Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13718/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS
ALTERAÇÃO DO EFEITO DO RECURSO
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO
DECISÃO DISCRICIONÁRIA
Sumário:I.- Tendo o recurso sido recebido no efeito devolutivo por o tribunal «a quo» ter, para tanto, invocado o art. 143°, n°2, al. b) do CPTA, não obstante tratar-se também de processo urgente, os presentes autos consubstanciam uma acção (principal) administrativa urgente de contencioso pré-contratual, não estando, portanto, abrangidos pela disposição contida no art. 143°, n°2, al. b) do CPTA, que apenas se aplica às decisões respeitantes a processos cautelares.

II.- Donde que, terá sido certamente por lapso manifesto que o Tribunal a quo atribuiu efeito devolutivo ao recurso interposto, já que no caso dos autos é evidentemente aplicável a regra geral prevista no art. 143°, n°1 do CPTA, que determina que "os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida", devendo, por isso, ser atribuído efeito suspensivo ao recurso.

III.- É que, como decorre das disposições conjuntas e combinadas dos artºs 641º e 652º, nº1, al. a) do CPC, o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal superior, pelo que nada obsta que se aprecie e decida agora se o efeito do recurso deve ser o suspensivo.

IV.- O despacho do juiz recorrido e do próprio relator que admita e declare nada obstar ao conhecimento do recurso, é provisório e não vincula este Tribunal, constituindo jurisprudência pacífica a de que a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie, ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior (cfr. artº 687º, nº 4 do CPC e, agora, o artº 641º do NCPC), ao passo que o despacho do relator no tribunal superior é também provisório por ser modificável pela conferência por iniciativa do próprio relator, dos seus adjuntos e até das próprias partes (cfr. 652º, nº1, al. a) do NCPC).

V.- Sendo indiscutível que a proposta tem um «lapsus calami» ostensivo e absolutamente seguro que o que, na vez do que aí se escreveu, se pretendera escrever outra coisa, deve o júri aceitar a rectificação da proposta à luz do princípio geral de direito acolhido no referido art.249° do Código Civil, abstendo-se de propor a exclusão dela, sem que isso viole os princípios da estabilidade das propostas ou da concorrência

VI.- Tal solução é imposta pelo princípio da concorrência tem como corolário que não sejam excluídos dos procedimentos pré-contratuais interessados em contratar cujas propostas apresentem deficiências que possam ser supridas sem pôr em causa as regras imperativas e os princípios a que devem obedecer os procedimentos administrativos relativos à formação dos contratos públicos.

VII.- Na presença de um mero lapso, manifestamente perceptível, como ocorreu no caso vertente, que em nada influi no mérito, seriedade, firmeza e certeza da proposta apresentada, bem andou o Júri ao manter e validar a proposta em homenagem ao princípio da prossecução do interesse público.

VIII.- E ficando demonstrado que o júri, usou da margem de discricionariedade que lhe conferia o n°4 do art°71º do CCP, para admitir propostas de preço anormalmente baixo devidamente justificadas, jamais poderia o Tribunal substituir-se ao júri no exercício de tal discricionariedade, através da condenação da entidade adjudicante à prática de um ato administrativo de sentido e alcance vinculados.

IX.- De quanto vem dito decorre a insusceptibilidade de aplicação ao caso dos autos, pelo menos em termos de verosimilhança, da hipótese prevista no artº 60º nº 3 CCP, isto porque, atento o enquadramento resultante das peças do procedimento e pelas razões de direito supra expostas, não se evidenciam divergências ou contradições no preço global fixado e na abertura à concorrência da respectiva decomposição em preços parcelares e unitários por espécies de trabalhos especificados nas peças do procedimento e necessários à execução do contrato
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I- RELATÓRIO

A Sociedade A…………- Ambiente ……………………………….., S.A., com os sinais nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, processo de contencioso pré-contratual contra a Fundação para a Ciência e Tecnologia, F....., I.P., e a contra-interessada, G………… M………– Concepção, ………………………….., S.A., pedindo a anulação do acto que aprovou o relatório final do júri, bem como do acto de adjudicação do Procedimento por Ajuste Directo para «Aquisição de serviço pós venda – Integrações Outsystems, F....., I.P» à contra-interessada.
E, ainda, pediu a Entidade Demandada seja condenada, em prazo não superior a 10 dias, a praticar um acto administrativo, por intermédio do qual exclua a proposta da contra-interessada e adjudique o contrato a seu favor.

Por sentença daquele Tribunal datada de 02.08.2016 a acção foi julgada improcedente.

Irresignada, a A., veio recorrer para este Tribunal Central, apresentando alegação e formulando as seguintes conclusões:

