ponderação de interesses

Por último, não assiste qualquer razão à Recorrente no respeitante à impugnação do juízo de ponderação de interesses, previsto no artigo 120.º, n.º 2 do CPTA, sob a alegação de o prejuízo para a Recorrente, resultante do decretamento da providência cautelar requerida, excede claramente o dano que as Recorridas pretendem evitar.

Acolhe-se, neste ponto, a fundamentação vertida na sentença recorrida, nos termos da qual: “No caso em análise, verifica-se que os interesses aduzidos pelas requerentes em favor do decretamento das providências requeridas se traduzem, por um lado, naqueles que respeitam à desvalorização das fracções de que são proprietárias, mas ainda, e por outro, na legalidade e integridade urbanística do “loteamento da Falacha”.

Por seu turno, não são alegados pelo requerido quaisquer interesses públicos contrapostos, sendo invocados pela contra-interessda os seus próprios interesses económicos, resultantes da paragem das obras e das eventuais despesas que a mesma para si acarrete, assim como das perdas de oportunidade de negócio.

Ora, considerando que, alinhados com os interesses privados das requerentes, de natureza económica, subjazem os interesses de salvaguarda da legalidade e integridade urbanística, que, assim, se contrapõem aos interesses unicamente privados (de índole económico-financeira) da contra-interessada, não pode senão concluir-se pela superioridade dos danos que resultariam para aqueles interesses do não decretamento da providência, relativamente àqueles que a contra-interessada visa salvaguardar.”.

Sendo de natureza equivalente os interesses assumidos pela Recorrente e pelas Recorridas, essencialmente de conteúdo patrimonial, avaliáveis economicamente, assume-se verdadeiramente distintivo o interesse público, de salvaguarda da legalidade urbanística, cuja defesa prevalece no litígio configurado em juízo.

Termos em que, sem mais, será de negar provimento ao recurso, por não provado, não incorrendo a sentença no erro de julgamento de direito invocado acerca do juízo de ponderação de interesses.

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Pelo que, em face de todo o exposto, será de negar provimento ao recurso jurisdicional interposto, por não provados os seus fundamentos.

*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I.Não pode o Tribunal na instância cautelar proferir qualquer pronúncia que produza os seus efeitos noutro processo, ainda que o presente processo seja dele dependente e instrumental, antes cabendo emitir a pronúncia de caducidade da providência cautelar decretada ou de extinção do processo cautelar, nos termos do disposto no artigo 123.º, n.º 1, a) do CPTA, se a ação principal não tiver sido instaurada dentro do prazo legal, nos termos previstos no artigo 58.º, n.º 1, b) do CPTA.

II.Tendo as Requerentes indicado expressamente que o processo cautelar depende de uma ação impugnatória que visa a declaração de nulidade de ato administrativo, sendo pedida a declaração de nulidade da deliberação impugnada, em consonância com os fundamentos de ilegalidade invocados, reconduzíveis ao regime de nulidade dos atos administrativos, estando em causa a alegação da violação de normas do Plano Diretor Municipal, nos termos do disposto no artigo 68.º do RJUE, não é possível concluir pela intempestividade da ação principal.

III. Mediante a emissão de informação técnica e de parecer camarários que suscitam desconformidades em relação à proposta urbanística requerida pela interessada, as quais fundamentaram a proposta de indeferimento, sem que exista qualquer alteração ou correção por parte da interessada ou a invocação das razões ou fundamentos por parte da edilidade que a levem a decidir em sentido contrário, não pode, sem mais, ser emitido ato de deferimento, sem a aparência da ilegalidade urbanística, consubstanciadora do requisito do fumus boni iuris.

IV. Verifica-se o requisito do periculum in mora decorrente quer do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, quer, sobretudo, da produção de prejuízos de difícil reparação, se a edificação da construção não for suspensa na sua execução.

V. Sendo de natureza equivalente os interesses defendidos pelas Requerentes e pela Contrainteressada, de conteúdo patrimonial, assume-se distintivo o interesse público traduzido na defesa da legalidade urbanística, determinante do juízo de prevalência da defesa do interesse público.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter a decisão cautelar, de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia requerida, por provada.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Alda Nunes)