«1.Na proposta da contra-interessada são indicados dois preços, o preço global, no valor de € 199.900,00 (cento e noventa e nove mil e novecentos euros) e o parcial, preço/hora, no valor de € 25,52 (vinte e cinco euros e cinquenta e dois euros).
2. Tendo em conta o número de horas previsto no Caderno de Encargos, que é de 7832, multiplicando-o pelo valor/hora indicado na proposta da contra-interessada chegamos ao resultado de € 199.872,64 (€ 25,52 x 7832h), inferior ao limiar do preço anormalmente baixo fixado no convite à apresentação de propostas.
3. A sentença recorrida considerou ser de aplicar o art.249° do CC, com fundamento na falta de disposição sobre a matéria no CCP.
4. Ao contrário do que ali se decidiu, tal lacuna não ocorre, já que existe uma norma expressa no CCP que regula especificamente as situações em que ocorre divergência na expressão formal da vontade do concorrente e a sua (eventual) vontade real que se materialize na diferença entre o preço global e os preços parciais indicados na proposta.
5. Havendo uma norma no CCP, não há, naturalmente, lugar à aplicação das normas previstas no CC, designadamente do art.249° do CC, errando, pois, a sentença na determinação da norma aplicável.
6. Impunha-se, assim, a aplicação do art.60°, n°3 do CCP, que determina que em caso de divergência entre o preço global e os preços parciais indicados nas propostas, prevalecem sempre e para todos os efeitos estes últimos, independentemente das razões subjacentes àquela divergência.
7. O art.60°, n°3 do CCP ao determinar uma prevalência absoluta (sempre e para todos os efeitos) dos preços parciais, mais decompostos, sobre o preço global, evita, assim, que qualquer concorrente possa optar por um dos preços indicados, consoante tal lhe seja mais favorável em face do concreto procedimento, em coerência com os princípios fundamentais da igualdade e da concorrência, de que o essencial princípio da intangibilidade das propostas constitui importante refracção.
8. É, pois, evidente, que, ao contrário do que decidiu a sentença recorrida, na situação dos autos não pode ser aplicado o art.249° do CC, mas antes o art.60°, n°3 do CCP, que é, assim, ostensivamente violado por aquela decisão.
9. O erro de julgamento cometido a este propósito implicou um outro, no que se refere à legalidade da admissão da proposta da contra-interessada.
10. Aplicando o art.60°, n°3 do CCP, como se impunha, conclui-se inevitavelmente que a proposta da c.i. continha um preço anormalmente baixo, pelo que não tendo sido incluída na mesma o documento justificativo daquele preço, como determina o art.57°, n°1 al. d) do CCP, teria a mesma de ser objecto de exclusão do procedimento, como resulta imperativamente das disposições conjugadas dos arts. 70°, n°2, al. e) e 146°, n°2, al. d) do mesmo diploma.
11. Assim sendo, o acto impugnado ao adjudicar o contrato àquela concorrente, ao invés de determinar a exclusão da sua proposta, incorre em evidente vício de violação de lei, por desrespeito dos arts. 60°, n°3, 70°, n°2, al. e) e 146°, n°2, als. d) e o), este último ex vi ao art.122°, n°2 do CPP, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, que deste modo viola estas disposições legais.
12. Deverá o presente recurso proceder e, em consequência, ser julgado procedente o pedido impugnatório e anulado o acto de adjudicação impugnado.
13. Em consequência, deverá ainda este Venerando Tribunal, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art.149° do CPTA, conhecer do pedido condenatório e julgá-lo procedente.
14. Com efeito, das disposições determinantes da anulação do acto impugnado resulta directa e imediatamente a exclusão da proposta da contra-interessada do procedimento, subsistindo apenas a proposta da recorrente, que, deste modo, terá de merecer a adjudicação do contrato.
15. Impõe-se, portanto, a condenação da entidade recorrida a praticar acto administrativo que determine a exclusão da proposta da contra-interessada e a adjudicação do contrato à recorrente.
16. Devendo ainda ser fixado um prazo não superior a 10 dias para o cumprimento de tal condenação, nos termos dos arts.3°, n°2 e 95°, n°4 ex vi do art.97°, n°1, todos do CPTA.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida, julgando-se a acção totalmente procedente e em consequência:
a) Ser anulado o acto administrativo que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação do contrato à contra-interessada (DOC. 1);
b) Ser a entidade recorrida condenada a praticar acto administrativo consubstanciado na exclusão da proposta da contra-interessada e na adjudicação do contrato à recorrente;
c) Ser fixado um prazo não superior a 10 dias para o cumprimento da condenação referida em b).»

A Entidade Recorrida contra-alegou, concluindo do modo que segue:

«A) A sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento.
B) A aplicação do n°3 do art° 60° do CCP pressupõe que, numa determinada proposta, não só existam vários preços, mas também que haja divergência entre eles.
C) Para se aferir se há ou não divergência entre os vários preços constantes de uma proposta, necessário se torna interpretá-la, como declaração negocial formal que é.
D) Inexistindo, no CCP, normas imperativas quanto à interpretação das declarações negociais, há que recorrer às regras constantes do Código Civil, atendendo designadamente ao disposto no art°238° do referido Código.
E) Se, do contexto de toda a proposta e das circunstâncias em que foi efectivada, resulta sem margem para dúvidas que existiu, na indicação de um preço unitário, um erro manifesto de cálculo ou de escrita, o júri de um procedimento de ajuste directo ou a entidade adjudicante devem proceder oficiosamente à sua correcção ou permiti-la, abstendo-se de a excluir do procedimento concursal, já que o referido poder/dever se destina a restituir à proposta a sua verdade.
F) Tal solução não colide com os princípios da transparência e da concorrência, nem viola a regra da intangibilidade das propostas.
G) Mesmo que assim não se entenda, excluir uma proposta que não continha documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo porque, na sua análise, se concluiu que o preço proposto era distinto daquele que a concorrente várias vezes reiterava, resultando dessa diferença a consideração de tal preço como anormalmente baixo, sem antes lhe dar a oportunidade de se pronunciar sobre a justificação de tal preço, constitui para a concorrente uma decisão surpresa, incompatível com os princípios da boa fé e da protecção da confiança.
H) Tendo o júri discricionariedade, na margem que lhe é conferida pelo n°4 do art°71º do CCP, para admitir propostas de preço anormalmente baixo devidamente justificadas, e não se podendo o Tribunal substituir ao júri no exercício de tal discricionariedade, não pode a entidade adjudicante ser condenada à prática de um ato administrativo de sentido e alcance vinculados.
I) Ainda que um contrato, entretanto celebrado, seja anulável por vícios de que padeçam os actos procedimentais que lhe deram causa, pode o Tribunal, atentos os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício procedimental em causa, afastar tal efeito anulatório se a anulação do contrato se revelar desproporcionada ou contrária à boa fé, nos termos do n°4 do art°283° do CCP.».

Contra-alegou igualmente a contra-interessada G......, S.A, apresentando, a final, o seguinte quadro conclusivo:

«A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença datada de 02.08.2016, que julgou improcedentes os pedidos de anulação do acto administrativo que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação do contrato em apreço à G...... e, bem assim, o de condenação da Entidade Demandada a praticar o acto administrativo consubstanciado na exclusão da proposta da aqui Contra-interessada e na adjudicação do contrato à A......
B. Numa demonstração clara da sua falta de argumentos válidos, a Recorrente nada mais faz do que repetir o que já defendeu anteriormente, bastaria à ora Recorrida reafirmar e dar por reproduzido tudo aquilo que foi anteriormente por si alegado, que ficou provado e que consta da Sentença ora, injusta e erradamente, posta em crise.
C. Embora adira, na sua totalidade, ao teor das Contra-alegações apresentadas pela Recorrida, a G...... permite-se salientar alguns aspectos que, considera, revelam-se demonstrativos da ausência de sustento legal da presente acção.
D. No essencial, defende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porque incorre num manifesto lapso da norma aplicável à situação sub judice, já que, refere, verifica-se uma divergência na proposta da G...... e, como tal, devia ter sido feito uso do disposto no art°60°,n°3 do CCP.
E. No entanto, e embora, na ausência de argumentos válidos, a Recorrente repise, insistentemente neste argumento, não emerge qualquer divergência na mencionada proposta.
F. Ciente do limiar do preço anormalmente baixo imposto pelo convite, a G...... apresentou um preço para a prestação do serviço objecto do contrato a celebrar, justamente, por esse valor, ou seja, de € 199.900,00 para um número total de horas de 7832.
G. E é esse valor que, como salienta a própria Recorrente, resulta, de forma expressa e clara, em 3 momentos diferentes daquela proposta.
H. Sucede que, ao fazer a divisão do aludido valor pelo número de horas - e uma vez que o resultado do mesmo era composto por 14 casas decimais -, entendeu proceder ao respectivo arredondamento, de onde resultou um valor de 23,52.
l. Como consequência deste arredondamento, ao proceder-se à operação inversa (23,52 x 7832), o resultado será, efectivamente, um valor diverso dos referidos € 199.900,00 (valor a que a G......, efectivamente, se vinculou).
J. Ao proceder, nos termos do art°249° do CC à correcção do preço / hora - erro manifesto e ostensivo - a Entidade Adjudicante adoptou a única posição possível face ao princípio geral de direito ínsito na aludida norma e, bem assim, aos mais elementares princípios atinentes á contratação pública, designadamente os da concorrência, proporcionalidade e prossecução do interesse público.
K. É isso que resulta, também, e de forma unânime, da jurisprudência dos altos Tribunais: II. Se a proposta tem um «lapsus calami» ostensivo e se é absolutamente seguro o que, na vez do que aí se escreveu, se pretendera escrever, deve o júri aceitar a retificação da proposta à luz do princípio geral de direito acolhido no referido art.249° do Código Civil, abstendo-se de propor a exclusão dela, sem que isso viole os princípios da estabilidade das propostas ou da concorrência (Acórdão do TCA Norte, de 6 de Dezembro de 2013, proferido no proc. n°02363/12.6BELSB).
L. A propósito, especificamente, da relação desta temática com o princípio da concorrência, o Acórdão do STA de 30 de Setembro de 2009, tirado no processo 0703/2009; "[a]cresce que o principio da concorrência tem como corolário que não sejam excluídos dos procedimentos pré-contratuais interessados em contratar cujas propostas apresentem deficiências que possam ser supridas sem pôr em causa as regras imperativas e os princípios a que devem obedecer os procedimentos administrativos relativos à formação dos contratos públicos".
M. Assim, revelando-se ponto assente que a G...... assumiu o compromisso de prestar o serviço objecto do contrato em apreço pelo valor global de €199.900,00, esse lapso ostensivo, resultante, tão-somente, do arredondamento realizado, teria, necessariamente, que ser desconsiderado pela entidade adjudicante, sanando-o de modo oficioso.
N. Cumpre, igualmente, referir que em casos como o presente, em que se verifica um mero lapso (manifestamente perceptível) que em nada influi no mérito, seriedade, firmeza e certeza da proposta apresentada, o Júri tudo deve fazer para que a mesma seja mantida e devidamente avaliada, sob pena de violação do princípio da prossecução do interesse público.
O. De salientar, ainda, que, demonstrativo da manifesta falta de fundamentos do argumentário da Recorrente é o facto de fazer incidir toda a sua tese numa temática que em nada se relaciona com o circunstancialismo fáctico que, efectivamente, sucedeu no caso concreto.
P. Esclareça-se em definitivo: a G...... não tinha que apresentar, com a sua proposta, um documento com os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo!
Q. Por um lado, porque, como se viu, não apresentou um preço anormalmente baixo e, por outro, mesmo que, por hipótese de raciocínio, se considerasse que tinha acabado por fazê-lo, a proposta não podia ser, de imediato, excluída (ou seja, sem que, em momento prévio, lhe fosse dada oportunidade se apresentar tal justificação).
R. E isto porque, como parece revelar-se óbvio, a G...... desconhecia, no momento em que preparou e submeteu a sua proposta, que estaria a apresentar um preço global abaixo do supra aludido limiar, já que, em variadíssimos momentos, referiu, de modo expresso, que o valor global da sua proposta era de € 199.900,00.
S. As considerações tecidas em primeira instância e, agora, em sede de recurso jurisdicional são, pois, desprovidas de qualquer fundamento, pelo que, atento o exposto e contrariamente ao que a Recorrente sugere, a sentença recorrida julgou em termos que não merecem censura, mostrando-se inteiramente válida e legal.
Nestes termos,
Devem as presentes contra-alegações ser consideradas procedentes por provadas e, em consequência ser declarada a improcedência total do recurso jurisdicional interposto, nos termos e com os fundamentos descritos.
Mais devem ser prosseguidos os ulteriores trâmites legais, assim se fazendo a costumada Justiça!»

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

*
2.- DA FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu como indiciariamente provada a seguinte matéria de facto (por nós renumerada a partir do número 2, por repetição da numeração):
1. Em 18 de fevereiro de 2015, consta da proposta da G...... no concurso de aquisição de serviço pós-venda - Integrações Outsystems F....., IP, designadamente:
1. Sumário
………………………………………………………………………………………..……………………………………………………

Em nome da G....., gostaríamos de agradecer a oportunidade concedida de apresentar a presente proposta de trabalho perante a V. Organização, de forma a endereçar as Vossas necessidades face ao projecto em epígrafe: "Aquisição de serviço pós venda –Integrações Outsystems F....., I.P.”

A G..... compromete-se em cumprir as obrigações referidas em Caderno de Encargos, bem como, em desenvolver as actividades necessárias para a implementação de todas as integrações, entre sistemas referidos no capítulo do conteúdo funcional de objecto referido no mesmo, por um valor global de 199,900,00 Eur. (cento e noventa e nove mil e novecentos euros). Tendo em conta o número de horas estimado pela F.....,I.P. apresentado em CE (7832 horas) e o valor global do investimento, a G..... apresenta um valor hora de 25,52Eur. (vinte e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos).

No intuito de manter uma relação de estreita parceria com a Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P., a G..... pensa reunir uma elevada capacidade de concretização, aliada a um enfoque permanente na obtenção dos resultados pretendidos, para a prossecução da melhor proposta de valor acrescentado em resposta às Vossas solicitações e aguarda com expectativa a oportunidade de voltar a trabalhar com os vossos quadros, de forma a atingir os objectivos assumidos.

(FACTO PROVADO POR DOCUMENTO CONSTANTE A FLS DO PA)
2. Em 19 de Fevereiro de 2016 é apresentada documento certificado, denominado de "Proposta", ali constando, designadamente:

Proposta da Empresa G...... M….CONCEÇÃO, ………………….., S.A,
G...... MSV - …………………………………………………………………………..
TECNOLÓGICAS. S.A. "
B……………… Office …………. 10, ……………………
……………………….. S,…………..
info@G.......com
Exmos. Senhores
Venho por este meio submeter à vossa apreciação a nossa Proposta /candidatura de preços referentes ao Procedimento em epígrafe.

1.Formulário Principal
Apresentação de Proposta enquanto Agrupamento Não
Cód. Proposta
Valor da Proposta
Prazo de Execução da Obra/ contrato
0,0
199.900,00
Não aplicável

4.Formulário da Proposta/Candidatura (Original)
Código
Designação
Quant.
Pedida
Un.Preço
Unitário
Total
AQ-LS
Aquisição de serviço pós venda -Integrações de Outsystems
1
1
199.900
199.900,00
Total (sem IVA) 199.900,00
2. ENVIO DA PROPOSTA
Dados do selo temporal de submissão da proposta
Data de entrega da proposta 19/02/2016 10:18:11
MULTICERT Qualifield Time Stamping
Authority2.5.4. #1305303030303035# Time Stamping Serviçes , C= MULTICERT
- Serviços de Certificação Electrónica, S.A.
03/02/2021 13:05:41
(FACTO PROVADO POR DOCUMENTO CONSTANTE A FLS DO PA)
3. Em 1 de Março de 2016 é subscrito documento denominado de "Relatório Final", ali constando:
O júri procedeu à avaliação das propostas em conformidade com o disposto no referido critério de adjudicação, tendo obtido a seguinte ordenação de propostas:

Concorrente
Preço total da proposta
Ordenação
G......
199.900,00€
1.º
A.....
257.480,00€
2.º

Considera a A..... que há uma divergência entre o preço indicado pela G......, com sendo o preço actual (199.900,00€) e o preço que resultaria do produto do preço hora indicado na proposta (25,52€), pelo número de horas estimado pelo Caderno de Encargos para a prestação dos serviços a contratar (7832) Esse valor é do de 198.872,64€.
Perante essa divergência considera a A..... que deve ser aplicada a norma inscrita no nº3 do artigo 60º do CCP, devendo prevalecer o segundo dos preços referidos, ou seja, o que resultaria dos preços parciais decompostos apresentados, neste caso, o preço hora.
Aponta de seguida, a A..... que esse preço no valor de 198.872,64€ se situa abaixo do preço que o Caderno de Encargos considera como limiar para a consideração de preços anormalmente baixos e que é de 199.900,00€.

De facto, a lei determina aquela consequência quando, constando do Caderno de Encargos um preço base ou um preço abaixo do qual se considere que existe preço anormalmente baixo, o concorrente proponha um preço que seja considerado como anormalmente baixo e não apresente igualmente com a sua proposta uma declaração justificativa desse preço anormalmente baixo.

A conclusão da A..... parte do pressuposto de não correspondência entre o preço total apresentado na proposta da G......, e o produto do preço/hora pelo número de horas estimado.

Ora, este pressuposto não é entendido pelo júri como correcto.

É para o júri claro que a G......, quis estabelecer uma relação entre o preço hora referido na proposta e o preço total apresentado.

Isso é evidente quando se lêem os termos em que a proposta é feita:“ O valor global de 199,900,00 Eur. (cento e noventa e nove mil e novecentos euros), e o valor hora é de 25,52Eur. (vinte e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos) baseado no número de horas estimado pela F....., I.P., apresentado em CE (7832 horas)”.

Como explicar então a divergência apontada pela A..... entre o produto do valor hora pelo número de horas estimado para a execução do contrato e o preço total apresentado?

A divergência é facilmente explicável pelo número de casas decimais usadas na menção ao preço/hora. O concorrente G...... mencionou o preço /hora utilizando apenas duas casas decimais. Ora, se o preço /hora não for trancado na segunda casa decimal, mas se abranger mais casas decimais obtemos o preço /hora de 25.523493.36057201€. Este valor multiplicado pelo número de horas estimado (7832 horas) dá-nos o valor de 199.900,00€, que é o valor do preço total proposto. Repare-se que o valor/hora proposto é de 25,52€ e não 25,51€ ou 25, 53€.Qualquer destes últimos dois valores invalidaria a conclusão retirada, o que não sucede como valor de 25,52€, que corresponde ao arredondamento correcto do preço/hora se considerarmos, quer as regras gerais relativas a arredondamentos decimais, quer as regras resultantes do Regulamento nº1103/97, do Conselho de 17 de Junho aplicáveis à conversão das moedas nacionais em euros.O respectivo artigo 5º estabelecia que “ os montantes pecuniários a pagar ou contabilizar (…) devem ser arredondados por excesso ou por defeito, para o cêntimo mais próximo“. O cêntimo mais próximo do valor 25.523493.36057201€ é 25,52.

A divergência entre o preço total e o preço que se obtém da multiplicação do número de horas A..... resulta, de uma forma que o júri considera cristalina, do arredondamento do preço/hora proposto pela concorrente G....... Trata-se, por isso, de uma divergência aparente e não real. Ou seja, não existe, de facto, qualquer divergência entre o preço total proposto pela G...... e o preço resultante do produto do número de horas estimado pelo preço/hora proposto por este concorrente. O preço total apresentado corresponde à multiplicação da sua desagregação pelo número de horas estimado.

Nestes termos o júri considera não assistir razão à A....., não existindo razões que o levem a alterar a proposta de adjudicação constante do relatório preliminar.
(FACTO PROVADO POR DOCUMENTO CONSTANTE A FLS DO PA)

4. Em 21 de Março de 2016 é subscrito documento timbrado de F....., IO, denominado de "Proposta de adjudicação", ali constando:

Na sequência do despacho de 18/10/2016 do Conselho Directivo, que autorizou o procedimento em epígrafe, procedeu-se ao concurso ao abrigo do Acordo Quadro ESPAP de licenciamento de software e serviços conexos de 2015,

1- Proposta de Adjudicação

Após as formalidades legais e ao abrigo do estabelecido no nº1 do artigo 122º do CCP, o júri procedeu á aplicação do critério da adjudicação prevista no convite às propostas apresentadas, e propõe a adjudicação da proposta apresentada pelo concorrente G...... M………. - CONCEÇÃO, ……………………………………, S.A, já que a mesma é a melhor classificada em aplicação do critério de adjudicação.

Uma vez que a proposta cumpre com o caderno de encargos, propõe-se que a contratação dos serviços em causa seja adjudicada à empresa supracitada, pelo valor de 199,900/00€ (cento e noventa e nove mil e novecentos euros), acrescido de IVA no valor de 45.977,00€ (quarenta e cinco mil novecentos e setenta o sete euros), perfazendo um total de 245.877,00€ (duzentos e cinco mil oitocentos e setenta e sete euros), com o Cabimento nº13O2, Processo de Compra nº78 e Compromisso nº141O, da Fonte de Financiamento 311, Projecto 5666 e na Rubrica Orçamental 02.02.2OA - Outros trabalhos especializados.


(FACTO PROVADO POR DOCUMENTO CONSTANTE A FLS DO PA)

Consta ainda da sentença recorrida que «Não se apuraram factos alegados relevantes para a boa decisão da causa que devam ser dados como não provados» e a título de fundamentação da matéria de facto que «A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos e dos documentos constantes no PA existente em suporte digital».

*
3- MOTIVAÇÃO DE DIREITO

3.1.- Questão prévia do efeito do recurso

A recorrente veio suscitar uma questão prévia, consistente em o presente recurso ter sido recebido no efeito devolutivo por o tribunal «a quo» como consta do despacho da Mma. Juíza do TAF de Leiria que admitiu o recurso de apelação interposto, mas fixando-lhe efeito devolutivo, tendo, para tanto, invocado o art. 143°, n°2, al. b) do CPTA.
É que, segundo a recorrente, não obstante tratar-se também de processo urgente, os presentes autos consubstanciam uma acção (principal) administrativa urgente de contencioso pré-contratual, não estando, portanto, abrangidos pela disposição contida no art. 143°, n°2, al. b) do CPTA, que apenas se aplica às decisões respeitantes a processos cautelares.
Donde que, terá sido certamente por lapso manifesto que o Tribunal a quo atribuiu efeito devolutivo ao recurso interposto, já que no caso dos autos é evidentemente aplicável a regra geral prevista no art. 143°, n°1 do CPTA, que determina que "os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida".
Requer, por isso, que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso.
Notificada a parte contrária, nada disse.
Como decorre das disposições conjuntas e combinadas dos artºs 641º e 652º, nº1, al. a) do CPC, o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal superior, pelo que nada obsta que se aprecie e decida agora se o efeito do recurso deve ser o suspensivo.
O despacho do juiz recorrido e do próprio relator que admita e declare nada obstar ao conhecimento do recurso, é provisório e não vincula este Tribunal.
E constitui jurisprudência pacífica a de que a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie, ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior (cfr. artº 687º, nº 4 do CPC e, agora, o artº 641º do NCPC), ao passo que o despacho do relator no tribunal superior é também provisório por ser modificável pela conferência por iniciativa do próprio relator, dos seus adjuntos e até das próprias partes (cfr. 652º, nº1, al. a) do NCPC).
Ora, acolhendo-se de pleno os fundamentos invocados pela Recorrente, julga-se procedente a questão prévia por ela suscitada, tal impondo a alteração do efeito fixado ao recurso pela Mª Juíza «a quo» que é o suspensivo, como agora se decreta.

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3.2.- Do mérito do recurso
Como resulta do disposto nos artigos 635º nº 4 e 639º nº 1 do NCPC- sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso- as conclusões da alegação da recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito perante as quais se impõem determinar:
1º- Se houve divergência entre o valor do preço global proposto e o valor decomposto da proposta adjudicada (conclusões 1. a 8.);
2º.-Se a proposta a quem foi adjudicado o contrato propôs preço anormalmente baixo (conclusões 9 a 12.) e
3º.-Se deveria ter sido excluída por força da resposta aos pontos 1º) e 2º) a proposta do adjudicatário (conclusões 13 a 16).
Apreciando, para decidir.
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Reeditando o que já sustentara inicialmente, afirma a Recorrente que há uma divergência entre o valor global proposto no âmbito do procedimento de contratação pública de aquisição de serviços pós-venda - integrações outsystems F....., IP e o seu valor decompostos, argumentando que o cálculo e formação do preço-base fixado assentaram no apuramento do valor/hora para a prestação do serviço pretendido e que no sumário executivo da proposta da adjudicatária constava que ela se compromete a cumprir as obrigações do caderno de encargos, bem como a desenvolver as actividades necessárias para a implementação de todas as integrações, por um preço global de € 199.900, atendendo às 7832 horas, a um preço/hora de € 25,52.
Justifica que o artigo 60º/2 do CCP determina que sempre que na proposta sejam indicados vários preços, caso haja divergência, deve prevalecer os preços parciais unitários, pelo que ao preço unitário hora de € 25,52, as 7832 horas contratadas daria um preço global de €199.872,64, portanto divergente com o preço global que assumiu estar disposto a contratar [€ 199.900].
Dissentindo, as F…….., IP, e G....., sustentam que o réu fixou no caderno de encargos que o preço a pagar pelos serviços objecto do contrato era, nada mais, nada menos, que o mencionado na proposta adjudicada, o que vale por dizer que foi apenas fixado um preço-base e um limiar abaixo do qual se consideraria que os preços apresentados seriam qualificados como anormalmente baixos, nos termos do artigo 115º/3 do CCP e que cada concorrente poderia apresentar de modo diferente o seu preço, o que implicava, muito naturalmente, que a F....., IP pagaria ao adjudicatário a quantia indicada no preço proposto, acrescida de IVA, valor esse que corresponderia ao preço contratual.
Adversamente ao ponto de vista afirmado pela Recorrente a F....., IP defende e a contra-interessada G...... professam o entendimento de que o único atributo sujeito à concorrência foi o preço global, ficando a dita contra-interessada vinculada ao preço de € 199.900.
Ora, dividindo esse valor pelo nº de horas de 7832 apura-se o valor hora de € 25,52349, sendo por essa razão que a contra-interessada o arredondou, operação que não configura uma divergência, sendo-lhe, por isso, inaplicável o artigo 60º/2 do CCP.
A Mª Juíza, começo por tecer algumas considerações gerais de enquadramento do procedimento concursal, explanando que, após a fase da consulta e fornecimento de peças do procedimento, até ao segundo terço do prazo fixado para a apresentação de propostas, o órgão para o efeito indicado no programa de concurso deve proceder à prestação dos esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento - cf. artigo 50º do CCP, esclarecimentos e rectificações esses que são prestados por escrito e devem ser disponibilizados na plataforma electrónica usada pela entidade adjudicante, passando a fazer parte integrante das peças do procedimento.
E, nesse contexto, assinalou a Mª Juíza que não houve qualquer questão neste ponto que tenha sido suscitado pelas partes e que, até ao quinto sexto do prazo fixado para a apresentação de propostas, os interessados têm o ónus de apresentar lista identificando erros e omissões do caderno de encargos, o que implicará uma alteração do caderno de encargos - cf. artigo 61° do CCP, o que também não está em causa.
Concluiu a Mº Juíza, por exclusão de partes, que o que está em causa nos presentes autos não é uma situação de necessidade de compreensão e boa interpretação das peças do procedimento, assim como não é uma situação de existência de erros e omissões do caderno de encargos ["Omissão" corresponde ao trabalho indispensável à execução do contrato, mas que não consta do projecto, já "erro" consiste na incorrecta quantificação no projeto ou no mapa de medições, de um trabalho indispensável à execução da mesma] que digam respeito ao estabelecido nas alíneas a) a c) do nº1 do CCP.
Aditou também que “o conceito legal de esclarecimentos referido no artigo 50º do Código dos Contratos Públicos é o de tornar claro e inteligível o que é obscuro, incongruente ou passível de mais de um sentido, pelo que o âmbito de aplicação desta norma não pretende resolver erros de cálculo e/ou de escrita, grosseiros, mas sim o de clarificar partes das peças do procedimento que estejam obscuras, de difícil inteligibilidade e compreensão.
Quando nos encontramos ao nível das declarações negociais podemos depararmo-nos com vícios da vontade, com divergências entre a vontade e a manifestação, com erros na declaração.
A vontade está na base do ato e ao constituir-se internamente deve seguir um processo psicológico correto sem circunstâncias anómalas.
Todavia, algumas vezes essas circunstâncias anómalas ocorrem e a vontade apresenta vícios de que poderá resultar a invalidade do contrato, isto porque o consentimento em vez de esclarecido e espontâneo apresenta-se defeituosamente conformado.
É sabido que são elementos essenciais dos negócios jurídicos: i) os sujeitos; ii) a declaração da vontade sem anomalias; iii) a capacidade das partes; iv) a legitimidade (relação entre o sujeito e o conteúdo do ato); v) o conteúdo (entrega da coisa, pagamento da coisa); vi) a idoneidade do objeto.
E, podem existir problemas na manifestação da vontade, assim como pode haver divergências entre a vontade propriamente dita e a manifestação da vontade.
As propostas apresentadas pelos candidatos/concorrentes, no âmbito de um procedimento concursal, constituindo declarações negociais, estão sujeitas a interpretação como qualquer declaração de vontade, sendo aplicáveis, na falta de disposição especial nesta matéria, os critérios interpretativos previstos no Código Civil para os negócios formais [cf. artigo 284º/3do CCP].
Ora, nos termos do artigo 249° do Código Civil "...o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias cm que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta...".
O caso dos autos retracta, na verdade, um problema entre a vontade e a manifestação da vontade. Na realidade, dispõe o artigo 249º do CC que o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através de circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta. Tratar-se-á de um erro ostensivo ou de um puro erro material que ressaltará do contexto da declaração, não se enquadrando no regime do "erro" e, em consequência, não estando sujeito aos pressupostos previstos no artigo 247º do CC.
No fundo, estaremos perante os casos de lapsus linguae ou lapsus calami que não envolvem, todavia, divergências entre o declarado e o pretendido, antes se traduzindo em expressões defeituosas, facilmente detectáveis pelas partes.
Pressuposto do artigo 249° do CC citado é que os dois contraentes conheçam a realidade a que foi dada deficiente formulação, ambos tendo nela participado.
Está provado que o compromisso assumido pela contra-interessada foi o de que pretendia prestar o serviço posto a concurso pelo valor global de €199.900 (Factos Provados 1. e 2.), apesar de estar provado que estimava prestar 8832 horas de serviços, a um preço unitário de € 25,52, resultando de simples compreensão que tal resultou de um arredondamento à centésima do valor global proposto de € 199.900 pelo nº de horas estimado de prestação de serviço, uma vez que tal conta aritmética daria um preço unitário hora de € 25.5234934 (Facto Provado 2.).
Portanto, a contra-interessada fê-lo sem confirmar se o arredondamento causaria divergências no valor global pelo qual aceitou prestar o serviço.
Deste modo, ressalta do próprio contexto da declaração o apontado erro de cálculo, sendo o mesmo sanável com recurso à respectiva reificação, nos termos previstos no artigo 249º do CC, cx vi artigo 284º/3 do CCP [cf., em sentido idêntico, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, Almedina, 3ª edição, a págs. 822].
Por isso, tem-se como admissível que a entidade adjudicante proceda à correcção do preço/hora, sanando ou rectificando erros manifestos, de cálculo, de escrita, designadamente os ostensivos como no caso dos presentes autos, nos termos do artigo 249º do CC, sem exigir para o efeito, quer o consentimento prévio, quer o assentimento posterior por parte dos respectivos concorrentes.”
Tendemos a subscrever a transcrita fundamentação referente ao segmento em análise.
Na verdade e como salienta a Recorrente, o art.60°, n°3 do CCP ao determinar uma prevalência absoluta (sempre e para todos os efeitos) dos preços parciais, mais decompostos, sobre o preço global, evita, assim, que qualquer concorrente possa optar por um dos preços indicados, consoante tal lhe seja mais favorável em face do concreto procedimento, em coerência com os princípios fundamentais da igualdade e da concorrência, de que o essencial princípio da intangibilidade das propostas constitui importante refracção.
Mas, de acordo como o demonstrado na sentença, também não restam dúvidas de que esse entendimento comporta a flexibilização em situações, como a dos autos, em que pode fazer-se apelo ao regime geral do art.249° do CC.
Se, do contexto de toda a proposta e das circunstâncias em que foi efectivada, resulta sem margem para dúvidas que existiu, na indicação de um preço unitário, um erro manifesto de cálculo ou de escrita, o júri de um procedimento de ajuste directo ou a entidade adjudicante devem proceder oficiosamente à sua correcção ou permiti-la, abstendo-se de a excluir do procedimento concursal, já que o referido poder/dever se destina a restituir à proposta a sua verdade.
Diga-se que, em regra, o preço base é o preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato e, como tal, o preço contratual, isto é, o preço que consta da proposta e que assume esta natureza com a adjudicação, tem de se conter nos limites do preço base, sob pena de exclusão da proposta – cfr. artºs 70º nº 2 d) e 97º nº 1 CCP.
Como dito, o preço base concursal tem por referência o valor global de todas as prestações objecto do contrato a celebrar, mas pode dar-se o caso de se fixarem apenas preços base unitários, caso em que o preço base corresponderá ao produto desses preços unitários pelas quantidades respectivas constante do (usualmente designado) mapa de quantidades do caderno de encargos, onde vêm descritas as quantidades de cada bem ou tarefa que o adjudicatário prestará para realização do contrato (ver 47º/5 do CCP).
A diferença, nesta hipótese, é que há tantos parâmetros vinculativos da concorrência quanto os preços base unitários, pelo que a violação de qualquer deles constitui causa de exclusão das propostas – mesmo que os outros dela constantes, ficando abaixo do respectivo preço unitário, permitissem compensar a carestia daquele atento o efeito cominado no artº 70 nº 2 b) CCP de exclusão das propostas na hipótese de apresentarem atributos que violem os parâmetros base do caderno de encargos.
Tudo isto para concluir que, nos exactos termos do regime plasmado no CCP, a determinação do preço base total e dos preços base unitários constitui matéria da competência da entidade adjudicante na vertente da conformação das peças do procedimento em sede de caderno de encargos.
É por isso que tendemos a concordar com as recorridas quando sustentam que a solução que defendem e foi sufragada na sentença não colide com os princípios da transparência e da concorrência, nem viola a regra da intangibilidade das propostas.
Vê-se do probatório que a G...... apresentou um preço para a prestação do serviço objecto do contrato a celebrar pelo valor de €199.900,00 para um número total de horas de 7832 e é esse valor que, como reconhece a própria Recorrente, resulta, de forma expressa e clara, em 3 momentos diferentes daquela proposta.
Todavia, ao fazer a divisão do referido valor pelo número de horas e, porque o resultado do mesmo era composto por 14 casas decimais, num juízo de normalidade percebe-se claramente que procedeu ao respectivo arredondamento, de onde resultou um valor de 23,52 do qual derivou que, ao proceder-se à operação inversa (23,52 x 7832), o resultado será, efectivamente, um valor diverso dos referidos €199.900,00 ao qual a G......, efectivamente, se vinculou.
Ora, do contexto da própria declaração e levando em linha de conta o disposto no art°249° do CC, emerge um erro quanto à correcção do preço / hora que, por ser um erro manifesto e ostensivo, legitima a Entidade Adjudicante a adoptar a solução que adoptou operando com o princípio geral de direito consagrado naquele inciso legal e, em conformidade com os princípios da concorrência, da proporcionalidade e da prossecução do interesse público, regentes da contratação pública.
De resto em harmonia com a jurisprudência dominante sobre a matéria e de que dá conta a recorrida G....., de que é representativo o Acórdão do TCA Norte, de 6 de Dezembro de 2013, proferido no proc. n°02363/12.6BELSB, em que se doutrinou que “II. Se a proposta tem um «lapsus calami» ostensivo e se é absolutamente seguro o que, na vez do que aí se escreveu, se pretendera escrever, deve o júri aceitar a retificação da proposta à luz do princípio geral de direito acolhido no referido art.249° do Código Civil, abstendo-se de propor a exclusão dela, sem que isso viole os princípios da estabilidade das propostas ou da concorrência
Pontifica ainda a respeito e em conexão com o princípio da concorrência, o Acórdão do STA de 30 de Setembro de 2009, proferido no processo 0703/2009 em que se expende que "…o principio da concorrência tem como corolário que não sejam excluídos dos procedimentos pré-contratuais interessados em contratar cujas propostas apresentem deficiências que possam ser supridas sem pôr em causa as regras imperativas e os princípios a que devem obedecer os procedimentos administrativos relativos à formação dos contratos públicos".
Donde que se acentue que, na presença de um mero lapso, manifestamente perceptível, como ocorreu no caso vertente, que em nada influi no mérito, seriedade, firmeza e certeza da proposta apresentada, bem andou o Júri ao manter e validar a proposta em homenagem ao princípio da prossecução do interesse público.

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Quanto às questões de saber se a proposta a quem foi adjudicado o contrato propôs preço anormalmente baixo e se deveria ter sido excluída a proposta do adjudicatário:

Em razão do tratamento que deu à 1ª questão, a sentença, em perfeito silogismo lógico entendeu que o contra-interessado não apresentou um preço anormalmente baixo, sendo desnecessário apresentar, como refere o artigo 57º/1, alínea d) do CCP, documento contendo os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo.
Consequentemente, entendeu também que o adjudicatário não deveria ter sido excluído por não ter apresentado preço anormalmente baixo não tendo a G...... que apresentar, com a sua proposta, um documento com os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo por duas ordens de razões: em primeiro lugar, e como já se concluiu, não apresentou um preço anormalmente baixo e, em segundo lugar, e a admitir que o tivesse de fazer, a proposta não podia ser, de imediato, excluída pois era exigível que previamente, lhe fosse dada oportunidade se apresentar tal justificação.
É que, em boa verdade e como refere nas suas contra-alegações, a G...... desconhecia, no momento em que preparou e submeteu a sua proposta, que estaria a apresentar um preço global abaixo do supra aludido limiar, já que, em variadíssimos momentos, referiu, de modo expresso, que o valor global da sua proposta era de € 199.900,00.
Depois, é certo que a exclusão de uma proposta por não conter documento justificativo da apresentação de um preço anormalmente baixo porque, na sua análise, se concluiu que o preço proposto era distinto daquele que a concorrente várias vezes reiterava, resultando dessa diferença a consideração de tal preço como anormalmente baixo, sem antes lhe dar a oportunidade de se pronunciar sobre a justificação de tal preço, constituiria para a concorrente uma decisão surpresa, incompatível com os princípios da boa-fé e da protecção da confiança.
Porém, como ficou demonstrado, o júri, usou da margem de discricionariedade que lhe conferia o n°4 do art°71º do CCP, para admitir propostas de preço anormalmente baixo devidamente justificadas pelo que não pode o Tribunal substituir-se ao júri no exercício de tal discricionariedade, através da condenação da entidade adjudicante à prática de um ato administrativo de sentido e alcance vinculados.
De quanto vem dito decorre a insusceptibilidade de aplicação ao caso dos autos, pelo menos em termos de verosimilhança, da hipótese prevista no artº 60º nº 3 CCP, isto porque, atento o enquadramento resultante das peças do procedimento e pelas razões de direito supra expostas, não se evidenciam divergências ou contradições no preço global fixado e na abertura à concorrência da respectiva decomposição em preços parcelares e unitários por espécies de trabalhos especificados nas peças do procedimento e necessários à execução do contrato

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3. -DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul:
a)- Fixar ao recurso o efeito suspensivo;
b)- No mais, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

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Lisboa,15 de Dezembro de 2016

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[José Gomes Correia]
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[António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos]
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Pedro José Marchão Marques]